E que tal se colaborássemos? Conferência Internacional 30 e 31 de janeiro de 2018 Atas da conferência
E que tal se colaborássemos? Conferência Internacional 30 e 31 de janeiro de 2018 Atas da Conferência
E que tal se colaborássemos?
Edição: Forum para a Governação Integrada Texto: Vários Design Gráfico: Inês Laureano 1º edição setembro de 2018 Secretariado Executivo do Forum para a Governação Integrada Travessa das Pedras Negras nº1 4º andar 1100-404 Lisboa www.forumgovernacaointegrada.pt
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E que tal se colaborássemos?
Índice
Nota de Abertura - Rui Marques
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Conferência Internacional
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What if we cooperated? The Multilevel / Multiscale Perspective
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Los Desafios de la Evaluación de Impacto Social en la Unión Europea
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What if we Collaborated? The Role of Systems Leadership
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O Poder da Colaboração: uma perspetiva a partir do Brasil
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A Confiança como Oxigénio da Colaboração
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Relatórios dos Grupos de Trabalho do Forum para a Governação Integrada
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Participação e Abordagens Colaborativas
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Envelhecimento e Envelhecimento/Políticas Integradas para a Longevidade
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Ruído Ambiente
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Violência de Género e Familiar
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Documento de Trabalho: Eu conto!
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E que tal se colaborássemos?
Nota de Abertura Rui Marques Coordenador do Forum GovInt
Pelo quarto ano consecutivo, o Forum para a Governação Integrada (Forum GovInt), realizou a sua Conferência Internacional em Lisboa, que mobilizou, uma vez mais, centenas de participantes de todo o país, que constituem já uma relevante comunidade de prática consolidada ao longo dos anos. Esta dinâmica visou promover um espaço de reflexão e partilha entre profissionais, académicos e políticos para a promoção de uma cultura organizacional de colaboração, em contexto de complexidade. Nesta edição, o título assumiu-se conscientemente como provocatório – “E que tal se colaborássemos?” – desafiando cada um de nós a ousar sonhar como seria diferente a abordagem aos problemas complexos se conseguíssemos tirar partido da vantagem colaborativa. A atualidade informativa dos últimos meses evidenciou, com grande destaque, alguns problemas complexos, de gestão muito difícil. Em todos eles, resulta claro que falharam os mecanismos de colaboração que poderiam ter evitado ou minimizado os efeitos negativos. Coloca-se, pois, o desafio de refletir sobre como a governação integrada, baseada em redes colaborativas, pode contribuir para uma abordagem mais eficaz a estas problemáticas (incêndios florestais, terrorismo internacional, alterações climáticas, crises migratórias, são alguns dos exemplos). Efetivamente, a complexidade e a fragmentação dos nossos dias exigem a capacidade de responder através do incremento da colaboração interorganizacional. Só as redes colaborativas, capazes de gerar governação integrada, multinível e multissetorial, poderão ter maior eficácia e maior eficiência na gestão de problemas complexos. Mas colaborar não é fácil. “Silos” e “egos”, ou a repartição de poder e de orçamento, são obstáculos sempre presentes. Ainda assim, importa desafiar os cidadãos e as organizações para essa dinâmica. Reforçar a cultura colaborativa na sociedade portuguesa é, em última análise, a principal missão do Forum GovInt. Sendo consequentes com essa missão, também nesta Conferência Internacional lançámos o desafio para que 2019 possa ser o Ano Nacional da Colaboração, enquanto iniciativa promovida pelo Forum GovInt e pelos seus promotores, que pretende mobilizar e inspirar a sociedade portuguesa para a relevância estratégica da colaboração, através de uma dinâmica descentralizada e colaborativa. “Colaborar faz toda a diferença” será o lema que nos mobilizará nessa jornada.
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Neste caminho, o apoio da Câmara Municipal de Lisboa, da Fundação Montepio, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, da CIG - Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, da Fundação de Nossa Senhora do Bom Sucesso, bem como de outros municípios, como Odemira ou Santarém, e outras entidades públicas e privadas do nosso país, deve ser referido e agradecido. Sem eles não seria possível mobilizar o país para este desígnio. A publicação de alguns dos textos que deram base às intervenções desta IVª Conferência Internacional serve para tornar presente toda a reflexão produzida nessa ocasião, de forma a que possa ser útil para o futuro, inspirando todos os promotores da cultura colaborativa e ajudando-os a ir mais longe. O desafio de continuar a promover a governação integrada como “um processo sustentável para construir, desenvolver e manter relações interorganizacionais de colaboração, para gerir problemas complexos, com maior eficácia e maior eficiência” continuará a mobilizar-nos para que Portugal possa ser capaz de enfrentar com sucesso os enormes desafios que tem diante de si. Contamos também consigo para essa missão.
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ConferĂŞncia Internacional
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What if we cooperated? The Multilevel / Multiscale Perspective Dr. Dorothée Allain-Dupré Head of Unit, Centre for Entrepreneurship (CFE – OCDE)
Introduction • Cooperation is imperative to address today’s challenges – such as international terrorism, climate change, migratory crises, all of which cut across traditional sectoral policies. They also cut across different levels of government – from the supranational to the local levels. • “Cooperation” is very easy to say and recommend, it is much more difficult to achieve in practice – because of unclear gains, transaction costs, asymmetries of information, and risks of free riding. • Let me dig deeper into this multi-level dimension by focusing on the vertical cooperation (supra, national, regional, local) as well as horizontal cooperation (across juridictions): why it is essential for national and local development, why it is difficult, what are good practices and what recommendations we can make in this field.
I. To understand why cooperation with subnational governments is essential, we need to go back to the facts • Subnational governments are key economic and social players in the OECD and around the world. • In a majority of countries, almost all responsibilities for public policies – apart from defence or monetary policy – are shared to one degree or another. • SNGs play a major role in public policies like transport, education, health, economic development, culture, etc. • Municipalities and regions combined are responsible for 40% of total public spending on average in the OECD, and 60% of public investment. • In Portugal, municipalities and autonomous regions are responsible for 12% of public expenditure and 42% of public investment. The main areas of subnational spending are general services (administration), economic affairs and transport and education. • The role of subnational governments has tended to increase in OECD countries, in particular since the 1970s; and there have been 2 particular notable trends:
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› The role of regions has strengthened. In a database measuring the power (“authority”) of regions, 52 out of 81 countries experienced an increase in the authority of regions and only nine experienced a net decline; › The role of metropolitan areas has recently increased in a number of countries (this is the case in France, Italy, the Netherlands, or in the United Kingdom ). • But we should not oversimplify. These decentralisation trends do not mean automatically increased subnational fiscal autonomy. In many countries, grants transferred from the CG to SNGs have increased since the 1970s –increasing their dependence on the centre. Performance monitoring of subnational governments by the central level and fiscal control over budget (local spending) and debt have also increased, especially since the crisis. • So we are speaking here of a mutual dependence between municipalities, regions and the central government – rather than a clear cut separation of roles. • This dependence requires effective cooperation mechanisms [across sectors, levels of gvt and jurisdictions], to align priorities, co-finance policies, design policies at the right scale, adapted to local needs, as well as to involve SNGs in the overall governance of public finance to develop fiscal responsibility, etc. • But this cooperation never occurs spontaneously! Unfortunately, there is no invisible hand that will foster cooperation when it is needed, and often the gains of coordination are not clearly perceived, whereas the transactions costs associated with it are obstacles. The capacity to implement a co-operative strategy may also be lacking. • In a multi-level environment, different types of coordination gaps can impede the effectiveness of public policies, let me quote a few examples: › Unclear assignment of responsibilities (information gap); › Unfunded mandates; › Contradiction across national and subnational policy objectives; › Lack of cooperation at the relevant functional scale. • Mechanisms for cooperation thus need to be built with adequate incentives.
II. What are the trends and good practices from OECD countries? • Although challenges are important, most OECD countries have strengthened their MLG arrangements in the past 2 decades, often in parallel with a greater focus on place-based territorial development. • The EU has also been a strong driver of this multi-level governance approach. Since the crisis, we have seen the emergence of intergovernmental policy fora to deal with intergovernmental finance, and also with territorial development more broadly. • In Portugal, for example, the government established a new permanent Council for Territorial Dialogue in March 2015, chaired by the Prime Minister.
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• Today, 11 countries in the OECD have some types of vertical coordination mechanisms for investment for regional development. • In Sweden, a forum involving municipalities, counties and the national government has been institutionalised. It meets twice a year and discusses the priorities for territorial development and investment. • In Australia, a similar type of vertical coordination platform exists, with strong decision-making authority (COAG). • Many countries – including Portugal – have implemented governance instruments such as contracts across levels of government, to facilitate dialogue and coordination. • All of these different types of cooperation arrangements – platforms of dialogue, fiscal incentives, contracts, etc. – help align priorities and build trust. • But cooperation needs go well beyond vertical (national-subnational) relations. • In particular, cooperation across municipalities is essential to achieve economies of scale and invest at the relevant scale for example. This is still a big challenge in most OECD countries. • For example, the metropolitan area of Paris-Ile de France has more than 1,100 municipalities, with until recently no mechanism of coordination at the functional scale. This has very concrete consequences for people who live there – for example a lack of transport connections across municipalities in the suburbs. • The OECD work has shown that administrative fragmentation is correlated with (6%) lower city productivity (and higher spagtial segregation). • But here again, OECD countries have moved toward greater cooperation across municipalities. 17 countries have financial incentives to stimulate horizontal cooperation across municipalities. • Increased coordination across municipalities has particularly taken place at the metropolitan level. For example 15 new metro structures have been created in OECD countries between 2011 and 2013 • Of course cooperative governance is also about involving citizens and private actors in public policies – and not only at the final implementation stage, but at the early stage of design…
III. What are the lessons and recommendations to build effective cooperation mechanisms • What are the main messages to retain on enhancing multi-level governance (MLG) systems? • The OECD/RDPC has set standards on effective MLG for public investment. More recently, the OECD has also issued some guidelines to make decentralisation work. • Some of the key messages are the following: › There is no one size fits all approach to decentralisation and MLG systems are context dependent;
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› For MLG to work properly, a first step is to clarify how responsibilities are assigned: while inevitably most responsibilities are shared across levels of government, it is crucial to ensure adequate clarity and mutual understanding of the role of each level of government in the different policy areas to avoid duplication, waste, and loss of accountability; › The way the different sectors are decentralised matters: Balanced decentralisation – i.e. when the various policy areas are decentralised to a similar extent – is conducive to growth. So decentralisation should not be just in 1 sector – transport – and not at all for the others; › Decentralisation needs to be accompanied by proper cooperation arrangements – vertical & horizontal – There should not be too many different instances of coordination, but they should be associated with real decision-making authority; › It is important to allow for pilot experiences in specific places/regions – and permanent adjustments through learning-by-doing; › It is important to allow the possibility for asymmetric decentralisation, in which differentiated sets of responsibilities are given to different types of regions/cities, based on population size, urban/rural classification or fiscal capacity criteria. In Portugal, there is an asymmetric organisation with two autonomous regions; › In OECD countries, the trend toward asymmetry has accelerated in the past two decades, in particular for metropolitan areas. I look forward to the discussions today and thank you very much for your attention.
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Los Desafios de la Evaluación de Impacto Social en la Unión Europea Doctora Mercedes Valcárcel Dueñas Doctora en Ciencias Económicas y Empresariales Directora General de la Fundación Tomillo
Evaluación y Valoración de Programas y Proyectos La economía es, desde los economistas clásicos, una ciencia social cuyo objetivo último es la satisfacción de las necesidades humanas. Así, ya el Premio Nobel John R. Hicks definía la producción como “la actividad dirigida a la satisfacción de necesidades ajenas a través del cambio”. En general, para esta satisfacción de necesidades, la actividad consiste en la elaboración de productos y prestación de servicios que se intercambian por otros o por su “valor monetario” en el mercado. Dado que estos productos y servicios se intercambian en el mercado, es éste el que fija el criterio de valoración de los mismos. Sobre esta base de lo que es producto o servicio, la contabilidad mide y cuantifica utilizando el criterio del precio de mercado. Este sistema dificulta notablemente la cuantificación del valor de los resultados sociales obtenidos con nuestras actuaciones, actividades, proyectos o programas. La metodología de la contabilidad y la valoración financiera de los proyectos está diseñada para captar una realidad que escapa, en gran parte, a la propia esencia de los proyectos sociales de ámbito cultural, medioambiental, educativo o asistencial. Estos proyectos están orientados a satisfacer necesidades que no siempre son ajenas al mercado en sentido estricto, pero que tienen un marcado carácter colectivo, muchas veces ofreciendo bienes o servicios sin precio. En un mercado competitivo el análisis y la evaluación es fundamental para la toma de decisiones y para el seguimiento de los resultados que las mismas producen. Además la retroalimentación que esta información permite sobre los resultados de las actuaciones realizadas es crítica para la toma de decisiones futura. En un entorno de recursos escasos o, al menos, no ilimitados, las decisiones de inversión en proyectos o distribución de fondos entre programas tienen una gran importancia. De ellas dependerá el éxito de la entidad decisora. En el sector privado, históricamente se han venido aplicando sistemas de evaluación y seguimiento de las decisiones de inversión en nuevos proyectos con el objetivo de maximizar el
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valor para el accionista o el inversor. El análisis financiero basado en ratios, proporciones y métodos como el descuento de flujos de caja, es el habitual en la evaluación de los proyectos abordados por este sector. En el caso de proyectos públicos o sociales ¿qué objetivos persiguen el Sector Público y el Tercer Sector? Para hablar en términos comparables, deberíamos decir que su finalidad es la provisión de bienes públicos con el mayor nivel de eficiencia económica y social posible. Una actividad produce un bien público si es suficientemente elevado el número de personas que disfrutan del beneficio externo que genera, es decir su consumo es “no rival” y “no exclusivo”. En un mercado competitivo las externalidades aparecen cuando un individuo o una empresa lleva a cabo una actividad, pero o bien no soporta todos los costes asociados (su coste marginal es menor que el coste marginal social de dicha actividad) o bien no obtiene todos los beneficios potenciales (su beneficio marginal es menor que el beneficio marginal social que produce). Al definir bien público como una externalidad positiva de la que se benefician un número de personas suficientemente grande, resulta claro que la provisión suficiente de bienes públicos es un factor importante para el bienestar social. Hay distintos tipos de bienes públicos que no pueden ser producidos en cantidad suficiente por el sistema de mercado dada la existencia de fallos del mercado. En estos casos la intervención del sector público, y de la economía social y el tercer sector en la parte que éste no sea capaz de asumir, es importante. En este ámbito los sistemas de medición del bienestar social y de la eficiencia pública son críticos ya que son los que nos aportan los elementos para decidir qué programas seguir y, posteriormente, evaluar sus resultados. La evaluación añadida a la planificación permite dar un paso desde la lógica técnico-económica a la moral equidistributiva. Además, el control y el seguimiento de la eficiencia de los recursos es clave para conocer si su mejor utilización podría permitir atender, sin incrementos ni desequilibrios presupuestarios, otras necesidades sociales. La aplicación de la evaluación como técnica de análisis de políticas públicas tiene su origen en los programas de educación y formación profesional y en los programas de salud pública para reducir la mortalidad de enfermedades infecciosas de los años 30. Tras la Segunda Guerra Mundial se generalizó su aplicación dada la necesidad de evaluar la repercusión de los programas de bienestar social. Así, a finales de los años 50, la evaluación de programas estaba totalmente consolidada en Estados Unidos y comenzaba a aplicarse en Europa.
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Esta evolución histórica se ha debido, entre otros, a los siguientes factores (Osuna et al, 2000): el cambio ideológico, político y social ocurrido a lo largo del siglo XX, la expansión de programas de bienestar social, y el perfeccionamiento de las técnicas de investigación social. En la economía social y el tercer sector la aplicación de estas metodologías es extraordinariamente reciente. Entre las fundaciones, hace algo más de una década que en Roberts Enterprise Development Fund -REDF- (entidad sin ánimo de lucro estadounidense), comenzaron, por primera vez, a calibrar la opción de valorar tanto la rentabilidad financiera como la rentabilidad social de las inversiones. Durante los últimos años, mientras la antigua línea de separación entre los criterios de decisión de las donaciones y las inversiones empezaba a desdibujarse, la idea de medir el impacto social de las inversiones, además de su rentabilidad financiera, calaba entre un creciente grupo de inversores, fundadores y emprendedores. Este movimiento hacia la valoración económica del impacto social ha discurrido en paralelo a la mayor exigencia de responsabilidad social a los gestores de las empresas por parte de los inversores. Así, en 1997, Christine Letts, William P. Ryan y Alen Grossman suscitaron la controversia y el interés en el mundo académico sobre la gestión de entidades sin ánimo de lucro, la filantropía y la inversión social (Grossman et al, 1997). En su trabajo indicaban que, a pesar de los recursos dedicados por muchas entidades no lucrativas a los más necesitados, los problemas sociales persistían con lo cual debían ser más efectivos en la distribución de sus limitados recursos. Debían invertir en programas innovadores, pero también mantener unos elevados niveles de soporte en la gestión, seguimiento y control de los resultados. Es en ese momento cuando las entidades sin ánimo de lucro, especialmente en los Estados Unidos, comenzaron a desarrollar, basándose en las metodologías utilizadas por los evaluadores de políticas públicas pero adaptadas a su sector, un amplio elenco de herramientas para cuantificar y/o valorar el impacto social de sus inversiones y donaciones. Adicionalmente, y dada la importancia del correcto enfoque estratégico y su puesta en práctica, tales entidades se iniciaron en la implantación de metodologías que contribuyeran al alineamiento entre sus operaciones a corto plazo y sus objetivos estratégicos a largo plazo. En Europa, mayoritariamente en la primera década del siglo XXI, se han creado diversas redes y asociaciones de empresas sociales, tanto de ámbito nacional como europeo (Díaz et al, 2012). Tanto la Comisión Europea, como veremos en el siguiente punto, como éstas y la literatura académica están desarrollando muchos programas e investigaciones con diferentes enfoques sobre la medición de impacto social (European Commission, 2011; Mair y Martí, 2006).
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La Valoracion de Impacto Social en la Unión Europea La Comisión Europea comenzó a trabajar en el apoyo de la economía social porque pensaba que el mercado único europeo necesitaba un nuevo modelo de crecimiento inclusivo. Un modelo centrado en la creación de empleo para todos, que cubriese el creciente deseo de los europeos por mejorar su calidad de vida y que estuviese más alineado con principios éticos y de equidad social. Con el objetivo de promover una economía social más competitiva, la comisión situó la innovación social en el centro de sus prioridades para mejorar la cohesión territorial y buscar nuevas soluciones a problemas sociales, en concreto, a la lucha contra la pobreza y la exclusión. Así, la Social Business Initiative fue adoptada en octubre de 2011 y tiene su origen en los resultados de una consulta pública en el marco de la Single Market Act (European Commission, 2011b). En los mismos se mostraba un gran interés en la capacidad de la economía social, dentro de este mercado único, para proveer respuestas innovadoras a los existentes desafíos económicos, sociales y medioambientales (European Commission, 2011c). En la iniciativa se indica, entre otros aspectos, que se creará un grupo de trabajo sobre empresa social para examinar la evolución de las medidas fijadas en la misma. Basándose en la experiencia del grupo asesor de la Small Business Act, este grupo de trabajo estaría formado por representantes de los estados miembros, las autoridades locales, organizaciones de emprendedores sociales, el sector financiero y bancario y representantes del ámbito académico y universitario. Con este mandato, en febrero de 2012, la dirección general de mercado interior coordina la convocatoria del concurso para la selección de miembros del grupo de trabajo, que es denominado GECES – Groupe d’experts de la commission sur l’entrepreneuriat social. Este grupo de expertos en emprendimiento social de la Comisión Europea (en adelante, GECES), sería consultado por la Comisión durante un periodo de seis años, del 2012 al 2017, sobre la oportunidad, el desarrollo, la aprobación y la implementación de todas las acciones mencionadas en la Social Business Initiative o sobre cualquier otro aspecto relacionado con el emprendimiento social y la economía social. Las tres medidas principales fijadas en la Social Business Initiative, que se despliegan en once acciones clave, de las que GECES hacía el seguimiento apoyando su desarrollo son (European Commission, 2011 c): • Mejorar la financiación, facilitando el acceso a fondos privados y movilizando fondos de la Unión Europea. • Incrementar la visibilidad del emprendimiento social desarrollando herramientas para mejorar la comprensión del sector y reforzando las capacidades de gestión, la profesionalidad y la red de contactos de las empresas sociales.
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• Mejorar el marco legal creando formas legales apropiadas para ser usadas por los emprendedores sociales europeos y facilitando su acceso a los contratos públicos y a las ayudas de estado. El grupo de expertos en emprendimiento social de la Comisión Europea, se centró entre 2012 Y 2014 en los dos aspectos identificados como prioritarios: • La mejora de la financiación a la economía social y sus implicaciones y; • La medición de impacto social, para poder conocer el valor social creado por las empresas y los proyectos. Por su parte, la “Single Market Act II” señala que “La Comisión desarrollará una metodología para medir los beneficios socioeconómicos generados por las empresas sociales. La creación de un método riguroso y sistemático para medir el impacto en la sociedad civil de las empresas sociales...es esencial para demostrar que el dinero invertido en las mismas genera altos ahorros y beneficios”. Igualmente, el Programa Europeo de Empleo e Innovación Social (EaSI - Programme for Employment and Social Innovation) indica, en su eje de microfinanzas y emprendimiento social, que los informes de implementación a enviar a la Comisión Europea por las instituciones financieras y los gestores de fondos también incluirán información sobre los resultados en términos de “impacto social”. Es muy importante que en estas normas se haya incluido la medición del impacto social de las empresas sociales. De hecho, la Comisión da tal importancia al tema que publicó un documento de trabajo de más de ochenta páginas sobre medición de impacto (European Commission, 2011). Para la Comisión europea, la metodología es prioritaria para la correcta implementación de varias de sus actuaciones, como los fondos europeos de emprendimiento social y el Programa Europeo de Empleo e Innovación Social (en adelante, EaSI). Por supuesto, el objetivo último buscado por la Comisión Europea con la medición de impacto es ayudar a generar mayor impacto social. Pero, ¿qué es el impacto social? Existen una gran variedad de definiciones en la literatura científica con distinta dimensión temporal pero, de forma consensuada, se puede definir como “una mejora significativa y, en algunos casos, perdurable o sostenible en el tiempo, en alguna de las condiciones o características de la población objetivo y que se plantean como esenciales en la definición del problema que dio origen a un programa” (Monzón et al, 2013).
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Por su parte, el subgrupo de medición de impacto social de GECES define el impacto social centrándose específicamente en lo que supone para una empresa social. Así, con este enfoque, el impacto social es el cambio o efecto social, tanto a largo como a corto plazo, conseguido para la población objetivo de la empresa social por las actividades llevadas a cabo por ella, teniendo en cuenta los cambios positivos y negativos. Estos cambios deben ser ajustados por: • Los efectos generados por terceros, lo que se conoce como atribución alternativa o alternative attribution; • Los resultados que habrían ocurrido en todo caso con independencia de las actividades realizadas, denominados peso muerto o deadweight; • Las consecuencias negativas debidas a las actividades que se han desarrollado, también llamadas desplazamiento o displacement y; • Los efectos que se pierden por el paso del tiempo, es decir, el decrecimiento o drop-off (GECES, 2014). Desde finales de los noventa, y muy impulsadas por el crecimiento de las empresas sociales en el ámbito anglosajón y sus diferentes formas de financiación, se han desarrollado varias y diversas metodologías de medición de impacto social. Es interesante ver cómo, durante este periodo, las distintas instituciones han ido creando metodologías propias adaptadas a sus necesidades apareciendo una multitud de iniciativas. Paralelamente, han comenzado a surgir asociaciones sectoriales y desde distintos gobiernos se han aprobado las primeras iniciativas reguladoras y/o promotoras de las entidades de la economía social. Por otro lado, a principios de siglo, una innovadora forma de financiación, el capital riesgo social o venture philanthropy, jugó un importante papel en el impulso de las empresas sociales. El capital riesgo social, según lo define la european venture philanthropy association es un instrumento para construir organizaciones sociales más fuertes aportándoles recursos financieros y apoyo no financiero con el objetivo de incrementar su impacto social. Dada su finalidad, la medición de impacto social fue un instrumento básico para estas entidades desde su inicio. Así, se centraron en algunos de los métodos mencionados anteriormente y los clasificaron en base a tres variables significativas dentro de su actividad (clark et al, 2004): • El tipo de aportación económica que se realiza: la aportación de fondos puede realizarse a fondo perdido -como una donación- o esperar recuperar los importes aportados, obteniendo rentabilidad financiera de los mismos. El primer caso responde a la operativa típica de las fundaciones y otras entidades sin ánimo de lucro, mientras que en el segundo caso estaríamos ante operaciones de capital riesgo social; • La fase del ciclo de vida de la empresa en la que se invierte, pueden ser empresas en fase inicial o en su madurez;
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• La tipología del modelo de valoración: modelos de definición e implantación de buenas prácticas corporativas, de mejora de procesos de gestión para alinear operaciones a corto plazo con la estrategia a largo plazo, o de medición cuantitativa de los resultados sociales. En base a estos tres criterios se elaboró una clasificación de los métodos de valoración del impacto social más frecuentemente utilizados en el capital riesgo social. Cuadro 1 - Clasificación de los métodos de valoración de impacto social para capital riesgo social
Fuente: Valcárcel (2010) en base a Clark et al (2004)
Quizás, el grupo de metodologías más ambicioso es el que define medidas cuantificadas de los impactos sociales. Dentro de éstas, de las más utilizadas en la práctica del capital riesgo social es el retorno social de la inversión (SROI) (Nicholls et al., 2009). El retorno social de la inversión consiste en el cálculo de un valor integrado económico social o blended value. Para ello, además de calcular y actualizar los resultados financieros de la inversión mediante el descuento de flujos de caja, se descuentan a una tasa propia los flujos de caja sociales generados por el proyecto y se incorporan al valor financiero del proyecto. Estos flujos de caja sociales se calculan en base a los impactos conseguidos en el desarrollo de los objetivos sociales buscados por los grupos de interés. En los casos en los que se ha utilizado el SROI como modelo de valoración aplicable, se ha visto que (Valcárcel y de la Cuesta, 2011): 1. Servirá como instrumento incentivador de la inversión en proyectos sociales, especialmente para los agentes habituados a analizar proyectos con instrumentos de economía financiera como las empresas, los fondos de inversión o pensiones y las entidades de capital riesgo social.
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2. Para las entidades que ya están invirtiendo en proyectos sociales servirá de instrumento adicional a las evaluaciones realizadas para la valoración y el seguimiento de sus inversiones. 3. Al ser una metodología de carácter monetario, una vez definidas las hipótesis de cálculo de las valoraciones económicas y las variables a analizar, permite: › De forma previa a la decisión de financiación, utilizarlo como elemento adicional de decisión de inversión entre unos proyectos y otros, realizando una comparación del valor social que generará cada uno de ellos en base a la cuantificación monetaria de su impacto sobre los beneficiarios; durante la vida del proyecto, hacer un fácil seguimiento de las desviaciones › De los resultados y su alcance en cualquier momento, así como del valor social real generado; › Una vez finalizado el proyecto o el impacto de la financiación del mismo, concretar el importe de la creación de valor social y mostrar las desviaciones de los objetivos que se hayan podido producir. En todo caso, la relativa complejidad de su implementación, la imposibilidad de cuantificar monetariamente el impacto de determinados cambios sociales y la dificultad de realizar comparaciones entre mediciones dad la amplia gama de indicadores sociales que usa han hecho que no sea de uso totalmente generalizado. Aun así, ya sea ésta u otra de las metodologías que ofrecen la posibilidad de ligar las intervenciones a los efectos que generan y traducirlos a resultados cuantificados permitirán ofrecer a los grupos de interés una visión útil de la importancia y la relevancia de la intervención. Con ello, sería mucho más fácil para los financiadores o inversores elegir las empresas sociales a las que apoyar, eligiendo las que tienen mejor ratio beneficio coste y maximizando así el impacto social positivo de la inversión; y para las entidades de la economía social saber qué proyectos son más prioritarios de abordar. Facilitar la selección de proyectos puede ser de gran valor para las entidades de economía social, el sector público y los financiadores privados, especialmente en un momento como el actual de crisis y recortes del gasto público. Es también por ello que la Comisión Europea ha realizado un mandato específico al subgrupo de medición de impacto social de GECES.
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Aproximaciones Propuestas a la Medicion de Impacto Social por la Comisión Europea En octubre de 2012 se creó dentro de GECES un subgrupo de medición de impacto con el objetivo de definir una metodología europea que sería utilizada por las empresas para su cualificación como empresas sociales, por los fondos sujetos a la normativa de fondos de emprendimiento social europeos para su cartera de inversiones y por las empresas sociales apoyadas en el programa EaSI como parte de su información pública. Los principales aspectos consensuados sobre la situación actual de la medición de impacto social y sus riesgos fueron (GECES, 2014): 1. Hay cada vez un mayor interés en medir el impacto social debido, parcialmente, a la crisis y por ello al deseo de los financiadores, ya sean públicos o privados, de concentrar los escasos recursos en iniciativas con un impacto demostrable. Además, una medición clara del impacto permitirá buscar mejoras en la eficiencia y una metodología más uniforme de medición que contemple las necesidades de los financiadores públicos y privados, facilitaría la futura colaboración entre ambos; 2. Aunque hay una variedad de aproximaciones a la medición de impacto social, ninguna de ellas ha alcanzado el estado de “estándar” para el sector; 3. Existe cierta desconfianza hacia la opción de metodologías de monetarización de los resultados (SROI o contabilidad social) que se concretan en una única medida susceptible de facilitar las comparaciones entre diferentes tipos de empresa. En este contexto, como ya se ha indicado, se han advertido los riesgos de estas metodologías ligados a la definición de hipótesis previas y a que no todas las intervenciones sociales son susceptibles de aplicar esta metodología; 4. Otro riesgo que se debe evitar desde la Administración es que el tipo de metodología requerido pueda hacer que se deriven recursos hacia inversiones con buena rentabilidad en el corto plazo y resultados fáciles de medir o que, como a menudo han señalado las empresas sociales, la presión generada por la idea de demostrar resultados desincentive los enfoques innovadores o genere un efecto de desincentivación de los servicios para la gente más vulnerable, que frecuentemente tienen bajas tasas de éxito (Ayala, 2005). Frente a los riesgos señalados, hay una convergencia básica sobre los principales pasos del proceso que deberían constituir la base para cualquier metodología de medición de impacto social. Estos pasos incluyen identificar claramente el impacto social buscado, los grupos de interés afectados, una teoría del cambio (un análisis detallado y una descripción de cómo y porqué la iniciativa considerada puede tener impacto en los grupos de interés de modo que los objetivos se cumplan), implementar un sistema transparente de medición e informes y no olvidar una revisión permanente con enfoque de aprendizaje que mejore los impactos y el proceso.
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Cuadro 2 - Etapas del proceso de medición de impacto social
Fuente: Hehenberger et al, 2013
También hay un amplio consenso de que no se puede imponer desde la Administración ninguna metodología concreta y cerrada para medir el impacto social en todos los casos ya que (GECES, 2014): • La variedad de impacto social generado por las empresas sociales es muy amplia y ninguna metodología puede contemplar todos los tipos de impacto de forma clara y objetiva; • Aunque hay algunos indicadores cuantitativos que son de uso general, habitualmente fallan en mostrar algunos aspectos cualitativos esenciales; • Debido a la naturaleza del trabajo de medir el impacto, obtener una estimación precisa es a menudo contrario a la necesidad de proporcionalidad. El tiempo consumido y el grado de precisión alcanzado debe ser proporcional al tamaño de la empresa y al alcance de la intervención a desarrollar; • En un área caracterizada por la amplia variedad de la naturaleza y objetivos de las actividades, hay un difícil equilibrio entre obtener comparabilidad entre actividades usando indicadores comunes y utilizar indicadores realmente útiles para los directivos de la empresa social; incrementar la comparabilidad podría llevar a perder relevancia; • La medición de impacto y el mundo de la empresa social está evolucionando muy rápidamente por lo que es probable que cualquier estándar que se fijase quedase obsoleto en el corto plazo. Pero, sobre todo, está claro que imponer una batería cerrada de indicadores cuantitativos desde la Administración puede ser muy contraproducente. Los indicadores elegidos no estarían, en muchos casos, alineados con las necesidades y objetivos de las empresas sociales. La imposición de un indicador inútil se puede convertir en un requerimiento puramente burocrático con poco valor en si mismo para la empresa social, imponiendo costes que no le ayudan a cumplir
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sus objetivos sociales y restando fondos que deberían ser dedicados a generar impacto social. Podría también llevar a las empresas a maximizar los resultados que registra el indicador en lugar de alcanzar el mayor impacto social según su conocimiento y criterio. Aun así, y no olvidando este riesgo, habría que elaborar una metodología que corrija la situación actual de numerosos indicadores recogidos en los habituales informes de balance social, auditoria social, evaluación de impacto... que con su enfoque segmentado no proporcionan una visión global al no integrar las distintas facetas del impacto social (Díaz et al, 2012). Adicionalmente, para que la medición de impacto social sea un valor duradero, dicha medición debe contribuir visiblemente a la buena gestión de las empresas sociales (GECES, 2014). Si este objetivo se consigue, la medida del impacto social será no solo un instrumento para obtener fondos sino también para ayudar a las empresas a tener un mejor desempeño. Este elemento será el que realmente haga que las empresas sociales adopten las metodologías. Es una idea común que las empresas sociales, especialmente las más pequeñas, tienen todavía mucho que aprender de buenas prácticas de gestión. Así, la iniciativa de la comisión debería ser vista como una posibilidad de mejorar los conocimientos de gestión más que como una herramienta de selección. Otro beneficio importante de la iniciativa de la Comisión sería que si la herramienta que se desarrolle es ampliamente aceptada, clarificaría mucho la visión del sector. Un simple marco ofrecería el potencial de reducir los costes de reporting, ya que actualmente cada financiador impone el suyo, a menudo diferente. Podría también acelerar la adopción de un buen sistema de reporting por parte de las empresas sociales ya que ahora están a menudo confundidas sobre que enfoque a adoptar. En resumen, el subgrupo, habiendo analizado y discutido prácticas en varios estados miembros y varios sectores, concluyó que las diferencias entre las distintas aproximaciones pueden ser solventadas ya que, generalmente, se basan en los mismos principios fundamentales. Estos principios, se pueden resumir en los siguientes: 1. La empresa social debe ser la responsable de identificar su objetivo, grupos de interés, resultados relevantes para su misión y su teoría del cambio; 2. La empresa social debe seleccionar los indicadores más apropiados para demostrar su impacto, dentro de un modelo básico definido, permitiéndoles seleccionar varios indicadores del modelo o adoptar otros indicando el motivo de la decisión; 3. La empresa social debe poder demostrar que ha seguido una serie de pasos concretos para validar su enfoque de medición de impacto social; 4. Aprender de la experiencia y ajustar y revisar los procesos y resultados será exigible en este sistema.
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Para que la empresa social pueda demostrar que ha seguido los pasos concretos exigidos en su medición de impacto social, debe incluir dicha información en el informe de medición de impacto que emita. Así, el contenido mínimo que deben tener estos informes es (GECES, 2014): • Una explicación de cómo el proceso de medición de impacto ha sido aplicado y de lo que se ha realizado en cada una de las cinco etapas del mismo; • Una descripción clara de los efectos de la intervención informando, al menos cualitativamente, del peso muerto, el desplazamiento y el decrecimiento; • Una explicación de cómo esos efectos se han conseguido con la intervención realizada en línea con la teoría del cambio; • La identificación de cualesquiera terceras partes que hayan jugado un papel en la consecución de los efectos; • La identificación de los grupos de interés cuyos objetivos han sido medidos y la naturaleza de su beneficio; • Una selección de indicadores proporcionada y bien explicada para los impactos identificados por esos grupos de interés; • Una explicación del riesgo social y financiero, cuantificado, cuando sea razonable, con un análisis de sensibilidad mostrando los efectos sobre los objetivos buscados si los riesgos se manifiestan. Habrá que esperar a su aplicación en la práctica para validar si la metodología que se definió puede ser utilizada como estándar y permite la generalización de su uso y la clara comunicación de los resultados obtenidos; todo ello sin generar cambios en la misión o las prioridades de las propias empresas sociales. Uno de los puntos críticos para investigaciones futuras es si efectivamente este objetivo se ha cumplido.
Bibliografia Ayala, L. (2005): “Nuevos métodos de evaluación de los programas de bienestar social” Revista Economistas nº 105, p. 153-165. Colegio de Economistas de Madrid. Clark, C.; Rosenzweig, W.; Long, D. y Olsen, S. (2004): Double bottom line project report: assessing social impact in double bottom line ventures. The Rockefeller Foundation, New York. Diaz, M.; Marcuello, C y Marcuello, Ch (2012): ”Empresas sociales y evaluación del impacto social”, CIRIEC - España, Revista de Economía Pública Social y Cooperativa, 75, 179-198 European Commission (2011): “Commission staff working paper. Impact assessment” European Commission (2011b): “Public consultation. Staff working paper. The social business initiative: promoting social investments funds” European Commission (2011c): “Social business initiative”
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GECES (2014): “Proposed approaches to social impact measurement in the European Commission legislation and practice relating to EuSEFs and the EaSI”, GECES Subgroup on Impact Measurement, junio 2014. Grossman, A.; Letts, C. y Ryan, W.P (1997): “Virtuous capital: what foundations can learn from venture capitalists”. Harvard Business Review, marzo-abril 1997. Hehenberger, L.; Harling, A.M. y Scholten, P. (2013): “A practical guide to measuring and managing impact” European Venture Philanthropy Association, Abril 2013 Mair, J. y Martí, I (2006): “Social entreprenership research: a source of explanation, prediction and delight”, Journal of World Business, 41, pp.36-44 Monzón, J.L.; Marcuello, C. y Nachar, P. (2013). Empresas sociales y economía social: propuestas metodológicas para la medición de su impacto socio-económico, Bruselas, CESE. Nicholls, J., Lawlor, E., Neitzert, E. y Goodspedd, T. (2009): A Guide to Social Return on Investment. Ed. Cupitt, London: Office of the Third Sector, Cabinet Office. Osuna, J.L.; Marquez, C.; Cirera, A.; Velez, C. (2000): “Guía para la evaluación de políticas públicas”. Instituto de Desarrollo Regional, Fundación Universitaria, Sevilla. Valcárcel, M. y de la Cuesta, M. (2011): “Valoración del Impacto Social. Un modelo para el área de asistencia social de la Obra Social de las cajas de ahorros españolas” en III Congreso Internacional de Investigación en Economía Social de CIRIEC: “La Economía Social, pilar de un nuevo modelo de desarrollo económico sostenible”. Comunicaciones área temática I Edita: CIRIEC y Universidad de Valladolid Valcárcel, M. (2010): Valoración del Impacto Social de la obra social de las cajas de ahorros españolas. Un método para el área de asistencia social. Tesis doctora
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What if we Collaborated? The Role of Systems Leadership Dr. Sue Goss Principal in Whole Systems and Integration; the Office for Public Management, UK “The collaborative processes of integrated governance require leadership models that are clearly differentiated from the hierarchical model familiar in bureaucracies. What is the role of leaders so that a collaborative process can exist and succeed?” In the 21st Century, we are learning to collaborate. The solutions to social problems in the 20th century created great public institutions, and community movements, but each one tended to work in its own silo, creating its own rules and assumptions. In many spheres, health, social care, policing, local government, we have created hard working professionals confident in their expertise, but poor at working across boundaries. Now, as social change and new technology generates a society of networks, our public and community institutions are learning to work differently. We are starting to look at social problems from very different angles. We are beginning to challenge the assumptions about how the state can intervene to solve social problems – and we are learning that to understand complex social issues we need to use all the brains available – across sectors, across agencies and at all levels. Hierarchy, secrecy, closed minds –get in the way. Already there are many experiments - and managers, professionals, front line workers – yes, and even politicians – are learning to collaborate. But it requires a very different sort of leadership.
The UK Experiments In the UK we have been experimenting with partnerships between public bodies, voluntary sector bodies and private sector companies since the 1990s. The Blair government established local strategic partnerships – bringing together all the public agencies within a local authority boundary – but they became talking shops and have mostly been disbanded. More successful have been partnerships focussed on a single issue such as crime; social care; health, economic growth. We have had for many years, successful partnerships between the police and local authorities, between business leaders and local authorities, and between health and social care organisations.
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As austerity bites – we have turned to collaborative working to try and reduce costs – local authorities begin to merge, or share services, hospitals merge; police, local government and health organisations co-locate. Now we are engaged in a vast experiment to integrate health and social care creating a single holistic approach to population health. Until now social care has been run by local government and health care by the national NHS, with commissioners of health separated from providers and a multiplicity of public and private care organisations, primary care practices and voluntary agencies. All this fragmentation is costly, creating duplication, bureaucracy and redundancy. But the collaborative effort is voluntary – and depends on partnerships of many organisations working together. Across the country, managers, police officers, doctors, nurses, social workers, community leaders, service users – often from up to twenty different agencies at a time – are working together to re-design models of care for children, for frail elderly people, and for people with complex needs. They are trying to reduce the medicalisation of people’s lives, to give back some control, to involve patients in self-help and creating multi-disciplinary professional teams. And while there has been a lot of goodwill and activity – progress has been slow. What slows us down is trust. Leaders don’t trust each other not to take commercial or financial advantage, managers don’t trust systems designed by other managers, professionals and clinicians don’t trust clinical judgements made by other clinicians. We have under-estimated the extent to which organisations and professional groups become closed communities – seeing themselves in opposition to ‘others’ – We build assumptions and myths about ‘others’ to confirm our own identity. Clinicians distrust academics, academics despair of old fashioned clinicians, doctors condescend to nurses, and nurses roll their eyes behind the backs of doctors. Organisations that have put a lot of work into building their ‘brand’ and ‘image’ and are reluctant to dilute this in collective action. Individuals’ professional identity is bound up with the information and processes they understand: each carries a different sorts of knowledge. So when we ask staff and organisations to work together we are challenging their sense of identity. In the UK we are learning that these issues of trust and identity are at the core of achieving effective collaboration. Where this is not explored properly, we are discovering what Martha Roberts at NHS England calls ‘pseudo- teams’, or pseudo-partnerships – which are really committees of defensive players. In these pseudo -partnerships, organisations pretend to work together, draft many shared documents, make vague statements of intent, but never actually move from talking to action. They are characterised by what Ron Heifetz calls ‘waste activity’1 taking up thousands of hours in meetings which never make progress. They fail, because they 1
Ron Heifetz (1998). Leadership without Easy Answers, Harvard University Press
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never explore the really difficult questions of purpose, values, identity and meaning – they concentrate on statistics and actions plans without exploring, honestly, the existential fears of their staff. The three most important obstacles seem to be: • Not having time to think about the most important issues; • Not learning to understand each other; • Not sharing understanding or information.
Collaborative Leadership – Leading in Systems So the leadership that is required is leadership that addresses these problems. In a collaborative endeavour, no-one has the authority to direct others. Often, at first, we don’t agree about the problem, let alone understand the solution. People come together voluntarily to solve a problem that matters to them, but they come with often conflicting pressures and motivations. They don’t always see the same things, or agree about what is important. They may use different words to describe things. In these situations: • They have no formal authority to make others do what we want – and the power and influence of many players is needed to achieve change; • They are working with the highly complex interactions of different problems; • No-one sees the whole picture, and no-one knows everything about what is needed to make change happen; • They are often in uncharted territory – attempting something that has not successfully been done before. Systems leadership, collaborative leadership, adaptive leadership – call it what you will – is almost the opposite of command and control. I have been studying this for the past decade, researching and evaluating the effectiveness of partnerships through national studies, and facilitating and enabling partnerships at local level. Leaders may come from anywhere within the system - not simply from the top. Leaders are not the people who have ‘leader’ written on their door, but the people who step forward. They may be a chief executive, or a doctor, or a community worker. But our research and observation suggests that effective collaborative leaders attend to the same things.
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Create a community of leaders Social change never simply involves a single leader – others have to be engaged, won over and inspired. This sort of leadership is always a personal choice – leadership is exercised when individuals decide that that the prize is sufficiently important, that change is possible, and that the alternatives will damage the social outcomes they believe in. Once the decision is taken to lead, the work is to figure out exactly how to do that. Radical change will involve risk, since it will antagonise vested interests and challenge assumptions. Leaders are often working ‘beyond the boundaries of their authority’2 in situations where they are no longer the ‘boss’ but have to win consent from partners, government, communities. Leaders therefore need to find other leaders to work with them, and to build a shared endeavour – a shared sense of purpose. Leaders from one organisation often have little power to make people in other organisations do things, so collaborative change cannot be implemented unless other leaders ‘plug in’ the power of their own – and to do that they have to inspire and lead their staff. A crucial element of success is the capacity of system leaders to recognise each other and appreciate the contribution they each make. System leadership is about building a network – not creating new complicated governance structures. By connecting the people, not the organisations, it is possible to move from committees to informal conversations. The most important meetings are often in coffee shops. This community needs to look after each other. Each leader will face difficult challenges and choices and will need support. It is important that the community of leaders understands and empathises with the difficulties each faces, and helps each other rather than blaming. Leaders need to learn to understand each other as people, so that they can offer the human warmth and trust that will be needed. This will be tested – as difficulties arise, arguments and conflicts will break out – and leaders need to care enough about each other, and about the outcome, to help solve these problems without allowing them to escalate.
Start with Values Collaborative leadership starts with values. We need to know ‘why’ we are doing this. Innovation involves changing traditional practice, and challenging assumptions –so leaders, and their followers, have to believe in what they are doing. Unless there is a compelling reason to take a path that is difficult and strewn with obstacles, people won’t take it. So when a group of lead2
Heifetz,RA and Laurie, DL (1997). The work of leadership, Harvard Business Review
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ers decides to take action, they need to work together as a team to explore their values, their passions, their concerns, and to learn to understand each other as people – where they come from, what they believe in - discussing, in depth, what they really want to achieve and why. They may not agree about everything to begin with, and may simply agree to walk together for some of the way – but sharing ideas about destinations is useful because people can begin to see each other’s vision. The path may change over time, as they learn more. The shared endeavour is a journey, and leaders need to work together on creating a story of the journey, why they are embarking on that journey and what it will bring. Collaboration challenges people’s professional and organisational identity, so an important step is to create a new identity – a new ‘us’ built around a shared purpose to drive collaborative effort.
Create the Conditions for Trust Collaboration means shifting from the interests of a single organisation to a sense of the ‘greater good’. This isn’t as easy as it sounds, since different professionals and organisations look at the ‘good’ they are trying to achieve from different perspectives. It is too easy to assume that the interests of others are diametrically opposed to our own. Often there is a way to make our goals congruent. So an important part of the process is one of ‘reframing’ – listening to each other’s views carefully, exploring differences, and discovering what we might have in common if we worked together. It is only by exploring together, for example, that we can find a way to make the police officer’s goal of preventing crime congruent with the health worker’s goal of helping homeless people with mental health problems. Leaders need to create a ‘culture of encounter’ not just for senior people, but for all staff, at all levels, so that they work across boundaries wherever possible, alongside service users, carers and patients, learning to understand each other, listening to each other’s stories, building shared understanding. Sometimes these conversations will be dialectic –thesis – antithesis leading to synthesis. Sometimes, however, they will be dialogic – by listening carefully, each side will learn something and change, but not necessarily reach agreement. Not yet. While positive values do much to build up people’s courage and motivation, people’s feelings are not always positive. Once we are in the territory of emotion, we have to recognise that among the emotions are fear, anxiety, and sadness. Accessing and talking about these emotions can be vital in building relationships and alliances that are strong enough to cope with the difficulties that will be encountered along the way.
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Changing the Work Collaborative leader makes endless spaces for this process of encounter to happen. This means designing the right working spaces – workshops not committee meetings – so that real work can take place - open meetings without papers - with time to think. Collaboration is a muscle that strengthens as it is used. In order to change the outcomes we achieve, we need to learn to work in very different ways. Importantly, we need to change what we think the work is, moving away from bureaucratic work and spending more time in open conversation. It is very difficult to think in conventional meetings. We learn very little about what people think when we discuss long detailed papers. Leadership is also, therefore about changing the spaces within which we work. Heifetz talks about moving from a ‘committee’ to an ‘expeditionary force’. Meetings should prepare for action. In a good meeting, the creative tension between the different ways of thinking that people from different backgrounds bring enables us to think new thoughts – and come up with better solutions. Exploring differences is often more productive than concentrating on the things we agree about. If no-one can see the whole system, then presenting a paper about the answer from our own point of view is not a safe place to start. A good starting point is probably that everyone is probably right. Everyone probably can see something that is true, important and worrying. Only if we set aside enough time to listen and explore will we learn this. This process of problem solving has to involve everyone from the front-line to the senior management – connecting their conversations – making sure that obstacles can be removed that are in the way of solutions – making sure that the senior leaders see the experience on the front line, and the front line take responsibility for making change happen. We build trust and collaboration by working together to solve real, practical problems.
Sharing Information A crucial element in building trust is sharing information. Each organisation has different information, which means each looks at a problem from a different angle. It is only by sharing everything that we can build a better understanding of the whole problem, in all its glorious human complexity. We often need to work together to search for new information, and we need to learn to respect the value of different sorts of information. Doctors and scientists and bureaucrats often rely on statistics, while community leaders tell stories. It is all knowledge,
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and all adds value, telling us different sides of the truth. Sharing information between organisations is not always easy – we are struggling in the UK at the moment in our health system to get hospitals to share financial data – because they are concerned for their own survival. There are endless IT and confidentiality problems. But the more information we can share, the more we build trust.
Building Relationships Relationships matter because these conversations can be difficult, and involve staying with discomfort and accepting information that doesn’t accord with your view of the world. So leaders need to create spaces in which relationships can be built that can handle this. That means behaving well, listening carefully, treating each other with generosity, respecting the commitment and passion of people who think differently to us. Often it just means time, stopping rushing from meeting to meeting, looking away from our phones, paying attention to each other.
Observing the System in Action A key leadership skill is that of observing what is really happening (as opposed to what is supposed to be happening). It is easy, rushing from meeting to meeting, to believe the diagrams and the project plans, and not to notice the real human behaviours that are taking place, the arguments, the absences, the protective silences and the failures to deliver. In complex open systems, there is no single source of energy or power, and the results depend on the interactions of many players. It is as important to watch the patterns of these interactions as it is to direct activity. Heifetz talks about ‘getting away from the dance floor and onto the balcony’3 – getting a vantage point from which you can watch the activities and reactions of others. A key discovery about complex systems is that each player can only see part of the system from their vantage point – so the capacity to share what others can see and build a picture of the ‘whole system’ gives real diagnostic strength. From noticing, leaders need to build a diagnosis, learning to understand why things are happening and looking for underlying causes. It may take quite a bit of reflection to understand the cause of a problem. Are the clinicians on board? Are system imperatives in conflict? If instead of seeing delivery problems as evidence of ‘bad faith’ we use them to understand the system better, we can begin to uncover the real system dynamics and find interventions that can disrupt the pattern.
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See Leadership without easy answers
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Naming the Difficulties While it is obviously important to be positive, a key leadership role is to name the difficulties. This takes courage. Often a leader has to expose conflicts that people are trying to ignore or deny – helping everyone to name the problem and address it honestly. Sometimes a leader needs to help to reframe a problem – to break out of a fruitless argument to think about something in new ways. Sometimes they need to challenge the current rules and the ways things are being done. Sometimes they need to press the ‘alarm’ bell if progress is not being made, to identify the threat of inertia. Good leaders look out for ‘avoidance activity’4 It is tempting in partnerships to try and create order by putting all the emphasis on project management, work-streams and milestones, which give a comforting impression of progress. It is tempting to think that the more meetings we are holding, the more papers we are writing the more work is being done. But it is important to watch out for conversations that are being avoided – because they seem too dangerous or threatening. Sometimes they are the most important conversations. Often, a chaotic, floundering exploration of ‘what are we trying to do here’ will actually be more productive.
Create Clarity for Now In the very early stages when we are exploring together, nothing is very clear. There may not even be agreement about objectives. The important part of system change involves meaning – what it means for us, and what it means in terms of change for citizens. Leaders have the job of creating meaning that will steer the work. This takes time. But ambiguity doesn’t mean vagueness. There are two important sources of clarity. One is the long term collective endeavour – what we are signing up to work on – probably for many years. The second is ‘clarity for now’ what we are choosing to put our energy into in the short term – sorting out the resources, setting priorities, doing some work from which we can learn. It may not matter where we start – there is a strong system leader’s adage ‘follow the energy’. Most people can only take uncertainty for so long. To make things happen, leaders have to make practical decisions ‘for now’ so that everyone knows the boundaries and can get going. Not everything can be fluid at the same time. But some of these decisions are provisional – and minds might have to change – the front line might find out the approach doesn’t work, or needs to be adjusted. Leaders need constant and real time feedback loops about how it’s going on the ground. 4
Ibid
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There seems to be an inherent and permanent tension between evolutionary solutions and getting on with doing practical things. Move too quickly into delivery – and the wrong interventions are implemented. Move too slowly, and everyone starts to lose belief. The first attempt may not work, and may need to be unpicked quickly, so leaders need to be able to move fast and rethink. Getting that ‘moment of transition’ right is an art in itself.
What are Collaborative Leaders Doing When They Lead? How do we catch this sort of leadership in action? Good systems leadership is probably not going to be speech making or giving orders. It might be thinking, quietly about what is happening, and checking this out with others. It might be a phone call to another potential leader. It might be the work to craft a really good story to inspire staff. It might be allowing junior staff to find their own solutions without interfering. It might be getting together with other staff to solve a problem when you haven’t been given permission to do so. It might mean holding off government officials or regulators to create space for innovation. It might simply be personal courage or patience. A crucial element of effective collaborative leadership is about ‘being’: reflecting carefully about the impact you are making on situations, and deploying your own energy effectively to help and support the leadership of others. Most collaborative leaders are ‘dancing on the edge of their authority’5 doing things they were not entirely asked to do, or solving problems by breaking rules, or persuading their superiors to allow them to do things that were not anticipated. If you are following orders, then you are neither innovating, nor leading. But this dance needs to be made safe, so effective collaborative leaders are winning consent, gaining permission, providing the narrative that enables others to make space for innovation. I have seldom worked with a good collaborative leader who didn’t say “I don’t suppose I am supposed to do this...but” and their reason is always the same “but it’s the right thing to do.” A powerful study of what collaborative leaders do in action was completed by the Colebrook Centre and the Cass Business School in the UK, commissioned by the ADCS virtual Staff College.6 They interviewed scores of system leaders about what they actually did in practice. The learning from those leaders, suggested six dimensions of system leadership: • Ways of feeling - about personal values • Ways of perceiving - listening, observing and diagnosis • Ways of thinking - intellectual rigour in analysis and synthesis
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R Heifetz, Leadership without Easy Answers ADCS Virtual Staff College(2013) System Leadership: Exceptional Leadership for Exceptional Times Synthesis Paper (p6) 6
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• Ways of relating - the conditions that enable and support others; • Ways of doing - changing the work to enable change to happen; • Ways of being - personal qualities that support distributed leadership. Leaders are always engaged in all of these six dimensions – and if they are not paying attention to all six, they are probably making an impact they didn’t intend. But good system leaders think about how they are operating in each of these dimensions, and reflect on the way they are impacting on others. Some of the most important elements of system leadership were reported in the ‘ways of being’ dimension, the importance of being calm, of being patient, of being generous. These six ways offer a checklist for leaders at the (many) moments when they don’t know what to do next. So if you ever get into a situation when you don’t know what to do, a good leadership action is to stop and ask quietly: • What am I feeling – how are my values engaged? • What am I noticing? • What is the thinking needed now? • With whom do I need to strengthen relationships? • What is the action that is needed? • How do I need to be in this situation? It works. Try it. And good luck on your journey.
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O Poder da Colaboração: uma perspetiva a partir do Brasil Por Izabella Ceccato Empreendedora Social e Fundadora da iniciativa “O Poder da Colaboração” (Brasil)
Minha vida inteira busquei a felicidade! Deixei vários empregos, mudei de casa, de cidade, de país, sempre buscando um propósito para o que eu fazia. Pouco via sentido em apenas trabalhar e perder dias, meses e anos em algo que não fosse pelo bem comum. Na infância e na juventude fui bailarina clássica. Me formei publicitária. Me pós graduei em marketing. Trabalhei em agências de propaganda e na área de comunicação de grandes empresas. Fui professora universitária e professora de dança. Mas aquilo não me bastava. Eu ansiava por MAIS. Ansiava por algo COLABORATIVO e EXTRAORDINÁRIO! Em 2008, em busca do extraordinário, percorri o Caminho de Santiago de Compostela a pé. As setas que indicam o Caminho são mantidas ao longo dos séculos pelos peregrinos que por ali passam. Durante todo o trajeto, os moradores locais nos incentivam a continuar com força e esperança, gritando: BUEN CAMINO. É colaboração pura. Solidariedade sentida. Amor em ação em busca de descobertas pessoais. E não foi diferente em 2011 no Schumacher College (UK) quando estive por lá 6 meses estudando e voluntariando. A comunidade é mantida por alunos, professores e voluntários de forma natural e colaborativa. A sutileza e importância das relações com a gente mesmo e com o Planeta se mostram gradualmente, mas de maneira arrebatadora. Fica evidente que a humanidade só vai sobreviver se entendermos nossa interdependência e colaborarmos de verdade uns com os outros. Foi com o passar dos anos que pude perceber como essas já eram experiências que estavam me levando para o universo da colaboração. Os aprendizados são gradativos e se revelam no momento em que estamos prontos e preparados para assimilá-los.
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E assim percebi e senti a força de um período sabático, quando nos retiramos do dia-a-dia para de verdade mergulharmos em nós. E também comprovei que foram essas imersões e reflexões que me ajudaram a estar presente nas minhas decisões futuras. Colaboração não é novidade. Colaborar é ancestral. Colaborar está no nosso DNA. Por essência somos colaborativos, mas nos esquecemos disso. Em algum momento passamos a ser individualistas. Estamos neste exato momento da humanidade fazendo o movimento contrário, voltando ao que somos genuinamente. Foi a partir dessa constatação que pensei: SEM COLABORAÇÃO NÃO VAMOS LONGE, na verdade não vamos a lugar nenhum! Decidi então largar minha carreira corporativa e empreender. Colocar em prática meus aprendizados sabáticos e trazer minhas ações e ideias para o presencial, para reunir pessoas. E se colaborássemos, não seria tudo diferente? Afinal o outro não é nosso inimigo como aprendemos quando criança. Ele pode ser o parceiro que buscamos para nos complementar e impulsionar ainda mais nossas ações no mundo. Desse jeito, em 2016, nasceu O Poder da Colaboração a partir dessa minha motivação de conectar pessoas e dar visibilidade para iniciativas que estão fazendo algo de incrível e diferente pelas comunidades, cidades, pessoas e pelo planeta. Promovemos eventos gratuitos e colaborativos e em cada edição damos voz e espaço para pessoas inspiradoras, empresas grandes e pequenas, ONGs, iniciativas individuais para contarem suas histórias de colaboração, protagonismo e empreendedorismo num evento de 4 horas de pura colaboração e networking. Cada apresentação dura 15 minutos e na curadoria buscamos a maior diversidade possível para mostrar que a transformação e a colaboração estão em todos os lugares. O local é gratuito, os palestrantes se apresentam gentilmente, os comes e bebes do intervalo são doados por empresas que acreditam na causa, a equipe é composta por voluntários. Mais do que um espaço para escutar passivamente, o evento tem se tornado um grande encontro de trajetórias inspiradoras e conexões de propósito. E o mais incrível, está ajudando no nascimento de negócios transformadores. Depois de quase 2 anos trabalhando com o que amo, formamos uma rede com mais de 40 mil pessoas e juntos produzimos um número incontável de sorrisos, lágrimas, conexões, inspiração e parcerias.
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Os eventos são emocionantes. Estar com pessoas de todas as raças, gêneros e classes sociais que realizam ações incríveis pela sua rua, pela sua comunidade, por um grupo, uma cidade, pelo mundo, não tem preço. O que mais escuto quando um evento acaba é: “Saio daqui hoje motivada, inspirada e com minhas esperanças renovadas”. Como disse Felipe Ferreira do Instituto Novos Sonhos na sua palestra: “Se a vida te fala que não dá, DÁ SIM! Vai lá, seu sonho é possível! Realiza”. O Poder da Colaboração é inspirador, inovador, diferente, democrático, onde todos são bem-vindos e acolhidos. Um projeto colaborativo de verdade e na essência. E isso é muito potente. A energia que corre no palco, nos corredores dos eventos, nas mídias sociais é realmente transformadora. As conexões são energizantes. Algo de extraordinário está sim acontecendo no mundo e todos nós estamos contribuindo para essa mudança. Estamos ajudando a transformar a forma como empresas, iniciativas e pessoas se relacionam umas com as outras e com o Planeta. Estamos ajudando a mudar os paradigmas atuais da sociedade e retornando para a nossa essência verdadeira. Da competição para a colaboração. Da escassez para a abundância. Da hierarquia para o trabalho em rede. Do EU para o NÓS. Hoje sei que a minha trajetória me trouxe até aqui. Sempre busquei a colaboração. Sempre busquei as relações com propósito. Eu aprendi que é possível transformar trabalhando, no nosso dia-a-dia, na nossa rotina diária. Eu aprendi que se trabalharmos juntos e em colaboração, conseguimos sim ajudar a solucionar problemas complexos. Aprendi que com colaboração, pessoas com dificuldade financeiras conseguem se superar. Que juntos a gente supera a discriminação. Que pensando em conjunto conseguimos resolver o problema do lixo. Que quando pessoas com mais de 60 anos se movem juntas para pensar e trabalhar, algo incrível acontece. Que para colaborar e inovar não precisamos necessariamente largar nossos empregos, pois empresas têm no seu organograma pessoas que fomentam e acreditam na colaboração. Aprendi que a colaboração tem o dom de trazer alegria, realização e propósito. E posso dizer hoje, com 100% de certeza, que alcancei aquela felicidade plena que eu busquei a vida toda!
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A Confiança como Oxigénio da Colaboração Professor Catedrático Hermano Carmo (CAPP-ISCSP-UL) Antes de mais gostaria de agradecer ao Doutor Rui Marques e à organização deste encontro o convite que me fizeram, simultaneamente honroso, pela confiança demonstrada na utilidade do meu contributo mas, inquietante na complexidade do desafio. Orientarei o meu comentário procurando partilhar convosco as minhas respostas (necessariamente exploratórias) às três questões subjacentes a esta mesa redonda: 1. Porquê um Ano Nacional da Colaboração? 2. Que desafios se perfilam? 3. Que prioridades devem ser estabelecidas? Como chapéu-de-chuva para a minha intervenção, procurei um tema aglutinador e para isso, inspirei-me nos fatores críticos de sucesso do modelo de governação integrada - GOVINT (MARQUES, 2017: 139). De acordo com o modelo, os quatro fatores críticos identificados (a liderança colaborativa, a comunicação de qualidade, a participação esclarecida e a avaliação adequada) só terão possibilidades reais de sucesso, se conviverem num ambiente de confiança.
1. Porquê um Ano Nacional da Colaboração? De facto, a confiança é o verdadeiro oxigénio da GOVINT. Sem ela, todo o sistema entra em fibrilhação e definha. Para entendermos a sua importância estratégica, vale a pena recordar três macrotendências que estruturaram a sociedade mundial na 2ª metade do século passado e que marcam a atual conjuntura: a mudança acelerada, a desigualdade social crescente e a alteração do sistema de poder à escala mundial. Estas três macrotendências tiveram, a meu ver, dois efeitos negativos: • Em 1º lugar, a criação de um ambiente geral de anomia de instituições fundamentais como a família, a escola e o Estado7, que se viram frequentemente sem normas para responder a novos desafios; 7
Todas as instituições foram afetadas pela mudança, desde a família ao Estado, encontrando-se todas elas em situação de instabilidade (FUKUYAMA, 2000).
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• Em 2º lugar, a criação de um clima de insegurança, indiciado por um acréscimo de tensão social e de violência, decorrente da crescente consciência social sobre situações de injustiça e da fibrilhação dos sistemas de Poder, acusados pelas sociedades civis de não cumprirem os seus deveres de reguladores de coesão social e de orientação coletiva. A anomia causada pela mudança e a insegurança decorrente da desigualdade crescente e da alteração dos sistemas de Poder, aumentaram extraordinariamente os níveis de desconfiança entre pessoas, organizações e instituições, como a investigação recente tem demonstrado (FUKUYAMA, 2015). A proliferação de estudos, na Academia, sobre o capital social ou a falta dele, indiciam isso mesmo. Uma das razões para esta situação foi a mudança de valores: o sistema de valores, que funciona em qualquer sociedade como um dispositivo quotidiano de orientação, registou alterações significativas. Há quase 30 anos, com a rutura do equilíbrio bipolar do Mundo do pós-guerra, o tripé doutrinário da revolução francesa sobre o qual assentava o contrato social, desequilibrou-se, em favor do pilar da liberdade e em detrimento dos pilares da igualdade e da fraternidade (CARMO, 2014). Em consequência, valores como a solidariedade e estratégias de funcionamento social como a colaboração, foram progressivamente menosprezados, considerados ineficientes ou utópicos pela retórica neoliberal dominante. Em contrapartida, a competição e o conflito foram exaltados como valores estratégicos e como motores da Inovação e do Progresso. Esta posição baseava-se, a meu ver, em duas mistificações (CARMO, 2016): • Em primeiro lugar numa conceção errada de desenvolvimento, assente na leitura apressada e incompleta da teoria da evolução de Darwin, ignorando que este autor tinha escrito que as espécies haviam evoluído através de um processo, não apenas dissociativo, por competição e conflito, mas também associativo, por cooperação e interajuda (Johnson, 2010)8; • Em segundo lugar, num quadro axiológico deformado, dominado por um transpersonalismo financeiro que elegeu o dinheiro como novo ídolo e por uma obsessão pela notoriedade, expressão de um individualismo triunfalista (STRENGER, 2010).
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Efetivamente, Darwin na sua teoria da evolução, havia observado na Natureza, tanto o processo de competição como o de cooperação e.g. registou que os recifes de coral se formaram a partir da cooperação dos corais com as zooxantelas, como refere Johnson (2010). Infelizmente, só a competição tem sido referida pelas correntes darwinistas sociais, apagando o valor da cooperação.
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A combinação das duas mistificações fizeram aumentar o clima de desconfiança, constituindo um sério obstáculo ao desenvolvimento de personalidades saudáveis (e.g. aumento de depressões infanto-juvenis e autismo social), aumentando a probabilidade de comportamentos antissociais (e.g. intolerância intercultural, autoritarismo, e violência pessoal, social e política) e dificultando seriamente o trabalho colaborativo, indispensável à resolução de problemas sociais, sejam eles simples ou complexos. O que acabo de dizer para a sociedade em geral aplica-se ponto por ponto a Portugal, que, de acordo com dados do European Social Survey apresenta dos mais baixos índices de confiança da Europa (BRITES, 2011). Acresce que para além de afetado por todas as tendências acima descritas, sofreu nos últimos 60 anos uma mudança significativa, tardia mas muito intensa (BARRETO, 1996)9. É neste contexto que se torna imperiosa uma estratégia transversal que permita dotar a sociedade portuguesa (e europeia) de uma cultura de solidariedade, assente na regeneração das relações de confiança. Sem confiança não será possível fortalecer os 4 fatores críticos de uma GOVINT: • Uma comunicação de qualidade indispensável para combater o autismo social; • Uma participação esclarecida, permitindo prevenir manipulações e populismos; • Um sistema de liderança colaborativa, possibilitando orientações adequadas consoante as circunstâncias; • Uma avaliação adequada, propiciando o monitoramento e correção em tempo real das práticas. Por tudo isto, parece fazer todo o sentido o lançamento de um Ano Nacional da Colaboração e, a meu ver, privilegiar a confiança como valor básico a cultivar.
2. Que Desafios se Perfilam? A 2ª questão colocada pela temática desta mesa redonda é a de saber que desafios se perfilam à GOVINT. Para lhe responder recorri a 3 relatórios prospetivos, produzidos nos últimos anos por agências patrocinadas pelas Nações Unidas (Pintasilgo, 1998), pela União Europeia (Gnesotto e Grevi, 2008) e pelos Estados Unidos (Adler, 2009) que, para um horizonte de 2025 apontam vários desafios e outros tantos caminhos para os enfrentar (CARMO, 2011: 231). 9
E.g. industrialização e urbanização tardia, guerra de 13 anos, revolução, descolonização democratização, integração na CEE, choque tecnológico, vulnerabilidade endémica às crises externas, etc.
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Destes relatórios, podemos eleger seis desafios principais, com que o Mundo em geral, e o nosso país em particular, vão enfrentar: • O envelhecimento global; • O acréscimo de migrações, tanto por razões económicas como político-militares; • A crise ambiental; • O esgotamento do atual modelo de desenvolvimento que perdurou sobretudo desde a revolução industrial; • O agravamento de situações de exclusão social e de pobreza, com efeitos poderosos na coesão social e na orientação coletiva; e • O aumento da instabilidade e a violência. Para ultrapassar tais ameaças, os referidos relatórios apontam claramente três rotas de intervenção: • Em primeiro lugar a necessidade de se construir uma nova visão global ancorada na ideia de sustentabilidade ambiental, económica, social e cultural; • Em segundo lugar, a operacionalização de tal visão em novas políticas públicas relativas ao ambiente, à população, à educação, ao trabalho à saúde e à igualdade de género; • Em terceiro lugar, à mobilização das forças sociais, e dos recursos disponíveis na sociedade civil, uma vez que os desafios não podem ser enfrentados apenas pelas agências públicas, mas em parceria. Estes seis desafios são gigantescos, exigindo estratégias adequadas, permitindo-me salientar seis, a meu ver indispensáveis para encarar os desafios com algum realismo: I. Quanto à questão do envelhecimento, é fundamental encarar os velhos como sujeitos da História de que continuam a ser protagonistas. Assim, há que assumir esse grupo com um parceiro social ativo, sempre que a saúde o permita, não desperdiçando a sua experiência, e que fortalecer a sua proteção em termos de saúde e de segurança social, tendo consciência que, pelo facto de envelhecerem não deixaram de ser cidadãos com direitos cívicos, económicos e sociais; II. Relativamente aos migrantes, urge desenvolver uma visão que os considere como cidadãos do Mundo com direitos e responsabilidades, suscetíveis de se transformarem em ativos nacionais, não desperdiçando os seus talentos e facultando-lhes a proteção social adequada; III. No que concerne ao desafio ambiental, não basta a indispensável ação política em termos internacionais e à escala nacional: haverá que envolver cada cidadão na resolução quotidiana dos problemas, apelando à sua responsabilidade social;
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IV. Em termos de modelo de desenvolvimento, é urgente garantir a transição pacífica para uma economia de partilha justa de recursos, suscetível de promover maior coesão social (ALGORE, 2015; KRUGMAN, PIKETTY e STIGLITZ, 2015; RIFKIN, 2016). V. Em relação à exclusão social e à pobreza, toda a ação deverá partir do pressuposto que o excluído é um cidadão-parceiro, carente de apoio para se autonomizar, exigindo-se estratégias que visem a sua sustentabilidade como pessoa; VI. Finalmente, no que respeita à insegurança e a violência, será fundamental fomentar a responsabilidade social num processo bottom-up, no sentido de criar uma cultura de paz, através de um processo ativo de educação para a cidadania (CARMO, 2016).
3. Que Prioridades Devem ser Estabelecidas? A complexidade dos desafios e das estratégias obriga-nos a uma concentração de recursos e, também por isso, ao estabelecimento de prioridades que deverão ser definidas pela sua urgência, sempre que o direito à vida esteja em jogo – e pela sua importância – de acordo com o impacto social, ambiental e económico dos desafios. O Ano Nacional da Colaboração poderá constituir uma iniciativa mobilizadora da opinião pública não só para a consciencialização dos desafios e estratégias que mencionei, mas também para algumas ações prioritárias. Gostaria por isso, de terminar a minha intervenção com a enunciação de algumas tarefas que se me afiguram prioritárias, para fomentar a confiança (numa lógica bottom-up a fim de garantir o princípio da subsidiariedade) e, por consequência, para elevar o nível de capital social: • Em 1º lugar, para fomentar a confiança no plano das relações interpessoais, (escala micro), há que investir fortemente em programas de educação prática e precoce para a cidadania, particularmente nos domínios da autonomia da solidariedade e da responsabilidade social (CARMO, 2014: 193). • Ao nível organizacional (meso), o fomento da confiança deve ser fortalecido tanto nas relações laborais (e.g. concertação social e gestão de RH personalista) como no desenvolvimento de redes de parcerias que, por exigirem trabalho colaborativo como condição de existência, terão o efeito derivado de se tornarem viveiros de capital social. • Finalmente, à escala comunitária e política, tendo como pano de fundo o desenvolvimento de uma cultura de solidariedade, penso ser prioritário investir na revitalização das comunidades de vizinhança de modo a fortalecer os vínculos das famílias às escolas e às respetivas zonas residenciais, para as tornar amigas das famílias, aumentando o potencial de controlo informal, melhorando a qualidade da comunicação e da participação e os consequentes níveis de segurança e confiança.
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Não quero terminar, sem partilhar uma ideia que tenho há vários anos, desde que terminou o Serviço Militar Obrigatório. Com a sua extinção, também se perdeu uma missão que aquela instituição tinha, que era a de dar consciência nacional a todos os jovens do sexo masculino. • E se, no Ano Nacional da Colaboração (2019) viesse a ser proposta a criação de um Serviço Cívico Nacional (SCN), ainda que voluntário, com uma política de benefícios que facilitasse a posterior inserção na vida ativa, para jovens de ambos os sexos após a conclusão da sua formação inicial? • E se também se propusesse um Serviço Cívico à escala europeia, com uma lógica análoga à do Programa ERASMUS? Provavelmente o sonho de uma Europa unida transformar-se-ia em realidade através de um processo Bottom-up… Fica o delírio utópico. Ou será um inédito viável? Obrigado pela vossa atenção.
Bibliografia ADLER, Alexandre (apresentação), 2009, O novo relatório da CIA: como será o mundo em 2025? Lisboa Bizâncio AL GORE, 2015, O futuro: seis forças que irão mudar o mundo Lisboa, Conjuntura Atual BARRETO, António 1996, A situação social em Portugal, 1960-1995, Lisboa, ICS. BRITES, Rui, 2011, Valores e Felicidade no século XXI, Lisboa, ISCTE, tese de doutoramento CARMO, H. 2011, Teoria da política social: um olhar da ciência política, Lisboa, ISCSP CARMO, H. 2014, Educação para a cidadania no século XXI: trilhos de intervenção, Lisboa, Escolar Editora CARMO, 2016, A paz e a cidadania global no contexto de uma estratégia de educação para a cidadania in, Simpósio Internacional de educação e pedagogia sobre Paz e cidadania global (15-16 de Setembro de 2016) FUKUYAMA, Francis, 2000, A grande rutura: a natureza humana e a reconstituição da ordem social, Lisboa, Quetzal FUKUYAMA, Francis, 2015, Ordem política e decadência política: da revolução industrial à globalização da democracia, Lisboa D. Quixote GNESOTTO Nicole e GREVI Giovanni, 2008, O mundo em 2025 segundo os especialistas da União Europeia, Lisboa, Bizâncio
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JOHNSON, Steven, 2010, As ideias que mudaram o mundo: a história natural da inovação. As estratégias para cultivar as nossas futuras descobertas criativas, Lx, Clube do Leitor KRUGMAN, PIKETTY e STIGLITZ, 2015, Debate sobre a desigualdade e o futuro da economia, Lisboa, Relógio d´Água MARQUES, Rui, 2017, Problemas sociais complexos e Governação Integrada, Lisboa, GOVINT OSTROM, Elinor, et al, eds., 2002, The drama of the commons, National Academy of Sciences PIKETTY, Thomas, 2014, O capital no século XXI. Lisboa, Temas e Debates. Círculo de Leitores PINTASILGO, M.L., 1998, Cuidar o Futuro: um programa radical para viver melhor, Lisboa, Trinova RIFKIN, Jeremy, 2016, A sociedade de custo marginal zero: a internet das coisas, a comunidade dos bens comuns e o eclipse do capitalismo, Lisboa, Bertrand STRENGER Carlo, 2012 O medo da insignificância como dar sentido às nossas vidas no século XXI, Alfragide, Lua de Papel
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Relatórios e Documentos dos Grupos de Trabalho do Forum para a Governação Integrada
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Relatório do Grupo de Trabalho de Fator Crítico “Participação e Abordagens Colaborativas” Grupo de trabalho: Lia Vasconcelos (FCT/UNL), Álvaro Cidrais (RUMO), Alexandre Teixeira, Alessandro Colombo (Dinâmia-Cet), Ana Oliveira, Ana Vizinho, Helena Farrall, Isabel Rebelo (SEIES), Isabel Sousa (ULusiada), Joana Pinheiro, Maria João Freitas (LNEC), Micael Sousa, Roberto Falanga (ICS), Teresa Ramos (CMC), Sheila Holz (LNEC), Raquel Fernandes (IPAV)
Sinopse A IVª Conferência Internacional do Forum para a Governação Integrada “E que tal se colaborássemos?”, decorreu em Lisboa no Cinema São Jorge e na Casa-Museu Medeiros e Almeida, nos dias 30 e 31 de janeiro, como preparação do Ano Nacional da Colaboração (2019). A Conferência ofereceu um espaço de reflexão e partilha envolvendo profissionais, académicos e políticos, na promoção de uma cultura organizacional de colaboração. Os “Colaboratórios” foi uma sessão paralela organizada neste âmbito pelo grupo de trabalho Transversal Participação e Abordagens Colaborativas (GT_PAC) do Forum de Governação Integrada (Govint), que decorreu no dia 31 de Janeiro de 2018 na Casa-Museu Medeiros e Almeida das 11h às 12h30. Esta sessão contou com a presença de cerca de 50 participantes e ocorreu em ambiente dinâmico e informal, com um envolvimento ativo de todos. Este exercício dos “Colaboratórios” testou um JOGO composto por Arenas e Cartas, e permitiu robustecer os sentidos a elas atribuídos, bem como explorar respostas às três perguntas colocadas inicialmente ao GT_PAC: O que motiva à participação? O que é passível de assegurar eficiência aos processos participativos/colaborativos? O que é passível de garantir eficácia aos processos participativos/colaborativos?
1. Enquadramento Os “Colaboratórios” foi uma sessão paralela organizada neste âmbito pelo Grupo Transversal Participação e Abordagens Colaborativas (GT_PAC) do Forum de Governação Integrada (Govint), que decorreu no dia 31 de Janeiro de 2018 na Casa-Museu Medeiros e Almeida das 11h as 12h30. Esta sessão contou com a presença de cerca de 50 participantes.
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Este documento reporta a sessão dos Colaboratórios e está estruturado em 4 componentes: 1. Introdução; 2. O Jogo “Colaboratórios”; 3. Exploração da resenha de contributos dos participantes; 4. Considerações finais.
2. Introdução O GT_PAC iniciou a sua atividade em julho de 2016, e pauta-se pelos objetivos enunciados para os trabalhos do Forum: • Desenvolver e aprofundar a compreensão dos problemas complexos abordados (e.g., pobreza, exclusão social, maus tratos de crianças, pessoas sem abrigo…); • Promover a discussão e a reflexão sobre modelos de governação integrada aplicados a estes problemas complexos, através de estudos de caso e acompanhamento de experiências em curso ou a desenvolver; • Aprofundar o conhecimento sobre os fatores críticos de sucesso da governação integrada nomeadamente Participação, Colaboração, Avaliação/Monitorização, Liderança e Comunicação; • Disseminar esse conhecimento através de publicações, conferências e ações de formação com particular atenção à produção de documentos/ferramentas centrados no “como fazer?” numa perspetiva muito prática e aplicada a realidades concretas; • Desenhar intervenções de governação integrada que possam ser úteis para a gestão de problemas complexos; • Promover o acompanhamento e apoio técnico a projetos de governação integrada. O GT_PAC desenvolveu um Jogo de cartas (“Colaboratórios”) para a exploração de fatores críticos inerentes a estas abordagens quando aplicadas a questões de governação integrada em torno de problemas complexos, que colocou a teste na sessão paralela da IVª Conferência Internacional Govint. Esta sessão visou promover a exploração multifacetada deste Jogo a partir da conceptualização dos processos colaborativos, ambicionando ser uma ferramenta útil para a partilha, discussão e/ou análise de dinâmicas colaborativas.
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Do trabalho já feito e da experimentação em diversas sessões de exploração deste jogo, tem-se verificado o seu potencial em vários contextos de processos colaborativos, nomeadamente o brainstorming no início, a forma de os estruturar e a sistematização da avaliação. Para a presente sessão optou-se por permitir a distribuição dos participantes por 5 mesas, cada uma com um tema e regras específicas diferenciadas das outras. Um facilitador do GT_PAC foi destacado para cada mesa para acompanhar os trabalhos e assegurar a logística. No final da sessão recolheram-se os contributos escritos dos participantes, que foram posteriormente registados e analisados nos seus conteúdos e expressões. É o resultado da análise desses contributos que figura neste documento. No final da sessão foi ainda feito um debriefing sobre a experiência, tendo os participantes valorizado amplamente o potencial deste Jogo para promover a “Reflexão” conjunta através da “Partilha” de ideias e experiências. Este Jogo mereceu a “Curiosidade” e “Estimulou a Conversa” tendo os participantes expressado a vontade de continuar a sua exploração e valorizado o jogo por provocar “Inquietações” positivas.
3. O Jogo O JOGO é composto por um baralho construído pelo GT_PAC com 22 cartas. Destas, 6 correspondem a Arenas (onde as questões colaborativas podem ser decididas) e 16 correspondem a dimensões relevantes que podem ser jogadas nas Arenas para o debate, análise ou promoção de dinâmicas colaborativas (Figura 1). Sendo um jogo abstrato e sem definições concretas deixa margem para os participantes dele se apropriarem, operacionalizarem e reformularem. O percurso expectável para este jogo de cartas será uma multiplicação de experimentações, pelo que ficará disponível no site do GovInt na pasta dedicada a este grupo de trabalho, convidando todas e todos que o venham a aplicar a partilhar a sua experiência nesta fase de teste, para melhor viabilizar o seu desenvolvimento.
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Figura 1 - Jogo “Colaboratórios”: Arenas e Cartas
3.1. Regras das mesas
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Nesta sessão foram ensaiadas várias regras (1 por mesa) que foram distribuídas aos participantes na sessão e que estão disponíveis no baralho de cartas para teste (cf fac simile na Figura 2).
Estas Regras foram complementadas por um código de ética que garantia (i) o direito de decisão sobre a partilha da imagem e/ou outros dados pessoais (i.e. na redes sociais ou outros contextos e/ou materiais de divulgação) e (ii) (ii) o direito a reserva e registos “em off” sempre que alguém não autorizasse a divulgação de ideias expressas e/ou partilhadas fora do contexto do Jogo. As mesas prosseguiram os seguintes motes para o desenvolvimento do Jogo: Mesa 1 – uma intervenção de base territorial; Mesa 2 – um Orçamento Participativo Mesa 3 – Abordagens Colaborativas Mesa 4 – uma Rede Social Mesa 5 – Abordagens Colaborativas
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Figura 2 - Regras utilizadas no Jogo “Colaboratórios”
4. Arenas, Cartas, Post-its - Explorando os contributos dos participantes 4.1. Metodologia A partir do registo dos contributos dos participantes foi feita uma análise em várias fases, explorando o significado que lhes foi atribuído e respectivos sentidos dominantes. A categorização, sistematização e cruzamento dos resultados teve por base as Arenas, Cartas e Post-its, tendo-se obedecido aos seguintes passos: 1. Registo dos conteúdos (post-its); 2. Registo da indexação dos post-its às cartas e arenas em que foram jogados; 3. Análise de conteúdo dos contributos por Arenas e identificação de categorias analíticas; 4. Identificação de perguntas/inquietações que estavam subjacentes aos comentários registados nos post-its; 5. Análises cruzadas quantitativas e qualitativas de incidências de conteúdos nas cartas e arenas.
Em decorrência deste exercício foram estabilizadas as seguintes categorias analíticas: 58
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1. Sistema de Governância - (Que organização? Como?) – rede e legitimação para a participação; intensidade de envolvimento dos atores; compromisso e co-responsabilidade; 2. Champions/Triggers - (O que move / estimula /desestimula?) – engajamento dos agentes; catalisadores externos; 3. Sentido/Significado/Sentidos para a ação – (O que guia? Para quê?) – sentidos e significados; enquadramentos; 4. Proximidade/Relação - (o que cola / agarra / desagarra?) relação entre atores; respostas de proximidade; quebra de isolamento; 5. Objetos - (o que nos move? porque estamos a fazer isto?) – práticas/resultados; 6. Recursos/Condições Operativas - (O que é preciso para a avançar?) – recursos disponibilizados; condições operativas. 4.2. Análise e Discussão dos Resultados No total foram recolhidos 145 contributos no conjunto das 5 mesas que se apresentam na Tabela 1. Estes contributos foram agrupados de acordo com as Arenas e as Cartas nos quais foram inseridos (em post-its), tendo sido possível identificar uma diversidade relevante da sua incidência quer relativamente às cartas quer às arenas em jogo, embora tenham sido indexados contributos a todas elas. Tabela 1 - Resumo de incidências (arenas e cartas)
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Esta diversidade de intensidade de incidências foi igualmente identificada através da discriminação dos seus conteúdos, quer relativamente à sua indexação às arenas (ver Tabela 2), quer às cartas (ver Tabela 3). Tabela 2 - Tipo de conteúdos por Arena
Legenda Arenas: Quadro de Referência Partilhado (QRP); Proximidade Afetiva (PA); Materialidades (MAT); Forma (FOR); Energia (ENE); Contexto (CNT)
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Tabela 3 - Tipo de conteúdos por Cartas
Nota: o nº de indexação a cartas é inferior ao nº de indexação a arenas, uma vez que se registaram comentários apenas indexados a arenas que não foram contabilizados neste quadro.
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4.2.1. Sinopse de Resultados por Grupos de Contributos Uma análise simples dos conteúdos através do recurso às categorias agregadas identificadas (cf. Figura 3) permitiu identificar três grandes blocos de incidências. O primeiro grande bloco de questões que mereceu atenção remete para (i) preocupações sobre a forma como nos organizamos (sistemas de governância), sobretudo no que diz respeito ao tipo de rede e estrutura utilizada e ao tipo de legitimação encontrado para a participação, como facilitadores de envolvimento, compromisso e co-responsabilização na ação (44 contributos). O que Faz Mexer? (145)
Figura 3 - Sinopse da categorização dos resultados
De seguida, evidencia-se um segundo bloco que remete para (ii) os estímulos e energias encontrados dentro e fora de cada um - a que denominamos de “champions” (30 contributos); (iii) os sentidos para a ação e a clareza que a guia (26 contributos); assim como (iv) a relação 62
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e proximidade afetiva estabelecida entre uns e outros, e com o sentido da ação a desenvolver, como aquilo que cola, agarra e desagarra dos processos (22 contributos). Com menor incidência, mas ainda assim relevante, evidenciaram-se, num terceiro bloco (v) contributos que remeteram para a natureza dos porquês e do que move a ação colaborativa na relação com os seus objetos (14 contributos), assim como (vi) questões relacionadas com as condições operativas necessárias ao fazer avançar os processos (9 contributos). 4.2.3. Sinopse de Resultados por Arenas Relativamente às arenas, o tipo de Energia em presença desencadeada pelos estímulos internos e externos e pelos sentidos para e da ação, foi a Arena que acolheu maior número de contributos (33), logo seguido pela do Contexto, no que este possa estimular de possibilidades de ação e de sistemas de governância partilhados e colaborativos (30)
Em que Arenas? (145)
Figura 4 - Sinopse de Resultados por Arenas
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Concomitantemente, a Arena da Proximidade Afetiva acolheu contributos relacionados com o que agarra na relação e gera confiança e compromissos (28), bem como o Quadro de Referência Partilhado no que releva para a estabilidade dos sistemas de governância e para a consolidação do sentido de ação (26). De forma menos expressiva, mas ainda assim relevante, as Arenas relacionadas com a Forma e Materialidades acolheram respetivamente 16 e 13 contributos. 4.2.3. Sinopse de Resultados por Cartas Relativamente às cartas, todas elas foram jogadas embora com diferenças de intensidade, merecendo comentário as que mais se destacaram (cf Figura 5).
Cartas? (145)
Figura 5 - Sinopse de Resultados por Cartas
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Em primeiro lugar a carta Ação (19) foi a mais acionada, na sua força energética quando acompanhada por sentidos claros e em contextos de governância alargados. Esta carta foi sobretudo jogada para estabilizar sentidos e quadros de referência, orientadores para a ação e para a consolidação de práticas e resultados. Quando jogada, esta carta foi acionada para identificar lacunas nos contextos de partida, mas igualmente como potencial de garantia de fios condutores e de mobilização dos atores para práticas colaborativas consequentes. Também a carta Poder (14) acolheu contributos associados a sistemas equilibrados na sua repartição, facilitadores de co-responsabilização dos atores e com lideranças efetivas. Esta carta emerge sobretudo associada à forma como o Poder é concentrado e/ou distribuído no seio do sistema da Ação e aos efeitos de desmobilização que pode provocar quando se verificam quadros de maior concentração hegemónica do seu exercício. Embora de forma mais residual, esta carta (Poder) emerge também associada a fatores de iniciativa e/ou forma de exercício de liderança passível de viabilizar energias alternativas e mais eficazes ao desenvolvimento das ações. Esta carta aparece indexada sobretudo na Arena de Contexto - na configuração das formas de agir - embora também tenha marcado presença nas Arenas de Energia e no QRP - sobretudo quando referenciado nas suas expressões alternativas de distribuição não hegemónica. A carta Propósitos (12) foi igualmente bastante associada a comentários que remetem para estratégias, objetivos, prioridades e metas partilhadas. Esta carta surgiu indexada predominantemente a mais-valias de estratégias e sentidos claros na configuração da ação e ao alargamento da participação cidadã nesta configuração, em garantia de melhores condições de eficiência e eficácia. Em relação às Arenas, a carta dos Propósitos foi predominantemente indexada à Arena das Materialidades - nas consequências da sua expressão - e da Forma - nas consequências da sua adoção ou não adoção em regimes de participação mais alargada. Embora de forma menos expressiva esta carta pontuou ainda nas Arenas de Energia e do QRP, como vantagem para a consolidação de sentidos e significados estratégicos para a ação. Também a carta Confiança (12) foi sobretudo utilizada para referenciar a necessidade de se assegurar estabilidade e vínculos com o sentido de e para a ação. Esta emergiu indexada à estabilidade e vínculo efetivo dos atores no sistema de ação, e ao tipo de relação e proximidade que viabiliza para ações conjuntas e concertadas. Também surgiu como relevante enquanto resultado de reconhecimento e valorização de autonomias para a motivação e satisfação no desempenho de tarefas. Esta carta foi identificada como relevante sobretudo na configuração de Proximidades Afetivas e estabilização do QRP podendo reconfigurar Contextos e Energias mais favoráveis a uma ação coletiva.
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Também as cartas Catalisadores (11), Compromissos (11) e Empatia (11) foram utilizadas como fatores desbloqueadores de um envolvimento efetivo e como fundamentais ao estabelecimento de relações robustas para a ação. A carta dos Catalisadores foi utilizada transversalmente a todos os tópicos embora surja indexada sobretudo a fatores de mobilização e estímulos de natureza externa. Esta carta foi identificada em todas as Arenas (à exceção da Forma) tendo, no entanto, pontuado sobretudo nas Arenas do Contextos e Energia. A carta Compromisso foi indexada predominantemente à intensidade de envolvimento e à intensidade de co-responsabilização subjacentes à configuração do sistema de governância. Esta carta foi associada à Arena da Forma - no que remete para opções de sistemas de ação mais alargados - e à Arena do QRP - no que remete para a clarificação e efetivação dos papéis a desempenhar pelos atores em sistemas colaborativos em banda mais larga. Por sua vez, a carta Empatia surgiu associada predominantemente à construção de condições e possibilidades para efetivação de relações, com consequências em ações coletivas (baseadas no hétero-reconhecimento uns dos outros) e passível de sustentar sentidos partilhados para a ação. Esta carta tem uma relação muito significativa com a Arena da Proximidade Afetiva, embora com potencial para reconhecimento de Contextos mais heterogéneos e construção de QRP. Análise Cruzada de Conteúdos No entanto, a distribuição dos contributos quer pelas Arenas, quer pelas estruturas de conteúdos não apresenta uma forma homogénea. Relativamente aos conteúdos relacionados com a forma como nos organizamos (sistema de governância) estes foram acionados em todas as Arenas - à exceção da Arena relacionada com a Energia. As cartas mais utilizadas na configuração destes conteúdos foram as relacionadas com Poder, Compromissos, Confiança e Propósitos. Sobre o que nos estimula ou desestimula (motivação – champions), estes contributos foram sobretudo acionados nas Arenas Energia e Contexto, tendo sido as cartas Catalisadores e (Im) possibilidades as que mais se destacaram para os traduzir. Relativamente à clareza do que guia e dá sentido para à ação também praticamente todas as Arenas foram acionadas (à exceção da Proximidade Afetiva) tendo sido as cartas Ação, Propósitos e Valor as que mais aqui se destacaram.
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E que tal se colaborássemos?
Quanto ao que cola, agarra ou desagarra a viabilidade da ação, todos estes contributos foram jogados na Arena Proximidade Afetiva acionando as cartas Empatia e Confiança. Os contributos relacionados com o que é passível de fazer mover e justificar a relação da ação com os seus objetos foram sobretudo acionados nas Arenas de Energia, Contexto e Materialidades, sendo também aqui a carta Ação, aquela que foi mais jogada. Já no que respeita a contributos relativos a condições operativas ou recursos necessários para avançar, embora menos expressivos, estes foram dispersos pelas Arenas da Energia, Materialidades e Forma, não havendo nenhuma carta que se tenha destacado, muito embora as cartas Tempo e Recursos tenham sido aquelas que recolheram mais contributos.
5. Considerações Finais Este exercício dos “Colaboratórios” na sessão GovInt permitiu robustecer sentidos para as Arenas e dimensões em presença, bem como explorar respostas às três perguntas colocadas inicialmente ao GT_PAC: O que motiva à participação? O que é passível de assegurar eficiência aos processos participativos/colaborativos? O que é passível de garantir eficácia aos processos participativos/colaborativos? 5.1. Sobre as Arenas A Forma revelou-se como a Arena que incorpora todas as dimensões relevantes para a evolução do processo. Esta Arena configura-se como a que poderá ditar todos os sucessos e insucessos e que poderá fazer vingar a ação ou torná-la infértil ou inconsequente. Esta foi identificada, desde logo, a arena da experimentação das primeiras mudanças almejadas no sistema de governância/de como nos organizamos para agir. A relevância de sistemas de ação construídos em banda larga (inclusivos e equilibrados, sem hegemonias autocráticas) foram valorizados para a configuração dos Poderes em presença. Quando estes configuram e são desenvolvidos na Arena da Forma, esta permite criar segurança por parte dos atores nos sentidos e propósitos partilhados e assegurar a sua disponibilidade para Compromissos e soluções colaborativas. Por exemplo, um dos casos trabalhados numa das mesas referenciou concretamente como a alteração dum sistema de ação difuso para um sistema mais alargado e menos hierárquico permitiu abrir campos de possibilidades para um maior compromisso e satisfação dos vários intervenientes, com consequentes impactos nos resultados.
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O Contexto evidenciou-se como a Arena que serve de referência e de barómetro ao grau de crédito, envolvimento, disponibilidades, alavancagem de capacidades e satisfação para agir. Estes emergem como decorrentes da forma como se vão jogando os Poderes e avaliando os campos de possibilidades. Os contexto(s) acabam por revelar, alavancar ou bloquear os campos de (im)possibilidades ao longo de todo o processo, e por isso emergir não apenas como ponto de partida ou chegada, mas como campos em constante evolução e transformação. Por exemplo, nas mesas foi frequentemente referido o percurso não linear (avanços e recuos) destas transformações nos Contextos. Nestes, sentidos mais ou menos positivos, funcionavam como catalisadores ou retardadores do avanço das ações. O Quadro de Referência Partilhado afirmou-se como a arena onde tudo se começa por jogar para a configuração das possibilidades dos fios condutores e da força da ação. É a arena onde, emparelhando com a Forma, se vão consolidando os sistemas de ação e colaboração a desenvolver. É de relevar que para a configuração destes quadros de partilha foi evidenciado o facto de estarem ancorados na própria ação e nos seus propósitos e valores orientadores, de modo a poderem sustentar relações e compromissos férteis entre os seus agentes. Por exemplo, em todas as mesas foi sobretudo partilhado o impacto negativo quando tal não acontecia, ou seja, quando as experiências partilhadas foram vividas na ausência de um Quadro de Referência Partilhado ou marcadas por sentidos pouco claros, não facilitando a acomodação de sistemas de governância mais alargados e esclarecidos. A Proximidade Afetiva evidenciou-se como a Arena que consolida, que agrega, que agarra possibilidades de ação baseadas em relações empáticas entre os diferentes atores e destes com os seus objetos de ação. Isto foi valorizado sobretudo quando dá lugar a relações de respeito mútuo e a sistemas de governância equilibrados e transparentes. Também nas mesas foi praticamente consensual a mais-valia de ganhos de proximidade afetiva e relações empáticas, quer no robustecer de possibilidades nos contextos, quer como recurso de mobilização para acções de natureza mais coletiva. As Materialidades afirmou-se como a Arena onde se vão consolidando drivers e as evidências dos sentidos, propósitos e impactos das próprias ações. É a Arena da ação propriamente dita, materializada não apenas nos seus resultados, mas desde logo nos seus fundamentos expressos na presença de sistemas de governância e sentidos para a ação aos quais podem ser associadas, ao longo do processo, as condições operativas. É também a Arena que agarra os objetos nos impactos e nas concretizações que se esperam que nele aconteçam. Por exemplo, em todas as mesas a necessidade de fixar o sentido da ação a resultados concretos, que materializem as transformações e que justificam a presença dos atores no terreno, foi muito mencionado como Materialidade.
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A Arena da Energia revelou-se como sendo muito mais do que o que precisamos como condições operativas e de recursos para avançar. É a que resulta de catalisadores variados e daquilo que se vai conseguindo ao longo do desenvolvimento da ação colaborativa. Na Arena Energia joga-se tudo o que é preciso de consolidação de sentido, de segurança no sistema de governância, nos vínculos e relação construída entre os atores, enquanto fatores relevantes para criar confiança e estabilidade para a ação e efetividade nos resultados concretos. Por exemplo, em todas as mesas foram vários os fatores apontados como fonte e motor de Energia revelando que o processo em si gera Energia, que pode ser vertida para o seu desenvolvimento. A Energia gera ação e ação gera Energia, evidenciando-se como “fonte de estímulos, força e motor dos processos colaborativos”. Ainda com base no JOGO dos Colaboratórios e nos contributos recolhidos nesta sessão é possível avançar com hipóteses de revisita dos conceitos de motivação, eficiência e eficácia, subjacentes às questões que foram colocadas inicialmente a este GT_PAC. 5.2. O que Motiva à Participação? Verificámos que as Arenas onde a motivação se pode jogar são: (i) A do Contexto quando este convida a compromissos alargados e posteriormente os consegue viabilizar (i.e. quando perante impasses ou bloqueios são ensaiadas soluções coletivas); (ii) A da Forma quando esta permite desenvolver “sistemas de governância e de ação alargados e com poderes equilibrados” (i.e. quando existe equilíbrio de co-responsabilidades e a decisão é partilhada, e os atores sentem que contam e podem fazer a diferença); (iii) A das Materialidades quando nesta são reconhecidos “sentidos e propósitos claros” e “acções com sentidos partilhados”(i.e. quando é reconhecida evidência de coerência e partilha de propósitos); e (iv) A da Energia quando os processos são “catalisados” por forças externas personalizadas (i.e. alguém capaz de desencadear e conduzir os processos ou alguém em quem se confie) ou quando as voltas anteriores permitem co-produzir “crédito” e “esperança” aos processos, no que eles podem fazer de diferença e desencadear vontades ou disponibilidades endógenas ao sistema de atores em presença. Assim poder-se-ia dizer que a motivação para a participação e implicação ativa poderá ser encontrada em Contextos desafiantes, mas com capacidade de promover e alterar as suas Formas de agir através de sistemas de ação alargados e com distribuição de poderes equilibrados (sistemas de governância integrada), suscetíveis de permitir Materializar a co-produção de sentidos e propósitos claros para a ação, e de produzir retro-alterações no Contexto com compromissos passíveis de catalisar e produzir Energia no sistema, através de novas possibilidades para a ação.
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5.3. O Que é Passível de Assegurar Eficiência aos Processos Participativos/Colaborativos? Verificámos que as Arenas onde as condições de eficiência se podem jogar são: • A do Contexto, quando neste se relevam novos campos de possibilidades na reversão de impasses ou de impossibilidades (i.e. quando soluções coletivas permitem avanços e evidências de transformação nas suas estruturas); • A da Proximidade Afetiva quando esta sustenta relações de maior proximidade e “empatia” (i.e. quando estas relações permitem agilizar e focalizar a ação nos seus sentidos partilhados, apesar das diferenças e diversidade de atores em presença, através do reconhecimento e respeito mútuo decorrente destas relações “empáticas”); e • A da Energia em processos de alargamento e internalização progressiva dos “catalisadores” das ações a desenvolver (i.e. quando o próprio campo de possibilidades reforça e mobiliza uma disponibilidade para a ação mais generalizada e encontra forças no seu próprio desenvolvimento endógeno). Assim poder-se-ia dizer que a eficiência de processos colaborativos poderá ser sobretudo assegurada através de Contextos reforçados no seu campo de possibilidades, disponíveis para o desenvolvimento de empatias e Proximidades Afetivas na relação com a diversidade de atores em presença, baseada no respeito mútuo, na segurança dos propósitos e sentidos partilhados para ação e na viabilidade de concretização de ações consequentes. Neste processo o campo de (Im)possibilidades transforma-se em novos Poderes, e a Proximidade Afetiva emerge como Materialidade e Energia que cola e reforça a catalisação para a ação. 5.4. O Que é Passível de Garantir Eficácia aos Processos Participativos/Colaborativos? Verificámos que as Arenas onde as condições da eficácia se podem jogar são: • A do Contexto na expressão dos novos campos de possibilidades em evidências de transformação dos quadros de partida (i.e. quando nos contextos são reconhecidos sinais de transformação quer dos modos de organização quer das energias em presença); • A do Quadro de Referência Partilhada quando a sua consolidação e generalização permitem suscitar condições, vontades e disponibilidades para ações de natureza mais colaborativa e integrada (i.e. quando são reconhecidas condições de esperança e sentido partilhado em torno de valores e propósitos claros para a ação); e • A das Materialidades expressa em compromissos e sentidos efetivados em torno de ações concretas (i.e. quando toda a arquitetura de sentidos partilhados e compromissados se traduz em ações consequentes e concretas, e na revelação de contributos para a transformação e/ou reversão dos campos de intervenção).
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Assim poder-se-ia dizer que a eficácia de processos colaborativos poderá ser sobretudo assegurada através da efetivação dos compromissos e de ações concretas no campo das Materialidades, suscetíveis de consolidar um Quadro de Referência efetivamente Partilhado e de produzir as transformações almejadas nos Contextos. Esta efetividade ganha força através dos resultados materializados e consubstanciados em ações concretas e orientadas para os objetos, quando assente numa Energia (para além dos recursos e condições operativas utilizadas) renovada e sustentável, que fica como legado para a consolidação das transformações dos contextos. Na expressão de um participante: “Colaborar é fascinante!”
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Relatório do Grupo de Trabalho Temático “Envelhecimento/Políticas Integradas para a Longevidade” 10 Mário Rui André (coord.) (Santa casa da Misericórdia de Lisboa)
1. Introdução A Matriz para a Promoção do Envelhecimento na Comunidade, apresentada na IV Conferência Internacional GovInt, resulta do caminho percorrido ao longo de 4 anos (2013-2017), na abordagem ao problema social complexo (PSC) do Isolamento na Velhice e, consequentemente, na premência de se desenvolverem políticas integradas para a longevidade e o envelhecimento, assentes numa perspetiva holista da Pessoa e do seu ciclo de vida. Foram várias as etapas ultrapassadas e as metas alcançadas para se chegar até aqui. A primeira etapa teve como meta a realização de um Workshop, no âmbito da 1ª Conferência Internacional “Problemas Sociais Complexos: Desafios e Respostas”, com o objetivo de se proceder a uma primeira aproximação à complexidade da problemática dos Idosos Solitários (Atas da Conferência Internacional, 2014); a segunda etapa consubstanciou-se em duas metas: a primeira consistiu em desenhar o Mapa Conceptual da complexidade dos problemas associados ao Isolamento na Velhice (Anexo 1), e a segunda meta que consistiu na construção do Mapa Cognitivo das Políticas Integradas para a Longevidade (Anexo 2, a descrição do percurso percorrido nesta etapa encontra-se disponível para consulta nas Atas da 2ª Conferência Internacional, 15 e 16 de outubro de 2015, “Governação Integrada: a experiência internacional e desafios para Portugal”); a terceira etapa visou, com base no mapa conceptual das políticas integradas para a longevidade, construir uma proposta de Modelo Sócio-ecológico das Determinantes do Envelhecimento na Comunidade (Anexo 3), cuja dinâmica levou à elaboração do documento impulsionador da construção de um referencial GovInt para o envelhecimento na comunidade (Machado, 2017).
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Grupo de trabalho: Alexandra Simões Ribeiro (Farmacêutica, Associação Nacional de Farmácias); Alexandra Araújo (Mestre em Política Social); Maria João Bárrios (Doutorada em Ciências Sociais); Maria José Domingues (EAPN – Rede Europeia Anto-Pobreza); Maria Manuel Duarte (Assistente Social, DQI, SCML); Patrícia Matias (Arquiteta, Maior Arquitetura e Design, Lda.); Sofia Duque (Médica, HSFX); Stella Bettencourt da Câmara (Docente e Investigadora no ISCSP); Susana Rito (Gerontóloga)
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É no culminar de mais uma etapa que se procedeu à apresentação pública da proposta de Matriz GovInt para a Promoção do Envelhecimento na Comunidade, que procura constituir-se como um referencial orientador e de suporte à implementação de processos colaborativos que visem o desenvolvimento de ambientes socioecológicos favoráveis à longevidade e ao envelhecimento na comunidade. Não podemos deixar de agradecer a todas as pessoas que contribuíram de diversas formas para o resultado aqui apresentado. Agradecemos aos preletores, especialistas e convidados que nos ajudaram na realização das múltiplas e variadas dinâmicas ao longo destes 4 anos (workshops, dinâmicas de grupo, world café, entrevistas, conferências, videoconferências, painéis de peritos, dinâmicas comunitárias...), aos cidadãos, técnicos, académicos, investigadores e profissionais de muitas áreas disciplinares e diversos setores de atividade que nelas estiveram presentes (saúde, social, segurança pública, arquitetura, direito, trabalho, cultura, desporto, poder local, inovação e empreendedorismo...) e, muito em especial, aos seniores que se disponibilizaram a partilhar os seus saberes e experiências de modo a que conseguíssemos recolher preciosos contributos de orientação ao trabalho desenvolvido.
2. Objetivos e Metodologia Utilizada na Sessão Foram objetivos da Sessão paralela: • Dar a conhecer a proposta de Matriz GovInt para a promoção do envelhecimento na comunidade; • Colocar à discussão algumas questões críticas para a operacionalização desta proposta de Matriz GovInt; • Recolher contributos que possam enriquecer a proposta. A Dinâmica assentou num modelo de Workshop em que foram constituídos 5 grupos de trabalho, que procuraram discutir algumas questões críticas que se colocam às abordagens colaborativas assentes nos princípios da governação integrada. Assim, foram colocadas em cima da mesa algumas questões como: • Será que a promoção do envelhecimento na comunidade é, de facto, um desafio de tão elevada complexidade que é mesmo necessária uma abordagem assente nos princípios da governação integrada? Ou bastaria melhorar a articulação dos serviços já existentes na comunidade?
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• Qual a perceção da generalidade das organizações locais sobre a necessidade de se adotarem estratégias de governação integrada na abordagem aos desafios do envelhecimento? E será que estão dispostas a correr os riscos inerentes à adoção de estratégias de governação integrada na promoção do envelhecimento na comunidade? • O que poderá ser feito para que os atores locais alterem a sua percepção sobre a importância de partilhar a visão, os objetivos e os recursos no contexto de uma abordagem integrada à promoção do envelhecimento na comunidade? • Quais as instituições/organizações locais que poderiam liderar o processo de criação de uma visão comum na área da promoção do envelhecimento na comunidade? • Que características de liderança deveria ter essa instituição/organização? • Estarão as nossas populações preparadas para participar nas dinâmicas inerentes à identificação das necessidades e à construção uma visão comum relativa à promoção do envelhecimento na comunidade? • Como se pode melhorar a participação dos cidadãos nos processos de governação integrada? • Estarão as nossas comunidades preparadas para levar a cabo projetos-piloto assentes em estratégias GovInt para a promoção do envelhecimento na comunidade? • Quais os obstáculos que poderão surgir à implementação deste tipo de projetos? E como se poderão ultrapassar esses obstáculos? • Deveriam ser desenvolvidas ações para consciencializar as organizações locais desta necessidade? Se sim, como? De forma a preparar os participantes para esta discussão, as questões em análise e um draft da proposta de Matriz GovInt para a Promoção do Envelhecimento na Comunidade foram enviados por email aos participantes, uma semana antes do evento. Os resultados da discussão levada a cabo nesta sessão foram posteriormente incorporados no documento final que será objeto de publicação pelo Forum para a Governação Integrada.
3. Apresentação da Matriz GovInt para a Promoção do Envelhecimento na Comunidade A sessão iniciou-se com a apresentação resumida da proposta de Matriz GovInt para a Promoção do Envelhecimento na Comunidade (Figura 1).
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Matriz GovInt para a Promoção do Envelhecimento na Comunidade
Figura 1 - Matriz GovInt para a Promoção do Envelhecimento na Comunidade
Como se pode observar na Figura 1, a proposta de Matriz GovInt para a Promoção do Envelhecimento na Comunidade foi desenhada tendo como pano de fundo o modelo sócioecológico proposto por Bronfenbrenner (1979) e a sua adaptação ao envelhecimento na comunidade (Lawton, 1974; Satariano, 2016; Greenfield, 2012), sob o qual se desenhou o Ciclo Metodológico GovInt, que procura enquadrar as teorias inerentes aos princípios da governação integrada colaborativa (Page, 2005; Marques, 2017) na abordagem aos problemas sociais complexos (Rittel e Webber, 1973); aos processos de mudança associados aos sistemas sociais complexos adaptativos (Holland, 1992, Palmberg, 2009); à teoria da vantagem colaborativa (Huxham & Vangen, 2005); e ao desenho e implementação de processos colaborativos interorganizacionais (Bryson, et al., 2006). As dimensões-chave (DC) promotoras do envelhecimento na comunidade encontram a sua base teórica global nos documentos de referência da Organização Mundial de Saúde sobre o envelhecimento ativo (WHO, 2002), as cidades amigas da idade e a integração de cuidados em contexto comunitário (WHO, 2007); e, ainda, nos princípios teóricos-práticos inerentes ao desafios colocados pelo conceito de aging in place (Lecovich, 2014; Martin et al., 2012).
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Para sistematizar a abrangência inerente à diversidade dos assuntos desenvolvidos nestes documentos, foram construídas 4 grandes dimensões essenciais à promoção do envelhecimento na comunidade que procuram agrupar os seguintes temáticas: • DC1 - Valores e representações sociais sobre o envelhecimento e as pessoas mais velhas; • DC2 - Capacitação individual para o envelhecimento na comunidade; • DC3 - Habitação e espaço público adaptado ao envelhecimento na comunidade; • DC4 - Organização de serviços e prestadores de cuidados integrados. A abordagem integrada a estas 4 Dimensões-chave é facilitada pela aplicação de um mecanismo metodológico — o Ciclo Metodológico GovInt — constituído por componentes conceptuais estratégicas inerentes aos princípios da governação integrada e que servirão de instrumentos de apoio à co-construção dos processos colaborativos. Tanto as 4 dimensões-chave como o Ciclo Metodológico GovInt assentam na perspetiva sócio-ecológica do envelhecimento na comunidade que, no seu todo, formam o esqueleto conceptual desta Matriz. 3.1 Dimensões-chave de Promoção do Envelhecimento na Comunidade Tendo sido construídas em cima da perspetiva sócio-ecológica de promoção do envelhecimento na comunidade, as próprias dimensões-chave representam os diferentes níveis de intervenção. Assim, a nível macro (Figura 2) surgem os valores e as representações sociais sobre o envelhecimento e a forma como interferem no desenvolvimento de um ambiente sócio-ecológico favorável ao envelhecimento na comunidade, interferindo com as crenças e preconceitos sobre papéis sociais que devem ser desempenhados pelos mais velhos.
Figura 2 - Reconfiguração dos valores e representações sociais da velhice e do envelhecimento
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A nível meso (Figura 3) estão representados os atores organizacionais locais e a forma como se organizam os serviços e os prestadores de cuidados, formais e informais, de modo a desenvolver estratégias de colaboração intersetorial para a integração dos cuidados sociais e de saúde em contexto comunitário. Podemos assim sintetizar algumas das componentes essenciais à integração e coordenação dos serviços e das equipas de cuidadores formais e informais em torno das necessidades das pessoas ao longo do ciclo de vida.
Figura 3 - Capacitação individual para o envelhecimento
Ao nível meso/micro (Figura 4) explora-se, por um lado, a centralidade da habitação na promoção do envelhecimento na comunidade, quer nas vertentes arquitetónicas, de design e comodidade, quer enquanto local de interseção da prestação dos cuidados sociais e de saúde; e, por outro lado, a importância do espaço público na promoção de comportamentos de vida saudáveis, de vivência intergeracional e de cidadania participativa. Neste contexto, são também evidenciados os instrumentos e mecanismos de interligação e/ou interconexão entre o espaço público e o espaço privado e que poderão reforçar o apoio e acompanhamento das pessoas idosas em situação de maior vulnerabilidade e fragilidade, respeitando sempre a individualidade, dignidade e autodeterminação.
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Figura 4 - Qualificação habitacional e do espaço público
A nível micro (Figura 5) destaca-se a importância da capacitação individual para o envelhecimento e os fatores que podem contribuir para que as pessoas se preparem ao longo do seu ciclo de vida para lidarem com o seu processo de envelhecimento, procurando construir uma rede de suporte social, formal e informal, acessível nas situações de maior necessidade. Neste sentido, as comunidades devem procurar desenvolver medidas e ações que favoreçam a capacitação das pessoas para lidar com o seu processo de envelhecimento.
Figura 5 - Integração e coordenação dos serviços e prestadores de cuidados
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Apesar de cada dimensão-chave se encontrar num nível sócio-ecológico diferente, elas estão inter-relacionadas e influenciam-se entre si, razão pela qual os processos colaborativos devem integrar componentes das diferentes dimensões-chave, contribuindo para intervenção multinível e integrada (Figura 6).
Figura 6 - Níveis socioecológicos das DC de promoção do envelhecimento na comunidade
3.2. O Ciclo Metodológico GovInt O Ciclo Metodológico GovInt proposto (Figura 7) desenvolve-se em 5 passos/componentes metodológicas que se complementam mutuamente e estão relacionados com: Análise do contexto territorial; Visão e Liderança; Governação e Coordenação; Processos colaborativos integrados; e, Monitorização e Avaliação. Este ciclo metodológico incorpora também cinco factores contextuais de sucesso à sua implementação que estão relacionados com as características do ambiente institucional e do contexto territorial. São eles a participação, a legitimidade, a confiança, a colaboração e a aprendizagem.
Figura 7 - Ciclo Metodológico GovInt
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Em termos operacionais este ciclo metodológico inicia-se com a análise do contexto territorial (Figura 8), de forma a conhecer-se bem o território em que irão ocorrer as dinâmicas comunitárias de abordagem à problemática da longevidade e envelhecimento; a identificar os fatores catalisadores e inibidores dos processos de colaboração; e o grau de preparação de comunidade para levar a cabo estratégias colaborativas assentes nos princípios da governação integrada. Através da análise do contexto territorial, pretende-se conhecer as necessidades, as prioridades e os recursos disponíveis numa comunidade de modo a que, partindo deste conhecimento, se mobilize os atores locais a desenvolver processos colaborativos que visem a promoção do envelhecimento na comunidade com base nas suas circunstâncias particulares.
Figura 8 - Categorias analíticas para o conhecimento do contexto territorial
Segue-se a co-construção da visão partilhada sobre a promoção do envelhecimento na comunidade (Figura 9) que integre as diferentes prioridades institucionais e organizacionais, e que pela sua ampla expressão de cidadania possa ser resistente à alterações de política-conjuntural. Neste sentido, a visão acabará por refletir o desenvolvimento do ‘sentido de comunidade’, na medida em que procura reforçar o sentimento de pertença e de interdependência entre os atores comunitários, quer através do reforço das redes familiares e de vizinhança, quer através do desenvolvimento de redes interorganizacionais de serviços e cuidadores formais e informais. Ou seja, a visão acabará por refletir-se na operacionalização integrada nas dimensões-chave de promoção do envelhecimento na comunidade.
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Figura 9 - Co-construção da visão
O processo de análise do contexto territorial e a construção da visão comum permitirá começar a compreender melhor como se podem estabelecer as estruturas e os mecanismos de integração das políticas territoriais e de coordenação dos atores locais. Neste sentido, as estruturas de coordenação e de gestão em governação integrada não são universais. Elas adaptam-se às especificidades do contexto histórico em que as dinâmicas sociais, económicas e políticas ocorrem. Se as estruturas de governação e coordenação forem adequadas, quer em relação ao contexto institucional em que ocorrem, quer em relação ao tipo de integração que está em causa (das políticas, das organizações ou dos processos colaborativos), então serão melhor compreendidas e apropriadas pelos atores organizacionais e percepcionadas como as mais ajustadas na abordagem à problemática do envelhecer na comunidade, nos diferentes níveis de tomada de decisão. Podem, assim, identificar-se três níveis de integração da governação e coordenação dos relacionamentos entre os atores locais (Figura 10), de acordo com os seus objetivos estratégicos e o nível em que se opera: Ao nível macro, temos a coordenação das políticas territoriais intersetoriais; ao nível meso, a coordenação das redes interorganizacionais desenvolvidas pelos atores locais; e ao nível micro, a coordenação da co-construção e/ou redesenho dos processos colaborativos de prestação de serviços integrados à comunidade, numa lógica interdisciplinar.
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Foco na Integração
Figura 10 - Níveis de Governação e Coordenação entre os atores locais
O estabelecimento das estruturas de governação e coordenação entre os atores locais permitirá levar ao estabelecimento de redes interorganizacionais para a co-construção e implementação dos processos colaborativos integrados de promoção do envelhecimento na comunidade. Os processos colaborativos acabam por resultar do modo como os atores locais – públicos, privados, voluntariado e associativo – concertam entre si os objetivos e os recursos necessários à prestação de serviços integrados, no quadro das dimensões-chave de promoção do envelhecimento na comunidade. É aqui que as organizações põem à prova a sua capacidade de conjugar esforços de forma a estabelecer um plano de ação comum – que vá além dos silos departamentais - que vise a produção de serviços integrados de proximidade e que promovam, o mais possível, a permanência das pessoas nas suas casas no contexto das suas redes de proximidade e suporte social formal, informal e familiar. Na co-construção dos processos colaborativos integrados (Figura 11) nunca se deve deixar de ter presente a visão comum e os objetivos gerais estabelecidos para as 4 dimensões-chave da promoção do envelhecimento na comunidade. Neste sentido, cada processo colaborativo centrar-se-á em procurar soluções integradas aos desafios colocados por uma ou mais dimensões-chave do envelhecimento. Contudo, estará sempre em perspetiva a visão holística e partilhada para a qual todas as dimensões concorrem, de forma a levar a cabo a mudança que se quer operar no paradigma do envelhecimento na comunidade.
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Figura 11 - Co-construção dos processos colaborativos integrados
Por fim, o ciclo metodológico GovInt dá ênfase à necessidade de se proceder à monitorização e a avaliação ao longo da operacionalização do Ciclo GovInt. Assim, propõe-se que a monitorização e avaliação se proceda aos três níveis socioecológicos (Figura 12): ao nível Macro, com a avaliação das políticas integradas; ao nível Meso, com a avaliação da adequação dos modelos de governação e coordenação das redes interorganizacionais e; ao nível Micro, com a avaliação do alcance dos objetivos partilhados e do grau de integração e coordenação dos serviços fornecidos.
Figura 12 - Níveis de Avaliação e Monitorização
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Na avaliação e acompanhamento da implementação do Ciclo GovInt para a promoção do envelhecimento na comunidade dá-se ainda relevo à importância de se proceder à assistência técnica dos programas assentes nos princípios de governação integrada. A assistência técnica tem como objetivo garantir as condições necessárias para que a Matriz GovInt seja implementada de acordo com a metodologia que lhe está inerente e que seja assegurado o suporte teórico adequado à abordagem integrada das Dimensões-chave de Promoção do Envelhecimento na Comunidade e, ainda, um conhecimento consistente da realidade territorial e dos atores locais. Utilizando a metodologia de acompanhamento dos projetos em governação integrada proposta por Le et al. (2014), esta desenvolve-se em três fases: a Fase 1, relativa ao processo de tomada de decisão; a Fase 2, relacionada com a implementação dos processos de AT; e a Fase 3 que consiste na avaliação dos impactos (figura 13).
Figura 13 - Fases de desenvolvimento da assistência técnica
4. Resultados das Dinâmicas Para a análise dos resultados obtidos procedeu-se à elaboração de um quadro analítico de 6 componentes relacionadas com: a necessidade de se adotarem estratégias colaborativas na abordagem da promoção do envelhecimento na comunidade; o grau de preparação das comunidades em geral para implementarem estratégias colaborativas com base numa visão comum e na partilha de objetivos e recursos; os factores facilitadores e obstáculos à implementação das estratégias colaborativas; e o tipo de ações que poderão ser desenvolvidas para preparar as comunidades — atores organizacionais locais, técnicos e cidadãos — a adotarem programas de intervenção assentes nos princípios da governação integrada. 85
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Os contributos relativos a estas componentes analĂticas estĂŁo contidas no Quadro 1. Tabela 1 - Contributos por componente analĂtica
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5. Notas Finais e Desafios para o Futuro Terminado o 2º ciclo de atividades no âmbito do Forum para a Governação Integrada, consideramos que os objetivos a que nos propusemos foram alcançados. Por um lado, cumprimos o objetivo de elaboração de uma ferramenta metodológica, a Matriz GovInt para a Promoção do Envelhecimento na Comunidade, que servirá de referencial ao desenvolvimento e acompanhamento de projetos levados a cabo nesta área; e por outro cumprimos o objetivo de “ancorar” o nosso grupo de trabalho em centros do conhecimento e de investigação, tendo como referência o Population Longivity Lab, do Instituto Superior das Ciências Sociais e Políticas; e o Instituto do Envelhecimento do Instituto das Ciências Sociais. Para além destes centros, poderão existir outros que se queiram associar a este movimento de forma a criar uma rede de centros de conhecimento e investigação na área da governação integrada e envelhecimento, que possam desenvolver formação e apoio técnico aos projetos locais que venham a ser desenvolvidos. Neste sentido, será interessante poder contar com um conjunto de organismos do ensino superior que pudessem fornecer suporte científico aos projetos na área do envelhecimento que se venham a candidatar para desenvolver atividades no âmbito da iniciativa “2019 — Ano Nacional da Colaboração”. Contamos, ainda, organizar programas de formação específica na área da governação integrada para a promoção do envelhecimento na comunidade, que conjugue as diferentes áreas do saber que estão incorporadas na Matriz GovInt. Por fim, importa sublinhar que a Matriz GovInt para a Promoção do Envelhecimento na Comunidade é uma ferramenta metodológica em construção que só poderá evoluir a sua vertente teórico-prática através do desenvolvimento de projetos assentes no seu ciclo metodológico. Este será, porventura, o maior desafio que se coloca para o aperfeiçoamento deste instrumento, que esperamos venha a ser alcançado brevemente.
Bibliografia Bronfenbrenner, U. (1979). The ecology of human development: Experiments by nature and design. Cambridge, MA: Harvard University Press. Bryson, J. M., Crosby, B. C., & Stone, M. M. (2006). The design and implementation of Cross-Sector collaborations: Propositions from the literature. Public administration review, 66(s1), 44-55. Greenfield, E. A. (2012). Using ecological frameworks to advance a field of research, practice, and policy on aging-in-place initiatives. The Gerontologist, 52(1), 1-12. Holland, J. H. (1992). Complex Adaptive Systems. Daedalus 121, 17-30. Huxham, C. & Vangen, S. (2005). Managing to Colaborate - The Theory and Practice of Collaborative Advantage. New York: Routledge.
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Anexos Anexo 1 - Mapa Conceptual da complexidade dos problemas associados ao Isolamento na velhice
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Anexo 2 - Mapa Cognitivo das PolĂticas Integradas para a Longevidade
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Anexo 3 - Modelo sรณcio-ecolรณgico da determinantes do envelhecimento na comunidade
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Relatório do Grupo de Trabalho Temático “Ruído Ambiente” Grupo de trabalho: Bertília Valadas (Secretaria-Geral do Ministério do Ambiente – SG MAMB); Dília Jardim, Margarida Guedes, Maria João Leite , Gil Mourão (Agência Portuguesa do Ambiente – APA); João Riscado (BRISA – Auto-Estradas de Portugal); Paulo Almeida (Câmara Municipal de Oeiras); Isabel Marques, Fátima Carriço (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo – CCDR LVT); Pedro Dias (CP – Comboios de Portugal); Sílvia Menezes (DECO Proteste – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor); Paulo Diegues (Direção-Geral de Saúde – DGS); Cristina Garrett, Luísa Almeida (Direção-Geral do Território – DGT); João Couto, Maria Manuela Tavares (Instituto da Mobilidade e dos Transportes – IMT); Maria João Palma (IP – Infraestruturas de Portugal); Carla Graça (ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável); Cátia Rosas (GAB SEAMB); Rui Marques, Raquel Fernandes, Andreia Alves (Forum GovInt).
1. Introdução 1.1. O Projeto-piloto Na edição de 2016-2017 o Forum para a Governação Integrada (GovInt) alargou a sua atenção aos problemas ambientais. A Secretaria-Geral do Ministério do Ambiente, com responsabilidades no acompanhamento das Políticas Públicas relevantes para o Ambiente, foi convidada a integrar o forum e a propor um projeto-piloto. Selecionou-se o tema “Ruído Ambiente”. O porquê deste tema justifica-se pela pertinência e relevância do assunto, apesar da falta de mediatismo a que tem estado associado nos últimos anos. De facto, na perceção do público, o Ruído é um dos maiores problemas ambientais da União Europeia. O Ruído Ambiente provoca efeitos na saúde, a nível fisiológico e psicológico, interferindo com o sono, a capacidade de concentração e de comunicação. O 7º Programa de Ação em matéria de Ambiente11 faz menção expressa ao Ruído Ambiente e ao compromisso assumido pela UE para, até 2020, “diminuir significativamente o ruído na União aproximando-o dos níveis recomendados pela Organização Mundial de Saúde”. 11
7º Programa de Ação em matéria de Ambiente”, COM (2014) 130 final, 20.11.2013.
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De acordo com as estimativas da Agência Europeia do Ambiente12 20% da população da UE está exposta a níveis de ruído inaceitáveis, particularmente nas zonas urbanas. Segundo a Agência Portuguesa do Ambiente13, em Portugal, pelo menos 20% da população reside em zonas com níveis sonoros em período noturno superiores a 45 decibéis [Ln>45dB(A)] capazes de provocar perturbações no sono14. A legislação europeia15 e nacional16 requerem que as aglomerações com maior dimensão, assim como as grandes infraestruturas de transporte, apresentem mapas estratégicos de ruído, com o diagnóstico da situação, e planos de ação para os casos em que os níveis sonoros ultrapassem os limites estabelecidos, para remediação das situações existentes. Em março de 2016, foi apresentada, por uma Organização Não-Governamental (ONG) de Ambiente portuguesa, uma queixa à Comissão Europeia por falta de mapas e planos de ruído no nosso país, encontrando-se o processo em curso. Mais recentemente, em fevereiro de 2017, no Relatório sobre Portugal, produzido no âmbito da Avaliação da aplicação da legislação ambiental da UE17, a Comissão Europeia considera que a aplicação da Diretiva Ruído Ambiente está consideravelmente atrasada no nosso país. A elaboração de mapas estratégicos de ruído (MER), para os dados relativos ao ano de referência de 2011, estava concluída em apenas 33% para as aglomerações, 68% para os principais eixos rodoviários e 47% para os principais eixos ferroviários. Tinham sido aprovados planos de ação (PA) para apenas 17% das aglomerações, 5% dos principais eixos rodoviários e 0% dos principais eixos ferroviários. Relativamente aos aeroportos, a situação encontrava-se regularizada em termos de MER e PA. As últimas estatísticas nacionais, após o último reporte à Comissão Europeia pela Agência Portuguesa do Ambiente em agosto de 2017, atualizam a conclusão de 83% de MER para aglomerações e para Grandes Infraestruturas de Transporte (GIT), 76% rodoviárias, 47% ferroviárias e 100% aéreas. Quanto ao PA, a contabilização é de 50% para as aglomerações, 13% para as GIT rodoviárias, mantendo-se em 0% as GIT ferroviárias e 100% para as GIT aéreas.
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The European environment — state and outlook 2015”, EEA 2015. Estimativas de população exposta a ruído Ambiente em Portugal Continental. APA, 2017. 14 De acordo com a publicação da Organização Mundial de Saúde “Night Noise Guidelines for Europe” (WHO, 2009), são observados efeitos adversos na saúde da população exposta, em que se incluem as perturbações de sono, a partir de Ln>40dB(A). 15 Diretiva 2002/49/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de junho. 16 Decreto-lei nº146/2006, de 31 de julho e Decreto-lei nº9/2007, de 17 de janeiro. 17 Avaliação da aplicação da legislação ambiental da UE- Relatório sobre Portugal” SWD (2017) 54 final, 3.2.2017. 13
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O Ruído Ambiente é um problema ambiental complexo, a requerer uma abordagem de Governação Integrada. O projeto-piloto GovInt foi desenhado para promover a coordenação e a concertação de esforços entre as entidades envolvidas na aplicação da legislação ou na gestão do Ruído, desenvolvendo um trabalho colaborativo que não interfere com as atividades das autoridades competentes. Para sublinhar a territorialidade inerente ao tema, optou-se por trabalhar à escala do concelho. O objetivo foi catalisar a construção de uma solução, que conduzisse a efeitos práticos visíveis, com a perspetiva de replicar resultados. O concelho de Oeiras surgiu como uma boa escolha por, no início do projeto, estar a preparar o seu Plano de Ação municipal, aguardando os contributos das grandes infraestruturas de transporte rodoviário e ferroviário. O projeto-piloto GovInt, com a designação inicial “Gestão de Ruído Ambiente em OEIRAS” foi lançado em abril, com arranque dos trabalhos em junho de 2016. Contudo, a dimensão dos problemas fez concentrar a atenção do GT numa reflexão conjunta sobre Ruído Ambiente para a generalidade do país. 1.2. O Grupo de Trabalho A Secretaria-Geral do Ministério do Ambiente assumiu a coordenação do projeto-piloto, com o apoio e orientação da equipa GovInt. Os trabalhos foram acompanhados pela Secretaria de Estado do Ambiente, desde o primeiro momento, com o estatuto de observador. O Grupo de Trabalho foi constituído por convite a entidades com interesse na aplicação da legislação ou na gestão do Ruído Ambiente, à escala do concelho de Oeiras, incluindo a representação de organismos públicos, concessionárias de infraestruturas de transporte e sociedade civil. A constituição do grupo de trabalho (GT) integrou 14 entidades, tal como se segue: • Secretaria - Geral do Ministério do Ambiente (coordenação); • Agência Portuguesa do Ambiente; • BRISA - Autoestradas de Portugal; • Câmara Municipal de Oeiras; • Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo; • CP - Comboios de Portugal; • DECO - Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor; • Direção-Geral de Saúde; • Direção-Geral do Território; • Instituto da Mobilidade e dos Transportes; • Infraestruturas de Portugal;
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• ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável; • Gabinete do Secretário de Estado do Ambiente (observador); • GovInt - Forum para a Governação Integrada (apoio). Foram realizadas 14 sessões de trabalho de junho de 2016 a novembro de 2017. No dia 26 de abril de 2017, Dia Internacional de Sensibilização para o Ruído, realizou-se a sessão pública “Ruído Ambiente: Que problemas? Que soluções?”, com o objetivo de mostrar os primeiros resultados do projeto-piloto e promover uma reflexão alargada sobre o tema. A sessão, que contou com mais de 6 dezenas de participantes, incluiu uma mesa redonda com especialistas convidados a debater o tema. O encerramento ficou a cargo do Senhor Secretário de Estado do Ambiente, que reconheceu a importância de se discutir sobre o tema do Ruído, deixando a nota de que, sendo uma área com muitos atores e com responsabilidades dispersas, só se conseguirá lidar com este problema quando os vários atores e os níveis de decisão encontrarem formas de, em conjunto, darem passos na área da governação integrada. O programa da sessão consta do Anexo I. Os resultados finais do projeto-piloto foram apresentados na IVª Conferência Internacional do Forum GovInt em janeiro de 2018. 1.3. Abordagem metodológica Com o apoio da equipa GovInt, recorreu-se à técnica de brainstorming para construir o Mapa do Problema e o Mapa das Soluções, sobreponíveis. Partiu-se de perspetivas institucionais divergentes, avançando pela discussão na construção de consensos. A dimensão do problema fez concentrar a atenção do grupo numa reflexão conjunta sobre Ruído Ambiente, para além das especificidades do concelho de Oeiras, embora as entidades envolvidas tenham sido convidadas por referência à escala daquele concelho. Numa abordagem “nacional” haveria uma tipologia de entidades semelhante, mas teria sido necessário considerar o ruído do tráfego aéreo. Para a elaboração do Mapa do Problema começaram por se definir os temas em que o “Ruído Ambiente” encontra expressão. Para cada tema, identificaram-se depois os problemas relevantes. A fase seguinte foi mapear temas e problemas associados. Por fim, exploraram-se as interações entre os problemas.
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A elaboração do Mapa das Soluções partiu da arrumação pelos temas e problemas definidos anteriormente, identificando propostas de solução. As propostas de solução foram mapeadas, optando-se por não estabelecer interações entre elas, para não complexificar o exercício. Foi feita uma análise de consistência a ambos os mapas para eliminar redundâncias. Todavia, considerou-se pertinente manter algumas formulações similares que subsistem entre temas por se considerar que existem relações muito próximas quer entre problemas, quer entre soluções; e porque muitas vezes as diferenças são justificadas pela diversidade de perspetivas associadas a cada tema. Partindo dos mapas do problema e das soluções, o passo seguinte foi trabalhar as recomendações a dirigir ao Governo. Optou-se por eleger um conjunto limitado de recomendações, consensual para o GT no seu todo como o seu produto final. Na escolha das soluções a destacar para recomendações, pretendeu-se trabalhar com sugestões práticas e exequíveis. As recomendações têm por base a formulação de soluções identificadas no respetivo mapa, a que se associou a fundamentação.
2. O Problema e as Soluções Em tese, o ruído pode ser reduzido na fonte, na transmissão e na recepção. As melhores práticas aconselham a atuar preferencialmente na fonte e evitar a coexistência de fontes e recetores. De acordo com a análise do GT, são oito os temas em que o Ruído Ambiente, gerado por Grandes Infraestruturas de Transporte e nas aglomerações, encontra expressão: • Pessoas/recetores; • Atividades/fontes de ruído; • Tecnologia; • Financiamento; • Modelos de desenvolvimento do Território; • Governação; • Legislação; • Informação/conhecimento. O racional desta escolha empírica pode ser resumido como se segue. É nas pessoas, enquanto recetores, que se expressam os efeitos do ruído, afetando a saúde e bem-estar, e é nas pessoas, pelos seus comportamentos e iniciativa, que estará, em última análise, a chave para o problema e para as soluções. As fontes de ruído são sempre a atividade 97
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humana causadora do problema. A tecnologia é assumida neste contexto enquanto instrumento para ajudar a apoiar a resolução de problemas, encontrando soluções. O financiamento é, incontornavelmente, o fator crítico de sucesso. Os modelos de desenvolvimento do território assumem uma relevância central, fornecendo a dimensão espacial onde se desenvolve toda a atividade humana. Para a governação confluem os encontros e desencontros nas atuações. A legislação estabelece as regras, que devem ser respeitadas. E, finalmente, a informação reforça as capacidades das pessoas para compreender e mudar o mundo. Aos oito temas associaram-se 28 problemas, interrelacionados. O Mapa do Problema apresenta-se no Anexo II. Do Mapa das Soluções constam as 62 propostas de soluções consideradas mais adequadas para os 28 problemas e que se apresentam no Anexo III. Para mais fácil visualização apresentam-se também, no Anexo IV, problemas e soluções em formato de tabela. O mapeamento efetuado pelo GT revela uma elevada concentração de interações no tema “governação”, particularmente no problema “o ruído não é prioridade”, que parece ser a chave dos problemas e das soluções. A “informação/conhecimento” e as “pessoas/recetores” agregam um segundo patamar de preocupações e motivações, logo seguido pelo “financiamento” e pelos “modelos de desenvolvimento do território”. Recorrer à “tecnologia”, agir sobre as “atividades/fontes de ruído” ou alterar a “legislação” parecem ser as abordagens menos interessantes. O Ruído Ambiente persiste e agrava-se no nosso país, à revelia das regras estabelecidas para a proteção da saúde e do bem-estar das populações. Importa que se assumam responsabilidades e construam consensos.
3. Recomendações O trabalho desenvolvido no projeto piloto GovInt veio demonstrar que é possível encontrar consensos. Considera-se que a remediação das situações críticas já existentes e a prevenção de futuros casos de exposição a níveis excessivos de ruído passará por não repetir erros e construir soluções integradas a partir de uma efetiva colaboração entre entidades. Como conclusão da reflexão conjunta elaborada em 2016/2017, o grupo de trabalho acordou em endereçar ao Governo um conjunto de recomendações, capazes de permitir aprofundar uma abordagem sustentável na solução de um problema complexo. As recomendações resultam do mapa das soluções, como propostas encontradas para os problemas. O factor comum à escolha das recomendações em destaque, que vão do nível estratégico ao operacional, é a exequibilidade e a orientação para resultados. A seleção foi opção consensual do GT, mas todas as propostas de solução poderão ser retomadas. 98
E que tal se colaborássemos?
Assim, recomenda-se o seguinte: 1) Avaliar os constrangimentos da aplicação da legislação O quadro legal em vigor em matéria de Ruído Ambiente, inicialmente aprovado em 2000 e posteriormente alterado em 2007, na sequência da transposição da diretiva comunitária sobre Ruído Ambiente, veio propiciar um enquadramento inovador à política de controlo de Ruído Ambiente no nosso país. Está por fazer uma avaliação global de resultados da aplicação da legislação, fundamentada, com realce para os constrangimentos. Sugere-se a realização de um estudo de diagnóstico de âmbito nacional, que envolva peritos e entidades competentes. 2) Avaliar a integração do Ruído no planeamento municipal A escala de trabalho preferencial para avaliar a expressão territorial da integração das preocupações de prevenção e gestão do ruído é o concelho. Parece pertinente detalhar a avaliação de resultados da aplicação da legislação a nível local. Assim, há que fazer o ponto de situação do nível de integração do ruído no planeamento através de projeto a efetuar de autarquia a autarquia, com o acompanhamento das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) de forma a avaliar: 1ª fase – o nível de aplicação do Regulamento Geral do Ruído (RGR) ao Planeamento Municipal; 2ª fase – o nível de concretização das medidas de prevenção/redução do ruído; 3ª fase – a eficácia das medidas e dos procedimentos. Aconselha-se a preparação de material de apoio, com a participação das CCDR, para utilização nas Comissões Consultivas e Conferências Procedimentais. 3) Definir uma estratégia nacional para gestão do Ruído Ambiente, numa perspetiva integrada que considere interações com a Saúde, a Educação e o Ordenamento do Território É necessário pensamento estratégico e enquadramento pragmático para o desenvolvimento das políticas públicas. O Ruído Ambiente não pode ser encarado numa perspetiva setorial. A integração é o factor crítico de sucesso. A elaboração da estratégia pode partir de um grupo de peritos que inclua representantes de entidades competentes, reunindo competências interdisciplinares, e deverá ser sujeita a uma discussão pública alargada, mobilizando a sociedade portuguesa no seu todo.
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4) Criar redes integradas de partilha de capacidades, entre diferentes entidades competentes, particularmente a nível intermunicipal, envolvendo a academia na capacitação As tarefas a desenvolver na prevenção e gestão do Ruído Ambiente requerem experiência profissional e conhecimentos técnicos específicos. Para ultrapassar a escassez de recursos humanos com que se debatem muitas autoridades competentes, sugere-se a criação de uma estrutura de apoio técnico flexível, em rede. As CCDR poderiam vir a acolher os polos desta rede em moldes a definir, com vista à otimização de recursos. 5) Lançar e dar visibilidade a projetos-piloto demonstrativos de boas práticas de trabalho colaborativo entre entidades O envolvimento da sociedade na prevenção e gestão do Ruído Ambiente carece de bons exemplos. Resolver questões a nível local e dar visibilidade aos resultados práticos catalisará vontades. Os Planos de Ação das GIT e aglomerações e os Planos Municipais de Redução de Ruído (PMRR) podem tecer o pano de fundo para uma nova atitude colaborativa, com envolvimento da sociedade civil. Tirando o melhor partido do entendimento entre as entidades já representadas no GT do Ruído Ambiente, representado no Forum GovInt, sugere-se o lançamento de um exercício prático numa grande aglomeração, com vista a concretizar a aplicação de soluções para a gestão do Ruído Ambiente no terreno. 6) Operacionalizar o “Portal” do Ruído O conhecimento generalizado da população sobre o Ruído Ambiente é incipiente. A participação pública tem de ser promovida e começa pela facilitação do acesso a informação relevante. A dispersão de dados relativos ao Ruído por diversas entidades merece uma atenção especial das autoridades competentes para a sua organização e integração de partilha da informação em plataforma digital dedicada. O portal pode ficar alojado em plataforma digital já existente, preferencialmente na Agência Portuguesa do Ambiente, enquanto entidade com particulares responsabilidades na vertente de informação ao público. 7) Sugerir a redução de IVA ou outros benefícios financeiros na aplicação de medidas de redução de ruído incluídas nos planos de ação Trata-se de uma medida pontual, que se destina a discriminar positivamente as ações que visem remediar situações existentes. A medida pode ser incluída no âmbito da fiscalidade verde. 100
E que tal se colaborรกssemos?
Anexo I Programa da Sessรฃo
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Anexo II Mapa do Problema
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E que tal se colaborássemos?
Anexo III Mapa das soluções
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Anexo IV Tabelas de Problemas e Soluções
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Relatório do Grupo de Trabalho Temático “Violência de Género e Familiar” Dália Costa (coord.) (ISCSP, CIEG, CAPP)
E que tal se colaborássemos ainda mais e melhor na prevenção da violência de género? O que carateriza a violência de género ou violência baseada no género é o facto de ser violência cometida contra mulheres precisamente por serem mulheres, comportando assim um significado político e ideológico que faz com que a violência tenha uma faceta instrumental. Isto é, a violência é usada enquanto mecanismo social através do qual o sexo feminino é colocado numa posição de subordinação e mantido nessa posição reproduzindo-se esta subordinação nas relações sociais de género. A violência baseada no género constitui uma violação grosseira dos direitos humanos e uma violação das liberdades fundamentais, podendo manifestar-se em violência nas relações de intimidade, violência sexual incluindo, por sua vez, violação e assédio sexual, tráfico de seres humanos, escravatura e diferentes práticas nefastas, como casamento forçado, casamento precoce, mutilação genital feminina e os chamados crimes de honra. O grupo de trabalho dedicado a fazer emergir a governação integrada na área do problema complexo da violência de género e familiar - esta fundamentalmente coincidente com o previsto na tipificação do crime de violência doméstica - é integrado por um conjunto de parcerias ou redes constituídas por protocolo. Estas parcerias ou redes são constituídas para que se promovam as condições necessárias à proteção das vítimas de violência doméstica e de género no âmbito da estratégia do Governo para lidar com estes problemas. No dia 19 de maio de 2017, o Governo, por via da Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, assinou os primeiros protocolos para a implementação da Estratégia de Combate à Violência Doméstica e de Género, que abrangem os municípios de Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém, Sines, Aljezur e Odemira. A este protocolo outros se seguiram, num processo que não está concluído e pretende abranger o território nacional com a preocupação de corrigir assimetrias regionais no acesso a direitos sociais fundamentais como o direito à justiça, segurança, não-discriminação e a viver uma vida livre de violência.
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O objetivo desta estratégia é alcançar uma cobertura nacional progressiva dos serviços de apoio e proteção às vítimas de violência doméstica e de género, através de respostas locais que envolvam, de forma articulada, as autarquias, as forças de segurança, a medicina legal, as entidades com competência em matéria de proteção social, as unidades de saúde, as escolas e as organizações não-governamentais. O modelo para implementar a Estratégia de Combate à Violência Doméstica e de Género, tendo por base a freguesia, o município ou a comunidade intermunicipal, resultou ele mesmo de um processo participado, assente no debate com os protagonistas da aplicação do modelo – e não numa decisão aplicada de cima para baixo na linha hierárquica da Administração pública – e no estímulo ao planeamento de medidas, adequadas aos territórios e vertidas num Plano de Igualdade municipal ou intermunicipal. A estratégia de territorialização de combate à violência doméstica torna-se desta forma concreta através de protocolos que reúnem num território diversas instituições que, em paridade, devem atuar de forma integrada assumindo a responsabilidade pela ação, desconcentrada. A existência de um protocolo interinstitucional formaliza relações prévias com a vantagem de responsabilizar cada entidade participante na colaboração interinstitucional e na consecução de um objetivo comum: aumentar a eficácia na identificação e na intervenção em situações de violência doméstica prevenindo a violência de género que, de forma unânime é reconhecida como estando na base de todas as situações de violência doméstica. Os protocolos devem ser entendidos em si mesmos, como instrumentos de participação, responsabilizando diferentes entidades institucionais ao nível local.
A trajetória de participação e as vantagens de participar A trajetória desde a assinatura de um protocolo até à data (início de 2018) é marcada pelo aprofundamento do interconhecimento, pela melhoria nos procedimentos de troca de informação, pela definição de metas e objetivos em comum e pela identificação de áreas merecedoras de maior investimento, designadamente a avaliação da intervenção e a avaliação da adequação das respostas planeadas e implementadas às necessidades em constante mudança. A vantagem enunciada com mais unanimidade é compreender melhor a organização e os procedimentos das “outras” instituições, por um lado, erodindo ideias preconcebidas acerca das razões para a demora na atuação, e, por outro lado, (re)conhecendo a especificidade da atuação das restantes instituições implicadas na prevenção da violência de género e proteção a vítimas e responsabilização de perpetradores do crime de violência doméstica.
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As várias redes ou parcerias constituídas por protocolo com a finalidade de implementar a estratégia programática para lidar com a violência de género e a violência doméstica, reúnem com regularidade para, num processo contínuo e participado, irem revendo e reformando politicas, procedimentos e práticas institucionais de cada instituição com o objetivo de melhorarem a ação conjunta. Em simultâneo, o planeamento da melhoria da atuação – como fazer melhor? - vai permitindo o diagnóstico de necessidades – o que falta para que se faça melhor? - identificando pontos fracos do sistema de intervenção. Os temas comuns aos vários participantes no grupo de trabalho (os vários protocolos territoriais) são a melhoria da comunicação interna, isto é, em cada instituição, externa, isto é, entre instituições que se tornaram parcerias e entre estas e a comunidade, e ainda comunicação entre cada instituição e a parceria ou rede que se constituiu por protocolo. Este é um desafio grande que suscita uma reflexão em torno da matriz GovInt, implicando a comunicação, liderança, participação e avaliação. Como garantir que a pessoa que participa nos trabalhos da parceria, representando uma instituição, traz a visão da sua instituição partilhando-a com as entidades parceiras (input) e leva, para a sua organização, as propostas coconstruidas em parceria, responsabilizando a organização por tudo o que, individualmente, assumiu e co-construiu em parceria? Na trajetória de cada protocolo tornou-se mais clara a necessidade de melhorar a comunicação, tendo surgido a importância de, em parceria, se trabalhar a comunicação no plano do trabalho em rede e no plano interno, isto é, dentro de cada uma das organizações parceiras. É unanime também neste grupo de trabalho o reconhecimento de que (ainda) nem todas as entidades parceiras reconhecem, como Liz Kelly que “conhecer uma situação de violência doméstica não é um trabalho a mais. É um privilégio uma pessoa vítima de violência doméstica escolher-me, ter confiança em mim para pedir apoio para a situação em que se encontra.” Cada entidade (já) reconhece que constitui o ponto de entrada de uma situação de violência doméstica num sistema, que tem o dever, legal e ético, de estar preparada para prestar apoio a vítimas e contribuir para a responsabilização de quem usa violência de género e comete crime de violência doméstica. Daqui, procuram a profissionalização fazendo-o fundamentalmente por duas vias: a formação e a troca de experiências, isto é, conhecimento empírico acumulado. A finalidade é a qualidade na intervenção rumo a uma governação integrada que seja sustentada (duradoura, para além da transição de pessoas e de posições institucionais). A complexidade do problema e do desafio revela o ponto de desenvolvimento e a profundidade do questionamento no grupo de trabalho. Daqui, que a pergunta que se imponha seja: vamos colaborar ainda mais e melhor?
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Vamos Colaborar Mais e Melhor? De Pergunta a Afirmação e Compromisso A complexidade da violência de género e as exigências na prevenção e erradicação do crime de violência doméstica implicam criatividade e capacidade para gerir estes problemas complexos. A colaboração interorganizacional, em redes colaborativas que deem lugar a governação integrada, multinível e multissectorial, é tida como a via para aumentar a eficácia e ter mais eficiência na gestão de problemas complexos. O ponto de partida desta conferência é o de que colaborar não é intuitivo e, por isso exige um esforço acrescido na mobilização da intenção para agir. Ora, o grupo de trabalho da violência de género e violência doméstica tem permitido observar precisamente que a colaboração interorganizacional é, há muito, procurada nos territórios para que se dê uma resposta coordenada, entre os diversos agentes sociais, articulada, sem que algumas “peças” do processo de intervenção fiquem de fora, não estando presentes ou disponíveis, solidária, sem que a ação de uma das agências de intervenção seja contrariada, desrespeitada ou contradita por outra agência, horizontal, isto é, reconhecendo a mesma importância a cada uma das agências que colaboram num mesmo processo, eliminando desta forma protagonismos institucionais. A colaboração há muito tempo que se vem desenvolvendo no território nacional na intervenção sobre a violência doméstica. As diferenças, na atualidade, são fundamentalmente duas: a definição da colaboração como estratégia programática, com a força política do Governo central, do organismo responsável pela promoção de igualdade de género em Portugal (a CIG) e com o envolvimento da Administração pública local. A segunda diferença, marca distintiva da atualidade é a importância conferida ao planeamento e à avaliação da ação. A governação integrada implica dos agentes que contribuam para as políticas públicas. Assim, da experiência acumulada de ONG na intervenção, prestando apoio a mulheres vítimas do crime de violência doméstica e prevenindo a violência de género, até à corresponsabilização das autarquias, foi um passo. Um passo de consolidação da governação integrada. Uma das perspetivas das abordagens colaborativas é pensar a partir do nível local, do regional, do nacional e do europeu, de uma forma integrada e coerente, envolvendo diferentes níveis de decisão política: europeu, nacional, supralocal, local.
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Os temas-chave nas discussões do GT incluem: • Determinar quem é responsável por quê, isto é, quais são as responsabilidades de cada parceiro numa ação integrada; • Definir como se lida com agentes importantes no processo de prevenção e combate à violência de género e violência doméstica, que estão, contudo, ausentes da parceria estabelecida por meio de protocolo – ora por não serem signatários do protocolo, ora por não participarem na parceria interinstitucional; • Consolidar procedimentos de intervenção evitando duplicação de recursos e sinalizando a necessidade de recursos em pontos nevrálgicos.
A interpretação do problema define-se na necessidade de intervenção: célere e coordenada A definição da violência doméstica como violência de género e, por sua vez, a definição da violência de género como violência contra as mulheres são reconhecidas em absoluto e de forma unânime. Este reconhecimento advém também de resultados de estudos de caracterização da violência de género que, uns após outros, reafirmam tratar-se de violência contra as mulheres e crianças, assente em relações de desigualdade de poder que atribuem ao feminino menos poder e menor valor, que é transversal a classes sociais, níveis educacionais, grupos etários, manifestando-se sob forma física, psicológica, económica, sexual, simbólica, que é interpretada de forma diferente pelas pessoas vitimas dessas formas e de violência, que continuam a assinalar o impacto devastador da violência psicológica. Os efeitos ou consequências da violência também são do conhecimento das instituições que prestam apoio a vítimas de violência. Face a isto, o problema e a complexidade e perversidade do problema, é interpretada como estando situada no plano da intervenção, estruturada, no sentido de estar organizada, prevendo-se fluxogramas e protocolos de atuação que estimulem a eficiência de um sistema que visa proteger. O reforço do ponto de partida de que cada caso é um caso, aumentando a diversidade de situações. É manifesto um reconhecimento, isto é, um tomar de consciência partilhado, de que as circunstâncias e as experiências de vida de cada uma das mulheres fazem com que cada uma seja afetada de forma específica. A idade, o local onde se reside, a escolaridade, a classe social, a nacionalidade, a etnia, a orientação sexual, ser mãe, a deficiência, a pobreza, entre outras alteram o impacto da violência reforçando o peso das discriminações. As camadas de dominação vão-se sobrepondo, desde a dominação mais sentida nas relações de intimidade até à dominação, mais distante embora muito limitativa, dos subsistemas de justiça, de segurança, de saúde, entre outros.
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O que se aprendeu neste trajeto de Governação Integrada, a propósito dos desafios colocados com a comunicação, com a liderança, com a participação e com a avaliação? Aprendeu-se a confiar mais nas instituições, mas porque as instituições “adquirem” um rosto e partilham as suas dificuldades e constrangimentos. Aprendeu-se a diagnosticar os recursos existentes e as faltas/necessidades de modo integrado, nos territórios e menos em cada uma das organizações e em cada um dos processos de intervenção (casuística). O modelo de liderança adotado é matricial, estabelecendo-se novas relações entre os princípios e os conceitos, para dar lugar a um sistema adaptável de recursos e procedimentos para atingir objetivos (Lodi, 1970), distinguindo-se de um modelo hierárquico, com níveis de decisão muito estruturados e com um funcionamento assente na burocracia (sistema de organização com regras tendencialmente rígidas, procedimentos regulamentados e pouco flexíveis, elevados níveis de especialização segmentando a ação). A flexibilidade e a urgência da intervenção estão ligadas. A governação integrada aumenta a flexibilidade da atuação partilhada entre diferentes organizações, tornando-se mais adequada para lidar com situações urgentes de intervenção visando a proteção de vítimas e a responsabilização de quem usa violência sobre outras pessoas. Os e as profissionais gastam menos tempo a “combater” os obstáculos sistémicos, de um sistema que integram embora tenham responsabilidades apenas numa pequena parte da atuação necessária. Apesar de este sentimento ser generalizado, também é generalizado o sentimento de que muito há ainda por fazer pois os obstáculos do sistema de apoio ainda são muitos, de ordem estrutural e as mudanças ainda não se fazem sentir com impacto positivo na situação de mulheres e crianças vítimas de violência de género.
Que resultados deste GT podemos partilhar, assumindo a importância da transferibilidade, isto é, que os resultados sejam úteis noutros contextos e para lidar com outros problemas complexos? Este GT não tem produtos ou instrumentos de atuação para apresentar. Ainda se está a fazer o percurso da governação integrada, na fase de interconhecimento e conhecimento mútuo. A estratégia do Governo mantém-se no próximo plano nacional, o que permite presumir que a territorialização é uma estratégia promissora. A recolha da diversidade das experiências para as partilhar é o próximo passo deste GT. As reuniões do GT revelam que cada um dos protocolos orienta a sua ação por princípios que são comuns, contudo conhecem pouco e partilham pouco a sua ação. 118
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Documento de Trabalho: Eu conto! Experiências e perceções sobre o trabalho e o desemprego na primeira pessoa Ana Paula Marques, Catarina Sales Oliveira, Cristina Rodrigues, Elsa Mano, Liliana Pinto, Luísa Veloso, Maria Fátima Paulo, Murta Rosa, Natália Alves, Paula Rocha, Rosário Mauritti, Sofia Cruz
1. Enquadramento e objetivos No presente texto visa-se explicitar as reflexões desenvolvidas no quadro do grupo de trabalho “Desemprego e desigualdades sociais: desafios para a governação integrada” (DesGov) do Forum Govint. O mercado de trabalho tem vindo a ser objeto de transformações significativas na Europa, em geral, e em Portugal, em particular. Em associação com a mais recente crise económica nos países Ocidentais, que remonta a finais de 2007, manifesta tendências crescentes de rutura e de coexistência de situações heterogéneas para as quais importa estar atento. Estamos perante mercados de trabalho constituídos por múltiplos segmentos que se diferenciam entre si em função de fatores como o nível de escolaridade e de qualificação, o local de residência, a idade, o sexo, a origem social, etc. e que, porque distintos, exigem respostas diferenciadas, quer da parte do Estado, quer do terceiro setor, quer ainda do setor lucrativo. Propõe-se, assim, que se estruture uma leitura da complexidade do fenómeno, pois é de problemas sociais complexos que se trata, remetendo, por exemplo, para a abordagem ao nível do sistema de emprego (Rodrigues, 1988), a qual contempla os vários domínios centrais para o equacionamento da governação integrada, desde a estrutura dos stocks de população e respetivos fluxos entre eles, passando pelas variáveis económicas e sociais. Quando se fala em mercado de trabalho, o desemprego surge de forma quase imediata como um eixo central. Se até há relativamente pouco tempo o desemprego estava associado a carências ao nível educativo, hoje é notório o aumento do desemprego dos licenciados e, mesmo pós-graduados. A complexidade destes processos densifica-se quando os equacionamos no quadro das desigualdades sociais e na sua problematização atendendo às suas várias dimensões (económica, cultural, simbólica, etc.)18. As desigualdades sociais, por sua vez, devem ser debatidas no quadro da justiça social e, logo, no debate mais amplo sobre a ideia de justiça, como propõe Amartya Sen (2012), mais uma vez procurando ultrapassar a dimensão estritamente económica do debate. 18
Cf. Observatório das Desigualdades: https://observatorio-das-desigualdades.com/
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Também a crise constitui um objeto de análise e de intervenção que está longe de ser linear e de se limitar à sua dimensão económica. A crise como um facto social total (Pinto, 2013) exige atender à sua propriedade multidimensional. Por sua vez, as dinâmicas dos mercados de trabalho (o plural é aqui intencional) devem ser debatidas no quadro mais amplo das dinâmicas globais, quer do ponto de vista da sua análise, quer da sua governação. Importa atender às dinâmicas transnacionais como coexistindo com as realidades locais, regionais e nacionais. Este debate é ainda mais importante atendendo aos processos de mobilidade que se tendem a intensificar interna e externamente. A sustentação da governação integrada pressupõe plataformas de entendimento entre os vários atores sociais em presença e a partilha de um léxico (entendido em sentido amplo) comum para uma ação em rede e sistémica. Os vários fatores e problemáticas explicitadas manifestam que estamos perante realidades em permanente transformação e para as quais os termos, os conceitos e as metodologias exigem uma revisão permanente e urgente. Veja-se, ainda, a (des)adequação das medidas de política pública, das respostas sociais e das metodologias de análise e de intervenção. Neste quadro de urgente (re)concetualização, a conceção da governação integrada de problemas sociais complexos revela-se central. Assume-se como um problema social complexo o desemprego quando problematizado em articulação com as desigualdades sociais, entendendo que estas últimas condensam, em si, eixos que permitem relacionar o problema social e sociológico do desemprego com outros problemas complexos, tais como a “integração de imigrantes” ou as “crianças e jovens em risco” (Marques, 2017). Propõe-se uma reflexão sobre os problemas sociais complexos que apela a uma abordagem concetual articulada com os discursos dos atores sociais, perspetivando traçar caminhos adequados a uma abordagem individual e institucional das realidades em causa. Advoga-se que a sustentação da ação numa lógica de governação integrada exige refletir sobre os conceitos que são mobilizados para pensar e atuar sobre a realidade social e como estes deverão incorporar também a forma como os atores sociais a interpretam e manifestam. Uma abordagem exploratória que deve ser entendida como um ponto de partida para aprofundamentos futuros.
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2. Desemprego e desigualdades sociais: a problemática em questão Nesta subsecção propõe-se refletir sobre os eixos considerados relevantes para debater a problemática “desemprego e desigualdades sociais” e sustentar a análise realizada. Privilegia-se uma abordagem dupla que permita conferir: i) ênfase às práticas dos atores sociais, a partir das suas múltiplas condições de pertença (género, etária, escolaridade, condição perante o trabalho, localização geográfica, etc.); e ii) ênfase às perceções e orientações socio-valorativas decorrentes de experiências de socialização (e/ou antecipação) em contextos de trabalho e não-trabalho. A reflexão realizada condensa-se em três eixos de problematização, em que os dois primeiros permitem elencar os principais conceitos a mobilizar na analise das perspetivas dos atores sociais, suas múltiplas condições e vivências subjetivas, perante o mercado de trabalho, e o terceiro procura articular a complexidade de “pertenças” e “vozes” dos mesmos, tomando como referência o desemprego e a precariedade, as desigualdades sociais e territoriais e as políticas públicas. 2.1. Trabalho, emprego e desemprego
2.1.1. Atividade e inatividade: restituir visibilidade ao “não económico”
Atividade e inatividade constituem conceitos centrais de problematização da multidimensionalidade dos fenómenos do mundo de trabalho na contemporaneidade que importa desconstruir. Quando nos centramos na perspetiva económica, o conceito de atividade está próximo do de trabalho, entendido este como atividade produtiva e remunerada, desenvolvendo-se no quadro de uma organização com um determinado nível de formalização e estruturação. No entanto, este conceito abarca outras dimensões visíveis e invisíveis, que se encontram mais próximas da aceção de inatividade. Com efeito, a partir da diversidade dos tempos económicos e sociais (tempos de trabalho e não trabalho), dos espaços (profissional, familiar, formativo, político, etc.) e dos ritmos biológicos (idade para vida ativa, para reforma, etc.), a inatividade pode exprimir outras formas de trabalho e ocupação com características próprias. Quem se encontra fora do mercado de trabalho ou quem se encontra inserido em relações de trabalho que escapam a esta lógica dominante, tende a estar associado a estatutos sociais diferentes, em regra, inferiorizados e depreciados. É o que se passa quando se analisa o estatuto de desempregado que não tem necessariamente o mesmo significado do “não-trabalho”, já que este pode representar diversas situações, como é o caso da inatividade (constrangida ou voluntária). Exemplos disso são as formas de trabalho não pago, geralmente, associado ao trabalho doméstico e familiar e que não
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são imunes aos efeitos de uma persistente divisão sexual de trabalho (Silva, 2016; Casaca, 2012; Ferreira, 2010). Igualmente, refiram-se outras experiências como, por exemplo, o investimento formativo ou académico, o voluntariado, o associativismo, cujas finalidades escapam a toda uma lógica económica. Por sua vez, a nível estatístico, é possível reportar sobreposição entre as categorias que são usadas para fins de classificação da população total (Caleiras e Caldas, 2017). A ideia de que é possível uma repartição “perfeita” da população nas categorias de ativos (constituídos por empregados e desempregados)19 ou inativos20, encerra em si um conjunto de opacidades e enviesamentos que não permite dar conta de outras formas de trabalho pago. O critério de condição (estar com emprego ou sem emprego), ao qual acrescem os critérios de comportamento (procurar um emprego) e de disposição (desejar ou necessitar de um trabalho) permitem categorizar os ativos (empregados e desempregados), distinguindo-os da categoria de inativo (Caleiras e Caldas, 2017: 203). Todavia, persistem grupos populacionais que não cumprem aqueles requisitos, como as situações de trabalho informal (atividade exercida à margem das obrigações legais, regulamentares ou convencionais), subemprego (trabalho a tempo parcial) e dos desempregados “ocupados” em estágios ou programas ocupacionais e inativos disponíveis que não procuram emprego e inativos à procura de emprego mas não disponíveis (Caleiras e Caldas, 2017: 211). Recuperar dimensões experienciais, cognitivas e afetivas dos atores sociais naqueles diversos tempos, espaços e ciclos de vida impõe-se para melhor dar conta das dinâmicas que se registam nas transições e fluxos entre os diversos stocks populacionais. Será possível, a partir deste conhecimento, sustentar, nomeadamente, o desenho de adequadas políticas públicas de promoção da qualidade de trabalho e proteção ao desemprego.
2.1.2. Trabalho, ambivalência e relatividade
A análise do trabalho e seus efeitos na configuração da sociedade desafia-nos constantemente para uma reflexão sobre os sentidos do trabalho e sua variabilidade ao longo dos tempos. Dos vários precursores desde os séculos XVIII e XIX, tais como Adam Smith, Max Weber ou Karl Marx e dos contributos mais recentes (cf. Lallement, 2010; Gamst, 1995; Freire, 1997),
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O INE define população ativa como a “população com idade mínima de 15 anos que, no período de referência, constituía a mão-de-obra disponível para a produção de bens e serviços que entram no circuito económico (ver http://smi.ine.pt/Conceitos/ Detalhes/5086). 20
O INE define população inativa como o “conjunto de indivíduos, qualquer que seja a sua idade que no período de referência, não podem ser considerados economicamente ativos, isto é, não estão empregados nem desempregados, nem a cumprir o serviço militar obrigatório (ver http://smi.ine.pt/Conceitos/ Detalhes/3156).
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importa destacar, por um lado, a complexidade e a diversidade do conceito de trabalho, e, por outro, a convergência de posicionamento sobre o facto de o trabalho se constituir num traço específico da espécie humana e uma dimensão estruturante da vida social. Genericamente, o trabalho refere-se a uma atividade que pode ser ou não remunerada, produtiva ou não produtiva no sentido económico restrito. Está aqui em causa uma atividade humana orientada para a produção de bens e serviços úteis considerados como tal. Em sentido lato, o trabalho constitui o processo de transformação da natureza, ou seja, da matéria, da informação e dos atores sociais. No exercício desta atividade contempla-se um conjunto de condições materiais, designadamente, as modalidades de organização do trabalho no âmbito da divisão técnica e social do trabalho, das condições interativas e culturais decorrentes das relações sociais que se produzem e das representações e atitudes face ao trabalho. Pode-se definir o trabalho pela sua natureza ambivalente. Este pode significar uma atividade física ou intelectual, um ato compulsório ou criativo; pode constituir um meio de sobrevivência ao conferir um rendimento, mas também pode ser um espaço de auto-realização e satisfação, pressupondo uma relação interiorizada do ser humano e do trabalho; pode permitir, igualmente, a integração social, atribuindo um estatuto, poder e identidade; pode ser qualquer atividade humana que assuma uma utilidade social, e, logo, um enquadramento socialmente integrador (como é o caso dos trabalhos de natureza voluntária e comunitária). O trabalho constitui-se, assim, como uma realidade objetiva e diferenciada de cultura para cultura. Por isso, sempre que esteja em causa analisar um determinado fenómeno relacionado com o trabalho, poder-se-á optar por diferentes enfoques de análise. Implica perceber que o espaço social do trabalho tem uma importância fundamental na moldagem de valores, atitudes e comportamentos dos atores sociais, pelo que constitui, além da família e da escola, um espaço de socialização e de aprendizagem e pode contribuir para uma reprodução da lógica classista (Pinto, 1991) preponderante nas sociedades capitalistas, bem como potenciar ruturas nas outras instâncias de socialização e de aprendizagem, nas trajetórias e na capacidade de formulação de projetos de vida. O trabalho constitui um eixo central da vida humana e uma realidade mutável e estruturalmente heterogénea, assumindo contornos e significados diferenciados ao longo da história, consoante os contextos político, económico, social e ideológicos, e os grupos sociais implicados.
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2.1.3. Trabalho, integração profissional e dignidade laboral
É consensual admitir-se que a atividade profissional exercida inicialmente no quadro da “sociedade industrial” permite que se assuma como sinónimos os conceitos trabalho e emprego. Decorrente da monetarização das relações de produção e da prevalência da ideologia neoliberal, a “mercantilização” das relações de trabalho constitui uma tendência global e exprime os contornos de ambos os conceitos em jogo. O trabalho, tal como qualquer outra mercadoria, tornou-se num objeto de transações que segue a lógica das regras de troca existentes no mercado. Assim, trabalho e emprego remetem-nos para uma relação assalariada, juridicamente regulamentada, conferindo direitos e garantias salvaguardadas no designado Welfare State. O emprego passa a ser um valor em si mesmo, um objetivo e um direito para cada indivíduo, permitindo adquirir um estatuto e um reconhecimento social, além de proporcionar um rendimento. Por isso, caberá ao Estado, segundo art.º 58 da Constituição da República Portuguesa, garantir o direito ao trabalho, assegurando a igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou do trabalho e as condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais. De acordo com os artigos 23º a 25º do Código do Trabalho21, garante-se o direito à igualdade de oportunidades e de tratamento no acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho. O emprego pressupõe sempre uma atividade remunerada articulada com as condições que definem a utilização da mão-de-obra (salário, horário de trabalho, formação, subsídios) de acordo com um certo quadro jurídico-legal vigente. Definem-se, por conseguinte, as regras de utilização desta força de trabalho. As relações de emprego têm vindo a assumir variadas configurações nas últimas décadas. As que sustentaram uma relação assalariada baseada num vínculo contratual duradoiro, estável numa empresa e exercido a tempo inteiro, permitiram definir a relação “típica” do emprego. Esta relação “típica” dominou também o “edifício” social. Como nos diz Castel “o salariato não constitui apenas um modo de redistribuição do produto do trabalho, mas a condição a partir da qual os indivíduos são distribuídos no espaço social” (1995: 372). O trabalho não representa apenas uma fonte de rendimentos e uma forma de vida, mas também uma possibilidade de acesso a um estatuto social e a uma integração social. Este estatuto apresenta uma carga simbólico-legal que, além de conferir uma remuneração, confere igualmente uma posição na sociedade mais ou menos vantajosa (associada, designadamente, a gratificações e direitos), baseada em lógicas de classificação e prestígio social, de reconhecimento da utilidade e importância do trabalho e de autoestima pessoal.
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Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro.
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A propósito da natureza específica do processo de integração profissional, Paugam (2000) propõe uma tipologia de integração profissional baseada nas dimensões satisfação no trabalho e estabilidade no emprego e aponta para a existência de quatro tipos: a integração assegurada, que se traduz em satisfação no trabalho e estabilidade no emprego, sendo o produto de uma integração bem-sucedida nas organizações, especialmente na rede de relacionamentos com colegas e superiores hierárquicos; a integração incerta, que corresponde a situações em que os indivíduos se sentem satisfeitos no trabalho e com o ambiente laboral, possuindo, todavia, uma relação contratual frágil e instável; a integração laboriosa, aplicável a sujeitos globalmente insatisfeitos com o seu trabalho, embora com relações contratuais seguras, pautadas pelo desempenho de tarefas penosas fonte de sofrimento físico e psicológico, mas cujas consequências negativas são amenizadas em função da situação estável no emprego; a integração desqualificante, que evidencia uma crise da integração laboral, conjugando insatisfação no trabalho e instabilidade no emprego. Segundo Paugam, este último tipo de integração constitui “um processo de desqualificação social que abrange hoje franjas numerosas e diversas da população e que ameaça a sua identidade sob formas variadas. A integração é desqualificante, porquanto constitui um início processual que pode conduzir a uma acumulação de handicaps” (Paugam, 2000: 102). Trata-se de uma integração profissional que ameaça as referências identitárias dos trabalhadores (Bauman, 2003) e contribui para o incremento de percursos individuais progressivamente inseguros e irregulares, colocando em causa a dignidade no trabalho. O conceito de dignidade no trabalho surge sistematizado pela Organização Internacional no Trabalho (OIT) no ano de 1999, em função de quatro dimensões: o acesso ao trabalho e ao emprego, que remete para a necessidade de horários e ritmos de trabalho adequados e remunerações que satisfaçam as necessidades da vida dos trabalhadores; os direitos no trabalho, que apontam para a liberdade de associação e não discriminação em função da etnia, do sexo ou da idade; a segurança, que respeita à proteção social na doença e assistência social no desemprego; e o diálogo social entre trabalhador, empregador e outras organizações, que aponta a possibilidade de o trabalhador se fazer representar e ouvir, não apenas pela via clássica da representação sindical, como mediante outras formas de organização ajustadas às novas realidades laborais (OIT, 1999: 3). Para além desta concetualização, de cariz mais institucional, é pertinente a proposta de Hodson (2001), que enquadra as especificidades dos obstáculos à afirmação da dignidade no trabalho sob dois prismas: a sua manutenção e defesa, e a sua ameaça ou perda. De modo a manter ou defender a sua dignidade, os trabalhadores encetam, segundo Hodson (2001), modalidades passivas ou ativas de resistência ao abuso, ao excesso de trabalho e a outras formas de exploração. A resistência no local de trabalho ocorre frequentemente mediante atos relativamente restritos e pontuais, que envolvem uma diminuição subtil da cooperação ou da motivação de quem trabalha. A cidadania sugere um conjunto de comportamentos para o exercício eficiente do trabalho, que, em última instância, contribui para o bom funcionamento da organização. Os trabalhadores também se envolvem subjetivamente no seu quotidiano laboral, atribuindo-lhes sentido e cum-
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prindo os objetivos estipulados pela organização. Por último, destacam-se as relações sociais estabelecidas no local de trabalho. Sociabilidades de cariz positivo permitem suavizar, por vezes, contextos de trabalho mais penosos. Relativamente aos fatores inibidores da dignidade no trabalho destacam-se a má gestão e abuso, o excesso de trabalho, as limitações à autonomia, e as contradições do envolvimento no trabalho. A gestão incompetente pode revelar-se bastante prejudicial para os trabalhadores e o funcionamento organizacional no seu todo. O excesso de trabalho origina em alguns contextos um défice de dignidade no trabalho e a realização de tarefas desprovidas de significado para os trabalhadores. As limitações à autonomia colocam igualmente grandes desafios à dignidade. Em casos mais extremos, a privação de autonomia tende a ser acompanhada pela privação de responsabilidade. Finalmente, as contradições de envolvimento no trabalho sugerem contextos laborais que apelam fortemente ao espírito de equipa. É reconhecido que o maior empenho no trabalho pode acarretar, quer oportunidades, com o acréscimo do grau de responsabilidade e de remuneração, quer ameaças quando os superiores hierárquicos pressionam os trabalhadores a intensificarem ritmos laborais para o cumprimento dos objetivos.
2.1.4. Emprego e desemprego
Genericamente, é possível afirmar que o estudo sistemático do fenómeno do desemprego é relativamente recente. Remonta aos anos trinta do século XX, como consequência de vários fatores económicos e sociais e que se concretizaram, nomeadamente, em despedimentos em massa. Assume, desde então, uma codificação social, já que por referência ao trabalhador empregado (assalariado), o desempregado seria aquele que declarava ao Estado a sua situação em busca de auxílio. Apenas na década de oitenta o desemprego se constitui como um tema de investigação prioritário, associado, nomeadamente, às crises de emprego, ao mesmo tempo que se tornam socialmente visíveis os efeitos do seu aumento e se desenvolvem programas de apoio à (re)inserção no mercado de trabalho. De uma forma geral, as análises do desemprego22 têm sido dominadas por um enfoque quantitativo e macrossocial, centrado nas diversas modalidades de desemprego (friccional, conjuntural e estrutural) e de causas não unânimes (tecnológicas, modelos organizacionais, opções políticas). O desemprego tende ainda a ser alvo de um debate social e político crescente e um denominador comum a diversos grupos sociais. Estes incluem os grupos com maiores dificuldades de (re)inserção no mercado de trabalho, como sejam, por exemplo, os trabalhadores homens e mulheres menos qualificadas e/ ou com qualificações obsoletas e desadequadas às atuais configurações tecno-organizacionais, mas, também, os quadros superiores e jovens altamente qualificados. 22
V. o conceito estatístico de desempregado adotado pelo INE em http://smi.ine.pt/Conceitos/).
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Algumas das investigações de cariz qualitativo reforçam a diversidade dos seus registos e vivências por parte dos atores sociais (Demazière, 2006, 2005, 1992; Paugam, 2000). A (re) conceptualização a que se assiste resulta da exigência em se contemplar a multiplicidade de condições e representações sociais associadas ao desemprego. Estas são definidas tendo em conta a posição social daqueles que narram, as situações por eles vividas e os quadros interativos e simbólicos a partir dos quais se exprimem (Marques, 2009). Um dos autores que mais têm contribuído para uma abordagem analítica do desemprego distinta da convencional é Demazière (2006, 2005). O autor avança com uma proposta metodológica ancorada na observação dos registos linguísticos, no confronto de diferentes gramáticas sociais, da reconstrução das categorias oficiais pela mobilização de categorias “indígenas”. Propõe uma análise dos conteúdos semânticos dos distintos universos categoriais seja na qualidade de utilizadores, seja de produtores ou de codificadores de categorias sociais. O estudo de trajetórias e biografias associadas ao desemprego, bem como das formas identitárias (Dubar, 2000) e das experiências mobilizadas pelos desempregados, pressupõe que se analisem também os seus registos cognitivos e afetivos. As investigações sociológicas realçam a desestruturação da vida pessoal, familiar e social daqueles que estão privados de um emprego por um longo período. Certamente que se poderá imputar como causas da incapacidade de se aceder a um (novo) emprego a fatores estruturais e conjunturais, isto é, às modalidades de funcionamento da economia e ao “emagrecimento” progressivo do Estado-providência. Porém, para as pessoas que o vivem, as causas podem alicerçar-se, também, na perceção de um fracasso pessoal, de uma degradação da qualidade de vida e de uma quebra das relações de amizade e de companheirismo. Tais vivências subjetivas de situações de desemprego variam em função do perfil socioprofissional e dos grupos domésticos em que os atores sociais se encontram inseridos. 2.2. Empregabilidade, empreendedorismo e carreira profissional
2.2.1. Desregulação do mercado de trabalho e carreiras profissionais
Nas últimas décadas, Portugal conheceu profundas transformações na sua estrutura económica, educativa e profissional, fruto da intensificação da competitividade a uma escala global. Decorrente dos processos de reestruturações produtivas (empresariais e sectoriais), generalizam-se os fenómenos de liberalização, privatização e desregulação dos mercados, incluindo do mercado de trabalho. Muito destes processos de reestruturação foram acompanhados por reduções significativas dos financiamentos públicos. Nos últimos anos, em especial no contexto do “Memorando da Troika” em vigor entre 2011 a 2015, o Estado tem contribuído para a difusão da desregulação do mercado de trabalho, desde a proliferação de
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contratos “atípicos” ou flexíveis de trabalho (Kovács, 2005), alterações nos instrumentos de regulação coletiva do trabalho (Lima, 2017) a alterações nos regimes de seguração social e proteção ao desemprego (Silva, Hespanha e Caldas, 2017). Os fenómenos relacionados com os processos de seletividade e desigualdades sociais que estruturam os mercados de trabalho são ilustrativos das dinâmicas em curso, como, por exemplo: défice de criação de emprego; desregulação das relações de trabalho; fluxos migratórios instáveis e volumosos; e incidência do desemprego, vulnerabilização e pobreza. Assiste-se a uma tensão quando, ao mesmo tempo que se “destrói” a força de trabalho, se reivindicam modelos de gestão participativa e carreira profissional com base em novos valores face ao trabalho e ao emprego (responsabilidade, motivação, autonomia, desenvolvimento pessoal e profissional). Pode-se assumir como consensual as transformações registadas a este nível. Seguindo Almeida, Marques e Alves (2000: 4), o conceito de carreira profissional deve ser entendido como um “processo social complexo e multifacetado que se traduz em trajetórias socioprofissionais que tanto podem adquirir um sentido ascendente como descendente e no qual se cruzam diversas dimensões de análise como seja: a relação entre educação e inserção profissional, as dinâmicas da relação contratual, a condição perante o trabalho, as aspirações socioprofissionais, etc.” Na verdade, esta discussão complexifica-se no quadro de incerteza e precariedade, corroendo o carácter do trabalhador (Sennett, 2001). A interrogação fundamental é como conciliar práticas de recrutamento e gestão baseadas na precariedade dos vínculos laborais (temporários, a termo, subcontratação), na mobilidade constrangida dos trabalhadores (Vogl, 2010), na individualização dos custos de formação e proteção social, acompanhado por uma redução dos mecanismos de democracia nos espaços de trabalho (capacidade de negociação ou defesa sindical), com as exigências de lealdade, confiança e disponibilidades exigidos aos trabalhadores. Os modelos atuais de transição para o mercado de trabalho têm assumido traços de “individualização” ou “modernização flexível” (Beck, Giddens e Lasch, 1994), em (des)articulação com os processos de “institucionalização” que configuram estruturas de oportunidades desiguais impulsionadas por políticas públicas e/ou por lógicas de mercado. São diversos e heterogéneos os grupos sociais (trabalhadores idosos, pouco qualificados, mulheres, jovens com elevadas qualificações e quadros estáveis de empresas), que se confrontam com mercados de trabalho segmentados, em que o acesso e a manutenção num emprego se apresentam como o seu maior desafio e projeto de vida.
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2.2.2. Empregabilidade e competências
O enfoque na empregabilidade e nas competências acompanha a tendência de desregulação do mercado de trabalho e de individualização das relações laborais. Apesar de não se registar uma total convergência de pensamento em torno do que se entende por empregabilidade e competências, tendencialmente tem-se vindo a assumir que estes termos remetem sobretudo para atributos e situações de cariz pessoal e intrínseco ao ator social, considerados indispensáveis para o acesso a um emprego, a permanência no mesmo e/ou evitar o (risco de) desemprego. Empregabilidade não é sinónimo de “obtenção de emprego” (Vieira e Marques, 2014), já que não se constitui como um atributo imputável apenas ao indivíduo. A empregabilidade é dependente do contexto económico, político e social no qual se insere, configurando, assim, as possibilidades de ação individual no que diz respeito ao acesso ao emprego ou a estruturas de oportunidade de desenvolvimento de uma atividade profissional. Entende-se por empregabilidade “um conjunto de realizações – competências, conhecimentos e atributos pessoais – que conferem aos indivíduos maior probabilidade de obterem um emprego e de serem bem-sucedidos nas profissões escolhidas, com benefícios para os diplomados, para o mercado de trabalho, para a comunidade e para a economia” (Yorke e Knight, 2006: 7). A empregabilidade e a competência enquadram-se também nas teorias da gestão participativa que têm procurado mobilizar a inteligência dos trabalhadores para conseguir a otimização do sistema produtivo e a competitividade das empresas, reforçando tanto as condições objetivas como subjetivas de emprego. Com efeito, os atuais contextos tecno-organizacionais apelam diretamente à flexibilidade, adaptação, criatividade, iniciativa, capacidade de resolução de imprevistos e problemas, entre outros. Tal é visível na proliferação de configurações organizacionais “magras”, em regimes de subcontratação e outsourcing, como de estatutos profissionais precários assentes, por exemplo, em contratos temporários, a termo, a part-time, com menor proteção social e de regulação. Mas também é visível na incorporação de identidades profissionais incertas e negativas, dadas as experiências de precarização do trabalho e emprego e a vivência de períodos (por vezes longos) de desemprego. A desestruturação dos tempos e espaços de trabalho daí decorrentes, em relação com outras esferas da vida privada, configura biografias com “rosto” e “voz”, para além de contribuir para os números que oficialmente nos retrata o mercado de trabalho.
2.2.3. Empreendedorismo, uma alternativa ao desemprego/ criação de emprego?
O empreendedorismo, tal como os conceitos atrás expostos, sofre uma polissemia resultante não só da banalização dos media e decisores políticos, como das controvérsias internas nas diferentes áreas disciplinares em que ele se tem vindo a desenvolver. Em termos de enquadramento político-institucional, assume-se uma visão mais ampla do “espírito empresarial”
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(European Commission, 2012), focado nos conhecimentos, competências, atitudes e comportamentos de criatividade, inovação e de risco, aplicáveis a todos os domínios da vida profissional e privada. Reconhece-se que a educação e a formação específica em empreendedorismo pode ter um efeito importante no apoio ao crescimento e criação de empresas. Porém, pretende-se inscrever a relevância da educação empreendedora como sendo importante para a sociedade em geral, para o desenvolvimento sustentável e coesão territorial. Ou seja, reforça-se a sua dimensão social e cultural, muito além de uma perspetiva de índole económica, gestionária e psicológica de identificação de oportunidades de negócio e de criação de empresas. Impõe-se analisar as experiências de empreendedorismo no contexto político-económico, social e organizacional em que estas emergem e se desenvolvem, incluindo as dimensões de cariz simbólico-valorativo que subjazem nas opções (constrangidas ou não) por uma carreira autónoma e alternativa a uma relação de trabalhador por conta de outrem até então dominante. Reconhece-se a importância de autonomia e liberdade patente na criação do próprio emprego, seja por resultar de um “espírito empresarial” e desenvolvimento pessoal, seja por configurar uma alternativa de combate ao desemprego. Não obstante, importa sinalizar os (potenciais) riscos de precariedade que se podem consubstanciar na menor proteção legal, nos baixos salários, na menor ou mesmo inexistente apoio sindical, na vulnerabilidade às flutuações conjunturais dos ciclos económicos, entre outros aspetos. 2.3. Cruzamentos e Principais Desafios
2.3.1. Entre desemprego e precariedade: vivências e perceções
As análises sobre o trabalho, emprego e desemprego, anteriormente expostas, exigem uma nota particular a propósito da precariedade laboral. Sem percorrer o debate conceptual que tem atravessado este fenómeno, importa destacar que se trata de um conceito multifacetado que abarca as dimensões do emprego e do trabalho. A precariedade do emprego pode ser perspetivada de acordo com a natureza da relação que liga trabalhador e empregador, contemplando assim, o tipo de contrato, a proteção na saúde e na velhice, o subsídio desemprego, a não voluntariedade e a não acumulação com um emprego estável. Neste sentido, podem identificar-se algumas formas de estágio, o trabalho a tempo parcial involuntário, o trabalho com contrato termo, o trabalho temporário, os falsos trabalhadores por conta própria, o trabalho sazonal, o trabalho ocasional, o trabalho no domicílio e o trabalho em regime de subempreitada, como modalidades de emprego precárias (Rosa, 2000). A situação de não voluntariedade e a não acumulação com um emprego de carácter estável constituem dois requisitos básicos para incorrer numa destas modalidades de emprego precário. Já a precariedade no trabalho reporta às condições do exercício concreto da atividade laboral, em particular ao risco de exposição a más condições de trabalho, ambientais e organizacionais
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(Paugam, 2000). A maior precariedade de emprego, em particular a vulnerabilidade contratual, pode potenciar situações mais precárias no exercício da atividade de trabalho quotidiano. Apesar de os trabalhadores poderem ter um emprego precário, tal não significa necessariamente que o percecionem como precário e se sintam numa condição precária. A condição biográfica de transitoriedade que caracteriza, nomeadamente, jovens trabalhadores com vivências de emprego precário e desemprego pode explicar tais perceções (Nicole-Drancourt, 1992). Está pois aqui presente o debate sobre a precariedade objetiva e a precariedade subjetiva. Deve atender-se ao facto de, por exemplo, trabalhadores com um vínculo contratual estável a tempo integral poderem viver uma situação precária traduzida num sentimento de não lhes ser possível confiar nas suas rotinas profissionais, nas suas redes, nos seus saberes acumulados ao longo da trajetória profissional, de não dominarem o seu trabalho e necessitarem de esforçar-se em permanência para se adaptar e atingir os objetivos fixados. Trata-se de um sentimento de isolamento e abandono no âmbito de uma individualização sistemática da gestão dos assalariados e da intensificação da concorrência entre eles (Linhart, 2014). Assim, a condição de precariedade está longe de ser uma realidade homogénea (Standing, 2011) e relaciona-se com as vivências e perceções que os trabalhadores constroem ao longo das suas trajetórias profissionais.
2.3.2. Desigualdades sociais e territoriais: o local em perspetiva
A análise das desigualdades sociais extravasa o seu plano mais objetivo, como os recursos económicos, políticos ou culturais. Engloba, necessariamente, o modo como são percecionadas pelos indivíduos no momento presente, em comparação com o passado, de acordo com as flutuações conjunturais que as sociedades atravessam, e com as perspetivas futuras acerca das suas vidas (Almeida, 2013). Podem ser definidas como “sistemas de diferenças que se traduzem em desvantagem duradouras e penalizadoras de indivíduos e grupos e que são geradas, mantidas e reproduzidas – independentemente de méritos ou deméritos individuais – através de mecanismos sociais identificáveis” (Almeida, 2013:25). Este autor desconstrói a ideia de que a capacidade e empenhamento individuais possam ser entendidos como premissas explicativas da distribuição desigual dos recursos e das possibilidades de cada um. A desigualdade social surge ligada a sentimentos de injustiça, exclusão, (des)igualdade de oportunidades, equidade e à construção de determinadas crenças coletivas. A perceção destas crenças pelos indivíduos depende do contexto social e espacial em que se inserem, pelo que, para além da dimensão social das desigualdades, importa sublinhar a sua dimensão territorial. Com efeito, a sua pertinência justifica-se no caso português pelas diferentes velocidades de desenvolvimento do país, que levam mesmo à existência de uma classificação de territórios de baixa densidade ou vulneráveis. Refira-se que a deliberação da CIC Portugal 2020 aprovou a
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26 de março de 2015 uma nova classificação de municípios de baixa densidade, ora mais centrada na densidade populacional, ora no rendimento per capita. A regulamentação do Portugal 2020 elegeu o multicritério que considera a densidade populacional, a demografia, o povoamento, as caraterísticas físicas do território, as características socioeconómicas e as acessibilidades. É sabido que Portugal conheceu um desenvolvimento assinalável nas últimas décadas, surgiram várias infraestruturas e equipamentos públicos, as acessibilidades melhoraram significativamente com a construção de autoestradas e vias rápidas, construíram-se hospitais, centros de saúde, escolas, creches, pavilhões desportivos, bibliotecas, entre outros. Contudo, as mudanças operadas não tiveram o reflexo desejado nos níveis de desenvolvimento social e económico nos territórios de baixa densidade ou vulneráveis por diversas razões: envelhecimento da população, despovoamento das regiões do interior, povoamento disperso, emigração, difícil acessibilidade territorial às redes de infraestruturas básicas, de equipamentos coletivos e de serviços públicos locais, uma economia dependente de atividades tradicionais, mão-de-obra pouco qualificada, mercado de trabalho pouco dinâmico, baixa iniciativa empreendedora, entre outras. A este propósito, é importante destacar a relevância do papel do Govint e do trabalho desenvolvido pelo grupo “Territórios Vulneráveis” (Govint, 2016), que concentrou as suas atividades em dois contextos distintos: bairros prioritários com incidência urbana e suburbana (bairros clandestinos, bairros de barracas e bairros sociais, excluindo os bairros históricos ou suburbanos degradados) e territórios de baixa densidade (territórios rurais). Relativamente à conceptualização de territórios de baixa densidade, foram consideradas, não apenas as áreas de baixa densidade demográfica, como igualmente de baixa densidade relacional. Esta inclui a dimensão reduzida de interações entre pessoas, com destaque para o envelhecimento populacional, a fraca capacidade de mobilidade, como entre instituições (ex: cooperação entre empresas, unidades de investigação e de ensino superior e autarquias). O grupo identifica várias ameaças e vulnerabilidades destes territórios, tais como: o abandono da agricultura; os movimentos migratórios no país e para fora; a dificuldade na dinamização de emprego e gerar rendimento; as baixas qualificações da mão de obra; a saída dos mais qualificados para outras zonas do país ou para fora deste; o predomínio de empresas ou negócios de pequena dimensão; as políticas públicas pouco direcionadas para a promoção do empreendedorismo inclusivo. Em termos de potencialidades e oportunidades, o grupo salienta os seguintes aspetos: • O capital ecológico relacionado com serviços ambientais e biodiversidade destes espaços; • O papel que estes territórios podem desempenhar, em particular as cidades de média dimensão (Vaz, 2013), para uma nova ligação com os grandes espaços urbanos tidos habitualmente como ameaça para aqueles; • O capital territorial, relacionado quer com o potencial produtivo e os recursos naturais, quer com os conhecimentos tradicionais, a atividade artesanal e o património
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histórico e cultural, passíveis de mobilizar e atrair pessoas e investimentos para estes territórios; • A ligação com as comunidades portuguesas disseminados pelo mundo, como igualmente pelas áreas metropolitanas, que estabelecem redes ativas de relacionamentos sociais com estes territórios passíveis de serem oportunidades para explorar. A reflexão deste grupo de trabalho “Territórios Vulneráveis” (Govint, 2016) sobre a dimensão social e territorial das desigualdades revela-se, assim, de extrema relevância para compreender as vivências e as perceções dos indivíduos sobre o desemprego e a precariedade laboral.
2.3.3. Políticas de emprego inclusivas e diferenciadas
Nas últimas décadas, as políticas de educação, formação e emprego têm vindo a seguir de perto uma “agenda” para a empregabilidade dos atores sociais, com enfoque particular para as “competências transversais”, enquanto competências pessoais e interpessoais – geralmente intituladas de “soft skills” (Vieira e Marques, 2014). Estas são determinantes para qualquer ator social que pretende aceder a um emprego, prosseguir uma carreira profissional ou, em alternativa, criar o seu próprio emprego ou empresa. Mas, também são, igualmente, determinantes para quem vive, ou viveu períodos de desemprego, e que pretende encontrar estratégias de reconversão/ requalificação profissional. Decorrente da crise do emprego típico, acompanhada por uma “mercadorização” das relações de trabalho assente na sua desvalorização, degradação e desqualificação, muitos são os impactos na conceção de políticas de emprego, educação e proteção social, fortemente influenciadas pela agenda europeia e pelas orientações neoliberais emanadas por organismos supranacionais, como, por exemplo, a OCDE. Por sua vez, a mobilização subjetiva dos atores sociais nas relações de trabalho e emprego caracterizam os destinatários alvo de políticas públicas, a par dos desempregados que apresentam exigências simultâneas de ativação. Estes assumem distintas e diversas condições sociais, percursos e perfis profissionais e valorizações simbólico-ideológicas, desafiando os decisores políticos na conceção de políticas públicas adequadas e inclusivas, assente numa abordagem, simultaneamente, individual e institucional. O combate ao mercado de trabalho segmentado e a promoção de políticas de emprego direcionadas para jovens têm constituído prioridades da Estratégia Europeia do Emprego (EEE), porém, as medidas destinadas a promover a integração profissional de trabalhadores com contratos a termo indeterminado (em especial jovens), a requalificação e/ ou melhoria dos níveis de qualificação, a participação da população empregada e, sobretudo, desempregada, em atividades de educação, tendem a ser insuficientes e/ ou ineficazes, como debatem (Silva, Hespanha e Caldas, 2017).
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3. Metodologia A metodologia adotada consistiu na realização de um conjunto de 4 grupos focais e 23 entrevistas semiestruturadas, visando desenvolver um trabalho de reflexão e desconstrução de termos, conceitos e preconceitos com pessoas que vivem ou viveram situações de desemprego e/ou precariedade, bem como estudantes finalistas do ensino superior, procurando averiguar as perceções e expetativas face aos conceitos problematizados na secção anterior. A opção por esta metodologia tem na sua base o facto de potenciar a emergência de verbalizações sobre uma determinada temática. Os grupos focais e as entrevistas realizados foram dinamizados tomando como suporte um guião de orientação que visou acionar uma reflexão e um debate conjuntos em torno de vários termos e conceitos. Tomando o lema “Eu Conto!” como ponto de partida, o objetivo foi refletir sobre os termos, conferindo primazia aos discursos das pessoas que vivem as situações que aqueles visam contemplar.23 Os quatro grupos focais e as 23 entrevistas tiveram lugar entre Maio e Novembro de 2017, e constituíram-se de forma heterogénea, visando condensar uma visão plural das várias temáticas centradas no mercado de trabalho. No quadro seguinte explicitamos os grupos focais e entrevistas realizados: Quadro 1 - Grupos focais e entrevistas
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A publicação realizada ao abrigo do Acordo de Cooperação entre EAPN Portugal e IEFP intitulada “Cabo dos Trabalhos”, segue este tipo de metodologia abordando diferentes histórias de resiliência no âmbito do mercado de trabalho. A publicação está disponível em linha em: http://www.eapn.pt/e-books/e_book_cabo_dos_%20trabalhos/ 24
Ver www.click.eapn.pt
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No quadro seguinte é possível encontrar uma caracterização sociodemográfica geral dos participantes. Quadro 2 - Caracterização sociodemográfica dos participantes em grupos focais e entrevistas
* 15 indivíduos ainda não acederam ao mercado de trabalho, pelo que não detiveram ou detêm situação na profissão. Nota: no quadro foram consideradas apenas as categorias das variáveis com valor igual ou superior a 1.
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Os grupos focais e as entrevistas foram gravados em registo áudio, transcritos e objeto de uma análise de conteúdo de cariz categorial, visando salientar as principais interpretações e respetivos enunciados que espelham as perceções dos participantes sobre as dinâmicas do mercado de trabalho25.
4. O que contam os atores sociais Antecedendo a análise focada nos registos discursivos dos indivíduos, salientamos que se destacam duas variáveis caracterizadoras dos indivíduos: a situação e a experiência de trabalho e a idade. Temos os que têm ou tiveram uma relação com o trabalho, mesmo os que se encontram atualmente desempregados; os que antecipam/projetam o mercado de trabalho e que apresentam um processo de socialização antecipatória face ao mercado de trabalho. Neste último grupo estão maioritariamente os jovens universitários finalistas. Por fim temos um grupo muito reduzido de pessoas que projetam ou já se encontram inseridos em experiências de trabalho caracterizadas por formas de autoemprego, com características bastante diferenciadas. 4.1. Atividade e Inatividade Para o grupo 1, atividade/inatividade tendencialmente é percecionada de forma muito próxima do trabalho/emprego. Estar ativo é estar a trabalhar e inativo é estar desempregado: “Há alguma coisa que faz com que estejas inativa, não estás porque queres.” (Fernanda; 42 anos; ensino secundário; desempregada) Estar inativo também pode corresponder a uma situação mais pontual, como estar de baixa médica. A frequência de formação é interpretada como uma forma de estar ativo, mas não empregado, já que esta última implica receber um salário. O grupo aborda a existência de muitas pessoas nos centros de emprego que estão a frequentar formação e que não são consideradas desempregadas, induzindo a uma visão distorcida das estatísticas do desemprego. Já no grupo 3 emergiram perspetivas distintivas passíveis de serem agrupadas em duas linhas: • Uma de valorização de uma abordagem centrada no coletivo, onde se situam os estudantes com formação superior e que interpreta a inatividade como desencorajamento da população no desemprego e um certo ostracismo relativamente a estes. Fruto de um problema que é social, coletivo, emerge a depressão, inação, distanciamento e inadaptação. Ser inativo é não ter capacidade de trabalho, sendo assim assumido como uma disfunção; 25
Na apresentação de excertos foram adotados nomes fictícios para os entrevistados e para os participantes nos grupos focais.
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• Uma interpretação diferenciada é encontrada como tronco comum nos entrevistados mais jovens, constitutivos do grupo 3, que leram o conceito de atividade no sentido de característica do indivíduo. Ser ativo é agir, é proatividade, é dinamismo. Há quem considere que ser ativo “é contribuir para o mundo” (Alexandra; 18 anos; ensino técnico-profissional; estudante). Esta visão dicotómica está também presente, mas aqui de forma transversal, nas jovens recém-licenciadas do grupo 4, para as quais a noção de inatividade/atividade está relacionada com a noção de atividade laboral, quando se analisa do ponto de vista individual, destacando-se a incerteza e oscilação entre um estado e outro: “Tanto estamos ativos, como de repente estamos inativos, por isso é um conceito que se vai prolongar. E todas as gerações vêm isso, e as pessoas já acham normal: ah hoje estamos aqui e amanhã logo se vê.” (Beatriz; 24 anos; ensino superior universitário; empregada) Quando se muda a perspetiva do ponto de vista individual para o coletivo, reconhece-se que o trabalho retira ação coletiva: “Eu agora que estou a trabalhar, sinto que dou menos à sociedade que antes, estou ativa mas sinto que morro um bocado para as outras questões. Porque uma pessoa ou se foca numa coisa ou se foca noutra.” (Beatriz; 24 anos; ensino superior universitário; empregada) No grupo 5 é estabelecida uma relação entre a atividade/inatividade à motivação e à iniciativa da pessoa em realizar uma atividade, indo para além da questão profissional. Foca-se também o “trabalho invisível” da mulher, não remunerado. Numa visão mais abrangente, considera-se que a inatividade poderá ou não ser o contrário de atividade: “Eu não considero inatividade, como sendo, nada para fazer ou não estar a exercer algo. Embora, não esteja a exercer uma atividade remunerada, não quer dizer que eu não esteja a exercer alguma atividade. Por exemplo, em casa, todos nós temos alguma atividade.” (Acélia; 62 anos; ensino superior universitário; reformada). Os conceitos de atividade e inatividade surgem também associados à dignidade e à autonomia: “Eu associo a atividade e a inatividade quando a pessoa está pra baixo e não há forma de dar dignidade àquela pessoa que está na inatividade”. (Cidália; 58 anos; ensino superior universitário; desempregada).
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Nesta sequência, são também apresentadas novas tendências no mercado de trabalho, nomeadamente novas formas remuneratórias: “Acho que nos estamos a encaminhar para outras formas de remuneração, alguma forma de troca, desde que seja bom para as partes, há formas negociáveis e possíveis”. (Cidália; 58 anos; ensino superior universitário; desempregada). Por fim, é feita a distinção entre a atividade individual, quando centrada na pessoa, e atividade coletiva, quando centrada numa atividade remunerada ou numa atividade social (ex.: dar assistência a um familiar doente ou idoso). As perceções dos termos e conceitos estão, muitas vezes, associadas à história de vida pessoal e profissional de cada um: “Muitas das vezes, nós somos o espelho do que a sociedade nos transmite. Há sociedades em que tomar conta de um idoso é valorizado. E há sociedades em que tomar conta de um idoso é desvalorizado.” (Joaquim; 60 anos; ensino secundário; desempregado). Relativamente aos impactos da inatividade, destacou-se, no grupo 1, a identificação de uma relação entre a idade e a atividade/inatividade: a idade é assumida como uma barreira à atividade, tanto como consequência das próprias dinâmicas do mercado de trabalho, como no que respeita às características dos ciclos de vida. Por outro lado, salientam a dificuldade de conciliação entre vida familiar e laboral, sobretudo quando há filhos: “Em entrevista de emprego, o facto de eu ter 3 filhos, já me eliminou de muitas oportunidades” (Maria; 40 anos; 3º ciclo; desempregada). É consensual que a vivência de períodos de inatividade é assumida pelas pessoas como resultante em desencorajamento e desmotivação pela sua inerente perda de rotinas. “Vais perdendo a motivação a cada dia que passa. Hoje não fizeste, amanhã menos vontade tens de fazer, no dia seguinte menos ainda e acabas a perguntar-te: ‘Mas afinal, quem é que eu sou? Eu estou bem, estou na cama deitada, não me dói nada…’, mas a verdade é que não me dói nada mas não estou bem, tenho de encontrar alternativas e pôr a cabeça a trabalhar”. (Maria; 40 anos; 3º ciclo; desempregada). As atividades de voluntariado têm uma dupla leitura: por um lado, contribuem para um sentimento de utilidade social, promovendo uma postura ativa no mercado de trabalho; por outro lado, devido às práticas gestionárias indevidas, podem resultar na geração de mais inatividade formal, na medida em que são preenchidos postos de trabalho com pessoas em atividades de voluntariado.
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No grupo 1, relativamente ao sentido da intervenção politica na promoção da atividade e redução da inatividade, é destacada a importância de não priorizar maioritariamente públicos-alvo beneficiários de prestações como o subsídio de desemprego, mas também de dirigir estas ações para os públicos mais desencorajados, que se encontram sem qualquer tipo de apoios. Referem também a necessidade de quebrar preconceitos das entidades empregadoras sobre um conjunto de fatores como idade, o facto de ter filhos, a imagem das pessoas, o DLD, o facto de serem beneficiários de RSI, entre outros. Estes preconceitos devem também ser desmistificados junto das pessoas em situação de desemprego, de modo a que estas, por terem noção deste tipo de entraves ao mercado de trabalho, não sejam desencorajadas. Numa linha de corresponsabilização, o grupo 5, do contexto GEPE, apontou o projeto em que está envolvido de apoio a indivíduos em situação de desemprego como importante para potenciar e valorizar as competências e as soft skills do próprio grupo, para promover ou criar uma rede de networking e pôr em prática a aprendizagem coletiva. 4.2. Trabalho, Emprego e Desemprego Os fatores assumidos como maior entrave no acesso ao mercado de trabalho são as baixas qualificações, a ausência de experiência pelos mais jovens e a idade acima dos 40 anos, independentemente das suas qualificações ou experiência profissional. São apontadas questões como a situação de vulnerabilidade perante a situação de trabalho/emprego e de sobrevivência. No grupo focal 1, os participantes distinguem os termos trabalho e emprego. O trabalho é assumido como um meio para suprir necessidades básicas, enquanto o emprego comporta uma dimensão do topo da pirâmide, envolvendo questões de realização pessoal. “O trabalho é aquilo que te aparece, a primeira coisa que te aparecer vais. O emprego é aquilo que tu gostavas de fazer mesmo.” (Fernanda; 42 anos; ensino secundário; desempregada) No grupo 5, estes conceitos surgem associados aos conceitos de autonomia, dignidade e precariedade. Tal como no grupo 1, surgem também ligados à satisfação das necessidades mais básicas, dependendo da situação de vulnerabilidade das pessoas desempregadas. São também abordadas as necessidades de segurança do emprego quando se referem ao contrato de trabalho por tempo indeterminado, salário, bom ambiente de trabalho e condições de trabalho. Por fim, é feita uma abordagem associada à satisfação no trabalho e de fazerem algo de que gostem e que permita o desenvolvimento de uma carreira: “Todos nós somos diferentes. Num mundo perfeito deveríamos trabalhar naquilo que gostamos. Eu trabalhei durante seis anos numa coisa que eu não gostava, mas tive de o fazer.” (Cândida; 42 anos; ensino superior universitário; desempregada).
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Outra diferenciação entre trabalho e emprego é relativo às condições do seu desempenho: o trabalho é associado a algo que se faz mesmo que numa lógica informal; o emprego é reconhecido como trabalho formal e declarado. A estabilidade enquanto dimensão do trabalho mais valorizada é alvo de um reconhecimento paradoxal: a maioria assume que a estabilidade já não é uma realidade, até porque ter um vínculo contratual a termo (certo ou incerto) já não é um sinal de estabilidade, porque as condições desse contrato são, frequentemente, temporárias e precárias. No grupo 3 há uma presença transversal de uma forte ligação à produção, ao valor económico do trabalho e do emprego e, logo, à estabilidade. Para os mais jovens, que integram o grupo 3, trabalho é gosto e emprego é rotina e obrigação. Nos mais velhos, o trabalho é aquilo que é frágil e precário. Nos discursos destes últimos destacam-se três perceções: os novos empregos fragilizam os indivíduos; o desemprego é um fenómeno de dimensões conjunturais; face à precaridade as pessoas tendem a vitimizar-se. A respeito das reações possíveis surge a sugestão de que o “desemprego pode ser uma oportunidade” (Alexandra; 18 anos; ensino técnico profissional; empregada). Nesta mesma linha, dos elementos do grupo 5, alguns consideram que se deve aproveitar o tempo para fazer o que se gosta, criar relações de networking, sair de casa e sair da “zona de conforto”. Sair da “zona de conforto” pode significar múltiplas opções: praticar um desporto, aprender uma língua nova, fazer uma formação em teatro (para quebrar a timidez), fazer formação em coaching que promove não só o auto-conhecimento, mas pode abrir a porta para um novo projeto. Estes foram alguns dos exemplos apontados no sentido de alguma procura da felicidade na vivência de situações de desemprego. De presença mais marcada a esta visão de oportunidade, o grupo 3 projeta uma entrada a curto prazo no mercado de trabalho e assume também que “o desemprego gera medo” e é “uma sombra” (Alberto; 18 anos; ensino técnico profissional; empregado), representando um obstáculo pessoal. O desemprego é assumido por todas as pessoas em geral como um fenómeno socialmente muito desvalorizado. Alguns testemunhos tornam bem visíveis os preconceitos e os juízos de valor da família e da sociedade inerentes à situação de desemprego: “Está desempregada, coitada». Eu já ouvi isso da minha irmã. Uma pessoa até se sente menosprezada.” (Cândida; 42 anos; ensino superior universitário; desempregada) “Quando estamos desempregados estão sempre a atirar pedras. Quando estamos desempregados os familiares mudam.” (Marlene; 20 anos; ensino secundário; desempregada) Os discursos aqui partilhados demonstram de forma clara o estado de desânimo e de desalento 140
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que colocam em causa a autoestima das pessoas em situação de desemprego, contribuindo, de forma acrescida, para um sentimento de isolamento e de exclusão social. Por outro lado, as pessoas em situação de desemprego são vistas de forma ambígua pela sociedade, sendo que os/as entrevistados/as tendem a identificar-se com essa dupla caracterização do mercado de trabalho: “Há uma dicotomia geracional em que as pessoas mais velhas tendem a ver os jovens desempregados como preguiçosos que não querem trabalhar e estes tendem a ver-se a si próprios como vítimas de uma terrível conjuntura.” (Manuela; 23 anos; ensino superior universitário; desempregada) Mas, por outro lado, emergiu a validação da oposição entre desempregados “sérios” e “parasitas do sistema” [expressões da entrevistada]: “Considero que existem dois tipos de desempregados. Os que não trabalham porque não encontram mesmo (não são selecionados) apesar de tentarem e de chegarem a um ponto que acham que já não vale a pena, e aqueles que se acomodam aos subsídios do estado (RSI, etc.) que muitas vezes atingem quase o valor de um ordenado mínimo.” (Helena; 24 anos; ensino superior universitário; empregada) O discurso aqui partilhado vem reforçar a urgência da desconstrução de preconceitos sobre o desemprego junto das pessoas que o vivenciam. Relativamente a soluções, existentes ou a criar, as Políticas Ativas de Emprego (PAE) são assumidas por todos os grupos como um instrumento provisório que permite ganhar experiência de trabalho e de manter as pessoas ativas. O impacto destas medidas é assumido como muito dependente das atitudes das entidades que as acolhem: “Com o CEI [Contrato de Emprego-Inserção] ganhei experiência de trabalho, mas acaba o CEI e vens embora, não te resolve nada.” (Fernanda; 42 anos; ensino secundário; desempregada) Junto dos mais jovens, estas medidas são assumidas como pouco eficazes quando colocadas em “combate” com o argumento da experiência profissional: “Isso (referindo-se às PAE) não serve de muito. Acabamos um curso do IEFP e quando vamos às empresas elas dizem que precisam de gente com experiência. Tirei um curso de reparação de computadores e quando fui a uma empresa eles disseram-me que o que valorizam são os anos de experiência.” (Marlene e Júlio, respetivamente: 20 e 18 anos; ensino secundário; desempregados) Foram os grupos de pessoas com experiência de trabalho quem mais contribuiu para a reflexão sobre soluções. Para o grupo 1, criar postos de trabalho constitui uma medida que soluciona o
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desemprego. As pessoas precisam de trabalhar para saírem das situações de depressão em que se encontram frequentemente. É importante também pensar estratégias de redistribuição dos postos de trabalho. O tema é discutido a partir de um exemplo prático de situações em que pessoas que se encontram já reformadas, ocupam ainda postos de trabalho, retirando assim oportunidades para pessoas desempregadas. A participação dos cidadãos na definição de políticas de emprego é assumida como um passo importante, propondo a existência de um dia por semana, na Assembleia da República, para ouvir os cidadãos e ter em conta a sua voz na definição das políticas. Esta participação também é assumida num sentido inverso, na lógica de uma maior proximidade das forças políticas junto dos cidadãos, propondo a deslocação dos políticos pelo país, para debates descentralizados com as populações. O grupo 4 sugere que a intervenção passe pela educação e pela sensibilização das pessoas: consciencialização dos direitos e deveres laborais. Já o grupo 5 foca sobretudo a falta de articulação das instituições, nomeadamente, entre as Universidades, Institutos, Empresas, o IEFP e outras instituições privadas. Reforça a ideia de que não existe uma adequação entre a oferta e a procura, identificando o IEFP como uma das instituições chave para poder criar essas condições. 4.3. Precaridade e Dignidade As perceções do grupo relativamente aos conceitos precariedade e dignidade centram-se sobretudo em quatro dimensões: o acesso ao trabalho e ao emprego; os direitos e deveres no trabalho; a segurança e estabilidade e o clima social e laboral. Relativamente à primeira dimensão, o acesso ao trabalho e ao emprego, os grupos constituídos por pessoas mais velhas salientam como entraves o tipo de contratação e a instabilidade laboral, o que pode condicionar os planos de longo prazo, como, por exemplo, ter disponibilidade financeira para fazer um curso, viajar ou mesmo suprir necessidades mais básicas. Assim, por exemplo, no grupo 1, todas as participantes são da opinião de que o trabalho precário é sempre uma desvantagem e associam aqui, nalguns casos, os chamados “biscates”, mas que são também assumidos pelas participantes como uma possibilidade de complemento de rendimentos, para pessoas que se encontram a trabalhar mas que desta forma fazem face a diferentes situações, nomeadamente respondendo aos seus salários mais baixos. Por outro lado, profissionais com áreas de elevada procura e pouca oferta (ex.: canalizadores e eletricistas) dão resposta às necessidades do mercado.
No grupo 5 manifesta-se a existência de uma relação estreita entre precariedade e dignidade: relativamente à primeira apontam a falta de vínculo contratual de forma a assegurar a sua
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estabilidade laboral; a segunda associam às condições de trabalho, aos salários baixos, aos horários alargados, violando os direitos fundamentais dos trabalhadores consignados no Código do Trabalho: “A precariedade é boa ou má conforme as circunstâncias do lugar em que nós estamos inseridos. Nós para além das dificuldades de encontrar um trabalho, temos a dificuldade da mobilidade.” (Joaquim; 60 anos; ensino secundário; desempregado). Os jovens que integram o grupo 2 demonstram não existir uma exata noção do que é ser precário e consideram que o trabalho digno depende da maneira como as pessoas o vêm e, portanto, o valor social que lhe atribuem. Surgiram, porém, algumas outras leituras que importa destacar e que evidenciam o desconhecimento do conceito da OIT e a associação a outras situações e valores, conotando o trabalho digno com a assimetria de valorização entre trabalho manual e mental: “Não faz sentido se colocar este conceito de trabalho digno, pois um trabalhador de obras, um trabalhador de limpeza, têm de ter o mesmo respeito que têm um médico, um professor ou um auditor financeiro.” (Manuel; 27 anos; ensino superior universitário; empregado) A complexidade associada à abordagem dos conceitos de dignidade e precaridade fica patente neste testemunho: “Todos os trabalhos são dignos. Não podemos dizer isso desde que haja uma pessoa que diz, eu faço. Não pode haver distinção entre uma pessoa que varre a rua e um empresário.” (Júlio; 18 anos; ensino técnico-profissional; desempregado) Outra visão dos mais jovens orienta-se para a relação do trabalho digno com a atitude perante o trabalho: “O trabalho digno é ter empatia, ser um bom profissional e fazer as coisas corretas e aceitar os erros” (Ana; 18 anos; ensino técnico-profissional; estudante) O conceito de trabalho digno é razoavelmente conhecido entre o grupo de jovens que integram o grupo 3, sendo mencionado em duas vertentes: uma mais ligada à participação com a identificação de fatores expressivos, como realização pessoal, ter voz, satisfação e evolução; outra orientada para uma aceção de trabalho legal, justo, fornece boas condições de trabalho e possibilidade de reclamação, tal como já se havia constatado no grupo de participantes mais velhos: “É um trabalho que permita igualdade de tratamento e de oportunidades para todos, segurança e saúde no local de trabalho e perspetivas de desenvolvimento pessoal. Associado a todos estes aspetos e porque vivemos numa sociedade capitalista não podemos ignorar a remuneração.” (João; 32 anos; ensino superior universitário; desempregado) Dignidade está igualmente associada ao respeito pelo individuo, pela pessoa: “Numa empresa há sempre cargos superiores, se tiver de baixar para subir na car-
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reira ou rebaixar alguém para subir não mantive a dignidade no trabalho. É respeitar o outro. É ouvir e saber falar com o outro.” (Júlio; 18 anos; ensino técnico-profissional; desempregado) O grupo 4, de jovens recém-licenciadas, foca a discriminação de género como dimensão relacionada com os conceitos de dignidade e precaridade: “Então se fores mulher, nem se fala. (…) A diferença de ordenado, as diferenças de tratamento, por exemplo. Um patrão se calhar fala para uma mulher de uma maneira e para um homem de outra, isso ainda se nota.” (Verónica; 21 anos; ensino técnico-profissional; empregada) No que diz respeita a propostas de intervenção, destaca-se o discurso de um participante, que aponta a precaridade como fator conjuntural e que implica uma resposta pautada por uma lógica de flexibilização individual: “Acho que emprego para toda a vida isso já acabou, há emprego, que agora depende da nossa capacidade individual de sermos flexíveis, mas também da sociedade de ser flexível.” (Joaquim; 60 anos; ensino secundário; desempregado) O grupo 1 e o grupo 4 preconizam a adoção de medidas para o combate ao trabalho precário e para a existência de trabalho digno, tais como educação, regulamentação e fiscalização. Sustentam ainda a consciencialização das pessoas e a criação de hábitos de consumo responsável e sustentável. No entanto, destacam a dificuldade associada às necessidades extremas de muitas pessoas que se sentem “forçadas” a aceitar propostas de trabalho precário, por força da ausência de alternativas. 4.4. Desigualdades Sociais e Desigualdades Territoriais Numa análise mais abrangente, as desigualdades sociais e territoriais surgem associadas aos conceitos de justiça social, discriminação de classes, discriminação sexual, discriminação em função da idade e da experiência profissional, exclusão social, imagem social, desigualdades económicas e/ou de rendimentos e, por fim, à mobilidade espacial e/ou geográfica. Mas há diferenças nas perceções dos conceitos entre os grupos dos mais jovens e os grupos mais velhos. No grupo dos estudantes que integram o grupo 3, particularmente os mais jovens e sem ensino superior, não há familiaridade com o conceito ou verifica-se a sua naturalização, considerando tratar-se de um fenómeno ultrapassável pelo mérito individual. Entre as desigualdades sociais identificadas pelos estudantes mais velhos destacou-se a questão da aparência física. Também é mencionado o capital social, a discriminação de classe, a situação das minorias étnicas e sexuais, a deficiência e o idadismo. É interessante constatar também a ênfase colocada na área de formação profissional: consideram existir diferentes valorizações sociais e oportunidades de acordo com a área no mercado de trabalho. Relativamente ao território, nem sempre há uma
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dissociação dos conceitos, consideram que as desigualdades sociais estão sempre relacionadas com as territoriais: “Há zonas em que é preciso sair de lá para ter emprego. (…) Muitos jovens deixaram aldeias desertas porque não tinham possibilidade de emprego. Portugal é Porto e Lisboa. (…) Onde há mais pessoas há mais desenvolvimento.” (Beatriz; 24 anos; ensino superior universitário; empregada). Para o grupo 5, o interior do país é visto como subvalorizado. Os indivíduos afirmam a ausência de vontade política para se avançar com o processo de regionalização ou desenvolver políticas que promovam o desenvolvimento das regiões do interior, comprometendo as gerações vindouras e é destacada a origem social como geradora de desigualdade de oportunidades e/ ou desigualdade social: “Uma pessoa licenciada da classe social baixa tem menos probabilidade em investir num curso de inglês, de viajar, de conhecer outras realidades e tem menos contactos. Depois, isso, numa entrevista é sempre uma mais-valia. Deveriam ter em consideração o facto de a pessoa estudar e trabalhar.” (Aldina; 27 anos; ensino superior universitário; empregada). Ao nível das vivências pessoais das desigualdades, todos os participantes no grupo 1 consideram que, numa escala de desigualdades sociais, se encontram no nível mais baixo da escala, porque a ausência de trabalho acarreta a impossibilidade de aceder a muitas dimensões da vida. Já no grupo dos estudantes que integram o grupo 3, foram mencionados dois casos de vivência de discriminação em pessoas que já têm algum percurso profissional e estão em situação de precaridade. Os participantes neste último grupo focal, residente em concelhos da região da Beira Interior, afirmam que sentem o peso da “interioridade” e referem a existência de situações de assimetria litoral/interior como uma condicionante relevante, sendo a saída da região a solução apontada. Destaque-se, ainda, que os mais jovens tendem a ter uma perspetiva individualizante desta questão: “Nós jovens que estamos a acabar o curso, mesmo com os estágios, estamos acomodados à rotina de acordar e vir para a escola. (…) Em vez de procurar e nos empenharmos preferimos ficar deitados no sofá.. Mas com o decorrer do tempo acabamos por perceber que as coisas não são assim tão fáceis. (…) Pode haver menos emprego, mas uma pessoa tem que se esforçar para encontrar um emprego.” (Alexandra; 18 anos; ensino técnico-profissional; estudante). Quanto a propostas de soluções, destaca-se um registo de passividade por parte dos grupos mais jovens.
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O grupo 5 adota uma visão generalista e identifica atores chave e a necessidade de devolver a voz aos cidadãos. O Estado continua a ser visto como o principal potenciador do desenvolvimento regional e gerador de oportunidades no Interior, tendo um papel no desenvolvimento de políticas sociais que permitam atenuar essas desigualdades e/ou potenciar oportunidades. Contudo, consideram que as pessoas devem denunciar situações que não cumpram os seus direitos, que comprometam a sua dignidade humana no trabalho, para que o Estado possa tomar mais atenção, por meio da fiscalização e investigação de situações que violam direitos fundamentais dos trabalhadores. 4.5. Carreira e Empregabilidade Numa análise mais global dos registos discursivos, carreira e empregabilidade estão estreitamente ligadas, o que pode ter uma fundamentação nos seus percursos profissionais, pautados por uma multiplicidade de modos de inserção profissional, com vínculo contratual a termo certo ou a termo incerto, trajetórias profissionais descontínuas e permanentes, desde o recurso ao trabalho “biscateiro”, entre outros. Se os indivíduos mais jovens, sobretudo os que não possuem experiência profissional, encaram a carreira como um percurso de mobilidade ascendente numa trajetória mais linear, os mais velhos consideram que, atualmente, não faz sentido falar em carreira e, quando existe, concretiza-se num percurso mais sinuoso e seletivo em que uma série de fatores e circunstâncias condicionam as trajetórias individuais: “Não há carreira, ponto. Hoje trabalhas aqui, depois ali meio ano… Nunca vais estar no mesmo sítio o tempo suficiente para construir carreira.” (Francisca; 24 anos; ensino universitário; empregada). Na generalidade, é dada uma forte ênfase à iniciativa individual e à atitude, mesmo nos grupos mais velhos e com experiência de trabalho, o que é interessante e diferenciador face às tendências anteriormente discutidas, já que é consensual afirmarem que ter trabalho/emprego constitui uma questão social, mas ter uma carreira é um problema do indivíduo. Para o grupo 1, ter uma carreira significa sentir-se realizado e ter a sorte de trabalhar naquilo que se gosta. No entanto, consideram que, atualmente, as oportunidades de carreira são mais limitadas. A carreira é também algo que associam a fases da vida, nomeadamente o final de um percurso formativo, sentindo que na sua faixa etária (idade superior a 45 anos), quem não conseguiu uma carreira até então, não terá oportunidade de a iniciar. Os fatores promotores de empregabilidade são, em particular: a experiência profissional, a formação, as qualificações, deter carta de condução e veículo próprio, a idade e a rede de contactos. Já para os mais jovens, a carreira é associada a algo que permite a ascensão e também à vontade individual e/ou ambição. Os mais jovens consideram que carreira é uma possibilidade reservada apenas aos que a conquistam, o que enfatiza uma lógica individualizante e meritocrática.
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As jovens recém-licenciadas que integram o grupo 4, consideram que não faz sentido falar em carreira, dado que não há tempo para a construir. A empregabilidade parece estar mais próxima da realidade, definindo-a como a linha de tempo em que se está empregado, não correspondendo, necessariamente, a uma carreira: “Empregabilidade é isso, estou empregada agora, daqui a 2 meses volto a estar… A carreira é estares ali e lutares um bocado para evoluir. Por ti, pela empresa…” (Francisca; 24 anos; ensino superior universitário; empregada). Os estudantes que integram o grupo 3 colocam os dois conceitos em confronto: é difícil conquistar um emprego na área de formação em que se equaciona a carreira, havendo casos para quem construir carreira consiste no alcançar de um emprego na área. Assim, uma carreira é encarada como ainda existente mas é mais difícil de alcançar, em particular na área das ciências sociais. A educação é mencionada como um fator diferenciador na promoção da empregabilidade e da construção de uma carreira, num mercado de trabalho marcado pela competitividade e agressividade: “Quem tem menos formação académica e profissional terá mais dificuldade em entrar e permanecer no mercado de trabalho, tudo isto acontece, porque a competitividade é enorme e muito agressiva.” (João; 32 anos; ensino superior universitário; desempregado). O grupo 5 retoma a ideia de que carreira é algo que já não existe nos dias de hoje. Os indivíduos ressaltam que a crise atual veio alertar as pessoas, sobretudo, as pessoas que estiveram ligadas a uma empresa durante 15, 20 ou mais anos, para o facto de nada ser definitivo. Foram abordados também fatores como: a passividade, a falta de ambição, os “vícios” das pessoas que mantinham um vínculo por tempo indeterminado a uma dada empresa e a dificuldade dessas mesmas pessoas se ajustarem a novas realidades e/ou de serem mais flexíveis: “As pessoas que ficaram desempregadas não estavam preparadas para o que aí vinha. Então, elas tiveram de fazer uma transformação total, porque para elas aquilo era a carreira delas, achavam que se iriam reformar com aquilo.” (Catarina; 38 anos; ensino superior universitário; desempregada) A margem de manobra de cada pessoa e a configuração individualizada como a trajetória é vivida e percecionada destaca-se no discurso dos jovens estudantes do ensino profissional que questionam o binómio carreira/empregabilidade: estes são importantes na medida em que a hierarquia remete para a possibilidade de progressão, de ter mais qualquer coisa, mais vantagens, mas não são importantes se a remuneração for satisfatória: “Isso exige mais trabalho. Vou-me candidatar para uma coisa. É ali que eu quero. Quando achar que já não estou satisfeita ali ou vou procurar outra coisa, vou-me esforçar para subir. Se estou estável ali não vou estar a lutar para subir. Tenho de fazer
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isso e isso para chegar ali, não. A carreira não tem grande interesse.” (Marlene; 20 anos; ensino secundário; desempregada) No grupo 5 destacou-se a proposta de uma lógica role model e storytelling, sendo a ambição encarada como algo importante na trajetória profissional de cada um. Os indivíduos apontam a existência de uma grande diferença entre a ambição e a inveja, sendo importante ter uma perceção do percurso de uma pessoa para atingir uma determinada meta: “«Ah! Aquela pessoa é feliz. Eu gostaria de ser como ela!». Eu vou conviver com essa pessoa, eu vou escutar a história daquela pessoa, qual é o pulo do gato?” (Cidália; 58 anos; ensino superior universitário; desempregada). Os discursos orientam-se para a ênfase colocado na necessidade de as pessoas se valorizarem, apostarem na sua formação, se reinventarem e readaptarem a novos contextos profissionais, a novos desafios e apostar no networking. 4.6. Empreendedorismo O empreendedorismo não é considerado pelos participantes como solução para o desemprego, apesar dos diferentes grupos apresentarem testemunhos de que seria importante defini-lo como uma estratégia mais integrada de forma a combater o desemprego, como por exemplo, apostar de forma acrescida na educação. De acordo com as perceções dos diferentes participantes, este termo surge associado a diferentes fatores de ordem motivacional e de ordem de segurança. Nos primeiros incluem-se a motivação pessoal, a competência, a iniciativa, a pro-atividade e a criação de valor. Enquanto nos segundos são apontadas as dificuldades ao acesso às condições de financiamento, o risco, a inovação, a carga fiscal excessiva e o processo burocrático que podem comprometer o início e a continuidade da atividade empreendedora. As mulheres desempregadas que constituem o grupo 1 afirmam que para ser empreendedor é preciso ter um projeto, ter uma ideia, mas também ter condições base de financiamento. O empreendedorismo tem a ver com ideias e com a capacidade de as pôr em prática e essa capacidade depende muito de condições base. O potencial de sucesso de um empreendedor aumenta com a existência de uma rede de suporte. Por sua vez, são apontadas dificuldades que são consubstanciadas nas dificuldades que se deparam no pagamento dos impostos: “As pessoas empreendedoras que conheço, todas me dizem que o primeiro ano foi muito bom mas depois tiveram que fechar portas porque não conseguiam responder a todas as exigências, nomeadamente o pagamento de impostos. Ouvimos muitas
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vezes, vamos lá abrir um negócio, o Centro de Emprego ajuda…. E depois, quando a ajuda termina e as despesas continuam a aumentar?” (Fernanda; 42 anos; ensino secundário; desempregada) Acreditam que é possível ser empreendedor não apenas por conta própria, mas também por conta de outrem, e, deste modo, contribuir para o sucesso das entidades com novas ideias. Por sua vez, foi assinalado pelo grupo 5 que nem todas as pessoas preenchem o perfil de empreendedor. Um dos elementos do grupo apontou o empreendedorismo como alternativa ao desemprego, assinalando a pro-atividade e a motivação individual para o concretizar: “Eu acho que a crise global é um chavão, fecharam-se portas, mas abriram-se janelas. Abriram-se portas num certo individualismo empresarial das pessoas que perderam os seus empregos, sendo mais pró-ativas do que outras, tendo uma rede social mais complexa, mais rica, conseguiram criar o seu próprio emprego.” (Joaquim; 60 anos; ensino secundário; desempregado). De uma forma geral, o grupo considera que Portugal tem Recursos Humanos com potencial, com talento, com ideias, mas identificam a falta de apoio ou de entraves no desenvolvimento da atividade empreendedora. Por outro, destacam a grande dificuldade em superar “lobbies”, as dificuldades burocráticas subjacentes à criação de uma associação com o objetivo de proteger uma dada atividade desenvolvida por uma dada área artesanal. Já nos grupos dos mais jovens, o conceito de empreendedorismo não é consensual, surgindo interpretações bastante diferenciadas mas que comungam de uma perspetiva associada à detenção de uma competência pessoal. Quanto à possibilidade de empreender trabalhando por conta de outrem, este é um facto que assumem ver-se dificultado pela rigidez institucional, a vigência de hierarquias e a duração reduzida dos contratos de trabalho: “Hoje em dia não tens autonomia para decidir, mesmo nas instituições grandes existem muitas hierarquias, e lá está, acho que as pessoas acabam por não ter autonomia. Tudo passa por não sei quantos patamares, por isso acho que no local de emprego é um bocado complicado.” (Carolina; 25 anos; ensino superior universitário; empregada). Constatam, assim, que ainda não há propriamente educação para o empreendedorismo, estuda-se para se trabalhar para alguém exercer determinada profissão. Pode assim afirmar-se que os discursos dos participantes evidenciam atitudes de resistência ao empreendedorismo como alternativa à criação do próprio emprego ou à situação de trabalhador independente. Por um lado, surge associado aos riscos de precariedade emergente da menor proteção
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legal, dos baixos salários, da vulnerabilidade provocada pelas flutuações conjunturais da economia. Por outro, o postulado do emprego associado à detenção de um vínculo contratual a termo incerto ainda se encontra muito enraizada na sociedade portuguesa e associada à estabilidade económica. A abordagem realizada ao longo desta secção permite evidenciar a heterogeneidade de perspetivas face a dimensões centrais do mercado de trabalho, mas também a forma como refletem eixos centrais de mudança que devem ser objeto de reflexão de modo a enformar as práticas aos níveis individual e institucional, incluindo no domínio das políticas públicas. Permite ainda confirmar a motivação do grupo de trabalho no desenvolvimento de uma abordagem em que os sujeitos são quem conta as suas experiências e verbaliza as suas representações e vivências, como um caminho frutuoso de reflexão acerca das conceções e debates de cariz concetual sobre o mercado de trabalho.
5. Conclusões e Proposições Concluímos o presente texto com a explicitação das principais conclusões a focar da análise realizada e um conjunto de proposições para reflexão. Numa abordagem transversal, desemprego surge como uma realidade eminentemente presente nas sociedades ocidentais contemporâneas, a par da precariedade e, logo, de situações pautadas por vulnerabilidade social. Os discursos do/as entrevistado/as refletem, de forma substantiva, as práticas de quem o vivencia. Vejamos, em traços agora sucintos, principais conclusões que podem ser elencadas a partir dos eixos analisados na secção anterior. 1. Relativamente ao primeiro eixo de análise, centrado nos conceitos de atividade e inatividade, é estabelecida, de forma transversal, uma relação com a motivação, a iniciativa e a pro-atividade. Os interlocutores mais jovens verbalizam perceções em torno da dualidade individual versus coletivo, tendendo a manifestar-se sobre a atividade como uma questão centrada na ação de cada um, refletindo-se, nomeadamente, no exercício de um trabalho remunerado. Por seu turno, referem que se verifica uma redução da capacidade de ação coletiva. Já os indivíduos mais velhos associam os termos à sua experiência de trabalho e a perceções genericamente partilhadas sobre a realidade do mercado de trabalho, como a associação à crise económica ou ao trabalho invisível das mulheres. Outra temática que surge nos debates gerados nos grupos focais e nas entrevistas é relativa às barreiras à (re)inserção no mercado de trabalho, traduzidas em aspetos como a idade ou a parentalidade, colocando os indivíduos na ténue fronteira entre atividade e inatividade, e em cenários de exclusão social, em particular para as mulheres. É ainda abordado o exercício de atividades de forma voluntária que: se podem traduzir em sentimentos de utilidade na sociedade; podem gerar situações de precariedade, em particular
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quando as entidades recorrem a ele de forma indevida e abusiva; e podem potenciar a entrada e constituição de redes acionáveis numa perspetiva de conquistar um emprego. A inatividade é ainda abordada do ponto de vista dos mecanismos de classificação social, potencialmente geradores de mecanismos de exclusão social de indivíduos, porque “portadores” de designações como, por exemplo “desempregados de longa duração” ou “beneficiários do rendimento social de inserção”. Atividade e inatividade constituem, assim, termos que exprimem, não apenas uma situação objetiva detida por um indivíduo no mercado de trabalho, mas igualmente uma prática individual com interpretações diferenciadas e uma prática social de estigmatização e, frequentemente, exclusão. 2. Na discussão em torno dos termos trabalho, emprego e desemprego, sobressai desde logo o problema do desemprego como transversal aos vários grupos sociais. Destaca-se ainda uma dualidade de perspetivas face ao desemprego: a predominante, apontada como uma situação com importantes impactos ao nível da auto-estima e da motivação; mas, igualmente, como uma oportunidade de mudança, na perspetiva do agenciamento individual. Os conceitos trabalho e emprego assumem uma natureza ambivalente: por um lado, aplicam-se às situações que garantem uma fonte de rendimento que assegura a sobrevivência do núcleo familiar; por outro lado, são percecionados como uma esfera importante de autorealização, satisfação e/ou reconhecimento social. No entanto, é de destacar que a precariedade e a instabilidade nos respetivos vínculos contratuais origina fases de incerteza decorrentes de períodos cíclicos de rendimentos, podendo constituir zonas de fronteira com um risco de alimentar processos de exclusão social. Neste sentido, o desemprego é visto como uma “sombra”, gera medo e conduz ao desencorajamento e à inércia. Mas é também neste contexto que se discutem alternativas, como a importância das relações de networking, do “sair da zona do conforto” e partir para a ação. Trabalho, emprego e desemprego não constituem, assim, situações estanques no mercado de trabalho, mas antes situações que estão presentes nas trajetórias sociais dos indivíduos, sendo mobilizadoras e/ou inibidoras em função de um feixe complexo de fatores que estruturam os fluxos entre os stocks de população, crescentemente voláteis e marcados por uma grande heterogeneidade de situações em função dos períodos de atividade, dos vínculos contratuais, da natureza das atividades realizadas, assim como de variáveis como idade, nível de escolaridade ou sexo. 3. Na abordagem das temáticas da precariedade e dignidade sobressaíram quatro grandes dimensões: as oportunidades geradoras do acesso ao trabalho e ao emprego; a defesa dos direitos dos trabalhadores; a segurança e a estabilidade; o clima social e laboral existente nas organizações.
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Evidencia-se uma diferença de posicionamento entre os indivíduos mais jovens e os mais velhos. Os primeiros não verbalizam uma noção clara na definição quer da precariedade, quer da dignidade. Alguns associam a precariedade ao trabalho na agricultura e ressaltam que a dignidade depende do valor social que lhe é atribuído. Já os indivíduos mais velhos salientam o vínculo contratual e a sua relação com a estabilidade e enunciam situações precárias de trabalho como o que designam por “biscates”, atribuindo-lhes características como os rendimentos incertos e que colocam em causa planos ou projetos de longo prazo. Assim, ao conceito de (não)precariedade são associadas as dimensões satisfação no trabalho e estabilidade do emprego; já a dignidade no trabalho é abordada tendo em conta a sua manutenção e defesa ou a sua ameaça ou perda26. 4. A abordagem das desigualdades sociais e territoriais pelos indivíduos surgem associadas às questões de assimetrias na distribuição de rendimentos, das desigualdades económico-sociais, ao desemprego jovem, ao desemprego de longa duração, à precarização, à discriminação em função do sexo, género e etnia e à pobreza e exclusão social. De uma forma geral, reiteram as dificuldades de as pessoas conseguirem oportunidades de trabalho em territórios de baixa densidade. No entanto, reforça-se, mais uma vez, a diferenciação das perceções entre os mais jovens e os mais velhos: os mais jovens não verbalizam uma ideia clara e bem definida dos conceitos, abordando as questões das desigualdades numa leitura mais próxima da comumente designada ideologia neoliberal, ou seja, frisando a importância do mérito individual e da sua imagem pessoal; os mais velhos encaram as desigualdades na vertente económica e da distribuição desigual de rendimentos. Assim, são as pessoas mais velhas que mais se identificam com o trabalho e de forma menos dependente da carreira. Por sua vez, são os mais jovens que associam ao trabalho a possibilidade de crescimento profissional e de desenvolvimento de relações, que possam criar novas oportunidades. Regista-se, ainda, uma assunção global das assimetrias geradas entre o interior e o litoral do país, associadas às dificuldades de mobilidade geográfica.
5. As novas configurações do mercado de trabalho e as dificuldades de inserção laboral, conduzem a refletir sobre as representações dos atores sociais face ao sentido da carreira profissional e, a esta associado, ao termo empregabilidade.
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Na Vários autores vêm argumentando e demonstrando, através de variados estudos empíricos, que a precariedade contratual ou a flexibilidade tende a dificultar as expetativas e o planeamento da vida pessoal (Alves et al., 2011; Casaca, 2013; Casaca, 2012; Guerreiro & Abrantes, 2004).
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A carreira é percecionada, globalmente, como associada a trajetórias individuais – descontínuas e/ ou permanentes – reforçando-se a dificuldade em construir uma carreira na sua área de formação e/ou como fonte de realização pessoal na atual conjuntura. No entanto, a idade marca também distintas perceções. Os indivíduos mais jovens verbalizam uma definição de carreira como algo linear, marcado por uma progressão ascendente, realçando, mais uma vez, a vontade individual, a ambição, o esforço e o mérito. Neste sentido, o emprego é visto como uma questão social e a carreira como um encargo do indivíduo. Já os mais velhos, quer tanto associam o projeto de carreira à autorrealização, a diferentes ciclos de vida, ao términus de um percurso formativo, quer consideram que já não faz sentido falar em carreira e vincam a necessidade de reformular este conceito, pela instabilidade que caracteriza o mercado de trabalho. Contudo, existe uma certa consonância discursiva entre todos os participantes nos grupos focais e entrevistados no que diz respeito à atitude, à postura e à necessidade de as pessoas se adaptarem. O empreendedorismo surge, na sequência destas representações, não como “a solução” para o desemprego, mas como uma via a ser considerada como parte integrante no combate ao desemprego, desde que sejam definidos mecanismos e regulamentação adequada que facilitem o processo na constituição de uma empresa/negócio e seja visto como uma aposta na educação de futuras gerações que devem ser preparadas desde muito cedo de forma a qualificarem-se adequadamente. Por conta própria ou por conta de outrem, a atitude empreendedora, entendida como a predisposição para a ação e para a aprendizagem permanente, poderá potenciar uma postura no mercado de trabalho marcada pela adaptação mais célere a processos de mudança, ainda que seja claro que não cabe aos indivíduos, isoladamente, conquistarem uma posição no mercado de trabalho consonante com as suas expetativas. Fatores de natureza estrutural (situação económica, políticas públicas, etc.) são determinantes para a configuração desta realidade. Da análise realizada, perspetiva-se, ainda numa análise exploratória, avançar para a enunciação de um conjunto de proposições que nos foram “contadas” pelos indivíduos. Os atores sociais que participaram nos grupos focais e que foram entrevistados, partilhando uma situação de vulnerabilidade social, por força de uma integração intermitente no mercado de trabalho e/ou por se encontrarem desempregados, apontam as seguintes recomendações, sintetizadas no quadro 3.
Quadro 3 - Recomendações apontadas pelos indivíduos
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Como se pode concluir, trata-se de um conjunto de proposições que têm, algumas delas, já alguma tradução ao nível das políticas públicas e de programas de ação de entidades várias. No entanto, é premente a reflexão sobre o facto de as pessoas as verbalizarem, indiciando cenários
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vários, tais como, a insuficiência ou desigualdade (territorial, social) de acesso às medidas de política pública, a deficiente circulação de informação ou a desadequação das respostas já aplicadas face aos novos contornos do mercado de trabalho. O trabalho realizado no quadro deste grupo de trabalho do Forum GovInt permitiu, não apenas refletir sobre as configurações e transformações do mercado de trabalho por via da literatura que tem sido produzida, mas igualmente (e principalmente) do que “contam” os atores sociais. Permitiu ainda salientar a importância de fomentar processos participativos e, neles, ter em conta a sua voz, indo além de uma missão de testemunho e servindo à fundamentação da tomada de decisões e ações de concretização das propostas resultantes na melhoria da qualidade de vida das pessoas. “É importante termos oportunidade para falar e refletir sobre estas coisas, mas mais importante que isso é não estarmos apenas a falar para o gravador e que realmente as nossas vozes mais do que serem ouvidas sejam tomadas medidas práticas que melhorem as condições de vida das pessoas” (Fernanda; 42 anos; ensino secundário; desempregada).
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