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Notas

Notas

As motivações para esta publicação, neste momento, são muitas. Há vários anos, na realidade desde a escritura deste texto, tenho o desejo de disponibilizar as reflexões de minha pesquisa de mestrado como livro, assim como fazem inúmeros pesquisadores, tornando a pesquisa mais difundida e acessível ao público em geral – afinal, toda pesquisa realizada nas universidades precisa ser mais ampla e facilmente distribuída ao público em geral. Já houve iniciativas anteriores com este fim, mas elas sucumbiram ao fluxo de novos trabalhos docentes e artísticos bem como a novas pesquisas que acabaram recebendo mais da minha atenção. Um desses novos projetos culminou com a publicação do livro oco: memórias e olhares (Arte Final, 2021). Livro em que desempenhei também o papel de organizador e diretor editorial, e que trata sobre o processo de criação do espetáculo teatral oco, produzido pelo tut – projeto de extensão institucional de teatro que coordeno junto à Universidade Tecnológica Federal do Paraná (campus Curitiba). Esse processo se desenvolveu durante o ano de 2019, quando nos empenhamos na produção de um espetáculo universitário que teve excelente repercussão em sua temporada. Como parte do projeto, desenvolvemos esse livro no qual os diversos agentes criativos e alguns espectadores compartilham suas escolhas artísticas e suas experiências criativas e humanas. Em um dos meus textos, Entendendo contextos anteriores a oco, aponto algumas contaminações de Antonin Artaud sobre minha ação criativa como encenador-dramaturgo do espetáculo. Em alguns eventos abertos, em que nos encontramos com pessoas interessadas em debater sobre teatro e sobre o processo criativo de oco, surgiu recorrentemente um

Ismael Scheffler

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interesse pelas ideias de Artaud. Com isto, o desejo de disponibilizar esta pesquisa, que é um dos fundamentos do espetáculo oco, ganhou força e encontra, finalmente, seu espaço em forma de livro.

Influências artaudianas já marcaram vários espetáculos por mim dirigidos desde a realização deste estudo, aspectos que foram instigantes e repercutiram em minha produção artística. Com o tut, por exemplo, podemos mencionar o espetáculo de 2013, Babel, que também escrevi, e, de 2008, a produção do espetáculo Ubu Rei, texto de Alfred Jarry. A influência de Artaud, sem dúvidas, esteve também no espetáculo de 2006, O ovo, também de minha autoria, realizado com a Cia. do Teatro Submerso. Duas publicações relativas a esses espetáculos talvez possam interessar aos leitores e leitoras deste livro: Babel: o processo de criação do espetáculo teatral [catálogo da exposição] (Scheffler, 2013) e o artigo A cena se fez ovo e habitou entre nós (Scheffler, 2008b). Passeando por algumas das pesquisas realizadas no Brasil, desde a defesa de meu mestrado – ver no final deste livro o item Mapeamento bibliográfico: dissertações e teses brasileiras sobre Antonin Artaud –, percebo ainda ineditismo e contribuições que minha pesquisa pode trazer diante de tão variada bibliografia que toma Artaud como tema. Vencemos aqui, com este livro, o não simples processo de uma pesquisa acadêmica (e de publicação de artigos dispersos) tornar-se livro para ganhar um novo espaço de distribuição e acesso.

É preciso lembrar, também, o momento em que este livro é lançado. Vivemos dias de morte, de desintegração de corpos, de crueldades, de peste, com a pandemia da Covid-19 que assola o mundo, com pessoas isoladas em seus lares e com o teatro perguntando sobre seu lugar entre o mundo virtual e o real. As palavras de Artaud são as mesmas dispostas no papel e, embora alguns textos sejam quase centenários, ainda soam como novos em nosso país. Mas, mesmo o Artaud já lido, ao ser relido, hoje, é perpassado pelas lentes da pandemia que cobrem nossos olhos. Pensar atualmente sobre a peste ou sobre a ação do teatro nos corpos dos espectadores tem outro

Artaud e o Teatro Sagrado

sentido para nós. Talvez as reflexões deste livro possam nos ajudar a pensar sobre nossa existência, e sobre a sociedade e a arte nesta transição pela qual o mundo e o teatro passam.

Por fim, é importante referir a outra metade de minha dissertação, que trata sobre o encenador polonês Jerzy Grotowski. Desta, publiquei o artigo Elos de uma mesma cadeia: diferentes períodos no transcurso de Jerzy Grotowski (2005), nos Anais do III Fórum de Pesquisa Científica em Arte da Escola de Música e Belas Artes do Paraná – o texto esteve disponibilizado por vários anos na Revista Espaço Acadêmico, indisponível atualmente, servindo de referência na página de Grotowski no site Wikipédia/Português. Publiquei também o capítulo “O espectador nas encenações de Jerzy Grotowski” (2009), no livro A interatividade, o controle da cena e o público como agente compositor, organizado por Margarida Gandara Rauen. A dissertação integral, Características do sagrado nas propostas teatrais de Antonin Artaud e Jerzy Grotowski (2004), encontra-se disponível em pdf na Biblioteca Universitária da Udesc, e nela pode ser encontrado um desdobramento e um aprofundamento de conceitos da Hermenêutica Simbólica correlacionados ao teatro grotowskiano.

Nos capítulos que seguem, desenvolvo uma leitura sobre as propostas do teatrista francês Antonin Artaud (1896-1948) correlacionando-a aos conceitos de sagrado, símbolo, mito e rito, conforme compreendidos por alguns estudiosos que integraram o Círculo de Eranos, especialmente Mircea Eliade, cientista da religião, de origem romena, e o antropólogo francês Gilbert Durand. A partir desses conceitos-chave, estabeleço um olhar para questões sobre o espaço e o tempo, a política, entre outros temas. Apresento uma leitura de alguns conceitos de Antonin Artaud articulados com sua compreensão de teatro e de vida (uma fusão indissociável) através da epistemologia da Hermenêutica Simbólica, buscando contribuir com um entendimento de aspectos relacionados a ideia de teatro sagrado.

Ismael Scheffler

Isto implica, também, trazer à pauta a questão de certa mitificação com que Antonin Artaud por vezes foi estudado ou é ainda tratado, envolvendo-o em uma aura enaltecedora que acaba impedindo, às vezes, uma abordagem mais crítica de suas propostas. A questão mítica extrapola as concepções teatrais artaudianas e impregna tanto a descrição de sua biografia feita por pesquisadores, quanto a maneira com que eles lidam com escritos deste autor. Este estudo é uma tentativa de compreender, antes de explicar, pensamentos sobre o teatro e suas possibilidades. Passados vários anos da conclusão do meu mestrado, tenho plena certeza de que a epistemologia aqui explorada me trouxe benefícios e se mostrou adequada como lastro para minha imersão em um universo tão subjetivo como o de Antonin Artaud, não apenas me auxiliando a compreendê-lo conceitualmente, mas também me influenciando na prática, como encenador, ator e professor.

Sempre mantive o alerta sugerido por Peter Brook (1970), “Artaud explicado é Artaud traído: traído porque é sempre apenas uma porção de seu pensamento que é explorada” (p. 53), e me resignei a este ponto: compreender uma porção, visto a totalidade de seu universo interior ser bastante complexa.

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