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Devo continuar e vou continuar (Ivanilson Coimbra
Ivanilson Coimbra
Devo continuar e vou continuar
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Só apenas um homem só. O meu nome é Ivanilson Francisco Coimbra, tenho vinte e dois anos. Natural de Angola, vivo em Portugal há quinze anos. Não tive e nem tenho uma vida difícil, nem fácil, apenas aventureira. O destino assim o quis e eu, como servo da vida, apenas sigo a linha do tempo. Nunca conheci o meu pai biológico e, como mentor masculino, tive o meu padrasto que, apesar da carência de afeto e de uma constante dureza de espírito que, por vezes, se expressava de uma severa punição física, ensinou-me o que há de mais básico e belo na vida, que é o respeito. A minha mãe não conseguiu cumprir o seu papel de forma tradicional, pois o vício do álcool não lhe permitiu ser alguém presente e constante na minha vida. No entanto, ao cuidar dela, aprendi a importância de self-care. Durante muitos anos fui muito punitivo e julgador para com as suas ações ou, neste caso, a falta delas, até que aprendi que todos temos os nossos demónios e cada um lida com eles da maneira que pode. Nunca tive uma casa que possa dizer realmente que é minha. A primeira vez que dormi na rua tinha dez anos e em vinte e dois anos já dormi em baixo de dezanove tetos. Se por um lado traz uma instabilidade e inconstância não só no sentido material, mas também espiritual, por outro traz-me uma única certeza: que todo o meu “eu” e todas as estruturas que o compõem (espiritual, mental, físico e astral) são a minha própria casa. De uma forma exterior, apesar da minha juventude, as pessoas sempre esperaram uma maturidade e comportamento de alguém, digamos, adulto. Tornei-me homem aos doze pois, após a partida do meu padrasto, ficaram a meu encargo a minha mãe alcoólica, uma irmã de 8 anos e um bebé de dois anos. Com muito sofrimento e carências alimentares e materiais, conseguimos sobreviver o dia-a-dia e crescer enquanto pessoas no sentido primitivo da palavra. Permanecemos todos juntos até abril de 2012, sendo que, da maneira como vivíamos, tornou-se totalmente insuportável e, como tal, fomos entregues ao Estado. Numa primeira instância ficámos todos juntos, mas, rapidamente após um ano, tivemos que seguir caminhos separados. Na minha estadia enquanto criança do Estado, num período de três anos, morei em três diferentes tipos de casa. Foi um período importantíssimo para mim
pois experimentei vários tipos de coisas, como praticar desporto, namorar, ir ao cinema, ir à praia, etc… Algumas delas revelaram-se verdadeiras paixões e impulsionaram alguns sonhos de vida que nunca pensei ser possível realizar e, hoje em dia, fazem parte do meu modo de vida, como praticar desporto e escrever. A saída foi algo difícil pois coincidiu com uma grave crise de identidade e depressão, que culminou com uma forte dependência em drogas. Nestes últimos anos a minha vida foi um verdadeiro paradoxo pois, por um lado, ingressei em bastantes atividades que me enriqueceram enquanto pessoa: entrei num curso universitário, fiz teatro, fui DJ, fui carteiro, lavei pratos em restaurantes, trabalhei nas obras, trabalhei em armazéns, trabalhei numa estufa, limpei praias. Também naveguei muito nesse oceano que é a vida e enfrentei várias tempestades, dormi em sofá de amigos, dormi na rua, dormi num abrigo para sem-abrigos, fui pai por duas vezes, sendo que uma delas resultou num aborto. Não tenho medo de viver e isto é um statement bastante espinhoso para se viver. No entanto, não me arrependo por um segundo, por cada momento ou por decisões que possam ser consideradas boas ou más. Ainda sou jovem e tenho muito pela frente e espero que venha muito mais, pois o meu objetivo é que o meu nome fique para sempre lembrado.
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