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Pessoas e histórias, mas acima tudo por corações (Luisa Vidal

Luísa Vidal

Pessoas e histórias, mas acima tudo por corações

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É impossível contar a minha história sem falar na minha família. Sou a mais velha de 4 irmãos. Da Maria, da Madalena e do João Maria e temos todos cerca de um ano e meio/dois anos de diferença. Sempre fomos muito unidos. A minha mãe é a grande heroína dos quatro. É a última de 11 irmãos e toda a vida adorou música, por isso sempre soube que, quando criasse a sua própria família, seria uma família numerosa e os filhos iriam todos estudar música. A música sempre fez muito parte da nossa vida e, lá em casa, sempre foi assumida como uma disciplina como outra qualquer e tão importante como o Português ou a Matemática. O meu pai não era muito ligado à área artística e, portanto, dedicava-se mais aos números. Até ao nascimento do meu irmão viveu rodeado só de mulheres. Há um momento muito importante na nossa história, que é a vinda do Papa João Paulo II a Portugal no ano 2000. Estivemos com a minha mãe a ensaiar as 100 crianças que se preparavam para ir esperar o Papa na Base Aérea de Figo Maduro. Este foi um momento muito marcante para a nossa família, enquanto família cristã. Foi tão importante, que levou a que, após o João Maria nascer e depois de muita insistência, em janeiro de 2001, o Papa João Paulo II batizou-o na capela Sistina, em Roma. Nesse mesmo ano, no mês de julho, de repente e sem aviso, o meu pai não resistiu a um ataque cardíaco, deixando a minha mãe sozinha com 4 crianças. Na altura eu tinha 6 anos, a Maria 4, a Madalena 2 e o João 9 meses. Fizemos o luto em família e foi em Alcochete, uma terra de tradições na margem do rio Tejo, que reunimos a calma e o tempo que precisávamos para ultrapassar a morte do meu pai. Em Alcochete tivemos uma infância feliz, brincámos na rua, na praia, jogávamos xadrez e ao berlinde e inventávamos músicas e teatros por tudo e por nada, tudo porque a minha mãe nunca consentiu em deixar-nos perder tempo com a televisão. Um dia, escondeu o cabo que permitia a transmissão tão bem, que nunca mais o encontrou e, por isso ou víamos cassetes de filmes animados (de vez em quando) ou inventávamos brincadeiras juntos para passar o tempo, e que bom que foi! Um momento muito importante que marcou a história acontece quando a

minha mãe começa a reorganizar a vida, a pensar como se irá aguentar com quatro crianças sozinha, e surgem três ideias que a ajudaram a refletir e seguir o caminho e que foi a minha vida a partir daí: o tempo, de que não queria abdicar para estar com a família - tínhamos ficado sem pai, não podíamos ficar sem a mãe para um emprego com horários exigentes; o tempo para a nossa educação artística que nunca foi prescindível e, assegurando estes dois, conseguir sustentar a família sozinha. É então que nasce o FigoMaduro, um projeto de vida, de música, mas acima de tudo um projeto de educação, através da música. Estou por isso habituada, desde muito pequena, a trabalhar. Desde muito pequena que trabalhamos em família, cada um toca o seu instrumento e todos cantamos. Corremos o país de norte a sul, atuámos em casamentos, batizados, eventos privados, festas de Natal, em todo o tipo de eventos, e conheci muitos lugares e muitas pessoas através do FigoMaduro. Em muitos dos sítios por onde passámos demos também o testemunho da nossa família, focando a importância da mesma e do tempo que devemos dedicar à família e que não pode ser descuidado. Foi a experiência mais rica e também mais desafiante por que passei até hoje. Aprendi muito. Mas não é tarefa fácil aliar o tempo em família, o trabalho em família e a partilha do espaço comum em família. É muito tempo e requer um poder de gestão muito grande, aliando a isso o tempo para ser também amiga, namorada, fazer desporto, estudar e outras coisas de que sempre gostei. Estou desde muito cedo habituada a fazer sacrifícios e a gerir bem ao que me entregar. O FigoMaduro permitiu-me conhecer muitas realidades e contactar desde muito cedo com pessoas muito diferentes em diversos contextos e, por isso, sempre houve uma componente muito humana, ligada à arte, que fui alimentando ao longo dos anos e que, um pouco mais velha, resultou na minha entrega em diferentes missões. É num dos meus regressos de missão que aparece a Academia de Líderes Ubuntu. Sempre fui fascinada por pessoas e histórias, mas acima tudo por corações e, na Academia, senti-me em casa por encontrar exatamente isto, com fartura. Deu-me a oportunidade de partilhar e de ouvir muito, e de crescer com o que ouvi, mas apalpou terreno para a abertura de um caminho que iniciei para perceber, com toda a bagagem que trago até aqui e tudo o que faz parte de mim, quem sou e o que quero deixar neste mundo.

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