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Diálogos com a literatura
Diálogos com a literatura
“O que faz de um texto literatura é o tratamento que a ele se dá”, explicam Cinara Ferreira Pavani e Maria Luíza Bonorino Machado, em seu livro Criatividade: atividades de criação literária. 7 “Uma mesma frase pode expressar o que suas palavras indicam, literalmente, ou ir além, sugerindo significados que exigem um ato interpretativo por parte do leitor.”
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Para reforçar a diferença entre textos literários e não literários, citemos outro exemplo de texto literário sobre o mesmo tema. O cartunista Keiji Nakazawa, nascido em Hiroshima e também sobrevivente – ele tinha 6 anos quando a bomba foi lançada sobre a cidade –, optou pelo formato de história em quadrinhos para contar sua autobiografia. O resultado foi uma série de HQs intitulada Gen: pés descalços. 8 Nela, Gen (pronuncia-se “guen”) é um menino de 7 anos que, após perder o pai e dois irmãos na explosão, precisa cuidar da mãe e da irmã recém-nascida. Apesar do assunto sério, há espaço para humor, críticas político-sociais e esperança.
No caso de A última mensagem de Hiroshima, a escolha do autor foi a produção de um texto em prosa que, ao utilizar o gênero autobiografia, mesclou seus relatos com opiniões e sentimentos, antigos e recentes.
Para finalizar a contextualização da classificação da obra como autobiografia, nota-se a presença do caderno de fotos, com muitas imagens de arquivo pessoal do autor, como da época em que contribuiu com o serviço militar e os primeiros anos de seu casamento.
7 Porto Alegre: UFRGS Editora, 2003, p. 15. 8 São Paulo: Conrad, 2011.
Portanto, ao compartilhar sua experiência, o senhor Takashi Morita não só nos deu impressões detalhadas sobre um dos episódios mais lamentáveis da história da humanidade como também forneceu valiosas lições sobre resiliência, empatia e perdão nesta autobiografia imprescindível aos dias atuais.
A trama incentiva o leitor a se colocar no lugar do outro, a conhecer seu ponto de vista e suas motivações. Ao transformar o leitor em coautor por intermédio da leitura, proporciona a visão de outras realidades, da compreensão do passado para se entender o presente e projetar o futuro. Incentiva ainda a imaginação e a criatividade e auxilia na ampliação de vocabulário e na construção de conhecimentos variados.
Existe também a presença de questões atemporais nas entrelinhas da obra, como violência, guerra, resistência e imigração, o que fornece elementos para uma reflexão mais do que necessária sobre a atualidade. Afinal, como defendeu o antropólogo e filósofo Edgar Morin, a literatura nos oferece antenas para entrar no mundo.
Agosto de 1945. Ninguém poderia prever, mas foi neste mês que a vida de inúmeros japoneses – e das gerações subsequentes – mudaria para sempre. As consequências da bomba atômica foram devastadoras, e não apenas no que diz respeito à saúde daqueles que se encontravam nas imediações do epicentro, como é o caso do senhor Takashi Morita, que exercia o ofício de soldado na época. Para além das numerosas enfermidades oriundas da intensa radiação emitida em Hiroshima e em Nagasaki, os atingidos pelas bombas sofreram muita discriminação, principalmente pelo fato de as consequências da radiação para os sobreviventes e seus descendentes serem ainda uma incógnita. Após sofrer situações tão devastadoras como as que o senhor Morita viveu, muitos de nós provavelmente sucumbiríamos ao rancor. A sabedoria, no entanto, com a qual ele enfrentou suas memórias mais sombrias é inspiradora. O perdão, a compreensão, a empatia e todos os laços e fortalezas construídos em detrimento de um passado que é impossível de esquecer são lições que o senhor Morita, agora um comerciante de 96 anos que vive no Brasil, visa nos ensinar neste emocionante relato.
ISBN 978-85-503-0502-8
9 788550 305028