LEIA trecho do livro Sinhá Rosa - Maurinete Lima

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sinha rosa

poemas de

Maurinete Lima


Maurinete Lima é a poeta da visão fina e pontiaguda. Veludo e aspereza que tudo une e separa. Urdidura e trama, estrela e constelação, um único gesto poético. Espírito e matéria, recorte e costura, som e silêncio é o que leremos em cada linha de Sinhá Rosa, o emblema monumental dessa poesia plena de uma beleza desconhecida e totalmente livre de vaidade. Como tudo o que é falado, assim é o que é escrito por Maurinete Lima. Cada linha desse Sinhá Rosa nos faz saber da escuridão como aliada. Nessa aliança, a escuridão é também o fio de prata a amarrar poemas e, neles, o leitor. É nesse estado que somos enviados à vida, ao mais próximo no que há de mais longe, às alteridades imediatas, aos tempos ocultos contidos no tempo presente. Sinhá Rosa é todo a imagem do que nos falta conhecer, o rosto do imponderável: matéria dos versos de Maurinete Lima, Maria do Quilombo, criptógrafa, arquivista e tudo o mais. A escuridão é ainda a tesoura que tudo abre. Alinhavo em versos a descosturar as ideias mais aceitas. Suas palavras nos levam pelos olhos a um tempo de

atenções perdidas. Na atenção que se arma, velas erguidas de um navio, a poesia é tecido usado, é do tempo que se foi, e é tecido novo do tempo do agora. Guardado no fundo de um baú que se há de abrir como a um pedido que não necessariamente se atende. Leremos Maurinete Lima convencidos de que a atenção nos justifica, de que a perdemos, mas é possível reinventá-la. Parar e puramente observar pessoas e animais, materialidades e sentidos indisponíveis, é um aprendizado urgente. A poeta é a mestra. Ela nos conduz ao seu tempo e, assim, nos devolve a nós mesmos prontos, quem sabe agora, para os estados não catalogáveis do ser. Márcia Tiburi Maurinete Lima nasceu em 1942 em Recife. Socióloga, poeta, ativista. Professora aposentada da UFRN. Mestra pela USP e técnica da SUDENE. Fundadora da Frente 3 de Fevereiro. Em 2013, começou a frequentar saraus e a escrever Sinhá Rosa. Atualmente atua no movimento feminista interseccional.


Não sou o que você pensa, nem sou o que você pensa que sou. Daí não vou deixar mais uma vez o seu olhar me moldar, um olhar que raramente consegue me enxergar. Sou dessas mulheres saídas de lugares que você custa acreditar. Maurinete Lima

A poeta é a mestra. Ela nos conduz ao seu tempo e nos devolve a nós mesmos. Márcia Tiburi Espero que este livro inspire mais e mais mulheres a lerem autoras negras. Roberta Estrela D'Alva A mais poderosa obra de poesia contemporânea brasileira. Élida Lima PRÊMIO CAROLINA DE JESUS

9 788566 129366



sinha rosa

poemas de

Maurinete Lima

2017


Edição e organização: Élida Lima Projeto gráfico: Daniel Lima Revisão: Helena Bittencourt Foto de capa: Leonardo Rogerio

Lima, Maurinete, 1942 L732s

Sinhá Rosa / Maurinete Lima; Organizadora Élida Lima; Projeto gráfico Daniel Lima. – São Paulo: Invisíveis Produções, 2017. 142 p.

ISBN: 978-85-66129-04-5

Inclui biografia 1. Literatura brasileira. 2. Poesia 3. Reminiscências. I. Título. CDD 869.1 869.10934

Todos os direitos desta edição reservados à Invisíveis Produções São Paulo, 2017


SUMÁRIO

Apresentação A poeta que mergulha o lápis nas trevas do presente por Élida Lima

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Prefácio Uma voz de gerações por Flávia Rocha

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Recifes Sinhá Rosa Aldeia De que terra sou Quero decifrar-te, Recife Ruas para arruar Sobre o meu rio Capibaribe Recife Lugares Isindar para Luiza Frutas e pregões da infância Micropoema sobre Recife Marias Garapa Histórias ou poesia

16 18 19 21 23 26 27 28 29 30 34 35 39 41


Brasis Medo e sua trajetória Para os anais de maio Medo Vadiar Mulheres País sem rima Breviário para os jovens Falando de Ts Piscina Brasil, país das perdas Tempos Tempo A vida Radiografia de um coração Há uma índia em meu caminho Arquivista Alinhavos e aviamentos Miguel Salvador Os grilhões Viver O reflexo do meu rosto Meu anel Choro Deixe-me dormir Tristeza Vai, agosto A fala dos cemitérios

43 44 47 49 50 52 56 57 58 59

63 64 66 67 69 71 72 74 76 78 79 81 82 84 86 87


Solidão Silêncio O tempo Sobre o ato de pensar Hoje A sala O cão de agora Edith com TH Migrantes O instante Dualidade Figurações dos quatro elementos Uma mulher Lua cheia Acordar Ocupação de desocupação Besteira Recriações Os lados têm trajetórias Pedidos Versos pra que versos Versos pra que versos Aurora Desalinho para alinhar Cotovia Palavras Rimas

88 90 91 93 94 95 96 97

100 101 103 104 105 106 108 109 111 112 114

117 119 120 121 122 123


Sair Recado O gato O silêncio de Tainá A rua Cafofos Criptografar A invenção da escuta

124 125 126 128 130 131 132 133

Posfácio Histórias ou poesia? por Roberta Estrela D'Alva

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Biografia Uma biografia afetiva por Eugênio Lima

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A POETA QUE MERGULHA O LÁPIS NAS TREVAS DO PRESENTE por Élida Lima

Gosto de todas as pessoas que mergulham. Qualquer peixe pode nadar perto da superfície, mas é preciso ser uma grande baleia para descer a cinco milhas ou mais. Desde o começo do mundo, as mergulhadoras do pensamento voltam à superfície com os olhos injetados de sangue. Herman Melville

Poesia contemporânea. Essa, talvez, a insistência que levou Maurinete Lima à teimosia de que eu fosse sua editora neste livro. Os poemas que Maurinete rascunhava a lápis em seu caderno e depois arrumava, a gestos, nos saraus de poesia, revelavam a mais poderosa obra de poesia contemporânea brasileira, eu lhe dizia, entre tantas fãs que a encorajavam a publicar seus escritos. Quando Márcia Tiburi me pediu a indicação de uma poeta contemporânea para uma coletânea de escritoras brasileiras organizada por Flávia Rocha nos Estados Unidos, esforçava-me para submergir das 53 mensagens de e-mail espaçadas de abril a dezembro de 2016 com os poemas que compõem essa obra e organizá-los de maneira a dar a ver a extravagante contemporaneidade do conjunto. Conhecer uma poeta é sempre da ordem de um acontecimento mágico, mas editar este livro foi ter a chance de conhecer os poemas conhecendo a si mesmos, 7


reconhecendo seus ritmos vitais, realizando sua portentosa mágica contemporânea. Digo contemporânea como dita por Agambem e por mim modificada: “contemporânea é justamente aquela que é capaz de escrever mergulhando o lápis nas trevas do presente”. Como dita por Flávia Rocha, ao se deparar em Sinhá Rosa e em O medo e sua trajetória com o que procurava, algo “além dos reflexos distorcidos da poesia contemporânea”. É assim que Maurinete é a mais contemporânea de nós e há mais tempo. A poeta acessa um inacessível do presente. A poeta habita outros ritmos, profundidades, superfícies, infâncias e passagens. Habita dobras. Hoje cria e nos entrega suas obras forjadas pelas dobras. Sinhá Rosa inaugura uma espécie de seara ancestral da poesia, essa treva que emerge para cegar e fazer ver. O livro de poesia com a mais atualizada perspectiva histórica no Brasil. Atualizada: anticolonial e futurista. Maurinete explica: a poesia tem dado mais conta do que a sociologia. Durante os meses de edição, proliferam-se confluências. Maurinete Lima ganha dois troféus na FLUPP 2016: terceiro lugar no campeonato nacional de poesia falada e o prêmio Carolina Maria de Jesus, oferecido a mulheres negras que realizam relevantes trabalhos sociais. Women Writing Brazil frutifica e dois poemas são traduzidos para o inglês antes mesmo de serem publicados no Brasil. Enquanto isso, os versos de Sinhá Rosa se agrupam como que eles próprios em cinco capítulos: Recifes, Brasis, Tempos, 8


Migrantes e Versos pra que versos, nós sensíveis de um país tão cantado. Aliados ocupam o livro organicamente. Flávia encontra a que buscava e logo a posiciona entre importantes poetas; Márcia fez a ponte e compõe um surf virtuoso e poético; Roberta, estrela que acompanha a trajetória, demonstra como a obra começou nos palcos e muito antes; Eugênio, filho e parceiro de slam, faz ver toda a vitalidade e a movência da poeta. Finalmente, o livro tem a felicidade de ser publicado pela Invisíveis Produções e ganhar contorno pelas mãos do filho e artista Daniel. Eu, Élida, participo com atentos ouvidos de editora, aprendiz e cúmplice. Muitas aliadas atuam com seus afetos. Nas ressonâncias, Sinhá Rosa brota da terra feito raiz de poder, na hora certa, no tempo das revoluções. Poeta, socióloga, feminista, ativista, mãe, avó, tia, sogra, amiga, referência. Em cada faceta, Maurinete vive em busca de uma voz capaz de atravessar nevoeiros. É dos nossos dias e é cósmica. Desfrute, mas prepare o peito, leitora, leitor, que afortunadamente é contemporânea, contemporâneo, desse exemplar de assombroso frescor estético e avassalador empreendimento político. Aqui é perigoso.

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SINHÁ ROSA poemas


Aos meus filhos, Eugênio, Mariana e Daniel, e aos meus netos, Valentina, Miguel, Aurora, Leon e Jorge. À Edith, Ulysses e Ninon, o começo de tudo.

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RECIFES


Sinhá Rosa Sinhá Rosa, mulher negra, muito negra, velha, sim, mas vigorosa, que a todos afrontava com seu afiado facão quem lhe faltava com respeito. Não ligada a santos nem altar, e pela força de seu poder eras Sinhá sem nunca teres sido Sinhazinha. De dia, eras dona da cozinha onde ninguém ousava entrar sem a tua permissão. De noite, sentada na varanda da casa, tendo a escuridão como aliada, eras dona das histórias e memórias onde fadas, príncipes e palácios não tinham lugar. Tuas histórias, Sinhá, eram povoadas de cobras mágicas e gigantes que seguiam os funerais daqueles que atacavam, ou o espírito de uma astuta cabocla de nome Comadre Fulozinha. Não confunda com florzinha, ora zombeteira, 16


ora malvada, ou até prestimosa. Conta a lenda que com seus longos cabelos cortava todos aqueles que adentravam na mata sem lhe trazer de presente mel e fumo que ela, comadre, tanto gostava. Conhecida também pelo assovio a confundir sua real posição, se bem baixinho estava distante, se bem alto estava perto. Hoje ressoam em meus ouvidos e abarcam na minha mente tempos longínquos que ficaram para trás. E vejo que esta temida senhora de nome Rosa só queria nos transmitir, na sua oralidade, mitos e lendas que paginam a história dos nossos ancestrais. E nós, crianças assustadas, não podíamos entender que estávamos diante da própria lenda. De nome de Brasil Imperial, a única Sinhá Rosa, sem nunca ter sido sinhazinha! E, tardiamente, eu, uma daquelas crianças assustadas, rendo loas e broas a você, Sinhá Rosa! 17


Aldeia Só agora que comecei a escrever a minha aldeia, a minha aldeia vive perto de mim, a minha aldeia está dentro de mim. Fecho os olhos, tampo os ouvidos e escuto a minha aldeia. A minha aldeia não sai de mim, ela é a minha cicatriz tatuada.

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Invisíveis Produções é um centro de criação, ação e reflexão que trabalha na intersecção entre arte e política. A Invisíveis Produções opera de forma autônoma, transversal e horizontal. Autônoma na maneira de movimentar-se, criando diferentes diagramas e vínculos institucionais sustentando sua independência de pensamento. Transversal na maneira de coletar e reunir uma reserva crítica de vozes dissonantes. Horizontal na forma de produzir e compartilhar livremente o conhecimento em livros, filmes e projetos culturais.


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