Comentários aos Julgados do TCU - nº 4

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Comentários aos principais julgados do Tribunal de Contas da União - TCU

Comentários aos principais julgados doTribunal de Contas da União –TCU Sessões de 19 e 20 de maio de 2015

Ano I – nº 4

LICITAÇÃO – HABILITAÇÃO – QUALIFICAÇÃO TÉCNICA – CONTRATO – NOTA FISCAL – ART. 27 E ART. 31 DA LEI Nº 8.666/1993 “É ilegal a exigência de que atestados de capacidade técnica estejam acompanhados de cópias de notas fiscais ou contratos que os lastreiem, uma vez que a relação de documentos de habilitação constante dos artigos 27 a 31 da Lei 8.666/93 é taxativa.” Fonte: Processo TC nº 003.763/2015-3. Acórdão nº 1.224/2015 — Plenário. Relatora: Ministra Ana Arraes. Julgado em: 20.5.2015.

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eterminado Ministério lançou edital de pregão eletrônico no qual exigia como comprovação da qualificação técnica dos licitantes a apresentação de atestados de capacidade técnica juntamente com os respectivos contratos ou notas fiscais. A licitante classificada em primeiro lugar foi inabilitada no certame em razão de não ter apresentado, juntamente com os atestados de capacidade técnica, os respectivos contratos e as notas fiscais. Entendendo que a exigência editalícia seria abusiva, a licitante ofereceu representação ao Tribunal de Contas da União – TCU. A Administração defendeu o ato de inabilitação informando que a regra estaria expressa no edital do pregão e que a exigência dos documentos seria necessária para a efetiva comprovação da qualificação técnica da empresa. Embora a regra estivesse no edital, o TCU entendeu que contraria a Lei nº 8.666/1993, e, por isso, a inabilitação da Representante deveria ser afastada.

Aplicação do princípio da legalidade estrita O TCU aplicou ao caso o princípio da legalidade estrita, assentado nos arts. 27 e 30 da Lei de Licitações. A interpretação técnica da literalidade dos dispositivos mencionados permite verificar a existência de expressões jurídicas que evidenciam a taxatividade do rol de documentos de habilitação previstos na lei. Veja-se a redação do art. 27, que estabelece as regras gerais de habilitação na licitação:

Art. 27. Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a: I - habilitação jurídica; II - qualificação técnica; III - qualificação econômico-financeira; IV - regularidade fiscal. IV – regularidade fiscal e trabalhista; V – cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.

Já a redação do art. 30 está direcionada especificamente à documentação de qualificação técnica dos licitantes: Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a: [...] II - comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos; III - comprovação, fornecida pelo órgão licitante, de que recebeu os documentos, [...] § 1o A comprovação de aptidão referida no inciso II do “caput” deste artigo, no caso das licitações pertinentes a obras e serviços, será feita por atestados fornecidos por


Comentários aos principais julgados do Tribunal de Contas da União - TCU pessoas jurídicas de direito público ou privado, devidamente registrados nas entidades profissionais competentes, limitadas as exigências a: (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994) I - capacitação técnico-profissional: comprovação do licitante de possuir em seu quadro permanente, na data prevista para entrega da proposta, profissional de nível superior ou outro devidamente reconhecido pela entidade competente, detentor de atestado de responsabilidade técnica por execução de obra ou serviço de características semelhantes, limitadas estas exclusivamente às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto da licitação, vedadas as exigências de quantidades mínimas ou prazos máximos; (Incluído pela Lei nº 8.883, de 1994) [...]

Como se nota, a lei é incisiva quanto à taxatividade dos documentos de habilitação a serem exigidos dos licitantes, o que demonstra a impossibilidade de inovação, via edital, nesse âmbito. A aplicação do princípio da legalidade estrita nos arts. 27 e 30 da Lei nº 8.666/1993 é um entendimento reiterado do TCU.1

É possível a avaliação de documentos complementares aos atestados? A regra é a avaliação da habilitação técnica mediante atestados de capacidade técnica emitidos por órgãos e entidades públicas ou privadas. Nesse sentido, não é possível a exigência de documentos complementares como requisito de qualificação. Nada impede, porém, que, havendo dúvidas sobre a validade ou sobre o conteúdo do atestado, a Administração 1

Nesse sentido: Processo TC nº 000.505/2007-1. Acórdão nº 597/2007 — Plenário. Relator: Ministro-Substituto Marcos Bemquerer. DOU de 13.04.2007; Processo TC nº 031.132/2013-8. Acórdão nº 7528/2013 — 2ª Câmara. Relator: Ministro-Substituto André Luís de Carvalho, DOU de 3.12.2013; Processo TC nº 016.684/2013-3. Acórdão nº 3663/2013 — Plenário. Relator: Ministro-Substituto Marcos Bemquerer Costa, DOU de 10.12.2013.

exija a apresentação de documentos complementares dos licitantes. Nesse caso, a Administração o fará em sede de diligência, conforme prevê o art. 43, §3º, da Lei nº 8.666/1993.

Reversão de inabilitação de licitante como efeito da decisão A competência do TCU não contempla a defesa de interesses privados dos licitantes. Em tese, portanto, diante de uma inabilitação indevida em uma licitação caberia ao licitante, tão somente, a busca da defesa de seus interesses perante o Poder Judiciário, pela via do mandado de segurança ou de uma ação ordinária. Diante de uma situação como essa, contudo, a ofensa a direito subjetivo de particular não é a matéria de fundo examinada pelo TCU. Resolve-se a ofensa a direito subjetivo de modo incidental, pois aquela Corte de Contas não pode se furtar ao exame de ofensa à legalidade em um processo licitatório. Na hipótese, a competência do TCU advém da redação do art. 113 da Lei nº 8.666/1993, que define: “o controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente”. Até poderia ser questionado se, diante de uma cláusula ilegal em um edital de licitação, a medida mais correta não seria a anulação do processo licitatório. Nem sempre essa situação se demonstra como a mais alinhada ao bom direito. O processo administrativo em geral se rege pelo denominado preceito “pas de nullité sans grief”, segundo o qual “não há nulidade sem prejuízo”. Por esse preceito entende-se que para haver nulidade em um processo deve estar comprovado o efetivo prejuízo. Considerando que a nulidade não causa prejuízo ao processo, todos os atos devem ser preservados.

expediente Comentários aos principais julgados do Tribunal de Contas da União - TCU Produção: Cristiana Muraro, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes e Murilo Jacoby Fernandes

Revisão: Danielle Adão Dúvidas, críticas ou sugestões: http://www.jacoby.pro.br professor@jacoby.adv.br (61) 3366-1206

Coordenação: Álvaro Luiz da Costa Júnior Diagramação e layout: Alveni Lisboa

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Do mesmo modo, quando apenas parte do processo foi prejudicada pelo defeito encontrado, admite-se anulação parcial do processo, afastando estritamente a parte efetivamente atingida.2 Diante disso, a Corte de Contas deve fazer uma análise do caso concreto antes de determinar a anulação de um processo licitatório. Verificada a existência de uma regra editalícia ilegal, por exemplo, o TCU sempre analisará Nesse sentido: [...] Eventual nulidade no Processo Administrativo exige a respectiva comprovação do prejuízo sofrido, o que não restou configurado na espécie, sendo, pois, aplicável o princípio pas de nullité sans grief. Precedentes. 4. Em sede de ação mandamental, a prova do direito líquido e certo deve ser pré-constituída, não se admitindo a dilação probatória. Precedentes. 5. Segurança denegada. STJ. MS nº 200800293874 MS 13348 — 3ª seção. Relatora: Laurita Vaz. DJE:16/09/2009. 2

se foi causado, concretamente, um prejuízo ab initio no processo. Exemplos clássicos desses vícios são falhas graves de publicidade, restrição excessiva à competitividade – comprovada pela baixa participação no processo – ou contratações com preços muito acima da média de mercado. No caso em análise, haveria nulidade ab initio no processo se a participação no certame fosse incipiente, o que não se verificou nos autos. Assim, evidenciou-se como medida mais correta a anulação do processo somente a partir do surgimento do vício – que se deu na inabilitação da empresa vencedora. Por essa razão, como efeito decorrente do afastamento da ilegalidade no processo licitatório – competência notória do TCU –, deu-se a imposição de reversão da inabilitação da empresa que ofereceu a Representação.

Autores do texto: • Álvaro Luiz Miranda Costa Júnior • Jorge Ulisses Jacoby Fernandes

• TCU. Acórdão nº 3663/2013 — Plenário. • TCU. Acórdão nº 1224/2015 — Plenário.

Acórdãos/Decisões referidos: • TCU. Acórdão nº 597/2007 — Plenário • TCU. Acórdão nº 7528/2013 — 2ª Câmara

Normas Referidas: • Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

FISCALIZAÇÃO DE OBRAS – REFERENCIAIS DE PREÇOS – SUPERFATURAMENTO “Nos processos de fiscalização de obras, presume-se que os referenciais oficiais da Administração refletem os preços de mercado, razão pela qual podem e devem ser considerados para a análise de adequação de preços e apuração de eventual superfaturamento. Alegações em contrário devem ser comprovadas com base em elementos fáticos que permitam afastar os preços de referência utilizados pelo TCU”. Fonte: Processo TC nº 012.573/2005-8. Acórdão nº 2654/2015 — 2ª Câmara. Relatora: Ministra Ana Arraes. Julgado em: 19.5.2015.

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cenário vivenciado pelo país nos últimos anos, com notícias recorrentes de sobrepreço e superfaturamento nas obras e serviços públicos, ensejou a criação de parâmetros e metodologias que visam balizar a Administração Pública e os órgãos de controle na orçamentação e fiscalização das contratações que envolvem recursos públicos. Por sobrepreço entende-se a diferença positiva entre o preço contratado ou orçado e o preço de referência ou de mercado. Já o superfaturamento é a concretização do sobrepreço por meio do faturamento do objeto ou serviço com o preço acima do referencial.

Normalmente o segundo é decorrente do primeiro e advém do próprio orçamento. Pode, também, originar-se em termos aditivos ao contrato. O aumento de quantitativos, por meio de aditivos, de itens eivados de sobrepreço é ato condenável pelo TCU e comumente conhecido como “jogo de planilha”. Portanto, o sobrepreço representa um dano potencial, ainda não materializado, enquanto o superfaturamento representa prejuízo ao erário já consumado. A orçamentação de uma obra se inicia com uma análise acurada dos projetos para quantificar e precificar todos os serviços necessários. 3


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Esse processo pode ser otimizado pelo uso das tabelas chamadas de sistemas referenciais de custos, que apresentam composições padronizadas e fazem a coleta do preço dos insumos junto a diversos fornecedores.

Os referenciais mais utilizados pelo TCU O Decreto nº 7.983, de 08 de abril de 2013, estabelece regras e critérios para elaboração do orçamento de referência de obras e serviços de engenharia, contratados e executados com recursos provenientes da União. Esse diploma legal dispõe que o custo global de referência de obras e serviços de engenharia, exceto aqueles ligados à infraestrutura de transporte, será obtido a partir das composições dos custos unitários previstas no projeto que integra o edital de licitação, menores ou iguais à mediana de seus correspondentes nos custos unitários de referência do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil – SINAPI.

O entendimento do TCU É entendimento remansoso da Corte de Contas, reiterado no Acórdão nº 1.874/2007 – Plenário, que não se pode admitir a elaboração de planilhas orçamentárias de obras públicas com injustificada superestimativa dos preços e quantitativos dos serviços previstos, não podendo deixar a cargo da fiscalização contratual a tarefa de reter os excedentes. O que se aceita, quando não for possível se valer do SINAPI ou SICRO, é a utilização de outros referenciais, de forma subsidiária, conforme dispõe o Decreto nº 7.983/2013. Confira-se no trecho abaixo do Acórdão nº 3.272/2011 – Plenário: 9.1.1.9. [...], adotar, nesta ordem, os seguintes critérios para avaliação dos preços referenciais máximos permitidos: 9.1.1.9.1. mediana dos preços do Sinapi, localidade Rio Grande do Norte; 9.1.1.9.2. subsidiariamente, preços do Sicro2, localidade Rio Grande do Norte;

Dessa regra são excetuados os itens caracterizados como montagem industrial ou que não possam ser considerados como de construção civil e razão da complexidade ou atipicidade da obra.

9.1.1.9.3. subsidiariamente, preços de outros sistemas aprovados pela Administração Pública, na hipótese de não serem encontradas referências nos sistemas anteriores, ou em caso de incompatibilidade técnica das composições desses paradigmas frente às peculiaridades do serviço, desde que demonstrada documentalmente mediante justificativa técnica; 9.1.1.9.4. subsidiariamente, cotação de mercado contendo o mínimo de três cotações de empresas/fornecedores distintos, fazendo constar do respectivo processo a documentação comprobatória pertinente aos levantamentos e estudos que fundamentaram o preço estimado [...]1

O SINAPI é mantido pela Caixa Econômica Federal e a sua pesquisa de preços pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. No caso de obras de infraestrutura de transportes, o custo de referência deve ser obtido a partir das composições dos custos unitários do Sistema de Custos Referenciais de Obras — SICRO, cuja manutenção e divulgação cabem ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes — DNIT. Não raras vezes, os itens a serem orçados não estarão contemplados nas mencionadas tabelas de custos. Para os casos de inviabilidade da definição dos preços por essas tabelas, o Decreto nº 7.983/2013 prevê a possibilidade de utilização de dados contidos: em outras tabelas de referência, formalmente aprovadas por órgãos ou entidades da Administração Pública federal; em publicações técnicas especializadas; em sistema específico instituído para o setor; ou em pesquisa de mercado. Importante destacar que o uso de sistemas referenciais de custo exige análise acurada do engenheiro orçamentista para que se evite a utilização de composições incompatíveis com as especificações técnicas dos serviços a serem orçados. É imprescindível que se observem, em conjunto com os projetos, as disposições do edital, da minuta de contrato e dos anexos para que se conheçam os encargos a serem suportados pelo contratado, permitindo a realização de um orçamento adequado. 4

O TCU aponta, nas “Orientações para elaboração de planilhas orçamentárias de obras públicas”, disponível no sítio eletrônico do Tribunal, alguns dos sistemas referenciais de preços subsidiários utilizados pela Administração Pública federal. Entre eles estão as tabelas do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas — DNOCS e da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba — CODEVASF. Existem ainda diversos sistemas referenciais mantidos por órgãos/entidades estaduais e municipais, entre os quais se citam: Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro – EMOP; Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras da Prefeitura de SP; Secretaria de Estado de Infraestrutura do Ceará – SEINFRA/ CE; Companhia de Saneamento de Minas Gerais – COPASA/MG; e outros. A elaboração de diversas planilhas de referência tem amparo também no Decreto nº 7.983/2013, que permite aos órgãos e entidades da Administração Pública federal adotarem especificidades locais ou de projeto na elaTCU. Acórdão nº 3.272/2011 — Plenário. Relator: Ministro Valmir Campelo. Julgado em: 07.12.2011. 1


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boração das respectivas composições de custo unitário, desde que demonstrada a pertinência dos ajustes para a obra ou serviço de engenharia a ser orçado em relatório técnico preparado por profissional habilitado. Logo, a legislação em vigor não impõe os valores do SICRO e do SINAPI como limites intransponíveis de preços, mas como parâmetros referenciais. Ocorre que, para o TCU, a sua não utilização precisa ser devidamente justificada.

Entendendo o caso Tratou-se de Tomada de Contas Especial instaurada pelo

DNIT, originária de ações de controle coordenadas pela Controladoria-Geral da União — CGU e pelo Departamento de Polícia Federal com o objetivo de avaliar a aplicação de recursos federais repassados a diversos municípios do estado de Rondônia para realização de obras rodoviárias.

Essa TCE, especificamente, visou apurar possível dano ao erário em razão de irregularidades na execução de convênio destinado às obras de construção de vias marginais no perímetro urbano do município de Cacoal/RO, às margens da BR-364/RO. A análise do suposto superfaturamento levou em consideração a diferença entre os preços faturados, constantes do contrato assinado pelo município, e os referenciais expressos no SICRO, baseando-se em julgados, tais como Acórdãos nºs 0454/2014; 2127/2006 e 2088/2004 todos do Plenário, que ratificaram a aplicabilidade desse referencial como parâmetro de aferição dos preços adotados tanto na elaboração do orçamento pela Administração, quanto na execução contratual de obras rodoviárias.

[...] nos processos de fiscalização de obras desta Corte, como presunção, adotam-se os referenciais oficiais da Administração como balizadores de preços; estes seriam os preços de mercado. Ilações em contrário devem ser comprovadas por quem as apresenta e argumentações genéricas, dissociadas de elementos fáticos que sustentem valores diferentes, não permitem afastar as referências.

Na linha desse raciocínio, decidiu a Segunda Câmara fixar prazo para o DNIT adotar medidas tendentes à elisão do débito, apurando os preços compatíveis com os de mercado advindos do SICRO.

O entendimento do TCU está correto? A prática vem demonstrando que a maior dificuldade de orça-

mentação e fiscalização reside na divergência de entendimento entre os engenheiros, técnicos e orçamentistas e os órgãos de controle quanto à adequação e aplicabilidade dos itens listados nessas tabelas referenciais às necessidades peculiares de cada obra ou serviço. É comum que um preço constante nessas tabelas não se refira, exatamente, ao requisitado pela Administração, seja no projeto, no contrato, no edital ou em seus anexos. As diferenças entre as especificações são as maiores causas de condenação de gestores e contratados a devolver ao erário os valores que os controladores entenderam como sobrepreço, além do pagamento de multas. Nesse sentido, é aconselhável, quando não forem utilizados os referenciais, que as justificativas técnicas e as pesquisas de preços sejam bastante detalhadas e registradas de forma a permitir que as fiscalizações compreendam os motivos da excepcionalidade.

Nesse sentido, registrou a Corte de Contas, no Acórdão nº 2.654/2015 – Segunda Câmara, que:

Autores do texto: • Álvaro Luiz Miranda Costa Júnior • Jorge Ulisses Jacoby Fernandes

• TCU. Acórdão nº 1847/2007 — Plenário

Acórdãos/Decisões referidos: • Acórdão nº 2654/2015 — 2ª Câmara • Acórdão nº 3272/2011 — Plenário

Normas Referidas: • Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 • Decreto nº 7.983, de 08 de abril de 2013

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CONTRATO – OBRA – FISCALIZAÇÃO – PREÇOS – SUPERFATURAMENTO – ACORDO ADMINISTRATIVO “Constatado superfaturamento na execução contratual, é possível, antes de eventual condenação dos responsáveis, a adoção de medida administrativa visando a elisão do dano, mediante formalização de acordo para a compensação dos valores superfaturados com as obrigações não adimplidas pela Administração no âmbito do mesmo ajuste, desde que estas sejam suficientes para tanto. O eventual insucesso no acordo administrativo para o encontro de contas acarreta a condenação dos responsáveis ao recolhimento ao erário do prejuízo apurado”. Fonte: Processo TC nº 012.573/2005-8. Acórdão nº 2654/2015 — 2ª Câmara. Relatora: Ministra Ana Arraes. Julgado em: 19.5.2015.

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oi tratado no item anterior caso de Tomada de Contas Especial no qual a análise do suposto superfaturamento na execução de convênio destinado às obras de construção de vias marginais no perímetro urbano do município de Cacoal/RO, BR-364/RO, levou em consideração a diferença entre os preços faturados e os referenciais expressos no SICRO. Explanou-se também que o sobrepreço é a diferença positiva entre o preço contratado ou orçado e o preço de referência ou de mercado, enquanto que o superfaturamento é a concretização do sobrepreço por meio do faturamento do objeto ou serviço com o preço acima do referencial. No mesmo Acórdão1 em que se apontou suposto superfaturamento na execução do convênio, a Corte de Contas determinou ao DNIT que adotasse medidas tendentes à elisão do débito, apurando os preços compatíveis com os de mercado advindos do SICRO.

Oportunidade de se evitar condenação pelo TCU! No caso em tela, a Corte de Contas assentou que a formalização de acordo com a Administração Pública contratante que compense e mitigue os danos apurados pode impedir a condenação dos gestores e demais responsáveis pela conduta lesiva. Nesse ponto, vale lembrar que o Regimento Interno do TCU e a sua Lei Orgânica – Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992 — estabelecem a aplicação de multa ressarcitória de até 100% (cem por cento) do valor do dano causado para quem por ele for julgado responsável. Além disso, os responsáveis podem ter as suas contas julgadas irregulares sendo ainda apenados com multa punitivo-pedagógica.

TCU. Acórdão nº 2.654/2015 — 2ª Câmara. Relatora: Ministra Ana Arraes. Julgado em: 19.05.2015. 1

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A dúvida que ainda assombra muitos gestores públicos versa sobre a possibilidade de a Administração reconhecer sua culpa e proceder à composição com particular. O princípio da indisponibilidade do interesse público faz com que o tema seja enfrentado com cautela. Ocorre que, não raras vezes, é exatamente esse princípio que recomenda a celebração do acordo, na medida em que ele visa evitar processo ainda mais oneroso e/ou moroso à recomposição do interesse público outrora prejudicado. Entende-se que, como regra, é possível firmar a validade de acordo quando este for fundamentado em parecer jurídico, devendo ser ouvida a área de controle interno. É aconselhável que Administração Pública convoque os possíveis servidores também responsáveis pelo dano para que opinem sobre o acordo. Poderão os servidores demonstrar excludentes de responsabilidade e, eventualmente, até a culpa recíproca afastando a possibilidade de acordo ou melhorando as bases da negociação.

Boa-fé: oportunidade de quitar o débito tempestivamente para julgamento regular das contas Veja-se que o §2º do art. 12 da Lei Orgânica do TCU rege que: “reconhecida pelo Tribunal a boa-fé, a liquidação tempestiva do débito atualizado monetariamente sanará o processo, se não houver sido observada outra irregularidade nas contas”. Em linha com esse dispositivo, a Corte de Contas vem, em reiteradas ocasiões, oportunizando aos responsáveis por danos ao erário que liquidem o débito tempestivamente para que suas contas sejam julgadas regulares com ressalvas. É o que se pode conferir nos julgados abaixo: ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão da 2ª Câmara, ante as razões expostas pelo Relator, em: 9.1. acolher parcialmente as alegações de defesa apresentadas [...];


Comentários aos principais julgados do Tribunal de Contas da União - TCU 9.2. com fundamento no artigo 12, §§1º e 2º, da Lei 8.443/1992, fixar novo e improrrogável prazo para que o [...] recolham, solidariamente, aos cofres do Tesouro Nacional, as quantias originais abaixo discriminadas, atualizadas monetariamente a partir das datas indicadas até a do efetivo recolhimento, na forma prevista na legislação em vigor:

9.1. com fulcro nos arts. 12, §§ 1º e 2º da Lei 8.443/92, rejeitar as alegações de defesa oferecidas por [...], fixando-lhes novo e improrrogável prazo de 15 (quinze) dias para que comprovem perante este Tribunal o recolhimento [...] da importância de R$ 1.122.985,33 (um milhão, cento e vinte e dois mil, novecentos e oitenta e cinco reais e trinta e três centavos), atualizada monetariamente desde 1/9/2003 até a data do efetivo recolhimento, na forma da legislação em vigor;

[...] 9.3. dar ciência ao Sr. [...] que, nos termos do art. 202, § 4º, do RI/TCU, a liquidação tempestiva do débito atualizado monetariamente saneará o processo e o Tribunal julgará as respectivas contas regulares com ressalva, dando-se-lhes quitação, ao passo que a ausência dessa liquidação tempestiva acarretará o julgamento pela irregularidade das contas, com imputação de débito a ser atualizado monetariamente e acrescido de juros moratórios, bem como implicará aplicação de multa.2 ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão de Plenário, com fundamento nos arts. 32, I, e 33 da Lei 8.443/1992, e diante das razões expostas pelo Relator, em: TCU. Processo TC nº 016.383/2013-3. Acórdão nº 6.810/2014 – Segunda Câmara. Relator: Marcos Bemquerer. DOU: 11.11.2014.

9.2. informar aos responsáveis acima que a liquidação tempestiva do débito nos termos fixados saneará o processo e permitirá, se for o caso, que as sua contas venham a ser oportunamente julgadas regulares com ressalva, dando-se-lhes quitação; 3

Portanto, a ausência de locupletamento ou má-fé permite à Corte de Contas, antes de apenar os gestores por eventuais danos ao erário, oportunizar a recomposição, evitando multar àqueles não quiseram causar prejuízos.

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TCU. Processo nº TC 005.991/2003-1. Acórdão nº 3.011/2014 – Plenário. Relator: José Múcio Monteiro. DOU: 05.11.2014. 3

LICITAÇÃO – CONTRATO – SOBREPREÇO – CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO – ART. 40, INC. X, LEI Nº 8.666/1993

“Para a avaliação de sobrepreço na fase de licitação é preferível a aplicação do “Método da Limitação dos Preços Unitários Ajustado”, que permite verificar os critérios de aceitabilidade de preços unitários e globais (art. 40, inciso X, da Lei 8.666/93). Para contratos em andamento ou finalizados, é recomendável a aplicação do “Método da Limitação do Preço Global”, que admite a compensação entre sobrepreços e subpreços unitários durante a execução contratual, de forma a manter o equilíbrio econômico-financeiro do ajuste.”. Fonte: Processo TC nº 044.511/2012-4. Acórdão nº 2677/2015 — Segunda Câmara. Relator: MinistroSubstituto André Luís de Carvalho. Julgado em: 19.5.2015.

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ma das discussões mais fervorosas no âmbito dos tribunais de contas é sobre a avaliação do preço da contratação, seja ainda em fase de elaboração do edital de licitação e seus anexos, seja já na fase de execução do contrato.

mento de referência da Administração. Nestas situações o objeto de análise pelo tribunal de contas é o valor do contrato, que reflete diretamente a proposta de preços do particular, e não o orçamento de referência anexo ao edital.

O fato é que os tribunais de contas exercem sua competência em distintas fases dos procedimentos de contratação da Administração Pública. Em determinadas situações, o tribunal atua na fase de licitação, quando, então, seu objeto de análise é o orçamento de referência anexo ao edital de licitação.

Não há como negar que, dependendo do momento que o tribunal de contas intervém, os efeitos jurídicos das decisões são completamente distintos. Em sede de análise do orçamento de referência, o resultado da decisão é uma otimização no valor máximo que a Administração aceitará pagar. Basta ao tribunal determinar que o pregão ou a entidade responsável pelo processo altere os dados do orçamento antes da publicação. Em via de execução contratual, o resultado é mais gravoso, poderá ocorrer a determinação de repactuação do valor do contrato, sua

Em outras situações, mais complexas, o tribunal atuará já na execução contratual, quando existe um preço pactuado com o particular, ainda que balizado pelo orça-

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rescisão ou até mesmo a devolução de valores ao erário. Assim, o mais correto é que o critério de apuração dos preços seja distinto para os casos em que a contratação já se encontre em plena execução. Identificando essa complexa situação, o TCU entendeu que a análise do preço da contratação em sede de execução não pode ser o mesmo adotado quando se faz a apuração ainda na fase de licitação. Método de Limitação de Preços Unitários Ajustado Para as análises de orçamentos de referência, as preocupações são distintas. A Lei nº 8.666/1993, em seu art. 40, inc. X, prevê a obrigatoriedade de que os editais de licitação contenham limites de aceitabilidade para o preço unitário e para o preço global nas propostas dos licitantes. Em regra, a limitação dos preços é o próprio orçamento elaborado pela Administração, conforme prevê o art. 7º, § 2º, para contratação de obras e serviços em geral, e o art. 15, inc. V, para os contratos de compra e venda.

Ocorrerá jogo de planilha, então, caso a Administração venha a firmar contrato com aquele licitante e, no futuro, sejam necessários termos aditivos de adequações de quantidades na planilha, aumentando muito apenas os itens com preços acima dos valores de mercado ou reduzindo apenas aqueles com preços menores. Situação essa que, evidentemente, pode converter a proposta que, no momento da licitação era a mais vantajosa, em uma proposta não mais tão vantajosa, inclusive com possibilidade de uma inversão no resultado da licitação (fictícia). Com a licitação do preço unitário, a Administração se preserva quanto à razoabilidade de todos os preços da proposta, afastando o risco de prejuízos em caso de futuros termos aditivos de adequação de quantidades. Método da Limitação do Preço Global

Atualmente, este orçamento segue balizas objetivas, estabelecidas em normas jurídicas. Na esfera federal, as obras e serviços de engenharia devem adotar como parâmetro de preços unitários os custos de referência do Sistema de Custos Referenciais de Obras – Sicro e do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil – Sinapi, na forma do Decreto nº 7.983, de 08 de abril de 2013.

Na avaliação do preço do contrato, já em fase de execução, por mais que existam regras definindo os preços máximos unitários e globais que a Administração pode aceitar, a preocupação deve ser distinta. Opera, no caso, a predominância do princípio de conservação do contrato, visto que, na maior parte das vezes, uma interrupção do contrato poderá causar ainda mais prejuízos para a Administração.

Para compras e serviços, devem-se utilizar preços de contratos com a Administração Pública similares ou cotações de propostas no mercado.1

Assim, o entendimento que vem sendo adotado pelo TCU é no sentido de que, em fase contratual, a análise dos preços deve se ater ao valor global do contrato, comparando-se este valor com o valor de um orçamento elaborado com base nos preços unitários dos sistemas de referência da Administração Pública.

Conforme essas balizas, cada custo unitário tem um valor definido, o qual será utilizado pela Administração como patamar máximo aceitável. A soma desses custos unitários máximos representa, também, o valor global máximo aceitável. Assim, em uma auditoria, caso se identifique que o orçamento da licitação contém preços unitários acima dos valores de referência para a Administração, deve-se corrigi-los, para que se preserve a limitação legal. Esse método de avaliação é importante porque evita a ocorrência do denominado jogo de planilha na disputa da licitação. A limitação da aceitabilidade de preços vinculada apenas ao limite de preço global do contrato permite que determinado licitante, enxergando oportunidades futuras de aditamento do contrato, coloque preços maiores para os itens mais estratégicos – que provavelInstrução Normativa nº 5, de 27 de junho de 2014. Dispõe sobre os procedimentos administrativos básicos para a realização de pesquisa de preços para a aquisição de bens e contratação de serviços em geral. 1

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mente terão suas quantidades aumentadas no futuro –, compensados por preços menores para itens menos estratégicos – que não serão utilizados ou que podem ser reduzidos no futuro.

Explica-se: é muito comum que uma proposta que contenha valores unitários acima dos parâmetros de aceitabilidade legais contenha, também, diversos valores unitários abaixo daqueles parâmetros. Essa compensação de valores pode representar, em termos finais, um preço total compatível ou até menor do que o preço total obtido pelos parâmetros legais. Nesses casos, por óbvio, a interpretação mais razoável será a conservação do contrato nos moldes pactuados. Não será cabível pretender que o particular reduza de sua proposta os valores acima dos parâmetros legais, considerando-se que há um equilíbrio na proposta com os valores abaixo dos parâmetros. Também não será legítima a pretensão de rescisão do contrato, fato que, como dito, é prejudicial para a Administração. A solução adotada pelo TCU, então, é que nos casos em que o contrato estiver em execução e for identificada a


Comentários aos principais julgados do Tribunal de Contas da União - TCU

compatibilidade entre o seu preço global e aquele obtido por meio dos parâmetros legais, não há sobrepreço ou superfaturamento. A cautela a ser adotada, no caso, será apenas quanto aos preços de aditivos futuros, para se evitar a ocorrência do jogo de planilha. Em caso de aditivos futuros, a Administração deve adotar a cautela de avaliar se os itens que estão tendo suas quantidades acrescidas são aqueles com valores acima dos parâmetros legais. Em caso positivo, o valor das quantidades acrescidas deve ser repactuado para o limite legal. Entenda o caso Em uma análise de preço de um contrato para a execução de uma obra ferroviária, a área técnica do TCU apontou indícios de superfaturamento decorrente do pagamento de itens unitários com valores acima dos parâmetros legais. Para o cálculo do superfaturamento, a área técnica utilizou, em análise preliminar, o método de limitação dos preços unitários ajustado.

Autores do texto: • Álvaro Luiz Miranda Costa Júnior • Jorge Ulisses Jacoby Fernandes

Em nova análise, contudo, a área técnica do TCU, utilizando como baliza o método da limitação do preço global, concluiu que não se confirmaram os indícios de superfaturamento nos percentuais apurados inicialmente, “já que as discrepâncias [...] se situariam em patamares metodologicamente aceitáveis”. Concordando com esta última análise, o Plenário do TCU entendeu que o método da limitação do preço global é o mais adequado quando se está em fase de execução do contrato, ao passo que o método de limitação dos preços unitários ajustado seria o mais correto quando se está ainda na fase de licitação. Isso porque este método tem por objetivo a preservação da legalidade e da economicidade em absoluto, já que a situação concreta do procedimento licitatório não lhe apresenta preceitos que justifiquem a sua mitigação. Já o método da limitação do preço global tem por objetivo a preservação do contrato, princípio intimamente ligado ao interesse público, já que, dependendo do caso concreto, a interrupção dos serviços pode ser ainda mais prejudicial para a Administração.

Acórdãos/Decisões referidos: • TCU. Acórdão nº 2677/2015 — 2ª Câmara. Normas Referidas: • Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 • Instrução Normativa nº 5/2014 – MPOG

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