Comentários aos principais julgados do Tribunal de Contas da União - TCU
Comentários aos principais julgados doTribunal de Contas da União –TCU Sessões de 16 e 17 de junho de 2015
Ano I – nº 7
CONTRATAÇÃO POR PREÇO GLOBAL – DIFERENÇA DE PREÇOS EM ITENS UNITÁRIOS – AUSÊNCIA DE SOBREPREÇO – ART. 27 E ART. 31 DA LEI Nº 8.666/1993. “Para se concluir pela ocorrência de dano ao erário nas contratações por preço global em que o objeto tenha sido satisfatoriamente executado, deve-se examinar o preço total do contrato, pois não configura superfaturamento diferença a maior encontrada exclusivamente em itens de custo unitário isolados”. Fonte: TCU. Processo TC nº 013.126/2011-3. Acórdão nº 1.495/2015 — Plenário. Relator: Ministro Benjamin Zymler, Julgado em: 17.06.2015.
É
comum encontrar pronunciamentos das unidades técnicas do TCU que apontam sobrepreço em itens unitários nos contratos cujo regime de execução é o de preço global, mas não tem sido essa a linha seguida nos votos dos Ministros daquela Corte. A jurisprudência mais recente do Tribunal defende que, nos casos de empreitada por preço global, para se concluir pela ocorrência de dano nas contratações que tenham sido satisfatoriamente executadas, deve-se examinar o preço total do contrato. Nesse sentido, veja-se o Acórdão nº 1.495/2015 — Plenário, de relatoria do Ministro Benjamim Zymler: Tomada de Contas Especial. Planejamento da contratação. Para se concluir pela ocorrência de dano ao erário nas contratações por preço global em que o objeto tenha sido satisfatoriamente executado, deve-se examinar o preço total do contrato, pois não configura superfaturamento diferença a maior encontrada exclusivamente em itens de custo unitário isolados.
Também, o Ministro Vital do Rego relatou o Acórdão nº 0739/2015 — Plenário, manifestando entendimento no sentido de que é ilícito pinçar itens de custo isoladamente para apurar sobrepreço em contrato de valor global. Leia-se: Para se concluir pela ocorrência de dano ao erário nas contratações em que o objeto tenha sido satisfatoriamente executado, é mister examinar o preço total do contrato - se o regime de execução for a empreitada por preço global - ou então o
preço da unidade de medida adotada, a exemplo do homem-hora – caso de empreitada por preço unitário – e compará-lo com valores praticados no mercado, não sendo lícito pinçar itens de custo isoladamente, qualificá-los como excessivos e determinar providências para ressarcimento.
Outro julgado relevante é o Acórdão nº 1.302/2015 – Plenário, guiado pelo voto do Ministro Marcos Bemquerer, que expressou a necessidade de se avaliar conjuntamente os preços da planilha orçamentária na fiscalização de empreendimentos. Em textual: 19. A propósito, a jurisprudência do TCU tem considerado que sobrepreços unitários de serviços, quando não avaliados em conjunto com outros itens da planilha orçamentária, não são suficientes para caracterizar, por si só, eventual sobrepreço ou superfaturamento do empreendimento.
No mesmo sentido, entendeu o Ministro Aroldo Cedraz, relator do Acórdão nº 2.451/2014 – 2ª Câmara: 10. Com relação ao suposto superfaturamento, relacionado à aquisição e instalação de aparelhos de ar condicionado, concordo com o Ministério Público de que ele não se caracterizou. Tal serviço estava incluído no âmbito de uma licitação de menor preço global, para a execução de reformas em três unidades do projeto “Indústria do Conhecimento”. Não é possível imputar superfaturamento a partir da análise de apenas um item específico da obra, sem considerar outros itens que, no conjunto, sejam materialmente representativos.
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Veja-se que essa linha de pensar já vem sendo registrada pelo TCU há alguns anos. No Acórdão nº 2.482/2008 – Plenário, o relator Ministro Raimundo Carreiro faz referência a diversos outros julgados no mesmo sentido, demonstrando que essa é a posição majoritária da Corte de Contas: Segundo a jurisprudência deste Tribunal, ainda que existam distorções nos preços unitários de determinados itens, caso se mantenham as condições originais da contratação, não haverá sobrepreço no contrato celebrado por valor global compatível com o mercado1.
A tese da necessidade de avaliação do valor global, mesmo que em detrimento de divergências de preços em itens unitários, também encontra guarida na doutrina, como se lê: De modo semelhante, nossa opinião é que, em regra, a apresentação de sobrepreços unitários nas propostas das licitantes, mesmo em face do que dispõe o art. 40, inciso X, da Lei nº 8.666/93, não se consubstancia em mácula capaz de, por si só, ensejar a desclassificação da proposta. Afinal, em princípio, em termos globais, aquela ainda é a proposta mais vantajosa.2
Portanto, conservando-se o preço global ainda o mais vantajoso, eventuais distorções em preços unitários não têm o condão de macular todo o contrato com a irregularidade de sobrepreço.
Atenção!!! Não dê margem ao chamado “jogo de planilha” O grande problema na identificação de itens unitários com preços superiores ao de mercado surge na eventualidade de ser necessária a realização de aditivo de acréscimo de quantitativos dessas rubricas.
Acórdãos nº 583/2003, 388/2004, 1.245/2004 e 2.137/2005, 2635/2007, todos do Plenário 2 CAMPELO. Valmir. Obras públicas: comentários à jurisprudência do TCU. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 593 1
Essa situação é chamada de “jogo de planilha”, isto é: aumentar quantitativo de itens com preço excessivo, nos quais a contratada retira lucros altos, e diminuir quantidades daqueles ofertados de acordo ou abaixo com o valor de mercado. Dessa forma, a empresa maximiza o seu percentual de lucratividade. Essa prática é maciçamente condenada pelo TCU, independente de que seja mantido o preço global vantajoso.
Entenda o caso Cuidou-se de tomada de contas especial instaurada pelo órgão contratante de empresa especializada em serviços de limpeza técnica de ambiente hospitalar, em razão da identificação de incidência, na planilha de composição de custos, de adicional noturno para trabalhadores de turno diurno. Ocorre que não foi apurado sobrepreço no valor global do contrato, além de se ter constatado compensações na execução da avença que afastariam qualquer suposto prejuízo. Verificou-se, por exemplo, que os parâmetros de produtividade do contrato eram superiores aos do edital da licitação, bem como ter havido defasagem nos preços planilhados relativos ao salário base, ao adicional de insalubridade e aos encargos sociais. Dessa forma, dissentindo da proposta da unidade técnica, entendeu o Ministro-Relator, Benjamin Zymler, que as compensações entre os valores cotados a maior e a menor traziam um valor global vantajoso, impedindo que se maculasse todo o contrato de sobrepreço.
Conclusão De acordo com a maciça jurisprudência do TCU, a manutenção da vantajosidade do preço global nos contratos realizados sob esse tipo de empreitada tem o condão de afastar a acusação de sobrepreço, ainda que identificados em itens unitários.
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Essa linha de raciocínio também pode ser aplicada aos contratos de empreitada firmados por preço unitário. Importante destacar, todavia, que esse entendimento é válido apenas para a fase contratual e não para o procedimento licitatório. Para saber mais sobre os preços de referência e avaliação de sobrepreço, consulte os comentários ao Informativo nº 243.
Autora do texto: • Cristiana Muraro Tarsia Acórdãos/Decisões referidos: • TCU. Acórdão nº 1.495/2015 — Plenário. • TCU. Acórdão nº 739/2015 — Plenário. • TCU. Acórdão nº 1.302/2015 – Plenário.
Deve-se prestar atenção, contudo, nos casos de aditivos, pois o resultado final positivo, em termos de vantajosidade à Administração Pública, não imuniza a contratação de ser maculada de sobrepreço se tiver havido a manobra conhecida como “jogo de planilha”.
• TCU. Acórdão nº 2.451/2014 – 2ª Câmara. • TCU. Acórdão nº 2.482/2008 – Plenário. Normas Referidas: • Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
CONTRATO – SUPERFATURAMENTO – METODOLOGIA DE CÁLCULO – CURVA ABC - PERCENTUAL DA AMOSTRA “O cálculo do percentual de superfaturamento apurado a partir de amostra de itens de contrato deve ter como referência o preço total da amostra, considerados os preços unitários de mercado (valor apurado de superfaturamento/valor total de referência da amostra), e não o preço global do contrato (valor apurado de superfaturamento/valor total do contrato)”. Fonte: Processo TC nº 011.287/2010-1. Acórdão nº 1.498/2015 — Plenário. Relator: Ministro Benjamim Zymler. Julgado em: 17.06.2015.
A
uditoria com o objetivo de fiscalizar as obras de construção de uma ferrovia apurou possíveis superfaturamentos em contratos firmados para a consecução do empreendimento. Sobre a questão, após a realização do contraditório e das oitivas regimentais, divergiu o relator do modo como fora calculado os percentuais de superfaturamento em alguns desses contratos. Segundo o relator, a unidade técnica especializada comparou os valores do sobrepreço com o preço global dos Contratos, tendo encontrado os percentuais de 20,09% e 26,40% (valor do sobrepreço / valor do contrato). Todavia, prosseguiu: [...] julgo adequado, em linha com a jurisprudência predominante desta Corte, que tais percentuais sejam calculados sobre o valor total de referência da amostra, isto é, sobre o preço total da amostra segundo os preços unitários de mercado (valor do sobrepreço / valor de referência da amostra).
E exemplificou: [...] supondo um sobrepreço de $ 14, em um contrato de $ 100, amostra analisada de $ 84 e valor da amostra segundo os preços de mercado de $ 70, o percentual de sobrepreço, nesse exemplo hipotético, deve ser 20% ($14/$70), não 14% ($14/$100), como calculado segundo a metodologia da unidade técnica.
Assim, ponderou “não se trata de mera forma de apresentação, pois um percentual de sobrepreço apurado de forma diversa da usual nesta Corte pode distorcer conclusões e influenciar as decisões de mérito do Tribunal”. Nesse sentido, o Tribunal, acolhendo a proposta do relator, determinou, dentre outras medidas, a instauração de processos apartados de tomadas de contas especiais com vistas à quantificação dos débitos e identificação dos responsáveis pelos superfaturamentos apurados.
Para saber se o preço global do contrato está compatível com o preço de mercado é necessário avaliar todos os serviços da obra?
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Não é necessário avaliar todos os itens do orçamento para saber se o preço global do contrato está compatível com o preço de mercado. A Curva ABC permite ao auditor manifestar-se sobre a conformidade de um orçamento, analisando uma parte dos serviços.
ços e insumos contratados, concentram seus esforços em 20% dos itens mais relevantes da empreitada. Nessa amostra, são comparados os preços pactuados com os paradigmas de mercado, preços referenciais da Administração – Sicro/Sinapi1.
Curva ABC - Uma das mais importantes ferramentas de auditoria
Do balanço de subpreços e sobrepreços, avalia-se a razoabilidade do preço global avençado.
A Curva ABC é uma técnica usualmente empregada para se analisar o orçamento, baseada no Princípio de Pareto, também conhecido como princípio dos “poucos significativos e muitos insignificantes”, em que os serviços são ordenados de forma decrescente de acordo com a sua participação relativa no valor total contratado. Consta que em 1897, Vilfredo Pareto, um sociólogo e economista italiano, realizou um estudo sobre a distribuição de renda da população. Com esse estudo, percebeu que 80% da riqueza estava distribuída em somente 20% da população. Após a 2ª Guerra Mundial, H. F. Dixie aplicou essa percepção no estoque da empresa General Eletric e verificou que 8% dos itens representavam 75% do valor do estoque, e, ainda, que 67% dos itens correspondiam a somente 5% do valor total do estoque. Diante dessa avaliação, foram criadas faixas de acordo com a representação física e a relação financeira dessa representação. Nasceu assim a Curva ABC. A experiência mostra que os itens mais importantes, faixa A, respondem por cerca de 50% do valor total do orçamento. Já a faixa B abrange os itens que correspondem a cerca de 30% do valor total, itens de importância intermediária. A faixa C contém os itens relacionados a apenas 20% do valor total orçado, itens menos importantes. Ou seja, na Curva ABC, itens mais relevantes do orçamento tendem a seguir a regra de Paretto: 20% dos serviços ou insumos correspondem a 80% dos custos da obra. Por isso, o método também é conhecido como “Curva 80-20”.
Como é feita a seleção de amostras pelos tribunais de contas? Os auditores elaboram uma curva ABC para o orçamento-base da licitação ou para a planilha contratual, conforme
o caso, com o intuito de otimizar a verificação acerca da existência de sobrepreço no orçamento e a definição do ponto de equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, por exemplo. Como se extrai de dezenas de julgados do TCU, as equipes de auditoria, em vez de avaliar todos os servi4
Nada obstante o desprezo dos 80% dos serviços não avaliados, ou apenas 20% da obra, o Tribunal de Contas da União tem considerado legal tal metodologia de avaliação. Praticamente todos os julgados que se referem a sobrepreço de serviços tem como base a aplicação desse procedimento. Para aqueles itens não examinados, é invertido o ônus da prova. Cabe ao particular ou ao gestor demonstrar que os preços dos outros 20 % da empreitada “compensam” eventual sobreavaliação daquela parcela apreciada. O percentual do valor contratado analisado pelo método da Curva ABC poderá variar bastante a depender do orçamento. Assim, em um contrato com 500 itens, por exemplo, se selecionados os 50 mais relevantes da parte A da Curva ABC, eles podem representar, por exemplo, menos de 50% do valor total contratado. Para outro contrato com o mesmo número de itens, poderia ocorrer de os 10 itens mais relevantes corresponderem a 80% do valor total, evidenciando uma forte diferença. O sobrepreço assim obtido é amostral, não contempla a totalidade do orçamento. Segundo a jurisprudência predominante do TCU, os percentuais devem ser calculados sobre o valor total de referência da amostra, isto é, sobre o preço total da amostra segundo os preços unitários de mercado. Ou seja, abate-se do valor da amostra o valor do sobrepreço. Por exemplo, para um contrato de 50 milhões de reais com sobrepreço quantificado em 5 milhões de reais sobre uma amostra de itens correspondente a 70% do valor contratado, ou seja, 35 milhões de reais, pode-se afirmar que o percentual de sobrepreço apurado corresponde a 16,67% do valor de referência da amostra, lembrando que, nesse caso, o valor de referência da amostra corresponde a 30 milhões de reais, 35 milhões do valor da amostra – 5 milhões de sobrepreço nela encontrado.
Da baixa materialidade do sobrepreço apurado Para situações em que o percentual de sobrepreço relativo à amostra analisada é pequeno ou insuficiente para que se chegue a uma conclusão segura sobre a maVide Informativo nº 243, comentários ao Acórdão nº 2.654/2015 – Segunda Câmara 1
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terialidade do sobrepreço global do contrato, as análises acabam ficando, muitas vezes, prejudicadas ou inconclusivas, diminuindo a efetividade do controle devido à ausência de evidências suficientes que possam indicar indícios de sobrepreço com materialidade relevante.
de determinados itens acima dos referenciais de preços oficiais em situações comprovadamente justificadas; jamais estabeleceu um limite ‘tolerável’ de sobrepreço global em um determinado empreendimento”.
Por exemplo, um contrato que tenha apenas 20% ou 30% de seu valor analisado a partir dos itens da amostra selecionada pode não vir a apresentar um sobrepreço materialmente relevante em relação ao valor total contratado, embora possa ser significativo em relação à diminuta amostra analisada. Nesse caso, pode-se concluir pela ausência de irregularidade. Cite-se, para ilustrar, o Acórdão nº 2.033/2011— Plenário, em que essa situação foi presenciada.
Ainda, o Ministro Walton Alencar relatou o Acórdão nº 3095/2014 — Plenário, no qual manifestou entendimento no sentido de que não existe percentual insignificante em relação ao valor global da contratação. Leia-se:
O entendimento do TCU - Inexistência de índice de sobrepreço irrelevante!!! O TCU, em jurisprudência dominante, tem considerado que sobrepreços globais em obras públicas de menor monta, geralmente, inferiores a 5%, não têm a robustez suficiente para materializar o dito enriquecimento ilícito. De fato, há inúmeros julgados em que a Corte de Contas concluiu que percentuais de baixa representatividade se encontram em uma faixa aceitável, pois refletem oscilações normais de preços de mercado2. Nada obstante esse entendimento, a jurisprudência mais recente do TCU defende que não existe percentual de sobrepreço aceitável. Nesse sentido, veja-se o voto condutor do Acórdão nº 1.155/2012 — Plenário, da relatoria do Ministro Walton Alencar: Na verdade, não existe percentual de sobrepreço aceitável. A Lei define os preços máximos das obras e serviços contratados pela Administração. Valores excedentes são ilegais e devem ser rejeitados por esta Corte, cuja atuação se pauta, entre outros, pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. A Lei 11.768/2008 estabelece que, somente em condições especiais, devidamente justificadas, podem os custos unitários de serviços ou insumos exceder o valor obtido a partir do Sinapi. Tais condições não estão evidenciadas nestes autos. Nesse ponto, aliás, coloco-me inteiramente de acordo com o Ministro Raimundo Carreiro, Relator da decisão recorrida, quando afirma que “este Tribunal pode, eventualmente, admitir preços
TCU. Acórdão nº 136/1995; Acórdão nº 1.171/2003; Acórdão nº 1.620/2005; Acórdão nº 2.032/2009; Acórdão nº 2.099/2009; e Acórdão nº 3.025/2009 – todos do Plenário. 2
Não existe percentual tolerável de sobrepreço global. Os valores pagos pelas compras e contratações da Administração não podem exceder os preços de mercado, cujos valores máximos, no caso da contratação de obras e serviços de engenharia, estão indicados no SICRO e no SINAPI. A cobrança de valores excedentes é ilegal e merece a firme repulsa desta Corte de Contas, cuja atuação se pauta, entre outros, pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. Somente é admissível que um empreendimento seja contratado por valores superiores aos obtidos a partir da utilização dos sistemas referencias de preço oficiais ante a presença de condições extraordinárias que assim justifiquem, o que não está demonstrado nestes autos.
Na mesma linha de raciocínio, discorreu o Ministro Bruno Dantas quando relatou o Acórdão nº 1.298/2015 – Plenário: Preliminarmente, considero de extrema importância repelir os argumentos que pretendam sustentar que este Tribunal admita faixas de tolerância para a ocorrência de sobrepreço nas contratações públicas. O que se entende por “princípio da aproximação do orçamento”, mencionado na instrução, diz respeito às limitações enfrentadas pela metodologia de formação de preços como modelo representativo da realidade. Nos termos do voto condutor do Acórdão 3.443/2012-TCU-Plenário: “Quanto melhor o projeto e mais particulares forem as condições de contorno estabelecidas para aquele empreendimento em especial, mais próximo o valor estimado será do real; mas é certo que o valor nunca será idêntico. Isso é o verdadeiro significado do Princípio da Aproximação do orçamento”. Trata-se de mera contingência do processo de orçamentação que, de maneira alguma, pode ganhar ares de princípio jurídico apto a afastar a apuração de superfaturamento em determinados percentuais considerando-os “variações naturais de preços”.
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Comentários aos principais julgados do Tribunal de Contas da União - TCU R$ 13 milhões. Essa vultosa quantia representa 7,33% de superfaturamento (vez que o percentual de superfaturamento deve ser calculado em face do valor referencial da amostra analisada).
Ao contrário, incide no caso o princípio da indisponibilidade do interesse público (norma fartamente reconhecida pela comunidade jurídica) para deixar assente que não existe percentual de superfaturamento aceitável ou que esteja à livre disposição de apuração por parte desta Corte. Pode-se reconhecer, em alguns casos concretos, que as particularidades de determinado empreendimento tornam as referências oficiais incompatíveis com algum serviço efetivamente executado na obra. Tal ocorrência justificaria a sua excepcional contratação acima do limite previsto, conforme autoriza o Decreto 7.983/2013, art. 8º, parágrafo único. Em outros casos, caberá avaliar a acurácia das estimativas realizadas pela equipe de auditoria, a partir das especificidades da obra analisada, tendo em conta fatores como “o nível de conservadorismo das análises empreendidas, o tamanho da amostra balizadora do sobrepreço, a relação do sobrepreço com relação à amostra analisada, dentre outros condicionantes” (aspectos expressamente consignados no despacho do então relator destes autos, Ministro Valmir Campelo). Nada disso significa que existam “faixas toleráveis” de sobrepreço global, no que estou acompanhado por reiterados precedentes deste Tribunal (a exemplo dos Acórdãos 1.894/2011, 1.155/2012, 3.382/2012 e 3.095/2014, todos do Plenário). Voltando à presente situação, os elementos que integram o problema concreto levam-me a compor justo e seguro juízo quanto à caracterização de superfaturamento. Em primeiro lugar, é essencial observar que, a preços e quantidades finais, o valor do contrato excedeu os limites referenciais em mais de
Autora do texto: • Cynthia Póvoa de Aragão Acórdãos/Decisões referidos: TCU. Acórdão nº 2.033/2011– Plenário. • TCU. Acórdão nº 136/1995 – Plenário. • TCU. Acórdão nº 1.171/2003 – Plenário.
Trata-se de valor confiável e representativo do contrato como um todo, considerando que a equipe analisou serviços que correspondem a nada menos que 80,96% do valor pactuado, marca nem sempre possível de ser alcançada nas nossas auditorias de obras públicas.
O que decidiu o TCU O método da Curva ABC somente possibilita afirmar que o sobrepreço foi obtido em relação à amostra analisada, logo, nada se pode afirmar quanto ao sobrepreço em relação ao valor total contratado, porquanto não é conhecido o valor do sobrepreço remanescente da parte C da curva, bem como dos itens das partes A e B cujos preços referenciais são de complexa ou impossível obtenção.
Quando utiliza a técnica da curva ABC, o auditor deve apresentar suas conclusões somente sobre os serviços analisados, indicando na análise de preços qual é o percentual de representatividade da amostra analisada em relação ao valor total do contrato. Se for apontado sobrepreço na amostra analisada, deve ser informado qual é o seu percentual em relação ao valor da mostra auditado. O auditor não pode emitir qualquer juízo sobre aquilo que não analisou, pois não se trata de mera forma de apresentação, pois um percentual de sobrepreço apurado de forma diversa da usual pode distorcer conclusões e influenciar as decisões de mérito do TCU, o qual pode considerar prematuramente que o valor do percentual frente ao valor global do contrato seria irrelevante.
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TCU. Acórdão nº 1.620/2005 – Plenário. TCU. Acórdão nº 2.032/2009 – Plenário. TCU. Acórdão nº 2.099/2009 – Plenário. TCU. Acórdão nº 3.025/2009 – Plenário. TCU. Acórdão nº 1155/2012 – Plenário. TCU. Acórdão nº 3095/2014 – Plenário. TCU. Acórdão nº 1.298/2015 – Plenário.
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Comentários aos principais julgados do Tribunal de Contas da União - TCU
QUANTITATIVOS – ACRÉSCIMOS – SUPRESSÕES - VALOR INICIAL DO CONTRATO – ART. 65, § 1º, DA LEI Nº 8.666/1993. “As reduções ou supressões de quantitativos devem ser consideradas de forma isolada, ou seja, o conjunto de reduções e o conjunto de acréscimos devem ser sempre calculados sobre o valor original do contrato, aplicando-se a cada um desses conjuntos, individualmente e sem nenhum tipo de compensação entre eles, os limites de alteração estabelecidos no art. 65 da Lei 8.666/93”. Fonte: Processo TC nº 011.287/2010-1. Acórdão nº 1498/2015 — Plenário. Relator: Ministro Benjamin Zymler. Julgado em: 17.06.2015.
A
Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, autoriza a alteração fundamentada1 dos contratos administrativos nos casos elencados no art. 65.2
Outrossim, o Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de assim se manifestar: 1. É lícito à Administração Pública proceder à alteração unilateral do contrato em duas hipóteses: (a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica; (b) quando for necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto (Lei 8.666/93, art. 65, I, a e b).
É possível, por exemplo, que a Administração altere unilateralmente o ajuste em caso de necessidade de “modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei”.3 Tais limites são definidos no § 1º do art. 65, in verbis: § 1º O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos. Reforçando que deve haver justificativa nos autos do processo administrativo: TCU. Acórdão nº 517/2011 — Plenário. Relator: Ministro José Múcio. 2 Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. “Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: I - unilateralmente pela Administração: a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos; b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei; II - por acordo das partes: a) quando conveniente a substituição da garantia de execução; b) quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou serviço, bem como do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários; c) quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado, vedada a antecipação do pagamento, com relação ao cronograma financeiro fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obra ou serviço; d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômicofinanceiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual”. 3 Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Art. 65, inc. I, alínea “b”.
2. O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% para os seus acréscimos (Lei 8.666/93, art. 65, § 1º).
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3. O poder de alterar unilateralmente o ajuste representa uma prerrogativa à disposição da Administração para concretizar o interesse público. Não se constitui em arbitrariedade nem fonte de enriquecimento ilícito. [...]4
O conjunto de reduções e o conjunto de acréscimos devem ser considerados de forma isolada ou é permitida a compensação entre eles, para os efeitos de obediência ao limite previsto no art. 65, § 1º, da Lei nº 8.666/1993? No caso de haver apenas uma supressão ou apenas um acréscimo, o cenário é simples e está devidamente explicado no § 1º do art. 65. Ocorrem, entretanto, compreensíveis debates quando há supressões e acréscimos consecutivos de quantitativos em um mesmo contrato, de tal modo que se respeite a variação percentual de 25% do valor do ajuste, mas apenas STJ. REsp nº 666.878/RJ — 1ª Turma. Relatora: Ministra Denise Arruda. Julgado em: 12.06.2007. DJ: 29.06.2007, p. 492. 4
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quando se realiza a compensação entre o percentual da redução e do acréscimo. O seguinte exemplo ilustrará bem esse raciocínio: Em um contrato para execução de obras, um primeiro aditivo diminuiu os quantitativos de tal forma que o valor inicial do contrato foi reduzido em 55,51%. Ato contínuo, um segundo aditivo acresceu quantitativos, gerando majoração do montante do contrato em 80,37%. Nesse caso, poder-se-ia argumentar que foi respeitado o limite de 25% fixado no § 1º do art. 65, tendo em vista que o valor do contrato teria sido aumentado em 24,86% – correspondente à diferença entre 80,37% do acréscimo e 55,51% da supressão. A jurisprudência majoritária do Tribunal de Contas da União — TCU, todavia, não aceita essa interpretação. Prevalece o seguinte entendimento: As reduções ou supressões de quantitativos devem ser consideradas de forma isolada, ou seja, o conjunto de reduções e o conjunto de acréscimos devem ser sempre calculados sobre o valor original do contrato, aplicando-se a cada um desses conjuntos, individualmente e sem nenhum tipo de compensação entre eles, os limites de alteração estabelecidos no art. 65 da Lei 8.666/1993.5
Esse posicionamento justifica-se pela interpretação sistemática. No entendimento do TCU, o art. 65 não pode ser analisado de forma apartada, e sim dentro do contexto do ordenamento jurídico em que se insere. Portanto, permitir alteração dos quantitativos em patamar tão elevado descaracterizaria o objeto contratado, acarretando, em certa medida, uma contratação direta, em desarmonia com o: a) princípio da licitação – art. 37, inc. XXI, da Constituição Federal;
O caso concreto analisado pelo TCU No caso analisado pelo TCU, fiscalizaram-se contratos para a execução de obras ferroviárias celebrados por empresa pública vinculada ao Ministério dos Transportes. Entre outras questões, o TCU examinou se estavam ocorrendo acréscimos ou supressões em percentual superior ao permitido pelo § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666/1993. Em suas razões de justificativa, os gestores públicos afirmaram que a Lei nº 8.666/1993 não estabelece que os acréscimos e supressões devem ser contabilizados de forma individual, e sim sobre o valor contratual. Por isso, a compensação entre os percentuais de diminuição e aumento gerou variação legal de menos de 25% do valor do ajuste. A unidade técnica, porém, considerou a conduta dos gestores ilegal, de acordo com o posicionamento majoritário da Corte de Contas, acima explicitada. Sugeriu, entretanto, que a irregularidade fosse considerada saneada, tendo em vista a conformação da situação fiscalizada à resposta a consulta do Ministro dos Transportes materializada no Acórdão nº 3.105/2013. Nessa decisão, o TCU decidiu ser “juridicamente viável a compensação entre o conjunto de acréscimos e supressões ao objeto dos contratos referentes a obras de infraestrutura celebrados antes do trânsito em julgado do Acórdão nº 749/2010 – Plenário por órgãos e entidades vinculados ao Ministério dos Transportes”.6 Após esse marco, as reduções ou os acréscimos deveriam ser considerados de acordo com a jurisprudência majoritária do Tribunal. O Ministro-Relator, todavia, discordou do entendimento da unidade técnica, sob as seguintes bases: a) a resposta à consulta tem caráter normativo e constitui prejulgamento da tese, mas não do fato ou caso concreto, nos termos da Lei Orgânica do TCU;7
b) princípio da isonomia – art. 37, inc. XXI, da Constituição Federal; c) princípio da proporcionalidade – art. 2º da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999;
b) as alterações nos quantitativos foram significativas ao ponto de descaracterizarem o objeto licitado, violando-se os princípios anteriormente mencionados;
d) princípio da economicidade – art. 3º da Lei nº 8.666/1993; e 6
e) princípio da vinculação ao instrumento convocatório – art. 41 da Lei nº 8.666/1993.
TCU. Acórdão nº 1.498/2015 – Plenário. Relator: Min. Benjamin Zymler. Nesse sentido: Acórdãos nº 2.206/2006, nº 872/2008, nº 1.080/2008, nº 1.981/2009 e nº 137/2013 — todos do Plenário. 5
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TCU. Acórdão nº 3.105/2013 — Plenário.
Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992. Lei Orgânica do TCU: “Art. 1° Ao Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição Federal e na forma estabelecida nesta Lei: [...] XVII - decidir sobre consulta que lhe seja formulada por autoridade competente, a respeito de dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes a matéria de sua competência, na forma estabelecida no Regimento Interno. [...] § 2° A resposta à consulta a que se refere o inciso XVII deste artigo tem caráter normativo e constitui prejulgamento da tese, mas não do fato ou caso concreto.” Nesse mesmo sentido é o § 3º do art. 264 do Regimento Interno do TCU. 7
Comentários aos principais julgados do Tribunal de Contas da União - TCU
c) houve supressão de itens imprescindíveis à execução ou segurança da ferrovia, no claro intuito de aumentar a margem para acréscimos de serviços; e
Os demais Ministros concordaram em rejeitar as razões de justificativas dos gestores nesse ponto, com a consequente aplicação de multa.
d) alterou-se o equilíbrio econômico-financeiro do contrato em prejuízo da Administração.
Autora do texto: Sofia Rodrigues Silvestre Guedes Acórdãos/Decisões referidos: • STJ. REsp. nº 666.878/RJ. Relatora: Ministra Denise Arruda — 1ª Turma. Julgado em: 12.06.2007. DJ 29.06.2007, p. 492.
• TCU. Acórdão nº 3.105/2013 – Plenário Normas Referidas: • Constituição Federal de 1989. • Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. • Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
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