Universo Estático

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Universo Estรกtico

J.R. Silva Bittencourt


Universo Estático J.R. Silva Bittencourt Quando olhamos para o céu em uma noite escura e sem nuvens, de preferência em uma região afastada dos centros urbanos, incontáveis estrelas nos encantam com o seu brilho. Neste momento, ficamos pensando nas numerosas galáxias que se escondem no espaço profundo. Se, das estrelas que formam essas galáxias, uma entre cada dez tivesse um planeta girando à sua volta, ficaria difícil não se pensar na possibilidade da existência de vida extraterrestre, seja ela inteligente ou não. É uma questão de estatística. No entanto, a Terra é o único lugar do universo em que isso se confirma, pelo menos até o momento. Em algum instante impreciso da história os nossos olhos se abriram repentinamente e, no despertar da nossa consciência, percebemos que havia um universo inteiro pulsando à nossa volta. Para podermos sobreviver num ambiente ao mesmo tempo belo e hostil, tivemos que educar os nossos sentidos. Por exemplo, para


evitar que fôssemos novamente queimados pelo fogo, tivemos que nos queimar uma primeira vez. O inverno deve ter nos ensinado a cobrir os nossos corpos, pressionando-nos muito mais do que a vergonha da nudez. O que quero dizer, finalmente, é que fomos desenvolvendo determinados padrões de comportamento que, ao longo do tempo, estruturaram a nossa memória. Para que as coisas que existiam do lado de fora se tornassem reais ou conhecidas, precisavam passar pelo crivo dos nossos sentidos e, posteriormente, coincidir com os padrões e estereótipos armazenados no nosso cérebro. Como cada consulta a esses arquivos demanda tempo, por mínimo que ele seja, ela nos afasta do presente. Isto é, os conceitos de futuro e de presente se confundem, pois o futuro, no caso, resultaria de somente podermos olhar para o presente do universo com atraso. Isso fica evidente no achado de que, para serem avistados, os objetos precisam ser iluminados. A nossa memória nos teria obrigado a interagir com a realidade sempre de forma defasada, ou


em resposta aos bons ou maus estímulos que ela nos enviava. O tempo nos trouxe ainda inúmeros problemas interpretativos, na medida em que a nossa inteligência foi evoluindo. O primeiro deles foi a nossa conclusão de que tudo o que existe é o que já estaria no nosso passado. O futuro não existe para nós, porque não pode ser lembrado. Nesta forma de abordagem notei que seria possível pensar-se na existência de um universo estático, mesmo que ele estivesse fora do alcance direto do nosso cérebro. Ao mesmo tempo, ele estaria ao alcance do nosso corpo físico bastando, para isso, esticar o braço. Seria mais ou menos assim: -Em um universo estático, o tempo não existiria. O presente seria um momento eterno. Se disséssemos que esse universo seria semelhante à superfície de um lago de águas tranquilas, tendo apenas duas dimensões (largura e comprimento), tudo nesse modelo de universo teria que estar sobre o centro. É lógico que o nosso tipo de vida consciente, mesmo


ocupando espaço nesse lugar utópico, não poderia saber disso. Teria que ser banido dali para um lugar com, no mínimo, três dimensões, chamado espaço-tempo. Uma vez tendo desenvolvido a consciência nesse novo local, não poderia lembrar-se do anterior. Mesmo assim, iria levar consigo a condição de ainda permanecer sempre sobre o centro, sem depender da posição que viesse a ocupar no espaço. O centro, que antes estava em todos os lugares, agora estaria apenas onde estivesse um observador isolado, dotado com uma memória e que lançasse um olhar curioso ao seu redor. Outro detalhe, relacionado à existência de um hipotético universo bidimensional e sem tempo, é que ele não disporia de lados, seja de fora ou de dentro, de cima ou de baixo. Você acha isso estranho? Pois, saiba que estas observações estão de acordo com o modelo de universo expansionário, defendido pelos físicos. O modelo pressupõe que as galáxias não abandonariam as suas posições, no espaço que as abriga, enquanto se afastassem umas das


outras, com velocidade sempre crescente. Para os físicos, é o espaço ao redor das galáxias que estaria se esticando. Pense no modelo de um balão de aniversário, em que você pintasse na borracha e com o auxílio de uma caneta vários pequenos pontos. Caso soprasse o balão e a sua superfície bidimensional fosse inflada, os pontos pintados não sairiam do seu lugar ou do seu centro, mas iriam afastando-se uns dos outros gradualmente. Essa imagem seria a mesma da superfície bidimensional de um lago, se ela pudesse ser esticada. Quanto à questão da lateralidade, os astrônomos nos dizem que o universo somente poderia ter um lado, o de dentro. É que seríamos parte integrante do movimento expansionário, que teria se estabelecido depois do big bang. Não haveria como se sair do espaço-tempo e, assim, saber se existiria alguma coisa fora dele. Essa questão pode ser resolvida de forma simples. Digamos que você vai enviar ao seu amigo, que mora numa cidade distante, um caixote contendo um presente.


Você sabe que se o caixote tem um lado de dentro, onde está o objeto a ser enviado, obrigatoriamente terá um lado de fora, no qual você colocará o endereço postal. O mesmo seria esperado para o espaço-tempo, se ele tivesse um lado de dentro. Isso nos leva à conclusão de que o universo, na verdade, não teria lado algum. Quando pensamos isoladamente no espaço que abriga as galáxias distantes, torna-se um pouco complicado pensar-se na existência de um universo com somente duas dimensões. No seu livro “O Universo numa Casca de Noz”, Stephen Hawking lembra que “um animal bidimensional teria dificuldade para digerir comida”. Mas, tudo se torna possível se levarmos em conta que o espaço, sem depender de quantas dimensões possa dispor, precisa de um mensageiro que possa abrir a nossa cabeça e ferir os nossos ouvidos, ao dizer: “-O espaço bidimensional existe, mesmo que você não possa vê-lo diretamente!”. O espaço, tudo indica, não tem o poder para nos comunicar, de forma direta, quaisquer


eventos em que se envolva, pelo menos quando se trata do nosso ponto de vista. Isso está implícito na incerteza da posição das fontes de luz distantes. Por exemplo, você precisa que a luz de uma estrela já tenha alcançado a sua posição para, somente então, saber que ela brilha à distância, em um lugar incerto do espaço. Isso excluiria o tempo de deslocamento anterior da luz da estrela, se ele existisse, pois você vê a estrela instantaneamente e à distância, o que acontece de forma aparentemente contínua. Se não fosse pela presença da luz a estrela não existiria, mesmo que estivesse lá. Percebe-se que o tempo de deslocamento da luz dessa estrela foi banido da nossa realidade sensorial, pois, sem levar em conta a distância que nos separa, a estrela pode ser avistada instantaneamente bastando, para isso, levantarmos a cabeça para o céu, à noite. Quando você substitui o espaço pela luz, atuando na forma de um mensageiro, a possibilidade da existência de um universo estático e sem tempo se torna aceitável, mesmo


que esse universo não pudesse ser apreendido pelos nossos sentidos. O problema pode ser dividido em duas partes. Em primeiro lugar, para ser registrada na Terra pelos nossos sentidos limitados, a luz de uma estrela distante precisaria inicialmente ser empacotada ou quantizada. Isso deveria provocar a separação entre a luz e o espaço. É o caso, por exemplo, dos oito minutos de retenção da luz do Sol, dentro do seu cone de luz do futuro. Pode-se imaginar que no processo de formação do cone o espaço se curvaria, resultando em demora na entrega da mensagem ao destinatário. No entanto, até hoje não se conseguiu medir qualquer intervalo de tempo que pudesse ser destinado à fase de quantização da luz. Sem o tempo, não haveria separação real entre a luz e o espaço. Ou seja, mesmo em se curvando, o espaço permaneceria virtualmente bidimensional. Assim, a luz e o espaço passariam a formar, para todos os efeitos, um todo contínuo ou uma coisa só. A principal consequência disso seria o virtual nivelamento entre os extremos de máxima e de mínima


energia da luz. Devido à virtual polarização, resultante do empacotamento da luz, não haveria, por exemplo, a separação entre o ultravioleta e o infravermelho. Depois do espalhamento da luz da estrela na Terra, o Doppler nos mostra o espaço como sendo continuamente encurvado. A polarização da luz se torna perfeitamente registrável, com a nítida separação entre os extremos energéticos da radiação cósmica de fundo dando suporte ao Doppler. Parece não haver mais uma incerteza na posição da fonte, bastando rastrear a sua luz na direção do passado para se atingir o ponto ocupado pela estrela no espaço. Se isso fosse real, o Doppler se sustentaria e o universo se tornaria refém do movimento circular e uniforme. Planetas girariam sempre à mesma distância dos seus sóis, e as estrelas se moveriam em bloco na abóbada celeste, do leste para o oeste, obedecendo ao mesmo tipo de movimento. A Terra passaria a ocupar o centro do universo. Sabemos, no entanto, que não é assim. Esse problema resultante da hipotética fusão entre a luz e o espaço, se resolvido,


poderia extirpar algumas incongruências. Por exemplo, não se poderia aceitar, sem questionamentos, que uma mesma massa e um mesmo volume solar, conservados ao longo do tempo, poderiam gerenciar simultaneamente as órbitas de todos os seus planetas, a partir de uma mesma curvatura no espaço. Ao ficarmos reféns do tempo no passado para, assim, sabermos que o universo existe, teríamos sido virtualmente banidos daquele lugar. Ou seja, a luz (e a radiação cósmica com um todo) estaria retendo a nossa consciência no passado, numa forma curiosa de exílio temporal. Como justificar esse pensamento maluco? Isso seria possível se a luz e o espaço tivessem se tornado uma coisa só, fundindo-se num todo único. Isso já acontece na prática. Se o espaço se curva, o mesmo acontece com a luz, e vice-versa. No modelo de balão de aniversário, a luz de uma estrela distante se deslocaria na sua superfície bidimensional na forma de ondas circulares concêntricas, acompanhando a curvatura do balão (espaço).


No eclipse de 1919, que tornou Einstein uma celebridade ainda maior, não se pode afirmar que o espaço teria, de forma isolada, comunicado a sua curvatura ao redor do Sol, pois os observadores do eclipse estavam na dependência do desvio, sofrido pela luz emitida pelas estrelas distantes. O evento de curvatura foi flagrado pela comparação das fotos, que revelaram as posições das estrelas ao fundo, antes e depois do eclipse. Uma foto nada mais é do que um “snapshot” ou um instantâneo do nosso passado, que depende da luz para ser obtido. Fora da nossa foto e para poder fazer essa comunicação, o espaço estaria na dependência das ondas de gravidade, que se deslocariam na velocidade limitada da luz. Diferentemente do espaço, a luz precisa ser condensada ou empacotada para, somente então, ter a sua existência revelada. A evidência da virtual fusão entre o espaço e a luz nos é dada pela própria comunidade científica, quando ela nos diz que o espaço teria o mesmo comportamento de uma tira elástica. Quem se comportaria como uma tira elástica seria a luz


ao executar o seu movimento harmônico, e não o próprio espaço. Para fundir o espaço e a luz numa coisa só, esse processo de quantização da energia teria que ter sido capaz de reter qualquer intervalo de tempo que fosse necessário para se completar o processo de empacotamento, até o momento em que a luz fosse espalhada pelas partículas subatômicas. Isso realmente acontece na prática, pois a quantização nos é entregue pronta pela natureza. Isto é, não existe um lapso de tempo qualquer que pudesse ser despendido no processo. Ao reter o tempo (ou ao subtraí-lo da nossa realidade física) a quantização poderia polarizar a luz e nivelar os extremos de máxima e de mínima energia do espectro de Maxwell, mesmo que de forma virtual ou apenas do nosso ponto de vista. Isso resultaria na virtual fusão entre o espaço e a luz, levando-nos ao modelo da superfície bidimensional do nosso balão de aniversário. A fase estacionária de quantização da luz aconteceria antes do espalhamento dos fótons,


mas a polarização resultante surgiria projetada no passado da abóbada celeste, ou depois do acréscimo do tempo como dimensão adicional. Ela se apresentaria na forma do “redshifting” ou do desvio para o vermelho. Os físicos tangenciam esse nivelamento energético da luz até o seu espalhamento, quando nos dizem que uma estrela distante se comportaria como se fosse um centro puntiforme, emissor de ondas circulares concêntricas. À semelhança das ondas formadas por uma pedra que fosse lançada em um lago, as ondas se deslocariam na superfície bidimensional da água, todas com a mesma velocidade. Note-se que, devido ao nivelamento citado, esse espaço teria se fundido à própria luz, ao perder a dimensão da sua profundidade. Graças à retenção do tempo, ainda, o empacotamento da luz poderia simular uma curvatura fictícia no espaço, que se tornaria real depois do espalhamento da luz junto ao observador. No caso de Alpha do centauro, o rastreamento remoto sugere que a luz emitida por ela teria ficado retida por 4,3 anos, dentro do seu cone de luz do futuro.


Acrescentando o tempo ao espaço Quando a radiação cósmica se projeta na abóbada celeste e permite o seu rastreamento instantâneo na direção do nosso passado, vemos um quadro totalmente diverso do que foi descrito antes do seu espalhamento. As ondas se tornam reais e virtualmente contínuas, e a sua polarização anterior nos mostra, ao Doppler, um predomínio da luz infravermelha no espectro da maioria das galáxias. A seta do tempo se inverte na nossa posição, onde se inicia a sua contagem, deixando de apontar na direção do futuro e passando a apontar continuamente para o nosso passado. Tal como o fio contínuo de um novelo de lã, desenrolado a partir do big bang, a luz nos diz que poderíamos segui-la tanto num sentido como no outro, tornando o espaço homogêneo e isotrópico. A luz que teria partido de Próxima do centauro em um momento anterior, devido ao nivelamento entre o ultravioleta e o infravermelho (polarização) teria permanecido


obscura no espaço, até nos alcançar na Terra. Com isso pode-se dizer, por um princípio de exclusão de acesso direto ao nosso futuro, que a luz da estrela citada sempre esteve à nossa inteira disposição, na Terra, para ser seguida somente na direção do nosso passado. Em caso contrário, a estrela não poderia ser avistada de forma instantânea. Isso está de acordo com a retenção de tempo no nosso futuro, ou durante a fase de quantização e de empacotamento da luz. Os físicos sugerem que as ondas circulares de luz emitidas por aquela estrela iriam se superpondo ao longo do tempo, formando um cone de luz reto e tridimensional, chamado cone de luz do futuro. Isso resulta de uma comparação com o que se observa depois do espalhamento da luz, e não de uma medição direta. Na verdade, a inexistência de tempo real no nosso futuro não prevê sequer a existência de ondas, uma vez que não haveria movimento na ausência de tempo mensurável. As leis de Newton não são aplicáveis nessas condições.


Einstein tentou, sem sucesso, amparar a sua tese de que o universo seria estático, propondo a sua constante cosmológica. Depois das observações de Hubble, mostrando que a nossa é apenas uma entre os milhões de outras galáxias, e da adoção definitiva do desvio para o vermelho pela comunidade científica, Einstein capitulou de vez. Não vejo como criticar nenhuma das partes envolvidas, pois, para nós, somente existe o que pode ser lembrado, ou o que está fora do nosso cérebro. Enquanto estivermos olhando na direção da abóbada celeste e recolhendo uma luz totalmente picotada, visando formar um mosaico que nos descreva um universo em expansão contínua, inúmeras questões permanecerão sem resposta. Acredito que já está na hora de levarmos seriamente em conta os processos que estruturam os nossos pontos de vista, fazendo um esforço para nos libertarmos do jugo da radiação cósmica de fundo. Santa Maria, RS, Brasil, 05/09/2019.


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