Cosmologia - A janela do tempo

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A janela do tempo

J.R. Silva Bittencourt


A janela do Tempo Há quem diga que se você quisesse mentir deveria falar sobre o tempo. Todos comungam a mesma sensação de estarmos vivendo no presente do universo, muito embora essa dimensão do tempo pareça estar sempre escapando por entre os nossos dedos. Se pensássemos em um extraterrestre que estivesse vivendo a sua realidade na distante galáxia de Andrômeda, ele teria que ser nosso contemporâneo, sem depender da imensa distância que nos separa. O presente, aqui, deveria ser o mesmo por lá. O futuro e o passado não fazem parte da realidade física do universo, mas podem ser pensados. É exatamente isso o que iremos fazer neste artigo. Vamos “pensar” em como seria o universo no passado e no futuro utilizando, por conta disso, uma forma de extrapolação de conceitos que, em princípio, serão elaborados a partir do presente. Tudo o que se disse até hoje sobre o universo distante ou próximo não passa de extrapolações desse tipo, devido à conhecida relação de incerteza na posição ou na velocidade das partículas. Ela foi descrita pela primeira vez na década de 1920, por Werner Heisenberg. A partir dali, o nosso conceito comum de realidade foi colocado em cheque. Por algum mecanismo interno, relacionado com a nossa memória, conseguimos lembrar apenas do que já está no nosso passado. Você não poderia


fazer o mesmo em relação ao que estaria acontecendo no seu futuro. Uma estrela qualquer, até onde se sabe, não pensa. Por isso, é pouco provável que ela seja afetada pelo nossa ideia de tempo, no sentido de que pudesse estar se colocando relativamente no futuro ou no passado. Sem dispor de um “ponto de vista” particular, ela não teria dificuldades para manter-se no presente. No nosso caso, e como não podemos nos lembrar do que acontece no nosso futuro, foi perfeitamente normal assumirmos uma tendência para extrapolar, naquela direção, o resultado da nossa observação direta do passado. Como precisamos da nossa memória para interagir com o universo distante ou próximo – e ela depende da coleta de informações oriundas de pontos remotos do espaço exterior – estaremos, nesse processo de extrapolação, invertendo o sentido real da seta do tempo. Em outras palavras, ficamos esperando que o futuro se encaixe nos padrões e estereótipos que elaboramos a partir do presente. Um exemplo prático é acreditar que, se a velocidade da luz é limitada em 300.000 km/s, o mesmo conceito deveria se estender para todo o intervalo de tempo em que essa luz permaneceu retida no futuro (como, por exemplo, enquanto a luz de uma estrela distante ainda estivesse percorrendo o espaço que nos separa). Se o feixe concentrado de luz de um canhão de laser precisa apenas de 1,3 segundo para chegar até a Lua, então parece lógico concluir-se que a luz do Sol, refletida pela Lua,


precisaria do mesmo lapso de tempo para poder chegar até onde nos encontramos. Isso até poderá coincidir com a realidade, mas estará sempre na dependência do ponto de vista de um observador dotado com uma memória. Se o tempo não existe ou não pode ser medido no futuro, nenhum movimento das partículas de luz poderia ser medido diretamente naquele sentido da seta do tempo, o que é previsto na definição do conceito de velocidade instantânea. Segundo Paul A. Tipler “Em um dado instante uma partícula se situa em um ponto específico. Se ela está posicionada em um ponto, como poderia se mover? Caso ela não esteja se movendo, como poderia possuir velocidade? Esse paradoxo é resolvido se lembrarmos de que, para se observar e definir um movimento, é necessário que se olhe para a posição do objeto em mais de um tempo”. (Física – vol. 1, p. 22 ed. LTC). A nossa incapacidade para medir diretamente o tempo de deslocamento da luz emitida por uma estrela distante, poderia estar criando algum tipo de “flutuação” no vácuo – um vazio aparente – provocando ruptura e descontinuidade no aporte dos informes transportados pela luz. Como o observador depende da presença constante da informação para interagir com a realidade à sua volta, o aporte da luz das estrelas e das galáxias distantes tornou-se aparentemente contínuo. Para todos os efeitos, e pelo menos para o ponto de vista do observador, as tais flutuações do vácuo deixaram


de existir, já que o movimento não pode ser medido diretamente no futuro. Todos os eventos que parecem desdobrar-se instantaneamente à nossa volta, fazem parte do que os astrônomos costumam chamar de “cone de luz” do passado do observador. Nada existiria fora desse cone mesmo estando lá, o que se aplicaria também para a própria luz que nos permite olhar, com atraso, para as estrelas e para os planetas distantes. Esta forma de contenção do tempo ou do seu “retardamento”, resultante da nossa total dependência à chegada da luz e da radiação cósmica como um todo, fez-nos pensar que deveria haver um lugar qualquer do universo que estaria se colocando fora do presente, seja no futuro ou no passado. O que é que nos permite ver as estrelas? É a luz que elas nos enviam através do espaço. Essa luz, em princípio, demora um tempo variável para percorrer as distâncias que estão nos separando, e que podem ser da ordem de milhões de anos-luz. Um ano-luz é a distância que a luz percorreria durante um ano, viajando na velocidade de 300.000 km/s. Então, o que vemos brilhando no céu noturno é a fotografia de uma estrela, retratando o exato momento em que ela nos enviou a sua luz. Como isto é válido para todas as outras estrelas e para as galáxias que elas formam, o céu noturno parece nos mostrar uma imagem do nosso passado. No entanto, se víssemos as coisas do ponto de vista de uma estrela distante,


as pessoas na Terra é que olhariam para o seu presente com atraso, pois, para vê-la brilhar no céu noturno, elas precisariam aguardar a chegada da luz emitida. Assim, apenas quem olhasse de forma consciente para o céu noturno, ou quem fosse capaz de decodificar as informações transportadas pela luz, é que estaria se colocando relativamente no passado. Na verdade, o observador na Terra continua no presente, embora para interagir com a estrela distante necessite de uma memória já consolidada. Isto é, o observador somente pode ver uma estrela porque já se lembra dela. Há um evidente atraso na comunicação dos eventos distantes, que pode ser da ordem de milhões de anos e que não dependeria da posição que o observador viesse a ocupar no espaço. O marco zero, o início da contagem do tempo, estará sendo colocado sempre na posição do observador (não na posição das estrelas) esteja ele onde estiver no espaço, pois nada existe fora da sua memória. Somente podemos nos lembrar do que já está no nosso passado. Se colocarmos esse marco zero do tempo na Terra, o único lugar em que se tem a certeza da existência de vida inteligente, a imagem da estrela surgirá sempre no passado da abóbada celeste. Se o observador estivesse ocupando a posição real da estrela, porém, a Terra é que pareceria ter a sua posição avaliada como se estivesse no passado. Na realidade o observador, a Terra e a estrela ocupam a mesma dimensão do tempo – o presente. O futuro resulta do


paradoxo de sempre olharmos para o presente do universo “como se estivéssemos no passado”, pois dependemos do aporte das informações que teriam ficado retidas anteriormente. Isso nos passa a impressão de que assumimos o próprio tempo das imagens observadas no céu noturno o que, evidentemente, tratar-se-ia de uma ilusão sensorial. Podemos entender, com isso, que não há passado nem futuro. Excluída a influência do nosso ponto de vista, tudo no universo coexistiria no mesmo momento do tempo. Uma vez que tenha alcançado a nossa posição, a luz que as estrelas nos enviam continuará chegando até nós sem interrupção aparente. No dia em que uma delas morrer deixará de nos enviar a sua luz, mas a interrupção do fluxo dessa luz somente acontecerá depois de muitos anos da sua morte. O homem somente alcança o seu objetivo de delimitar os corpos celestes no espaço, se o tempo permitir a sua aferição direta. O tempo é a ferramenta essencial, utilizada pela nossa memória. Uma verdadeira janela, através da qual olhamos para o céu. Sem o tempo, não veríamos nada. Graças ao tempo, ainda, todas as partículas que formam os corpos físicos são vistas em movimento contínuo. Não existe imobilidade absoluta, pelo menos para os nossos sentidos limitados. O próprio conceito de velocidade instantânea somente poderia ser definido, quando se olhasse para as posições


independentes que uma mesma partícula ocuparia em dois intervalos de tempo consecutivos. Caso contrário, ela permaneceria imóvel. Tudo o que vemos e sabemos a respeito das galáxias distantes – e que é válido também para o universo das partículas subatômicas – depende da luz emitida ou refletida por elas. Para serem vistas, as partículas precisam ser iluminadas. Por isso, seria prudente adotar-se uma atitude de extrema cautela, sempre que se ousasse fazer afirmações cabais sobre a realidade do universo infinito, tomando por base as informações que ele disponibiliza com atraso. As avaliações feitas nesse campo resultam da extrapolação de conceitos, que foram elaborados fora do tempo real dos eventos ou que estão relacionados, de alguma forma, com a nossa memória. Nós lembramos apenas do que já está no nosso passado e, sem uma justificativa plausível, extrapolamos as nossas observações na direção do futuro, como se ele fosse uma imagem do passado refletida num espelho. A estrela e a lâmpada Alpha do centauro é uma estrela que pertence à constelação do Centauro, podendo ser vista, à noite, ao norte da constelação do Cruzeiro do Sul. Ela surge bem ao sul do centauro, ao lado da sua companheira de menor brilho – Proxima centauri – com quem forma um binário. Alpha do centauro tem


características físicas muito semelhantes às do nosso Sol. Se ela o substituísse, provavelmente não notaríamos a diferença. Outra característica desta estrela é que ela se movimenta de forma relativamente rápida no céu noturno. Isso deu segurança aos astrônomos para afirmarem que se trata da estrela que está mais próxima de nós, localizando-se a 4,4 anos-luz de onde estamos. Se considerássemos que o comportamento de Alpha do Centauro fosse semelhante ao de uma dessas lâmpadas incandescentes e que, para brilhar no céu noturno pela primeira vez, tivesse dependido do acionamento de um interruptor de corrente, poderíamos tentar entender alguns princípios da visão relativística dos eventos, que se aplica tanto para o universo do infinitamente grande quanto para o nível dos átomos. É provável que Alpha do Centauro tenha brilhado no céu noturno, pela primeira vez, muito antes do primeiro ser inteligente ter notado a sua presença. No instante em que o interruptor da corrente tivesse sido colocado na posição “ligado”, a distante estrela-lâmpada teria passado a emitir luz, o que poderíamos considerar como sendo o nosso marco zero do tempo. Para o observador na longínqua Terra a lâmpada somente poderia ser avistada depois de 4,4 anos devido, em princípio, à velocidade limitada com que a luz percorre o vácuo. Nesse caso e para o ponto de vista daquele observador na Terra, a luz da estrela estaria viajando do futuro (presente da estrela) para


o passado (presente do observador). Mesmo assim, ambos permaneceriam na mesma dimensão real do tempo (presente), pois o universo não depende dos nossos pontos de vista. O curioso é que, quando a luz alcançasse a Terra pela primeira vez, a estrelalâmpada poderia ser avistada instantaneamente ao norte da constelação do Cruzeiro do Sul, sem que o afortunado observador pudesse medir qualquer intervalo de tempo que tivesse transcorrido antes daquele evento. O referencial zero do tempo, que estava supostamente colocado na posição da estrela, já surge subitamente na posição do observador permitindo que, para todos os efeitos, a influência da força de gravidade da estrela possa ser sentida instantaneamente (e à distância). Este movimento de inversão no sentido da seta do tempo junto ao observador ocorreria, portanto, por um princípio de exclusão de acesso direto ao tempo no futuro, ou a todo aquele intervalo de tempo em que a luz da estrela esteve sendo “empacotada”. O problema se tornou insuperável, pois hoje se sabe que esse empacotamento (quantização) não demanda nenhum lapso de tempo mensurável, sendo nos entregue pronto pela natureza. Isso teria ficado materializado no pensamento de que a luz da estrela se atrasaria, por conta de ter assumido uma velocidade limitada no espaço. Como a Terra movimenta-se rapidamente no céu noturno, tal como o faz a própria estrela, assim que a luz aportasse junto ao observador Alpha do Centauro seria avistada fora


da sua posição real. Depois desse primeiro momento, a estrela continuou disponibilizando o acesso aos informes transportados pela sua luz, mesmo mantendo a incerteza da sua posição ou da sua velocidade. Para o nosso ponto de vista o tempo teria passado a fluir, desde então, de forma aparentemente contínua. As informações somente deixarão de chegar à Terra na ocasião em que houver a comunicação da “morte” da estrela, o que implica em dizer que aquele evento não poderá ser avistado em tempo real. O achado de que o interruptor da corrente poderia estar simultaneamente na posição da estrela e na do observador, por um princípio de exclusão de acesso direto ao futuro, colocaria o marco zero do tempo continuamente na nossa posição, pois é a nossa interpretação subjetiva que dá sentido aos eventos que observamos à distância. A colocação está de acordo com a ideia de que tudo, no universo, estaria coexistindo no mesmo momento do tempo. Não haveria como se deslocar efetivamente o referencial zero do tempo da posição do observador para a da estrela, a menos que um observador inteligente, em uma nave exploratória, fosse deslocado para as suas proximidades. Na sua viagem, o deslocamento no espaço implicaria em deslocamento no tempo, mesmo sem afastar o observador do presente do universo. Os físicos estariam assumindo sérios riscos, se afirmassem que a onda gravitacional que seria


provocada pela morte abrupta do Sol, somente nos alcançaria depois de 8 minutos. Isso porque a colocação envolve o ato de se colocar o início da contagem do tempo junto à posição do nosso Sol, ou fora da posição do observador. Neste caso estaríamos fazendo uma abstração ao extrapolar, na direção do futuro, conceitos que dependem da memória que desenvolvemos em relação aos eventos. Não estaríamos mais tratando dos próprios eventos. É o caso da medição precisa que se obtém para a velocidade da luz, embora os 300.000 km/s resultem de uma forma qualquer de rastreamento de informes. Isto é, a velocidade da luz somente poderia ser medida de forma indireta. Se formos mais rigorosos, o tempo que a luz do Sol precisaria para alcançar a Terra deveria ser considerado indeterminável, devido à relação de incerteza quanto à posição real que a nossa estrela estaria ocupando, a cada momento. A razão disso, é que a velocidade da luz das estrelas é estabelecida sempre depois do aporte dos informes. Isso é muito difícil de ser aceito sem alguma desconfiança, mas permite supor que o observador, de alguma forma, tem a sua parcela de responsabilidade em todo esse processo. Parece que, por estar na dependência da sua memória para interagir com o universo distante ou próximo, a realidade coloca-se sempre fora do seu alcance direto. Ou seja, o observador olha para o presente do universo “como se estivesse no passado”, o que deve ser algum tipo de ilusão,


sendo suportada pela sua memória. Olhando as coisas por este ângulo, vê-se que não teríamos como evitar as abstrações. Isso iria causar certo embaraço quando lembramos de que, pelo menos aparentemente, os físicos e os cosmólogos não gostam de abstrair, preferindo somente optar pela existência daquilo que pode ser medido diretamente. Da sua parte, o universo estaria “nem aí” para os nossos pontos de vista. Santa Maria, RS, 24/03/2018.


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