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Considerações finais

Meu objetivo ao ler Artaud é de tentar compreender algumas de suas propostas para o teatro. A diversidade de referências com as quais trabalhou em sua vida e na elaboração de seus escritos, visando a uma cena renovada, ofereceu, e oferece, significativas provocações e contribuições ao teatro ainda hoje. Porém, ler os escritos de Artaud exige entender questões que estão por trás de alguns termos que, muitas vezes, são imprecisos, ambíguos, dotados de sentidos diferentes e, às vezes, opostos em seus usos. Acredito que parte da imprecisão se dá pelo uso de uma linguagem mais figurada e, por isso mesmo, mais aberta.

Artaud, pensando o teatro e a sociedade, caminhou um tanto solitário, a meu ver, buscando construir definições que colaborassem para expressar sua maneira de compreender a vida e a arte. Ao observarmos os conceitos elaborados pelos estudiosos do Círculo de Eranos e os correlacionar às propostas teatrais de Artaud, podemos reconhecer uma afinidade conceitual, sendo de grande eficiência adotar esse agrupamento epistemológico como instrumental para análise e compreensão do teatro sagrado. A Hermenêutica Simbólica e os estudos sobre o imaginário se apresentam como um excelente recurso auxiliar à leitura de um entendimento da vida, que inevitavelmente também se reflete no teatro de Artaud.

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Alguns teóricos pertencentes ao Círculo de Eranos, tais como Gilbert Durand, Mircea Eliade e Joseph Campbell, são eventualmente utilizados em estudos teatrais, mas acredito que o uso dessa epistemologia pode ser aplicado de maneira mais extensiva. Tomando-se o agrupamento desses teóricos, podemos, além de garantir uma coerência conceitual aos estudos, perceber uma complementação. O fato de o Círculo de Eranos ter sido um

Ismael Scheffler

grupo interdisciplinar que contemplou abordagens por diferentes áreas, oferece uma vasta amplitude de recortes para pesquisas por meio de vieses mais míticos, ou psicológicos, ou antropológicos, ou com outros enfoques. Muitos conceitos desenvolvidos ao longo deste livro podem contribuir para uma compreensão mais generalizada sobre o que pode ser considerado como teatro sagrado. Podemos averiguar que muitas comparações já foram feitas entre o trabalho do encenador polonês Jerzy Grotowski, da década de 1960 em diante, e as concepções de Artaud, realizadas entre as décadas de 1920 a 1940. Creio que essa correlação que se estabelece entre eles influenciou, e influencia ainda hoje, a forma de entender o trabalho do encenador polonês, como se, de certa forma, Artaud tivesse preparado um terreno para ele questionando sistemas, fazendo outras possibilidades cênicas serem percebidas. Isso é bem possível, assim como parece que, pelo fato de Grotowski ter sistematizado métodos efetivos de trabalho e posto em prática suas concepções, Artaud foi igualmente agraciado, atribuindo-se uma maior credibilidade a suas propostas, por ele ter mostrado que muitos dos princípios do sagrado no teatro são possíveis. Ao se concretizarem no teatro grotowskiano, as propostas de um teatro sagrado deixam o plano idealizado e direcionam o pensamento para a cena de fato. Assim, a sistematização das pesquisas em técnicas e a articulação clara e coerente de princípios se constitui, consequentemente, uma espécie de contraponto entre Grotowski e o pensamento de Artaud – por vezes registrado com uma linguagem fugidia que nos instiga a imaginação e conduz ao devaneio, enquanto Grotowski nos lembra de que o teatro só existe, assim como a epifania, na vivência de fato, e nos mostra alternativas testadas em diferentes práticas, com diferentes objetivos.

Por existirem afinidades, muitas vezes Grotowski pode ser considerado como um continuador, ou realizador, das propostas artaudianas, o que é, como defendido pelo próprio dramaturgo polonês, uma falsa leitura. A trajetória que seguiram coincide por terem influências de teorias significativas, seja da psicologia, seja de

Artaud e o Teatro Sagrado

culturas não europeias, entre outras. Elaboração e sistematização diferem significativamente entre eles. Acredito que o esclarecimento de vários conceitos vistos aqui abre possibilidade para estudar o trabalho de outros artistas contemporâneos que tenham afinidade conceitual independente de se referirem ou não a influências de Artaud, algo que poderia oferecer ampliações sobre a dinâmica e as facetas do sagrado na cena teatral.

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