Pontos de Vista

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Pon tos d e vi sta: U m a i n terpretação d o terri tóri o san ti sta

Santos - SP

Trabalho de Graduação Integrado II

Leandro Barbosa Paganelli Junho de 201 0

Universidade de São Paulo Escola de Engenharia de São Carlos Departamento de Arquitetura e Urbanismo



3 Pontos de vista

ÍNDICE

Agradecimentos

Introdução Conceitos O Parque Patrimônio e memória Tradição Tempo, modernidade e mudanças A questão do monumento Leituras A cidade de Santos Cidade Plana Área Continental Porto Os Morros História A Santa Casa da Misericórdia Um percurso pelo morro O Projeto Metodologias As ambiências Conceituação

Metodologia Elementos Estruturação

Descrição Bibliografia

5 13 15 21 22 24 25 29 31 32 35 35 36 38 40 48 55 57 58 59 60 61 63 68 78 9



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Agradecimentos

A meus pais, Ana Cláudia e Newton Paganelli, por todo o carinho, dedicação, compreensão e apoio em todos os momentos, a minhas irmãs Kamila e Valéria, a minha tia Heloísa, minhas avós Cláudia e Sílvia, a meu avô Rui por toda a lição de vida, e toda a família que sempre me apoiou de forma incondicional este meu caminhar. Aos queridos amigos e colegas que dividiram os mais diversos momentos e aprendizados e que me acompanharam em toda esta jornada, em especial Felipe dos Santos, Lisandra Casagrande, Clarissa Biotto, Paula Vilela, Alexandre Vergara e Leonardo Musumeci por todos os momentos compartilhados, e a toda a família que se formou ao longo deste curso. Aos professores Luciana Schenk, Givaldo Medeiros, David Sperling, Manoel Alves e Paulo Castral por todos os ensinamentos que vão além da sala de aula. Aos professores de Grenoble, em especial Gilles Marty e Sophie Paviol por passarem uma visão distinta e apaixonada de arquitetura, grandes referências neste trabalho. A todos os demais amigos de Bebedouro, São Carlos e que conheci em Grenoble e que sem dúvida foram lembrados em algum momento deste trabalho e a quem mantenho grande estima. Agradeço especialmente a Silvina Lopaczek por todo o amor, o carinho, o apoio e o alento fundamentais nesta etapa de minha vida.



"Sim, lê-se a cidade porque ela se escreve, porque ela foi escrita. Entretanto, não basta examinar esse texto sem recorrer ao contexto. Escrever sobre essa linguagem, elaborar a metalinguagem da cidade não é conhecer a cidade e o urbano. O contexto, aquilo que está sob o texto a ser decifrado (a vida quotidiana, as relações imediatas, o inconsciente do 'urbano', quilo que não se diz mais e que se escreve menos ainda, aquilo que se esconde nos espaços habitados - a vida sexual e familiar - e que não se manifesta mais nos tête-à-tête) , aquilo que está acima do texto urbano (as instituições, as ideologias) isso não pode ser esquecido na decifração. Um livro não basta. Que seja lido e relido, muito bem. Que se chegue até à sua leitura crítica, melhor ainda"

Henri Lefebvre La vida cotidiana en el mundo moderno. Madrid: Alianza Editoria, 1972


Foto: Marcos Piffer


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Este é um trabalho de conclusão de um curso no qual tive a oportunidade de debater da forma mais variada e intensa, uma infinidade de vezes, questões de arquitetura. O pensar, o fazer, o exercer, tentar entender arquitetura com colegas e professores dentro e fora das salas de aula, pessoas de outras escolas, de outros países, profissionais com as mais diferentes visões e de diferentes áreas. Dentro de todas as possibilidades e a enorme gama de temas que a arquitetura permite discutir, resolvi trabalhar primordialmente com questões de interpretação do território e de suas transformações. Tomando como base um texto de Norberg-Schulz que trabalha no campo da chamada fenomenologia da arquitetura, e desenvolve uma leitura das ideias de Heidegger e assim como Vittorio Gregotti, também alude à ideia de que o local da construção intensifique, condense e indique a estrutura da natureza e sua percepção. “Em geral, a natureza forma ampla e extensa totalidade, um 'lugar', que de acordo com as circunstâncias locais, possui uma identidade peculiar. É possível definir essa identidade, ou 'espírito', nos termos concretos, 'qualitativos', que Heidegger emprega para caracterizar o céu e a terra, e devemos partir desta distinção fundamental. Com isso, podemos obter uma compreensão existencialmente relevante do conceito de paisagem, que cabe preservar como principal designação dos lugares naturais. Mas a paisagem comporta lugares subordinados e também 'coisas' naturais (...). O significado do ambiente se 'condensa' nestas coisas.”1 1 Christian Norberg Schulz,

“O Fenômeno do Lugar” in Kate Nesbitt (org), Uma nova agenda para a arquitetura. Pág. 448


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Este é um tema que foi tomando forma aos poucos, no início era visto mais como uma direção, com inúmeros caminhos possíveis. E ao longo deste percurso fui descobrindo, redescobrindo e delineando de forma mais clara aonde eu iria chegar. Neste caderno pretendo explanar um pouco desta trajetória, as metodologias, as referências, os conceitos que aos poucos foram sento apreendidos e formados, e que continuam se transformando mesmo após a conclusão do projeto. A escolha da cidade de Santos veio por um encantamento com suas inúmeras histórias e transformações que vão de uma escala global a uma escala microscópica e de sua importância no território nacional. Andando pela cidade parei uma vez para observar o porto a partir de uma passarela, um senhor que também observava o porto e segurava uma rede de pesca fez uma indicação a um depósito de containers e comentou: "Se você observar o porto, dá para saber sobre a economia do mundo antes dos jornais. Quando está chegando uma crise, os containers começam a se acumular, porque as empresas não estão conseguindo vender". A partir desta observação comecei a levantar que outros índices haveriam nesta cidade, outras coisas que poderiam ser percebidas observando-a. O movimento dos grandes navios e também dos pescadores e dos barqueiros, relacionados às marés e às estações do ano, o que acontece nos mercados, nas praças, as vias expressas e pontes que se propõe a construir, os edifícios cada vez mais altos na orla da praia, as políticas de preservação do centro e renovação urbana. E sobretudo uma per-


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cepção da peculiar geografia da cidade, que é extremamente condensada pelo fato de ser limitada por água em todos os lados, e possível de ser percebida simultaneamente em quase toda sua completude a partir de um local com uma vista privilegiada dadas as dimensões e o relevo deste território. Fazendo levantamentos no centro da cidade descobri nos morros um mundo que até então estava invisível para mim, e que também o é para a maioria da população. A partir de estreitos caminhos e escadarias improvisadas era possível avistar todos aqueles pontos que estava levantando. Era esta a vista privilegiada. No decorrer de diversas outras visitas a estes morros foi nascendo a ideia deste projeto. Na sequência deste caderno encontram-se alguns dos conceitos utilizados, leituras da área e do contexto histórico e metodologias desenvolvidas ao longo deste trabalho e por fim uma descrição do projeto em si. Como o desenvolvimento projetual e conceitual não são lineares, não será possível abranger todos os aspectos deste trabalho, no entanto espero poder explicar o máximo possível com este caderno e complementar o que por ventura tenha ficado de fora na apresentação do projeto.


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"Santos, Muitas cidades numa só cidade, na minha cabeça... Como a minha música." Gilberto Mendes


1 CONCEITOS



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O Parque Antes de começar a descrição do projeto, deve-se entender o sentido adotado no conceito "parque". Na concepção do professor e paisagista italiano Gianpiero Donin, "O Termo 'parque' define às vezes um conceito anterior a um lugar físico. Uma esfera onde a coexistência é reconhecida por coisas unidas por objetivos ou características similares, apesar de independentes ou apenas casualmente ligadas ao estado "natural" que atua como seu plano de fundo: parque arqueológico, parque tecnológico, parque literário, parque de diversões, parque de estacionamento, parque ferroviário, e assim por diante." 2 "(...) Em seus infinitos significados secundários de zoológico, cemitério, costaneiras e parques arqueológicos ou literários, também implica um cenário ideal para a representação coletiva de valores reconhecidos universalmente como o amor e a curiosidade pelos animais, o culto aos mortos, a noção de história, contato com a água (o principal elemento natural), a importância das obras literárias, etc." 3 2"The term 'park'

sometimes defines a concept before a physical place. A sphere where the coexistence is recognized of things united by similar objectives or characteristics, though unrelated or only casually linked to the natural state that acts as their background: archeology park, technological park, literary park, entertainment par, car park, railway park, and so on." Gianpiero Donin, Park in Landscape +, pág 138 3 "(...)In its infinite secondary meanings of zoo, cemetery, and archeology, river or literary park, it also implies the ideal background for the collective representation of universally recognized values such the love for and curiosity about animals, the cult of the dead, the sense of history, contact with water (the main natural element), the importance of literary works and so on." In op. cit. pág. 138


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Neste sentido, pode-se chamar esta intervenção de "parque urbano", não pelo fato de estar encravado nas bordas do centro da cidade, mas por que seu principal objeto é a percepção do urbano. Por meio de elementos colocados sobre uma estrutura urbana já existente e escavações de antigas tipologias neste tecido urbano, o objetivo é interagir com os usos efetivos, com as pessoas que participam e se apropriam e com as que poderiam utilizar este espaço em outras circunstâncias, com as histórias que podem ser contadas e com imagens geradas reciprocamente com o restante deste meio urbano. É um parque onde coexistem diversas camadas de construções e de tempos distintos.Tomando estas camadas por base, espera-se que Além desta função este parque ainda provê espaços contemplativos e de encontros, aproveitando-se da topografia, criam-se belvederes e pequenas praças.


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Uma grande referência para este parque é Horto Botânico, ou "Parque Horto dos Contos" em Ouro Preto que consiste em uma extensa área verde que em partes permeia o centro e é de grande importância na preservação urbana da cidade, pois equilibra a relação entre massa verde e edificada do centro. Caminhos possibilitam ao visitante percorrer todo o parque e a maior parte do trajeto é feita por trilhas que seguem as curvas de nível do terreno complementado por pontes, passarelas e escadas.



XLV O amarelo dos bosques é o mesmo do ano passado? E se repete o voo negro da tenaz ave marinha? E o onde o espaço termina se chama morte ou infinito? Que mais pesam na cintura, as dores ou as recordações? Pablo Neruda



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Patrimônio e memória A Constituição Federal de 1988 já incorpora como "patrimônio cultural brasileiro" os "bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira", "os modos de criar, fazer e viver"; " as criações científicas, artísticas e tecnológicas", " as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais" e "os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico" (Art. 216) D a noção de "patrimônio ambiental urbano", uma ideia que surge no fim do séc. XX aproximando três campos - o da preservação do patrimônio, o do planejamento do território e o da preservação ambiental -, trabalho primordialmente com os dois primeiros. Isto é, com o conceito de patrimônio afastado da noção reificada de monumento e incorporada à ideia de da dinâmica da cultura e do ambiente construído. Pensar as "áreas históricas" junto com o tecido urbano e o território. E para este trabalho entende-se a parte de meio ambiente com o ambiente urbano inserido. Este último, embora não faça parte diretamente da intervenção vai entrar como um de seus objetivos, que é fazer a população atentar para todos estes aspectos, conforme explanarei mais à frente no capítulo da descrição do projeto. Estes conceitos de patrimônio só podem aparecer na modernidade, segundo Leonardo Castriota, "a partir da relação muito peculiar que esta estabelece com as três dimensões temporais: apenas no


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momento em que os passados exemplares são abandonados e a lógica da cultura passa ser a da substituição sistemática de todas as referências é que se coloca a necessidade de se pensar também sistematicamente a preservação da tradição, forjando-se as políticas institucionais de patrimônio. " Um dado importante destas políticas de preservação é a dialética do lembrar-esquecer. Uma memória é um conceito que se cria, e ao ser criado sempre serão privilegiados alguns aspectos em detrimento de outros. Deve-se decidir o que deve ser preservado e o que isso representa de nós e do nosso passado, e o mais importante, como deve ser feita essa preservação e que intervenções esses bens devem sofrer. Este projeto trabalha com a preservação de memórias uma paisagem urbana e com tradições de um modo de vida específico dos bairros no qual está inserido, o morro do Fontana e o morro do São Bento. A preservação da memória da paisagem não inclui edifícios, uma vez que estes não existem mais, mas seus vestígios. E ao indicar como um dia já foi esta paisagem, como ela se transformou e o que isso significa para a cidade de Santos, provocar uma leitura crítica do território. Tradição

Um elemento bastante importante para o projeto é o conceito de tradição no sentido descrito por Raymond Willians de que esta parte de "uma versão intencionalmente seletiva de um passado modelador e de um presente pré-modelado, que se torna poderosamente operativa no processo de


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definição e identificação social e cultural" Ou seja, um conceito de tradição não conservadora, mas que ao contrário possui uma dimensão plástica que permite questionar o passado e a partir deste modelar o presente de forma a preservar as identidades sociais frente às constantes mudanças. Destaco neste ponto uma questão da natureza do projeto, que se coloca na paisagem como um elemento extra. Ainda que seja sutil este se soma aos demais já existentes para atingir seu objetivo de indicar uma leitura territorial e temporal para os cidadãos incluindo ele mesmo, tornando-o assim metalinguístico neste aspecto. Já em relação à tradição, a intervenção trabalha de uma forma indireta, que não pretende inserir nem alterar nada, mas de forma indireta valorizar o existente, criar condições para que as pessoas se sintam convidadas a descobrir e perpetuar tradições que estão sendo esquecidas, mas que sempre pertenceram a este local. Fazendo uma metáfora hierárquica, se considerarmos estes bairros como uma caixa que contém tradições, o projeto pretende não interferir no interior da caixa, mas funcionar como um puxador que convide e facilite a abertura desta caixa, mas que está modificando o interior de uma caixa na qual está inserido, que é a paisagem. As referidas tradições serão descritas no capítulo sobre a história dos bairros, mas se tratam sobretudo dos modos de vida nestes morros que pressupõe desde um conhecimento construtivo que chegou com os primeiros moradores portugueses e que muitas vezes é esquecido nas construções recentes causando problemas, as relações sociais entre a comunidade do bairro, e particularidades como as velhas bordadeiras que trouxeram uma tradição da ilha da madeira.


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Tempo, modernidade e mudanças Com relação às constantes mudanças, cabe aqui uma pequena explicação da discussão na qual pretendo inserir esta intervenção, que assim como pretende levantar uma reflexão sobre a paisagem inserindo-se, discute as mudanças e a memória das várias camadas temporais da cidade inserido mais uma. Leonardo Castriota cita uma discussão que o poeta mexicano Octávio Paz coloca em seu livro Os filhos do barro, e faz uma rápida apresentação de como "A relação entre os três tempos, passado, presente e futuro, é distinta em cada civilização" para chegar à conclusão de que a modernidade entende o tempo de uma forma linear e irreversível que herda do cristianismo mas que lhe exclui a eternidade, sendo que o foco não é mais o passado ou um suposto tempo eterno, mas o futuro. Octávio Paz escreve que o tempo passa a ser um "perpétuo andar para o futuro", "Diferença, separação, heterogeneidade, pluralidade, novidade, evolução, desenvolvimento, revolução, história todos estes nomes condensam-se em um: futuro" A mudança sob este ponto de vista, é algo a ser valorizado e não minimizado. Para Octávio Paz "A modernidade é sinônimo de crítica e se identifica com a mudança; não é a afirmação de um princípio intemporal, mas o desdobrar da razão crítica que, sem cessar, se interroga, se examina e se destrói para renascer novamente". Esta ênfase sobre a mudança será para Habermas, no entanto a exaltação do presente: "A nova consciência do tempo, que se introduz na Filosofia com os escritos de Bergson, vai além da expressão da experiência de mobilidade social, de aceleração da história, de descontinuidade na vida


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cotidiana. O efêmero, a própria celebração do dinamismo, manifestam o anseio por um presente íntegro, imaculado e estável" Marshall Berman coloca no prefácio de Tudo que é sólido desmancha no ar, que: "Se encararmos o modernismo como um empreendimento cujo objetivo é fazer com que nos sintamos em casa num mundo constantemente em mudança, nos damos conta de que nenhuma modalidade de modernismo jamais poderá ser definitiva. Nossas construções e realizações mais criativas estão fadadas se transformar em prisões e sepulcros caiados; para que a vida possa continuar, nós ou nossos filhos teremos de escapar delas ou então transformá-las" Como está no próprio título deste livro a famosa frase de Marx já aponta que na modernidade "tudo que era sólido se desmancha no ar, tudo o que é sagrado é profanado" A partir de reflexões sobre esta discussão, o projeto como já vimos trabalha dialeticamente ao questionar estas transformações e ser ele mesmo uma. Uma transformação que no entanto é entendida como tal, e que procura facilitar e até mesmo instigar futuras transformações deste espaço. Constitui-se portanto como um elemento transitório, uma vez que terá uma durabilidade e que será ele também transformado no futuro. E que mesmo sua construção é pensada em etapas, conforme está explicado no capítulo referente ao projeto. A questão do monumento

Um outro conceito que levei em conta para melhor definir os objetivos do projeto é a ideia de


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monumento, que se colocava frequentemente em discussões e tentativas de definir a interação deste com a cidade enquanto parque, infraestrutura, ou monumento. A questão do monumento entra principalmente nos pontos em que o projeto toca a memória do antigo edifício da Santa Casa e do espaço urbano que existia nesta época antes da construção do túnel e do elevado. O projeto parte das fundações destes edifícios e delineia com passarelas sombras de como esta paisagem já se configurou. Ao fazer isso tenho em mente dois temas, um já exposto que é o de passar a noção de território em transformação, e o outro é o de relembrar a importância que estes edifícios e estes espaços tiveram para a cidade. Visto deste ângulo, parte do projeto pode ser entendida como um monumento à Santa Casa. Por isso é importante ter consciência do que se trata um monumento neste contexto e neste tempo. Em A alegoria do Patrimônio, Françoise Choay identifica a distinção entre "monumento" e "monumento histórico", sendo que o segundo é uma invenção moderna e européia. Pois o sentido original de "monumento" que vem do latim monere (advertir, lembrar) é "trazer à lembrança alguma coisa", "tocar pela emoção, uma memória viva". Choay chama de monumento "tudo o que for edificado por uma comunidade de indivíduos para rememorar ou fazer que outras de pessoas rememorem acontecimentos, sacrifícios, ritos ou crenças" (CHOAY, p. 18). Esta noção é pensada portanto como "tempo cíclico", no qual o passado pode ser revivido. E difere da ideia de tempo da modernidade conforme visto anteriormente. Na modernidade, como coloca Castriota, esta noção de monumento vai aos poucos ser substituída


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pela ideia de "monumento histórico", que ao contrário do primeiro está ligada ao conceito moderno de tempo histórico, linear e irreversível. "Com o 'monumento histórico e artístico' estaríamos, então no âmbito moderno de tempo, linear e irreversível, quando o passado não pode mais ser revivido, mas apenas conhecido através da erudição histórica ou fruído pela sensibilidade artística" Desta forma o monumento com o qual estou lidando tem este caráter de "monumento histórico" cuja função não é reviver os tempos da Santa Casa, mas passar o conhecimento de que aí já existiu algo que foi importante para a cidade e para a sociedade, e como este espaço interagia com a cidade. Transmitindo este conhecimento é importante que os cidadãos se questionem sobre a qualidade e as possibilidades que temos de transformar a cidade, e que passado podemos preservar para transmitir este conhecimento para as futuras gerações.



2 LEITURAS



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A cidade de Santos Localização

A cidade de Santos se localiza na Ilha de São Vicente formando uma conurbação com a cidade de São Vicente, a 80 km de São Paulo, faz divisa com Guarujá, Cubatão, São Vicente, Bertioga, e tomando a área continental do município, São Bernardo do Campo. É possível Chegar à cidade por meio da Rodovia Anchieta (SP-150) ou da Imigrantes (SP-160), passando por Cubatão, ou por Balsa a partir do Guarujá.


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Cidade Plana

Por se localizar em uma Ilha, a cidade de Santos não tem mais para onde se expandir e os únicos vazios urbanos existentes atualmente são, por motivos topográficos, os existentes no conjunto de morros da Ilha. Praticamente sem vazios urbanos portanto, a cidade plana insular em Santos está quase totalmente saturada. O atual plano diretor cede às especulações imobiliárias, permitindo grandes arranha-céus, o que torna problemática a saturação infra-estrutura urbana, da mesma da época de Saturnino de Brito.


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Neste mapa, estão assinaladas as vias arteriais de Santos em Vermelho, os morros em verde, o porto em amarelo e os centros: o histórico e o do Gonzaga. A área de intervenção está circulada. O fluxo de trânsito nessa área é o mais intenso de Santos. Sob o morro passa o Túnel Ferreira Martins e o elevado Aristides Bastos Machado divide o bairro do centro.


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Detalhe do entorno do morro: em vermelho as vias arteriais citadas anteriormente, e assinalados em amarelo os Ăşnicos quatro acessos para os morros. Em laranja estĂĄ assinalado o conjunto formado pelo terminal de Ă´nibus e a RodoviĂĄria.


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O turismo é desde meados dos anos 90 o principal alvo de investimentos públicos na cidade, com o objetivo de sair de um processo de decadência geral que ocorreu nos anos 70 e 80. Projetos como o Alegra Centro, controle da balneabilidade da praia, restauração de monumentos e edifícios que estavam em ruínas, como o teatro Guarany. A interface entre a cidade e o porto, é algo que passa por grandes projetos, que ora ignoram a cidade, como um projeto do governo federal para uma via expressa elevada que passará sobre o porto, ora pretendem transformar o porto em um “Porto Madero” como é o caso do projeto da prefeitura municipal de Santos para os galpões do Valongo. Área Continental

Uma área de 271km², possui 70% classificada como Área de Proteção Ambiental por estar situada dentro dos limites da Serra do Mar e por abrigar uma grande área de Mata Atlântica nativa. Seu território é predominantemente rural e compreende pequenas vilas caiçaras, áreas de pedreiras. Nas fazendas ocorrem diversas atividades ligadas ao eco-turismo. Possui também rodovias que ligam a Baixada Santista à São Paulo. Porto

“(...) Transformações não alteraram somente o limite e a transição entre o porto e a cidade (aspecto espacial), mas tiveram também grande reflexo na dinâmica social de trabalho, renda e moradia desse


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espaço urbano.” Em Santos ocorre um aumento da retroárea portuária em detrimento da cidade causado três grandes ciclos de expansão e especialização: o ciclo do café, o ciclo dos granéis e derivados do petróleo e o ciclo dos contêineres. Paralelamente à expansão do porto ocorreu o fechamento deste para a cidade. E conforme aumenta a especialização do porto, mais segregada fica a relação com a cidade. Juntando estes fatos com a mecanização, temos além de transformações físicas de limites territoriais, mudanças sociais, de emprego e renda da população ligada ao porto, impactando também na estrutura urbana. Pode-se relacionar estas transformações estruturais à degradação da área central de Santos, que apresenta moradias precárias e em estado impróprio, fragilidade social, e um problema de sobrecarga no tráfego. Os Morros

Os morros em Santos se dividem em 17, dos quais 16 são habitados. Ainda que cada um tenha suas particularidades este conjunto se configura como uma cidade à parte da que usualmente se conhece, como uma bolha, outra camada acima da cidade que encontramos no centro e na orla, a cidade das avenidas, ruas e comércios. Como se fosse uma cidade que vive outro tempo, outra velocidade. São bairros de periferia no centro da cidade com uma lógica que lembra mais uma cidade do interior do


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estado de três décadas atrás. O morro do Fontana começou a ser efetivamente ocupado em fins do século XIX. Na época do primeiro surto do progresso de Santos, imigrantes ibéricos começaram a colaborar nas obras dos cais, dos armazéns de café, em construções civis. A maioria vinha das ilhas atlânticas, onde habitações em morros são tradicionais; passaram a ocupar encostas voltadas para o centro comercial, entre elas a do morro Fontana. Construíram aterro onde precisava, implantaram sistemas de escoamento de águas pluviais, construíram escadarias de pedra e muros de arrimo. Até a década de 1930, portugueses e espanhóis eram a população predominante no Fontana. A partir do início dos anos 1940, verificou-se uma modificação na população dos morros, tanto em termos numéricos como de proveniência. A maioria passou a ser formada por imigrantes nordestinos, que em situação precária construíram suas casas nos morros e realizaram eles mesmos obras que seriam de competência pública. Esta apropriação do morro fez com que a população local formasse uma comunidade bastante unida que se identificou de maneira muito forte com o lugar, mesmo vivendo em condições precárias. Até a década de 1990, o bairro foi ignorado pelas gestões públicas e não possuía acesso por veículos motorizados, o que impossibilitava o acesso de ambulâncias e de caminhões de lixo, o que acarretava grandes problemas de acumulação de lixo.


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História

Os morros de Santos começaram a ser efetivamente ocupados em fins do século XIX. Quando do primeiro surto do progresso de Santos, imigrantes ibéricos começaram a colaborar nas obras dos cais, dos armazéns de café, em construções civis. A maioria vinha das ilhas atlânticas, onde habitações em morros são tradicionais; passaram a ocupar encostas voltadas para o centro comercial, entre elas a do morro Fontana. Construíram aterro onde precisava, implantaram sistemas de escoamento de águas pluviais, construíram escadarias de pedra e muros de arrimo. Até a década de 1930, portugueses e espanhóis predominaram. Com a entrada dos anos 1940, verificou-se uma modificação na população dos morros, tanto em termos numéricos como de proveniência. A maioria são imigrantes nordestinos, quem em situação precária constroem suas casas nos morros, e realizam eles mesmos obras que seriam de competência pública. Esta apropriação do morro fez com que a população local formasse uma comunidade bastante unida e se identificasse de maneira muito forte com o lugar, mesmo vivendo em condições precárias. Até a década de 1990, o bairro era ignorado pelas gestões públicas e não possuía acesso por veículos motorizados, e por não receber caminhões de lixo, vivia com grandes problemas de acumulação de lixo, entre inúmeros outros. A parte alta do projeto está implantada entre os morros do Fontana e do São Bento, sendo que o


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primeiro é um pequeno bairro que comporta cerca de dois mil habitantes, que está entro o Monte Serrat e o Morro São Bento, como podemos observar no mapa. Este morro é um tanto desconhecido pela população em geral, que passa sob ele diariamente no túnel Ferreira Martins. Os morros de Santos começaram a ser efetivamente ocupados em fins do século XIX. Quando do primeiro surto do progresso de Santos, imigrantes ibéricos começaram a colaborar nas obras dos cais, dos armazéns de café, em construções civis. A maioria vinha das ilhas atlânticas, onde habitações em morros são tradicionais; passaram a ocupar encostas voltadas para o centro comercial, entre elas a do morro Fontana. Construíram aterro onde precisava, implantaram sistemas de escoamento de águas pluviais, construíram escadarias de pedra e muros de arrimo. Até a década de 1930, portugueses e espanhóis predominaram. Com a entrada dos anos 1940, verificou-se uma modificação na população dos morros, tanto em termos numéricos como de proveniência. A maioria são imigrantes nordestinos, quem em situação precária constroem suas casas nos morros, e realizam eles mesmos obras que seriam de competência pública. Esta apropriação do morro fez com que a população local formasse uma comunidade bastante unida e se identificasse de maneira muito forte com o lugar, mesmo vivendo em condições precárias. Até a década de 1990, o bairro era ignorado pelas gestões públicas e não possuía acesso por veículos motorizados, e por não receber caminhões de lixo, vivia com grandes problemas de acumulação de lixo, entre inúmeros outros.


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A Santa Casa da Misericórdia O maior patrimônio da Santa Casa de Misericórdia de Santos é a sua história, que se confunde com a história da própria cidade. Fundada numa época em que Santos não era sequer uma vila, o então Hospital de Todos os Santos deu origem ao próprio nome da cidade. Por cinco séculos atendeu navegadores, colonos, nativos e escravos, foi destruído e reconstruído mais de uma vez, acompanhando o crescimento do porto, da cidade e do país. 1543 - A fundação do hospital Em 1542 chega a Santos o novo Governador da Capitania, Cristóvão Aguiar de Altero, que dá novo impulso ao povoado do Enguaguaçu e convoca os moradores para a construção do primeiro hospital. 1665 - O hospital muda de endereço O progressivo empobrecimento da Vila empobreceu igualmente a Irmandade da Misericórdia que, em 1620, deixou de ter edifício próprio. Somente com a ajuda financeira do governo foi possível terminar a construção do segundo prédio da Santa Casa e da sua igreja, em 1665, junto ao prédio da Prefeitura, em local que ficou conhecido como Campo da Misericórdia, depois Largo da Misericórdia, Largo da Coroação e, finalmente, Praça Visconde de Mauá ou Praça


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Mauá. 1836 - A mudança para o terceiro prédio Em 1760, foi terminada a construção da nova Igreja, junto ao Morro de São Jerônimo (hoje Monte Serrat). Inicialmente chamada de Igreja de São Jerônimo, foi mais tarde consagrada a São Francisco da Penitência, que deu nome à Avenida São Francisco. Entre 1804 e 1830 a Irmandade funcionou nas dependências do Hospital Militar, instalado no edifício do antigo Colégio dos Jesuítas, onde hoje se situa a Alfândega. Em 1835 o provedor Capitão Antonio Martins dos Santos iniciou a construção do terceiro prédio da Santa Casa da Misericórdia no sopé do morro de São Jerônimo, junto à igreja de São Francisco da Penitência, que foi inaugurado no ano seguinte. Em 1913 uma nova reforma e expansão, e a construção de um pavilhão de isolamento (mais tarde Hospital Municipal do Isolamento), inaugurado em 11 de abril de 1913.


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Em março de 1928, um grande deslizamento de terras na face leste do Monte Serrat soterrou parte do hospital e algumas edificações próximas. Para evitar futuras tragédias, decidiu-se construir um novo prédio. Para construir o quarto prédio organizou-se na cidade uma grande campanha popular para a arrecadação de fundos, que vieram a se somar com recursos governamentais. No mês seguinte, era lançada a pedra fundamental do quarto e definitivo prédio da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Santos, que foi inaugurado em 1945. Com o novo desabamento dos morros santistas em 1956, as dependências da velha Santa Casa ainda foram ocupadas precariamente pelos sem teto. Esta transformação da área em cortiço levou o governo estadual (ao qual a Santa Casa tinha vendido as instalações) a demolir todos os prédios no início da década de 1960.


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Esta ruĂ­na ĂŠ o que soboru da escadaria da antiga Santa Casa


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Cartão postal que mostra o edifício da Santa Casa e o pavilhão anexo no alto do morro para isolamento dos tuberculosos.


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Tela de Benedito Caixto de 1922, “Rancho Grande dos Tropeiros”, retratando a cidade em 1836. Figura na obra, ao fundo, o morro do Fontana ainda totalmente desocupado e o terceiro prédio do hospital da Santa Casa da Misericórdia de Santos, que fora acoplado à igreja de São Jerônimo (antigo nome do Monte Serrat), posteriormente consagrada à São Francisco de Paula, que deu nome à Avenida São Francisco.


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Casa de Câmara e Cadeia com Igreja de São Jerônimo ao findo, antes da construção da Santa Casa, 1853. Ao fundo pode-se observar o morro do Fontana ainda todalmente desocupado.



UM PERCURSO


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Um percurso pelo morro: Inicio o percurso na parte de baixo do morro, depois do túnel, já do lado do centro da cidade. Entre as movimentadas vias de acesso que atravessam o centro, passam sob o túnel ou simplesmente chegam de São Paulo. A primeira e única rua pavimentada do Morro do Fontana e também a primeira escadaria que sobe o morro desembocam neste local, um pequeno terreno com restos de muro e piso de paralelepípedos, vestígios de uma época anterior às vias expressas. Ocupado apenas por duas caçambas com restos de construção que se espalham também pelo chão junto a restos de outros tipos de lixo.


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Atravesso a pequena rua de desce do morro e começo a subir uma escadaria estreita e reta que sobe [alguns metros] até sumir em uma curvatura. Logo no início observa-se uma pequena vala de concreto onde desce um pequeno curso d'água provavelmente proveniente de uma das inúmeras nascentes do morro. O início da escada é caracterizado por um muro branco caiado do lado esquerdo e um corrimão – obra recente da prefeitura – do outro lado, que por ser aberto permite uma vista mais ampla do primeiro entorno do morro, ainda sem construções, tirando a pavimentação. Alguns moradores do morro descem no sentido contrário, são alguns jovens indo estudar, ou trabalhar, e um homem que nota meu ar de estrangeiro àquele lugar e vem pedir dinheiro e cigarros. Peço desculpas, mas não, e cada um continua seu rumo. O muro do lado esquerdo logo fica para trás revelando o Mont Serrat, e um pátio aparentemente abandonado, fruto de uma demolição, logo abaixo. Um carro entra, fica um tempo e sai do pátio. A densa vegetação do morro tenta invadir este espaço de um lado e do outro apenas um grande capinzal.



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Mais acima, o corrimão dá lugar a um grande muro de arrimo feito de grandes pedras também caiadas de branco. E do lado esquerdo agora só a vegetação do morro aparentemente intocada. Começa uma curva. Conforme subimos o muro vai ficando abaixo e revelando o motivo do aterro: a rua que sobe em ziguezague. Aos poucos chego ao nível da rua, onde existe uma passagem desta para a escada, permitindo o acesso à primeira casa do morro e à Capela de N. S. De Lourdes, que possui grande importância para a população local. Também pintada de branco, com o contorno da laje de entrada pintada de azul, possui encantadora simplicidade. A nave fica enterrada sob a curva da rua que continua subindo.


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Escapando da curvatura da rua e continuando reto pela tangente, chega-se à uma espécie de praça escondida sob densas árvores aparentemente de grande tranquilidade, não fosse o desconfiado vigia que fica o tempo todo no alto de uma casa controlando quem entra e sai do morro, fazendo com quem não pertence àquele lugar sinta-se incomodado, invadindo território alheio. Voltando à escada, nesta altura, já se pode observar o centro da cidade, o porto, os morros no fundo, do outro lado do canal, na área continental. Mais ao alto, observa-se antes do ziguezague da rua chegar na capela, vestígios do que parece ser um antigo caminho de tijolos ou um canal d'água, e as protuberâncias de um muro de arrimo que invade um talude dominado por capim. No fundo, bananeiras. Ainda na escada, após passar a primeira casa, temos agora casas dos dois lados, configurando uma espécie de rua. Este tipo de acesso escada/rua será a rua presente em quase todo o bairro.



3 PROJETO



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Metodologias Estruturação das metodologias Toda a metodologia de concepção deste trabalho começou baseada em uma lógica própria dos morros e de contraposições e contrastes próprios deste local. Isto é, a contraposição do morro com o plano, do vertical com o horizontal, do longe e do perto, da escala humana com a escala territorial, do natural com o construído, do virtual com o concreto. Estes contrastes nasceram de uma reflexão sobre o modo de vida no morro, onde desde a forma de pensar e construir habitações até a forma de se locomover e conviver diferem do modo no plano. E é através desta óptica é que o parque pretende se mostrar, redescobrir o próprio ambiente do morro e ressaltar a partir daí elementos que compõe e estruturam este território santista. Estes elementos da cidade citados, como o porto, a cidade, a área continental, e o próprio morro, juntamente com toda a literatura e os conceitos críticos que foram sendo digeridos neste processo, através de símbolos, referências, e percursos pensados e analisados foram aos poucos adquirindo forma ao longo deste processo. Como parte da metodologia de projeto, comecei a agrupar o máximo de informações possíveis sobre cada um destes elementos em diversos pontos do morro, juntamente com os elementos locais. Em cada ponto fui identificando uma determinada ambiência. Do conjunto destas ambiências, ligadas


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sempre por um percurso. o projeto então se constrói com a relação entre estas relações. Cada uma servindo como referência para as demais. Configura-se desta forma uma lógica espacial que transcende a existente e abre novas possibilidades. Enquanto que o trabalho em cada ponto surgiu de um desenho e reflexões feitas in loco, por meio de desenhos, fotografias, montagens fotográficas, anotações e entrevistas feitas no local, foi através de maquetes e diagramas e até mesmo plantas e cortes que fui explorando as relações entre estes pontos, sempre me questionando durante o processo ou voltando no fim de cada etapa qual seria o resultado de tais intervenções. Pode-se dizer portanto que aquele objetivo inicial de tratar de questões de interpretação do território e de suas transformações, ainda que tenha servido como um mote, um leitmotiv, foi variando e passando pelas mais diferentes variações conforme cada elemento descoberto no caminho. De certa forma a concepção deste projeto se deu como uma metáfora para o que ele propõe, compostas por descobertas, vislumbres, caminhos tortuosos e labirínticos. A questão do edifício da Santa Casa e de toda a sua importância, por exemplo, foi descoberta no meio do percurso e resultou em toda uma guinada na direção em que ia o projeto. Desta forma fui moldando cada ideia, conceito e elementos, a partir de observações e reflexões próprias para cada ponto em que inserem.

As ambiências Aqui cabe uma pequena explanação sobre o que eu chamo de ambiências e como foram trabalhadas.


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Cada ambiência, como já foi dito, é configurada por uma infinidade de elementos, desde relações territoriais com a cidade, porto, montanhas, o mar, até a materialidade do solo, das paredes, a inclinação do caminho, os degraus, o estreitamento, a vegetação que invade, as construções, a casa que está em ruínas, as pessoas que vivem e que passam por aí, e vestígios memórias e histórias de cada coisa, a maneira como o tempo passa, a forma de se mover e olhar. Os cheiros, de mato, de terra de comida, de lixo, de flores. Tudo que é perceptível ou evocado por outra coisa configura esta ambiência. A cada degrau que subimos ou uma quina que viramos, uma nova vista se descortina revelando uma nova ambiência nesse meio. As maquetes de cubos e o diagrama mostram que estas configurações extrapolam a topografia do terreno e permitem experimentar a paisagem de forma diferente: enquanto temos uma proximidade e percepção do centro mais tátil nas inferiores, nas superiores esta percepção se torna mais visual e exterior.

Conceituação O objetivo do projeto é realizar intervenções no Morro do Fontana que formem um conjunto de espaços e percursos para trabalhar a percepção e a reflexão da cidade e do morro. Estas percepções envolverão a relação das pessoas com o morro do Fontana, deste com a cidade, e as relações urbanas e territoriais da cidade sob este ponto de vista particular, que é o morro.


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A partir da reflexão do modo de vida no morro, percebe-se uma contraposição em relação à cidade plana onde desde a forma de pensar e construir habitações até a forma de se locomover e conviver diferem. E é através desta nova óptica que o projeto pretende mostrar-se e mostrar uma nova cidade. Esta óptica propicia um olhar que se difere do cotidiano, a partir de um outro contexto que permite olhar a cidade de cima. Os elementos externos como o porto, a cidade, a área continental, e os próprios elementos do morro, através de símbolos, referências e percursos, se mesclam e adquirem um significado diferente do que possuem quando imersos no cotidiano, um olhar externo que se torna possível quando olhado a partir deste outro contexto.

Metodologia O trabalho foi organizado dentro de uma metodologia que busca investigar, levantar dados e organizá-los no e para o local. Possui o objetivo de explorar o território do morro, levantando seus elementos constituintes, suas camadas, os significados tanto para quem está ali a mais de 50 anos, quanto para quem está passando e descobrindo este universo agora. Após este levantamento organizase estes elementos em diferentes pontos, cada um configurado por diferentes particularidades, desempenhando um papel específico. Cada ponto é, portanto, uma ambiência. O projeto se constrói com a relação entre estes pontos. Configura-se desta forma uma nova lógica espacial que transcende a


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existente e abre novas possibilidades. Antes das particularidades, no entanto, o que estrutura o projeto é o conjunto. Deve-se entender este conjunto não como uma camada abstrata que se joga sobre o bairro, mas justamente o contrário, como um sistema que nasce dele, se organiza em sua lógica e faz saltar algumas de suas características. Algumas retornam para a própria organização espacial e territorial, outras se lançam para os bairros planos, para o morro, para o território da baixada. Não é um processo linear, já que a compreensão deste conjunto envolve os pequenos elementos e estes por sua vez não fazem sentido isolados. A leitura do todo está pautada em pequenos elementos que têm sua escolha totalmente influenciada pela óptica do que se pode retirar da leitura. É deste processo que nasce o projeto. Uma das características do projeto é, portanto, a investigação e leitura do território, tanto do morro quanto da cidade.

Elementos Os primeiros elementos, que foram citados como constituintes do território, são formados por diversas camadas de diferentes naturezas, funções e sensações. São elementos que em conjunto formam a descrição do lugar. O projeto, como dito anteriormente, nasce e funciona através deles. Elementos mais imediatos, como o tipo do chão onde se está pisando, o que limita esse chão, isto é, os


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degraus, as rampas, as valas, os muros, vegetações, taludes, entre outros elementos físicos formam a primeira camada. Cada um destes também comporta mais uma infinidade de camadas, que vão desde o contexto original de sua construção em contraposição com sua função e contexto atuais, até características mais palpáveis como cor, textura, superfície, tamanho. Depois temos a camada de elementos como as vistas que cada ponto proporciona, dos pontos de referência, dentro e fora do morro. Assim como os primeiros elementos estas vistas também se subdividem em milhões de camadas, a serra que sobe pra São Paulo, a mata atlântica, as rodovias e ferrovias, o canal do porto, os navios, o porto, os silos, os contêineres, as gruas e ship loaders, o centro, as ruas os edifícios mais altos, as praças, os prédios altos da orla da praia, o mar, os demais morros. Juntando-se estas primeiras camadas, teremos uma terceira que é sensitiva, que nos indica onde estamos e que determina uma ambiência. Mas a essa ambiência também se juntam os fatores de convívio com as outras pessoas. Quem são, como elas nos observam e se comportam, as atividades que realizam em cada ponto, suas rotinas, a noção de pertencimento e invasão do espaço. São os elementos individuais da experiência corporal no espaço, um conceito que Paola Berenstein chama de Corpografias Urbanas: “(...) Uma corpografia urbana é um tipo de cartografia realizada pelo e no corpo, ou seja, a memória urbana inscrita no corpo, o registro de sua experiência da cidade, uma espécie de grafia urbana, da


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própria cidade vivida, que fica inscrita mas também configura o corpo de quem a experimenta.” (BERENSTEIN JACQUES, Paola. “Corpografias urbanas”. Arquitextos, n. 093. São Paulo, Portal Vitruvius, fev. 2008 < http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq093/arq093_02.asp>)

Estruturação Juntando-se estes elementos, forma-se uma ambiência, determina-se um lugar. Cada lugar, no caso deste projeto, cada ponto no morro possui uma combinação diferente de elementos. E teremos então diversos pontos, configurando diferentes lugares, e todos relacionados no conjunto que configura o bairro. Estas ambiências foram separadas em duas categorias. Os pontos de pausa, lugares mais abertos e estáticos que conformam um espaço mais amplo. Nestas áreas é possível a permanência por um tempo maior, sentar-se, observar, encontrar pessoas, conversar. Áreas onde no projeto predominarão ações de observação e reflexão. São áreas mais abertas, como pequenas praças, platôs, predominantemente planas em relação ao morro. As outras ambiências são os percursos. São basicamente formadas por vielas, onde predomina a passagem, movimentos. Conformadas em grande parte por escadarias estreitas, um labirinto que permite descobertas, que traz elementos dinâmicos que se escondem e se revelam durante o percurso.


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Descrição O projeto proposto

O projeto, como foi tratado nos capítulos anteriores vai lidar ao mesmo tempo com a infraestrutura do local em que se insere, tratando de facilitar questões de acesso ao morro a partir do centro, e com questões da sensibilidade do local, na percepção deste espaço e deste território em que está inserido. Estes dois aspectos do projeto estão fundados nas questões da memória e do desenvolvimento urbano. Relativo à infraestrutura, o primeiro ponto importante que o projeto toca é relativo aos acessos. Como vimos anteriormente a relação entre o morro e o centro é cortada pelo Elevado Aristides Bastos Machado que torna o acesso perigoso e distancia estes bairros do restante da cidade ainda mais. Este primeiro ponto também toca na questão da memória por incluir o local onde estava construído o edifício da Santa Casa


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Acessos Existem dois acessos contrastantes entre si que interagem com o as ruínas do edifício da Santa Casa e com o sistema viário existente neste local. No primeiro indicado pelo nº 1 na imagem sobe-se pelas escadas remanescente do antigo hospital e passa-se por cima das vias expressas para acessar o sopé do Morro do Fontana, enquanto que no acesso nº2 a passagem se dá por baixo do elevado e cria-se um túnel na segunda via, formando um ambiente bastante fechado que logo se abre para uma ampla visão do centro e das estruturas do parque. Enquanto o segundo replica a o túnel para passar pela movimentada avenida, o primeiro recria uma espécie de praça no platô proposto que remete ao largo que existia neste local antes das demolições, da construçao destas vias e do tunel.


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Percursos Estes percursos no sentido lesteoeste são colocados de forma a seguir as curvas de nível, mas também passam sempre encostados nos remanescentes dos muros dos edifícios demolidos. Os pontos 3, 4, 5 e 6 possuem sobem progressivamente o morro nas cotas respectivamente de 28m, 39m, 50m e 60m.


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Praças/Patamares Assinaladas em vermelho nesta planta estão as praças deste parque, os estares. São remanescentes dos edifícios que antes existiam nestes locais. Em amarelo estão as ruínas dos poucos muros que ainda aparecem na paisagem. A plataforma laranja é a intervenção mais drástica do conjunto. Avança no terreno na cota 50m sustentada por uma estrutura metálica e por brises de chapas metálicas que concedem-na uma transparência dependendo do ângulo de visão. Tem como funçao indicar a memória do que foi este terreno e adiciona ao observador uma outra vista privilegiada, desta vez do próprio morro e da cidade.


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BIBLIOGRAFIA


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Bibliografia ANDO, T. Por novos horizontes na arquitetura in Kate Nesbitt (org), Uma nova agenda para a arquitetura. São Paulo: Cosac Naify, 2006 BERMAN, M. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2007 CARDOSO , J. J. Patrimônio ambiental urbano & requalificação: contradições no planejamento do núcleo histórico de Santos. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas , Universidade de São Paulo. São Paulo: 2007 CASTRIOTA, L. B. Patrimônio Cultural, conceitos, políticas, instrumentos. São Pauli: Annablume, 2009i DIÉGUEZ, C. R. M. A. De OGMO (Operário Gestor de Mão-de-Obra) para OGMO (Órgão Gestor de Mão-de-Obra): modernização e cultura do trabalho no Porto de Santos . Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas , Universidade de São Paulo. São Paulo: 2007 FRANCISCO, V. F. A área continental santista sob a ótica do processo de planejamento territorial de Santos de 1967 a 1999. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo. São Paulo: 2000 GONÇALVES, A. Lutas e sonhos: cultura política e hegemonia progressista em Santos (1945-1962). São Paulo: Editora Unesp / Prefeitura Municipal de Santos, 1995 LYNCH, K. A imagem da cidade. Martins Fontes: São Paulo, 1982 MAROT, S. Suburbanismo y el arte de la memoria. Barcelona: Gustavo Gili, 2006 NORBERG-SCHULZ, C. O Fenômeno do Lugar in Kate Nesbitt (org), Uma nova agenda para a arquitetura. São Paulo: Cosac Naify, 2006 NUNES, J. Signs in Daniela Colafranceschi (org), Landscape +. Barcelona: Gustavo Gili, 2007 SOUZA, C. D. C. Planejamento Urbano e Políticas Públicas em Projetos de Requalificação de Áreas Portuá-rias .Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo. São Paulo: 2006 TSCHUMI, B. Introdução: notas para uma teoria da disjunção arquitetônica in Kate Nesbitt (org), Uma nova agenda para a arquitetura. São Paulo: Cosac Naify, 2006


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Sites consultados Companhia Docas do Estado de São Paulo: http://www.portodesantos.com.br Google Maps: http://maps.google.com.br/ Prefeitura Municipal de Santos: http://www.santos.sp.gov.br/ Fundação Arquivo e Memória de Santos: http://www.fundasantos.org.br/ Viva Santos: http://www.vivasantos.com.br/


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