Jornal aclara 1ªedição

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ACLARA Janeiro de 2015


ACLARA

Cinema Independente no Porto Janeiro

Jornal da Escola Clara de Resende

Até 14/01 Filme Pasolini, de Abel Ferrara @ Teatro Municipal do Campo Alegre, 12h30 e 22h00, 4,5€

Um projecto da Associação de Estudantes

Até 14/01 Filme Adeus à Linguagem de Jean-Luc Godard @ Cinema UCI Arrábida, 5,10€ Direcção José Diogo Nogueira

15/05 Filme O Laço Branco, de Michael Haneke @ Casa das Artes, 18h, 2,5€ 15/05 a 28/05 Filme Sono de Inverno, de Nuri Bilge Ceylan @ Teatro Municipal do Campo Alegre, 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª: 18h30 e 22h00, Sab e Domingo 15h30, 18h30 e 22h00, 4,5€

A presente edição foi escrita e elaborada por alunos da turma de Humanidade do 12º ano. Junta-te a nós. Envia-nos textos e artigos de qualquer teor, da tua autoria ou não, que gostasses de ver publicados no jornal da escola. Esperamos a tua colaboração.

15/05 Shortcutz Porto: Videoclube de Ana Almeida, 17’, Acaso numa Tarde de Ricardo Machado, 11’, O Poder dos Afectos de Helena Ignez, 31’ @ Maus Hábitos, 22h00, Grátis 17/05 Filme O Cavalo de Turim, de Béla Tarr @ Casa das Artes, 18h, 2,5€ 21/05 Filme João Bérnard da Costa—Outros Amarão as Coisas que Eu Amei de Manuel Mozos @ Cinema Passos Manuel, 22h, 4€

Email jornaldaescolaaclara@gmail.com

22/05 Shortcutz Porto: Cigano de David Bonnevile, 18’, Pela Boca Morre o Peixe de João P. Nunes, 13’, Bicicleta de Luís Vieira Nunes, 48’ @ Maus Hábitos, 22h00, Grátis

Agradece-se a colaboração da Biblioteca da Escola e da professora responsável, Isabel Pereira.

22/05 Filme O Garoto de Charlot de Charles Chaplin @ Casa das Artes, 21h30, 2,5€

A impressão deste jornal foi patrocinada por

24/05 Filme Uma Abelha na Chuva de Fernando Lopes @ Casa das Artes, 18h, 2,5€ 27/05 Filme Do Lindy Hop ao Hip Hop, Montagem da Cinemateca da Dança de Paris @ Teatro Municipal Rivoli, 3€

28/05 Filme Cavalo Dinheiro de Pedro Costa @ Cinema Passos Manuel, 22h, 4€ 29/05 Filme A Galinha de Una Gunjak @ Maus Hábitos, 22€, Grátis 29/01 Filme Branca de Neve de Pablo Berger @ Casa das Artes, 18h, 2,5€

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E a arte, a cultura? São tratadas como um hobbie, uma forma de lazer, um entretenimento. As prioridades estão todas trocadas. As escolas sabem, mas ignoram, que a arte é a absoluta manifestação da dúvida, questionamento dos sistemas, do definido, do certo, da normalidade. Envolvem-na em teorias, despem-na de toda a sua vida, das suas entranhas. E, assim, toda a literatura que os programas preveem é assassinada, remetida ao desinteresse da maioria. Tudo isto me repugna: que maltratem Álvaro de Campos, que Saramago seja reduzido à identificação de hipérbatos, que se fale deles com a mais absoluta indiferença, que se ensinem as suas obras sem a mais ligeira tremura na voz, sem amor ou ódio, sem nojo ou êxtase, que se leia Sophia sem o mínimo vestígio de emoção. Como pode aquilo não doer, não ferir? Campos é excêntrico, mas no seu desespero excêntrico está uma chaga comum a todos. As escolas perderam-se em si mesmas. A democracia corrompe-se dia a dia. Os professores não são entidades superiores. São pessoas que sabem coisas que, nós, alunos, podemos aprender. Mas a maioria de nós viveu muito pouco, viveu quase nada. Não nos perguntem se é mais importante a saída à noite ou a descrição da tomada da Bastilha, porque a primeira será sempre mais relevante do que a segunda. Os intervalos são mais relevantes do que as aulas, quer queiramos admiti-lo ou não. Porque queremos viver, ser, mais do que aprender. A democracia tem de parar de olhar para o espelho apenas para admirar a sua beleza: tem de olhálo para encontrar as suas falhas, os seus buracos. Só na renovação da liberdade é que a democracia existe e a liberdade tem de renovar-se ou morrerá, e nem sempre a sua morte se mostrará clara. Nem sempre a opressão veste negro, nem toda tem a face de um fascista. Uns mais velhos, outros mais novos, somos gente igual, com a espectacular oportunidade de partilharmos uma existência comum. Os pedestais dos senhores doutores são ilusórios. As hierarquias nascem da aceitação mútua e se a sua autoridade é imposta à força então é falsa. Em democracia, as hierarquias desafiam-se, aponta-se-lhes os erros quando estão erradas. A autoridade de um professor só será válida quando o aluno lha reconhecer. A autoridade conquista-se. A autoridade que o professor tenha de exigir, tenha de pronunciar, de anunciar àqueles sob os quais a exerce é já falsa, é já infrutífera, porque o aluno lhe reconhece apenas a força e não a legitimidade. A escola tem de ser incómoda, duvidar de tudo. É do desconcerto que nasce a certeza. Ou pelo menos a convicção. A importância do passado está na sombra que ele lança sobre o futuro. Felizmente, há excepções. Há gente nas escolas que olha o papel estipulado com desconfiança, que vê além da máscara da gramática, que diz muito mais do que lhe é exigido, às vezes sem pronunciar uma palavra, pela simples forma como pela primeira vez pousa o pé dentro da sala.

Mensalmente os alunos de Psicologia do 12º E escolhem uma imagem representativa do acontecimento mais marcante do mês.

Imagem do Mês Novembro Ébola: as doenças têm raça?

Dezembro

Cai um muro, erguem-se outros Comemoração dos 25 anos da queda do Muro de Berlim

André Carrilho, Jornal Público, 16-10-2014

1 Cisjordânia-Israel

2 Espanha-Marrocos

3 EUA-México

4 Grécia-Turquia

5 Coreia do Norte-Coreia do Sul

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Diogo Coelho Presidente da Associação de Estudantes Sem querer roubar-vos muito tempo, e já sei que muitos acham que o jornal é uma “seca”, vim apenas dizer que estou aqui para toda a gente sem excepção. A sessão de apadrinhamento já foi realizada e acredito que os alunos do 5ºano se sintam agora melhor dentro das nossas instalações. Não podemos querer que todos os problemas se resolvam e seria irrealista se afirmasse que “estou aqui” para atingir uma escola perfeita, porque não é verdade... Prefiro dizer que farei, junto dos que trabalham comigo, tudo para que os problemas sejam em menor número. Depois da sessão, virão em breve vários projetos com o objetivo de uma escola onde todos se sintam melhor. Já ando nesta escola desde o 5ºano e passei por todos os cenários possíveis. Neste meu último ano (espero sair para o ano rumo ao ensino superior), achei que seria um ano que me ia marcar para toda a vida, e decidi-me candidatar à presidência, daí que entenda muitas das coisas que se passam diariamente. Termino como comecei: falem comigo, contem comigo, sejam sugestivos porque a escola é nossa. Deixo-vos com uma imagem do mês passado que me marcou muito, e quem trabalhou durante a campanha comigo sabe – último dia de campanha em que estivemos todos juntos (Lista L)! Aproveitem para ver ou rever (no verso).


José Diogo Nogueira

Rita Leite

A partir do momento em que nos metem na escola (...) obter o pão torna-se mais importante do que comê-lo. É tudo calculado e tudo tem o seu preço.

Construir uma sociedade… Será possível? Construir sociedades… Será que construímos diferentes sociedades ou são elas que se arquitectam a elas próprias? Às vezes acho que, se realmente tivermos o poder de construir sociedades, não estaremos a construir uma, mas talvez a destruí-la. Ou talvez a evolução da Europa e do mundo não passe pela construção de novas sociedades, mas sim por se destruírem as antigas. Ou talvez não seja nem tanto ao mar nem tanto à terra. Talvez nem sequer tenha a ver com destruição. Talvez as sociedades não se construam ou destruam. Talvez seja sobre mutação. Talvez elas apenas evoluam naturalmente. As novas descobertas ao nível da Ciência e das tecnologias contribuem, portanto, para esta “evolução natural”. O facto de membros de dada sociedade receberem estas novas informações leva a que os valores que esta defende acabem por ser modificados ou que, pelo menos, sofram uma alteração de significado. O valor “respeito” não tem a mesma significância agora, para nós, adolescentes ou jovens desta geração, que tinha para os nossos pais há 20 ou 30 anos atrás, facto este perfeitamente natural e entendível. Crescemos em gerações diferentes, com concepções diferentes, e com educações diferentes, o que faz da própria sociedade uma sociedade diferente e em permanente evolução. Talvez não estejamos a construir uma nova sociedade para a Europa e para o mundo. Talvez a sociedade se esteja a construir a ela própria.

Trópico de Capricórnio, Henry Miller

A democracia reinventa-se todos os dias, é testada todos os dias e, infelizmente, cada vez mais falha nos testes. Cada vez mais é evidente que as hierarquias estabelecidas para criar um ordem indispensável às sociedades são, na verdade, um esquema de poder e prepotência. As escolas são hoje o reflexo dessa falência do sistema, de um regime opressor velado, travestido de liberal, e são as pessoas que se submetem a ele, que permitem que lhes indiquem o que fazer, como o fazer. As escolas esqueceram os seus propósitos. Servem hoje para, durante no mínimo 12 anos, ensinar o específico quando ainda não sabemos o essencial. A escola esqueceu-se de procurar nos alunos o indivíduo, de fomentar o espírito crítico que desafie a própria democracia. Esqueceu-se de se questionar, de se pôr em causa. Como pode a escola existir sem um constante debate acerca do seu papel? Um debate dentro de si mesma? A escola serve hoje para estabelecer a hierarquia e não para ensinar. As avaliações são isso mesmo: o ensino está hoje dirigido para as notas, para os exames. E, neste processo, perdeu-se a individualidade, a criatividade, a cultura. Enquanto a classificação das orações de Álvaro de Campos for mais importante que o seu significado, a sua força vital, a escola estará falida - esgotada. O ensino de hoje não abre horizontes: fecha-os. Formata. Vocaciona para o “mercado de trabalho”, para o ser algo, como se o que somos dependesse daquilo em que trabalhamos. Diz-se ser alguém como se o empregado de mesa não fosse alguém ou fosse menos alguém que o director financeiro de uma empresa. Como se a qualidade do cidadão fosse definida pelo seu ordenado. Não se espera hoje que assuntos verdadeiramente relevantes sejam discutidos nas escolas. A questão da existência de Deus, por exemplo, está praticamente arredada das discussões (note-se que é um tema opcional na disciplina de filosofia, disciplina essa que, reduzida a uma massa estranha de teorias que surgem soltas, não atingem ninguém). É incompreensível também como é que a discussão política se afastou das escolas, que formam futuros cidadãos políticos com o direito a eleger e a ser eleitos. A política e, sobretudo, a ideologia são um tabu.

Que Poema de Entre Todos os Poemas Performance Poética baseada na obra de Sophia de Mello Breyner Andresen No dia 15 de Dezembro, a Dois Pontos Associação Cultural em colaboração com a Oficina da Palavra apresentou uma performance baseada na obra poética de Sophia de Mello Breyner, no anfiteatro da Associação de Futebol do Porto. De uma forma pouco convencional e nada semelhante aos típicos recitais de poesia, os participantes criaram personagens reagindo em palco à poesia de Sophia, dita ao vivo longe do olhar dos espectadores. Foi uma experiência de muitas horas de trabalho e ensaios, na qual além da poesia da poetisa estiveram presentes as obra de Peter Handke, Bob Wilson, Samuel Beckett, Bernardo Sassetti, entre outros. Participaram 11 alunos, uma encarregada de educação, uma professora, uma funcionária, um músico convidado e a actriz profissional Maria Clemência Matos. A produção foi de Manuel Gama.

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Para mim sempre foi muito curioso o fenómeno dos livros infantis da Sophia, que têm muito pouco que ver com a maioria dos livros infantis que se publicam hoje. Os livros dela são descritivos e carregam muito subtexto, enquanto os outros

Entrevista a Professora Isabel Pereira, professora bibliotecária

simplificam tudo ao máximo.

Por José Diogo Nogueira

É, parece que as personagens são sempre as mesmas. Na Sophia não. Eu adoro-a. É um mundo mágico. Apela muito aos sentidos. À visão, ao olfacto. Há descrições fantásticas.

Não tinha nada marcado com a professora Isabel. Apareci-lhe na biblioteca na quinta-feira antes de se fechar o jornal e perguntei-lhe se tinha tempo para uma conversa. Pela viagem que tínhamos feito a Lisboa em Julho para

O Plano Nacional de Leitura, que recomenda muitos desses livros, serve para alguma coisa?

participar no Concurso Nacional de Leitura, eu sabia que dificilmente a conversa seria monótona. Tinha-a esco-

Eu tenho uma ideia muito própria. Há lá alguns livros muito maus. Dá-me impressão que aquilo funciona muito

lhido para a primeira edição do jornal pelo lugar privilegiado que ocupa: professora, bibliotecária e mãe, o seu

por lobbies, por amizades. E há livros fantásticos que não estão. Há series de dez a quinze livros do mesmo autor.

contacto com os alunos é próximo e a sua percepção de como encaram os livros é astuta. Interessava-me perceber como é que diferentes pessoas, de diferentes idades, interagem com os livros e com que tipo de livros. A sua

Recomendam, por exemplo, o Caim, do José Saramago, para o 6º ano.

perspectiva foi muito clara em relação ao alardeado afastamento dos jovens da leitura e, com humilde, assumiu

(Risos) Em paralelo com o Geronimo Stilton [série de livros infantis], quase.

parte da culpa dos professores nesse fenómeno. A conversa foi extensa, mas só a primeira parte se reproduz aqui, porque o resto não ficou gravado por erro.

Os alunos leem os jornais que a biblioteca disponibiliza? Só recebemos o Público e o Jornal de Letras. Os outros são simpaticamente oferecidos pela mãe de uma aluna,

A professora tem, na biblioteca, um lugar privilegiado para presenciar o contacto dos alunos com os livros. Como é que

que é jornalista, e por um professor. Actualmente, temos a Blitz, as revistas da Visão, a Visão Júnior e o Jornal de

o descreveria?

Negócios. Não temos dinheiro para mais, é um problema com que nos debatemos.

Depende. Esta escola tem gente do quinto ao décimo segundo ano. A biblioteca é um espaço muito usado para estudar. Nós [professores bibliotecários] temos reuniões semanais ou

A conversa estendeu-se ainda durante cerca de meia hora. Falámos do erro de submeter um sistema a um ran-

mensais, depende, e os outros professores dizem que têm que promover muitas actividades, porque é disso que

king, de se vocacionar o ensino para a produção de um exame. A professora é optimista, di-lo e nota-se-lho na

sobrevivem as bibliotecas e a sua visibilidade na escola, enquanto eu, neste momento, debato-me é com a falta

voz: na forma como aponta os erros ao sistema com a crença de que ele pode ser mudado, de que ele pode apro-

de espaço para todos os alunos. É que os alunos daqui, ao contrário dos de outras escolas que eu conheço, vêm

ximar-se de uma forma mais justa. Falámos do desinteresse dos alunos pela política, dos seus tempos de estudan-

estudar.

te, década de 80, e da consciência política de então. Pelo meio, foram surgindo livros de que gosta e de que fala

Quanto à relação com os livros, os pequenos do quinto, sexto ano, requisitam muito, mesmo sem serem indica-

com o entusiasmo de quem pede que os leiam, partilhem com ela o interesse por eles. Falámos do Admirável

dos pelos professores; a partir do sétimo ano, há um afastamento dos livros. Os alunos vêm, vêm estudar quando

Mundo Novo e das formas de opressão que o futuro pode trazer. No fim, quando lhe perguntei o que previa para

têm testes, fazer trabalhos nos computadores, mas começam a distanciar-se dos livros, querem mais estar em

o futuro, que futuro estava ela a criar como professora, como mãe, como formadora e auxiliar de leitores, desig-

grupo, interagir com os colegas. Quando os procuram é para fichas de leitura, para a leitura em sala de aula. E

nou-se como crente, a todos os níveis. Alguns, não todos, serão eventualmente capazes de mudar o sistema, de o

depois temos que andar atrás deles porque se esquecem do livro na pasta. Obviamente que há excepções, alunos

melhorar, de ser pessoas melhores. Depois, foi tratar do desaparecimento misterioso de um exemplar do Livro do

específicos, que gostam mesmo de ler.

Desassossego.

Depois, a partir de certa altura, décimo, décimo primeiro ano, há outra vez uma aproximação. Há uma série de alunos que eu não via no ano passado, que estavam no nono e agora estão no décimo, e agora já os vejo, à volta

4 de Dezembro de 2014

das prateleiras, a descobrir escritores. Os livros da Sophia de Mello Breyner, por exemplo, este ano saíram todos. De vez em quando acontece com o Eugénio de Andrade. Os mais velhos? Que tipo de livro requisitam?

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Concursos da Biblioteca Concurso Nacional de Leitura Primeira Fase Dia 14 de Janeiro 3º Ciclo Os Bichos, de Miguel Torga A História do Gato que Ensinou a Gaivota a Voar, de Luís Sepúlveda

Secundário Novos Contos da Montanha, de Miguel Torga A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós

Faça Lá um Poema Todos os níveis de ensino (regulamento no site do PNL)


ção, uma forma de contrariar o que o adulto lhe “impinge”.

Maioritariamente os livros indicados, os dirigidos para a aula. De leitura autónoma não há muitos. Dizem-me que têm livros em casa.

Qual é a sua posição em relação à explosão de livros ditos infanto-juvenis? Alguns são francamente mal escritos... Não partem do princípio que os jovens não burros e que não têm capacidade para ler literatura de qualidade?

E quanto à poesia?

Um bocado. É muito por modas. Os vampiros fizeram sucesso, toda a gente começou a escrever sobre vampiros,

Sobretudo para trabalhos. Não é um género muito apreciado pelos alunos.

o Álvaro Magalhães escreve sobre vampiros. É a moda. Entretanto as modas mudam. Mas eu acho importante os

Vêm é muitas vezes perguntar por livros que não temos.

alunos lerem tudo. Eu acho os alunos extremamente inteligentes, nós é que desprezamos muitas vezes as suas capacidades, e eles têm que saber filtrar o que é bom do que é mau. Para poderem ser críticos, têm que ver o que

Os fenómenos?

é mau.

Sim. Nicholas Sparks, Hunger Games, A Culpa é das Estrelas, que nós aqui não temos.

Eu li Júlio Dinis e Eça de Queirós com doze anos, mas porque ninguém me obrigou. Eu percebo que se tivesse sido obrigada não teria gostado tanto, porque estava a ler um livro sobre pressão, com a obrigatoriedade de che-

É a professora que faz a escolha dos livros que a biblioteca compra?

gar ao fim.

Não. Normalmente, os professores de português querem sempre quinze livros para ter em sala de aula para leitura orientada e fazem uma selecção de títulos e eu analiso o orçamento e proponho à direcção. Para a biblioteca

E de ser testada sobre ele...

eu tenho sempre outras ideias, porque acho que os alunos que não gostam muito de ler se começarem a ler nem

Exactamente, de prestar provas. Quando li Os Novos Contos da Montanha, do Miguel Torga, não gostei tanto

que seja o Diário de um Banana - não é o melhor, é certo - mas é uma forma de os despertar, é um pontapé de

porque era para a aula. O mesmo com As Viagens na Minha Terra, do Almeida Garrett, à excepção da carta. A

saída. Depois eles descobrem outras coisas.

pressão e as expectativas fizeram-me não gostar deles. Além de que nem sempre encontramos bons professores, capazes de cativar. E há momentos. Vinha a pensar nisso ao bocado: o ano passado acho que consegui motivar

No que toca aos livros que os professores recomendam, sente que os leem com vontade, com prazer, ou fazem-no por

mais os alunos. O problema poderá ser meu, por andar mais cansada... Há fases e fases. Se não os consigo moti-

mera obrigação?

var, a culpa é minha. Eles são vinte e oito, eu sou uma. Penso muito nisso. E também penso que a forma como o

Principalmente por obrigação. Depois há um ou outro a quem acaba por interessar. Mas a maior parte, lê porque

ensino é actualmente não se coaduna muito com os avanços tecnológicos, com a revolução tecnológica. Nós te-

tem obrigação de o ler, tem que o apresentar na aula, para despachar. Alguns até nem leem e depois estão aí, nos

mos um mundo digital a que vocês conseguem aceder, mas as aulas mudaram muito pouco, mantiveram o mesmo

computadores, a procurar fichas de leitura na internet. Há imensas, eles copiam-nas e lá vão todos contentes para

formato e a escola acaba por se afastar dos alunos. Os alunos têm muito mais acesso à informação.

a sala.

Ainda ontem fui a uma reunião na Biblioteca Municipal Almeida Garrett e diziam-me que os dados indicam que

Acho que é muito mais fácil despertar a atenção de um aluno, dar-lhe vontade de ler, se lhe falar entusiastica-

os alunos leem menos. Eu sou sempre uma contestatária, porque não me parece que os alunos estejam piores

mente de um livro que eu tenha gostado. Aconteceu-me isso, por exemplo, com O Perfume, do Patrick Süskind,

hoje em dia. Não acho que a minha geração seja melhor. Vocês estão muito mais alertas e abertos, embora te-

com A Insustentável Leveza do Ser, do Milan Kundera. Isto porque gostei mesmo de os ler.

nham muitos perigos. É impossível os jovens lerem menos. Não leem é coisas literárias, mas não leem menos. Leem em todo o lado: na televisão, na internet, são bombardeados com todo o tipo de informação que é preciso

O afastamento dos jovens dos livros não terá alguma coisa a ver com a forma como, por falar muito na mesma coisa ou

ser lida.

por se tratar de uma obrigação ou até por falta de interesse, os professores falam da literatura sem entusiasmo?

(Aluna do quinto ano interrompe para requisitar A Fada Oriana)

Sim, sim. Eu noto isso na minha disciplina, Geografia. Às vezes de tantas vezes falar do mesmo tema, da mesma

Eu não fui consultar os dados, mas acho estranho. Antigamente a maior parte das pessoas era ou analfabeta ou

coisa, por ter que cumprir obrigatoriamente o programa, as metas todas, acho que não estou a ser muito entu-

tinha um nível de instrução muito mais baixo, sabia ler e escrever. Acredito que os dados sejam verídicos, mas eu

siástica.

acho-os estranhos.

Eu tenho o exemplo da minha filha: durante uns tempos, não sei se é porque eu gosto tanto de livros e de ler, ela dizia-me «eu não gosto», e agora recomeçou a aproximar-se. Talvez seja próprio da idade, uma fase de contesta-

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Concursos da Biblioteca V Concurso de escrita criativa "Palavras do Porto” Concurso de escrita criativa, no género literário conto, dirigido ao 2.º e 3.º Ciclo e Secundário Tema para o presente ano letivo “Porto Antigo” Prazo para candidaturas decorre de 24 de novembro de 2014 a 16 de janeiro de 2015; prazo para a entrega de trabalhos de 19 de janeiro a 10 de abril de 2015.

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