3 minute read

Epílogo

SÃO GONÇALO DO SAPUCAÍ, FEVEREIRO DE 1793

Chovia. A noite foi tempestuosa, e os ventos sacudiam as vidraças das janelas com violência. Certo furor da natureza quando ondas, energias e força se desencontram e querem resolver o fenômeno: a tempestade.

Advertisement

Bárbara não conseguiu adormecer durante toda a noite. Sob a luz da lamparina, com os olhos voltados para a janela contígua à cama, observava os galhos das árvores se contorcendo, os ramos voando, os clarões vertiginosos e o estrondear dos trovões.

A tempestade, em vez de deixá-la inquieta ou angustiada, sossegou-lhe. Seu ânimo aninhou-se em bons pensamentos e afloraram também os sentimentos puros, isentos de malícias ou malquerenças.

A mulher, ainda jovem em anos, acalentava no espírito as certezas de uma boa vida: pôde ter um marido bom, trabalhador e pai.

Sim, Alvarenga mostrou-se garantido em suas ambições, quando deixou a magistratura para trabalhar com a lavoura e a mineração, não agira com despreparo ou irresponsabilidade, mas dentre os vários fatores de falências e endividamentos encontramos a Colônia, que devia sempre altos impostos à Coroa portuguesa.

Bárbara estava só, mas acompanhada pelas lembranças do poeta que, em saraus e encontros, mostrava seus versos e sonetos ao lado de Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga.

Ela participou indiretamente dos encontros e reuniões dos inconfidentes. Acreditava nas propostas e incentivou a participação do marido.

As propostas e ideias eram verdadeiramente voltadas para o bem de uma sociedade que não mais se enxergava sob o domínio estrangeiro, sob articulações e dispositivos europeus que não compreendiam a realidade comercial, financeira e cultural da Colônia brasileira.

Quando abriu os grandes olhos pretos, mal descansada, com dores no corpo e na cabeça, Bárbara estava envelhecida. Olheiras profundas sulcavam a região dos olhos.

Despertou, ergueu-se resoluta e, com os gestos certos, chamou Ana com voz boa, voz segura, sem tom de choro, mágoa.

Ana assomou à porta com mãos seguras à frente, apreensiva. – Que foi, Bárbara? Está se sentindo mal? Quer alguma coisa? – perguntou Ana, solícita. – Não, estou bem. Troque de roupa, logo me apronto. Vamos sair! – disse, seca. – Sair? Para onde vamos com esta chuva? – preocupou-se a irmã. – Vamos, Ana, nada de perguntas. Estou bem, quero sair daqui um pouco… – disse, calma. – Bem, vamos visitar alguém? – … – Bárbara?

– …

Ana retirou-se meneando a cabeça: – Meu Deus, me ajude – murmurou desalentada.

Bárbara prosseguiu silenciosa e falando sozinha, ora cantarolando, ora assoviando, examinando saias e vestidos. Pediu que aprontassem a carruagem e meia hora depois estava na varanda, de pé, esperando a irmã.

Toinho chegou sorridente com a carruagem pronta e acenou-lhe. Ela correspondeu.

“Ele era amigo do Inácio. Um negro familiarizado com o seu senhor. José gostava muito dele!”, pensou Bárbara e então sorriu, e o seu sorriso abriu a beleza guardada e ressentida.

Ana aproximou-se ainda apreensiva. – Aonde vamos, Bárbara? Quero saber – exigiu.

Bárbara deu-lhe a mão para descerem os poucos degraus e respondeu serenamente. – Vamos ao campo prestar homenagem ao José – disse e, com rapidez, entrou na carruagem e se sentou. – Campo…? – Sim. Como morreu longe de mim e prezava deveras o campo, as flores das Minas Gerais, vou ao melhor campo, à mais bonita paisagem, para prestar-lhe homenagem! – disse confiante.

Ana apenas olhava a irmã, comovida. – Vamos, então, é hora! – animou-se.

A chuva não dava trégua, mas as duas irmãs permaneciam de mãos dadas, unidas, amigas na dor. – O lugar é bonito? – quis saber Ana. – Sim, é bonito. Ele me acompanhava sempre!

– A chuva não vai atrapalhar? – Não, não, querida. A chuva agora me encanta! – Vamos colher flores como antigamente? – Ana voltou-se para a irmã, feliz. – Claro, ficaremos encharcadas como ficávamos quando crianças, não é mesmo?

E olhando para a frente, sorridentes, deixaram-se levar pela carruagem. – Vamos! Força, Toinho. Queremos chegar logo! – gritaram juntas.

This article is from: