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Viva a Vida, viva o amor (Andrelina Semedo

Andrelina Semedo

Viva a Vida, viva o amor

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O meu nome é Andrelina Semedo. Conhecida por muitos por Andy. Sou filha das ilhas de Cabo Verde, situadas no meio do Oceano Atlântico: ilhas de amor, de simplicidade, de dança, de música, de mar, de conversação, de gentes de sorriso fácil... numa palavra: de morabeza! E começo a minha história por aqui: por vos apresentar o sítio de onde vim e pela descrição da minha infância – altura da qual guardo, sei hoje, as minhas melhores recordações. Nasci na cidade da Praia, ilha de Santiago, no ano 1987, onde passei os meus primeiros anos de vida e onde aprendi valores importantes e que ainda hoje me orientam. Com a minha avó, mãe, tios e tias percebi a importância da honestidade, do caracter, do amor ao próximo, da empatia, de saber ouvir e de saber aproveitar o tempo e as pessoas que amamos. Tive uma infância cheia de alegria e conhecimento. Apesar de morar numa localidade que não tinha água canalizada nem luz elétrica, tudo me parecia possível! O sol punha-se mesmo em frente de nossa casa - que espetáculo da natureza! Neste contexto, vivi os mais inesquecíveis momentos e sensações: banhos de chuva, pés descalços na lama, beber leite fresco das cabras logo pela manhã... Quando, no final da tarde, o sol se punha e a lua chegava para embelezar a nossa noite, a brisa noturna e o cantar dos grilos formavam o cenário perfeito para ouvir as histórias que alimentavam a nossa imaginação. A minha avó e uma tia mais velha contavam-nos histórias de feiticeiras enquanto dançávamos ao som do batuque. Não sabiam ler nem escrever, mas renovavam a cada história o incentivo para, não esquecendo as nossas origens, agarrarmos as oportunidades! Com esta ideia muito presente, foi numa localidade chamada de Chaminé que fiz os meus estudos primários. Depois deste período, mudámos para cidade da Praia, onde fiz os meus estudos secundários. Depois de ter concluído os estudos secundários fui trabalhar para poder entrar na faculdade, atendendo ao facto de ter nascido numa família humilde e de a minha mãe não dispor de meios financeiros para pagar a minha faculdade. O primeiro ano de faculdade foi muito difícil. Eu trabalhava em turnos e, às vezes, fazia o período da noite. Quando isso acontecia, eu ia direta do trabalho

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para as aulas, sem ter dormido, e eu sentia que não era capaz de manter a minha concentração e de memorizar o que os professores diziam. Tinha muito sono, apesar da minha vontade de aprender. Para além do trabalho e da faculdade, sempre estive ligada ao desporto. Praticava andebol e, apesar de pequenina e magrinha, eu estava em boa forma física! Por isso, quando surgiu a possibilidade de me candidatar para fazer parte da Guarda Municipal, não hesitei. Reuni os documentos necessários, preparei-me para os testes psicotécnicos e físicos... e consegui! Fui uma das pouquíssimas mulheres que conseguia entrar para a Guarda Municipal! Abandonei o curso de Direito (que ainda não concluí por diversos motivos) e dediquei-me a este novo projeto. Estava tudo a dar certo na minha vida, quando um dia senti, durante o banho, um papo no peito. Não ignorei este sinal. Assustada, procurei fazer exames no imediato. Em Cabo Verde, os médicos disseram que eram alterações normais associadas às oscilações hormonais das mulheres, mas eu sempre conheci muito bem o meu corpo e aquilo era estranho! Associava ao esforço que eu estava a fazer ao trabalhar e estudar ao mesmo tempo – estava a exigir muito do meu corpo! – mas não me parecia só isso. Então viajei para Portugal para fazer mais exames e ter outra opinião. Foi-me diagnosticado um cancro de mama, em estágio avançado. Receber esta notícia foi muito doloroso e começaram a surgir na minha cabeça e no meu coração diversas inquietações: quanto tempo de vida terei? Será que vou aguentar os tratamentos? Será que vou sobreviver aos tratamentos? Como será que vou lidar com tudo isto? O que sentirei? Os médicos eram claros: quimioterapia, cirurgia, radioterapia e depois hormonoterapia. Por isso, foi muito rápido que tudo começou e que me vi a braços com uma das fases mais temidas: quimioterapia. As primeiras reações foram terríveis – acho que conseguem imaginar o impacto de todos os efeitos secundários numa menina de 40 Kg. Lutava em várias frentes: dores físicas muito intensas, dores emocionais inexplicáveis, o sofrimento dos meus familiares... enquanto o meu corpo lutava para suportar as dores, eu tentava perceber todo aquele processo! As mudanças no meu corpo e na minha imagem foram muitas. A perda do cabelo foi um dos momentos mais tristes: sentia-me impotente perante aquele

movimento. Ele ia caindo aos poucos sem eu poder fazer nada para o impedir. E não foi só o cabelo. Depois caíram as sobrancelhas, e depois caíram as minhas unhas. Quando fiz a cirurgia para tirar a mama, senti um vazio enorme que nem consigo explicar por palavras. Mesmo tendo feito a reconstrução mamária, nem sequer preciso de me ver ao espelho ou tocar as cicatrizes para sentir um vazio profundo e inexplicável. Não é complexo de inferioridade, nem vergonha... é a sensação de que algo me foi retirado, de que me falta alguma coisa. É como se a minha mente não tivesse ainda conseguido assimilar todo o processo de transformação do meu corpo. Foi um período muito exigente que pediu de mim uma adaptação diária a esta nova realidade e uma nova construção de pensamento. E as pessoas que me rodeavam também estavam sujeitas a estas exigências e não escaparam às consequências deste processo. Contudo, percebi que não podia depender exclusivamente da força que vinha de fora para me reconstruir, tinha que contar com a minha própria força. Na verdade, muitos se comovem, mas poucos percebem. Por isso, percebi nesta fase, que temos sempre de nos amar, porque o nosso amor próprio é a nossa maior arma nos momentos de fragilidade. Com o início de hormonoterapia para ajudar a consolidar os tratamentos, voltou uma certa normalidade à minha vida. Mas passados dois anos, o cancro voltou. Em exames de monitorização, detetou-se que o cancro estava novamente ativo e tinha regressado em força, muito mais agressivo do que o primeiro, tendo-se já espalhado para os ossos. Estava com cancro de mama metastático. Recomecei tratamentos. Estes fizeram efeito nos primeiros anos, mas foram progressivamente perdendo o seu poder nesta batalha. Já não tinham impacto nem faziam regredir o cancro e tive que alterar a medicação para combater, entre outras coisas, as dores que tinha. Durante estes seis anos em que vivo com cancro, senti e experimentei de tudo um pouco mas, acima de tudo, aprendi muito. Senti-me muito amada. Conheci pessoas maravilhosas que guardarei no coração toda a minha vida. Senti-me protegida pela minha família e amigos e até por pessoas que eu nem conhecia. Mas sobretudo, pela minha mãe. A minha mãe é o meu combustível e a maior prova de que o amor salva.

Também conheci a dor nas suas diversas formas e aspetos. Como vos disse antes, senti tantas dores no meu corpo que cheguei a sentir pena de mim por tanto sofrimento. Estava consciente do quanto o meu corpo lutava em todo os momentos. Mas, ao longo deste período negro, percebi que havia um local em que o cancro nunca tocou e nunca poderá alcançar: a minha mente! Essa foi a minha maior aliada. Estive muitas vezes presa numa cama de hospital, sem poder fazer nada pelo meu corpo, mas com a mente forte e focada na esperança! O cancro vai avançando, é certo, e hoje vivo com ele em quase todo o meu corpo. As lágrimas são muitas, mas a minha mente permite-me sempre voltar a sorrir! Por isso, o cancro não foi, e não é para mim, só sofrimento. Neste percurso, aprendi muito sobre minha pessoa e sobre a minha relação com outras pessoas. A doença ensinou-me a respirar fundo, a suportar a dor e, acima de tudo, a esperar. Aprendi a não ter pressa e a acreditar que, se não passa, tudo muda. E não vale a pena dar atenção ao sofrer, mas antes aprender a esperar. Neste meu tempo, aprendi a conciliar o meu pensamento com o meu corpo. Aprendi o quanto sou especial pelo simples facto de ter nascido. Aprendi que o amor é o maior de todos os sentimentos e que perdoar a mim mesma é terapêutico e que perdoar os outros é, simplesmente, um ato de Humanidade. Enfim, aprendi que viver é tudo e que a morte é, apenas, desconhecida. Por isso, vou vivendo… superando-me e com o coração repleto de fé no Universo.

“A vida é tudo, a morte é simplesmente o momento que ainda não conhecemos”. Por Andrelina Semedo

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