Mar de Sangue
Mar de Sangue Lucas Sousa Lima
Brasília – 2013
Copyright © 2011 by Lucas Sousa Lima Direitos desta edição: PROTEXTO - Editora Zamoner Ltda
Projeto gráfico Jandecleidson Monteiro da Silva Fone: (61) 8547-1165 http://albbatroz.carbonmade.com/
Responsabilidade pela revisão: o autor Ilustração: Yara Freitas
Lima, Lucas Sousa, 1989 - Mar de Sangue / Lucas Sousa Lima - Curitiba - Protexto, 2010. vi, 64 p. ; 21 cm ISBN: 978-85-7828-233-2 1. Literatura Brasileira. I. Título. CDD B869.3
Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei. PROTEXTO - Editora Zamoner Ltda
Sumário Dedicatória 7 Mar de Sangue 9 Todos à Bordo 14 No Interior do Navio 20 Revelações 31
Os Comedores de Carne 37 Filho do Abismo 43 Para o Berรงo da Escuridรฃo 50 A Terra 55
Dedicatória Agradeço ao todos “ seres ” estranhos que me acompanharam no desenrolar dessa obra, sem eles não teria forças nem inspiração para dar continuidade a essa historia cheia de reviravoltas fantásticas. Em destaque a mulher dos telefonemas da madrugada que conseguiu reproduzir todos os meus pesadelos no papel, e que sem ela não poderia ter ilustruado tais acontecimentos que se passam em “Mar de Sangue”, e que mesmo sem tempo se encontrava comigo para me surpreender a cada obra por suas mãos pintadas – obrigado Yara. Ao meu amigo do computador colado na parede, que me auxiliou com suas habilidades ninjas com edição de imagem e a seu irmão, que ja se amarrou em um fenômeno (?) Não posso esquecer de uma bela mulher de cabelos e pele clara que me auxiliou com os erros de português que me passaram batidos , obrigado prima. E a todos que acompanharam a aventura e se distanciaram da costa sócio mental que diariamente nos aprisiona, e em certos momentos chega a ser um ambiente mais nocivo do que um recinto repleto de comedores de carne. Obrigado a você! Lucas Sousa Lima
Capítulo 1 Mar de Sangue
É
brio e inócuo a qualquer ser vivo, andava pelas vielas daquela cidade, sem rumo ou direção antes definida. Lembrava-me muito pouco do que havia vivido há algumas semanas, algo com um nível de complexidade e entendimento muito maior do que em toda a minha passagem pela terra, nunca sonhei que um dia, um maldito dia, iria passar. Inglaterra século XVIII. Nunca havia gostado de Londres, aquele céu azul escuro dava uma sensação horrível de sujeira, não que fosse um nobre desacostumado com a sujidade de uma estalagem porca à beira do cais, na verdade, era um funcionário mal pago de uma embarcação utilizada apenas para pequenas viagens ou coletas de mercadorias de grandes embarcações que não podiam desembarcar em terra, por algum motivo
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que para nós, nunca era revelado. Mas aquela encomenda era diferente, com uma “sorte desgraçada”, fomos contratados para descer de uma embarcação a mercadoria um tanto funesta, fomos incumbidos da tarefa de aportar com três caixões contendo três pobres almas infantis, que com um chamado prematuro da morte padeceram pela peste negra, algo um tanto comum para época. Era dia e o sol ia alto às proximidades do mar, o som da arrebentação chegava aos ouvidos como uma música monótona que de tanto ouvir perde se a graça, mas não sua beleza. Eu adorava o mar e havia abandonado minha família, ou que restava dela no interior para tentar a vida no centro urbano de Londres, a muito os grandes senhores de terra haviam perdido sua credibilidade e a vida no campo se tornara um tanto dura para um homem, então vim tentar a vida como marujo na cidade. Eu me chamo Dante, primeiro nome herdado de meu pai, meu louco pai, e estava esperando meu capitão para ir à última tarefa do dia, escorado no peitoril do cais eu olhava distraído para o mar quando uma sensação ruim passou de maneira fugaz em minha mente, virei para o lado e cuspi no chão – Eu escolhi essa vida, pensei ironicamente enquanto meus companheiros se aproximavam, era hora de subir a bordo. Partimos então para a última tarefa do dia: buscar os cadáveres, com alguma chance ainda podia ir a
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cidade gastar um pouco do soldo insuficiente, pensei. Na embarcação comigo havia mais cinco pessoas: o capitão, um velho arrogante e truculento de cinquenta anos, dono do negócio ilegal de coletas clandestinas, mas que era de uma linhagem de nobres ligados intimamente com pessoas da política; Abel um rapaz sisudo e alto, com braços largos e fortes que era comumente contratado para carregar enormes caixotes; Batista um amigo de infância que resolvera abandonar o campo comigo e tentar sobreviver na disputada Londres, dividíamos um quarto com mais alguns colegas em um cortiço fedorento na periferia da cidade; Marcos e Fernando – não conhecia muito bem estes dois, já estavam na cidade quando decidimos dividir as despesas de moradia. Ao avistarmos a embarcação distanciada da costa, uma estranha sensação de desconforto invadiu a atmosfera de nosso barco, pensei que se tratava apenas de uma sensação individual como aquela que eu havia sentido pouco antes de subir a bordo, mas os outros cincos tripulantes também começaram a agir de forma inquieta ao golpe de vista da grande embarcação da qual nos aproximávamos. Havia algo errado, disso nós sabíamos, a embarcação se travava de um navio Holandês que balançava de forma monótona ao mariolar das ondas, mas que dava a forte impressão de estar abandonado. Ao chegarmos ao casco do navio, não
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fomos recebidos por nenhuma tripulação, a bruma ao redor da embarcação aumentava de maneira estranha e, gradativamente, o ambiente começava a dar uma terrível sensação de desconforto, já que não era possível enxergar direito a parte superior do grande barco, foi então que nosso capitão quebrou o gelo do silêncio: – Peguem as cordas, “moças”. Quero terminar esta tarde do jeito que comecei, em casa e bêbado!E nada de amolação no Navio! Vamos subir, encontrar a mercadoria, deixar os documentos em qualquer lugar e dar o fora o mais rápido possível. Com um estranho receio de minha parte começamos a subir na embarcação, “subir em um navio sem aviso prévio não seria um tanto perigoso?”, este pensamento habitava no inconsciente de todos, menos é claro, o do capitão. Subimos então ao convés da embarcação. A bruma parecia não se dissipar com o vento, parecia agora uma espessa camada de gelo que, a cada segundo, ficava mais densa dificultando a respiração. – Não seria mais fácil jogar aquele maldito em alto mar para nunca mais nos mandar fazer seus trabalhos sujos? – Disseme Marcos, um dos funcionários do velho capitão enquanto arremessávamos as cordas para subir no navio. Marcos deveria ter entre vinte e três a vinte e cinco anos,
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era difícil dizer, pois o trabalho pesado parece deixar o indivíduo mais velho um ano a cada mês. – Se fizermos isso é bem capaz que ele vá nadando até terra firme apenas pra cortar nosso soldo. Respondi em tom irônico. Conseguimos subir com um tanto de esforço, mas em aproximadamente 15 minutos de trabalho braçal estávamos a bordo do gigante, “como era grande” pensei enquanto deitava a vista pelos cômodos do navio, uma entrada que deveria dar um salão de festas, corredores com inúmeras portas e um vasto espaço que minha visão não alcançava devido à bruma que tomava conta do ambiente. Começamos então a procurar por alguma alma viva na embarcação. De primeiro momento, acreditávamos estar só no navio até uma estranha criatura aparecer andando de maneira débil e cambaleante no convés da embarcação. Era um jovem pálido e magro, como se fosse um doente há muito tempo sem tratamento, trajava roupas esfarrapadas que em alguns pontos deixava a mostra sua pele um tanto suja da poeira do casco do navio. Ao nos ver, esse estranho indivíduo deixou escapar um grito esganiçado, grito este que fez minha espinha gelar e meus ossos petrificarem de medo. Logo após, de maneira desesperada, ele correu em direção à grade lateral do barco e se jogou ao mar sem mais nem
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menos. Nós quatro estávamos congelados e confusos com a apresentação funesta deste estranho personagem que surgira do nada, e de maneira mais confusa ainda, oferece a própria vida em um show de horror para quatro participantes atônitos. Passados alguns segundos eternos, Marcos puxou-me pelo braço e gritou em tom desesperado: – VISTE AQUILO! AQUELE MALDITO SE LANÇOU AO MAR! ELE SE MATOU! Ao perceber o acontecido, nosso capitão sobe à embarcação e indaga o ocorrido. – Vocês não são pagos para atirar as coisas do navio alheio ao mar, seus nojentos! – Disse-nos irritado. – UM HOMEM SE JOGOU AO MAR, CAPITÃO! MATOU-SE SEM MOTIVO APARENTE! Gritou Abel, o mais forte dos marinheiros que formava nossa equipe. – COMO? – indagou surpreso o velho capitão. – Ele simplesmente se jogou, não pudemos fazer nada a respeito. – Disse-lhe em tom de explicação. Mas qual seria a explicação para algo tão funesto, foi o pensamento que de maneira inquietante começava a martelar na cabeça do nosso grupo, agora que todos estavam a bordo do maldito navio.
§ 16
Capítulo 2 Todos à bordo
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osso capitão tinha acabado de saltar no convés quando o desgraçado de vida amaldiçoada pela insanidade havia se jogado ao mar. Éramos agora os seis tripulantes da pequena embarcação a bordo do poderoso navio Holandês. – O que vós me dissestes não faz o menor sentido! – Retrucou irritado o capitão saltando para dentro da embarcação. – O que achas que aconteceu então? Que arremessamos seus malditos caixões ao mar? – Perguntou Abel em tom irônico. – Não me provoques moleque! Eis o que iremos fazer: achar a mercadoria, deixar os documentos da busca e dar o fora deste maldito barco! A ideia de ser um ato ilegal, o fato de entrar em um navio
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supostamente abandonado e afanar dali objetos, não saia da minha cabeça. Mas de fato, queria dar o fora daquele lugar o mais rápido possível. Entramos na cabine do navio, com a respiração pesada e profunda, passamos pelo salão da embarcação e como sempre não havia sinal de uma viva alma. Até que aconteceu: Uma cadeira fora arremessada de maneira violenta em nossa direção. Sorte de Batista que ela acertara apenas seu ombro, mas foi o suficiente para derrubá-lo no chão. Ao olharmos na direção de onde veio o objeto, encontramos um grupo formado por três pessoas, todas com roupas esfarrapadas como se tivessem sido jogadas de uma montanha e rolado de maneira violenta em terra seca. – É, acho que você errou Manoel. Derrubou o doente ao invés de acertá-lo na cabeça. – Disse um dos três de maneira doentia. – Não, Guilherme! Eles não são do navio! Como chegaram até nós? – Perguntou surpreso o autor da agressão. – Somos de terra firme, recebemos um chamado para desembarcar com alguns caixotes – Informou nosso capitão omitindo nosso verdadeiro intento e mantendo certa distância dos sujeitos maltrapilhos a nossa frente. – Mas como?! Esse pedido deveria ter sido feito há uma semana! – vociferou Guilherme.
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– Então seus superiores estão um tanto atrasados, pois o pedido chegou a nós no início desta manhã. – Respondeu o capitão em um tom educado. – Eles acharam que nós não sobreviveríamos neste inferno. – Disse-nos o terceiro personagem pensativo, que até então se mantinha em silêncio. – Alguém aqui pode nos contar o que está acontecendo... – Antes que alguém pudesse responder-me, algo um tanto diferente aconteceu. Guilherme, que estava de pé, caiu de joelhos abraçando a barriga. Tal cena nos manteve congelados com a situação até que seus companheiros saíram de seu lado e vieram ficar ao nosso lado. – Está acontecendo com ele! – Disse-nos em tom apreensivo o terceiro companheiro de Guilherme. – O que raios ele tem? – Perguntou Batista. – Não podemos ficar aqui! – Respondeu o sujeito, e em um movimento veloz saiu em disparada por uma escada que deveria dar no fundo do navio. Ficamos então olhando Guilherme no chão, babando e se contorcendo de maneira violenta no chão, o capitão fez menção de se aproximar do rapaz até que algo estranho aconteceu, algo realmente estranho. Guilherme deveria ser um rapaz com seus vinte e cinco anos, era alto, meio magro e possuía uma cabeleira clara e cacheada que descia
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facilmente até seus cotovelos, trajava apenas uma calça marrom e botas gastas comum entre marinheiros. Ajoelhado no chão, caiu de costas e com seus braços abertos, soltando um grito desesperado que reverberou em todo o salão do navio. Silêncio. Então podemos perceber que de sua barriga estava vindo um som estranho, como se alguém estivesse a mexer um caldeirão cheio de tripas de carneiro. Como o infeliz estava sem camisa, pudemos presenciar o fenômeno mais intrigante de nossas vidas. Como se duas unhas realmente afiadas despontassem de seu umbigo, rasgando do interior ao exterior, trazendo à mostra a cabeça de um feto deformado. Como se o tempo estivesse passando em câmera lenta, pudemos presenciar aquela criatura, de mais ou menos uns cinquenta centímetros, rasgar o interior daquele homem e saltar para fora como se fosse um ciclo criativo de vida igual ao das mariposas que após um breve período de clausura no interior daquele homem sentem– se preparadas para vir à superfície, rasgando seu receptáculo – no caso Guilherme. Passados aqueles minutos de transformação, o pânico tomou conta do sentimento de cada um dos presentes. Abel correu em disparada para fora do salão enquanto os outros, assim como eu, permanecíamos estáticos pelo medo, com as pernas totalmente congeladas pelo pânico e com uma sensação de que havíamos engolido uma
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tonelada de cimento, ficamos parados apenas observando a criatura. Em uma fração de segundos, a criatura percebendo a movimentação, saltou por cima de nossas cabeças e foi ao encalço de Abel. Foi então que, como se estivesse sendo acordado por um balde de água gelada, agarrei o braço de Batista e corri arrastando-o pela escada da qual os companheiros de Guilherme tinham descido. Percebendo a minha reação, o restante do pessoal desceu ao meu encalço, assim como eu, perceberam que seria mais seguro seguir os passos daqueles que sabiam o que realmente estava acontecendo, pois, quando Guilherme estava começando a sentir os sintomas do ocorrido, seus amigos perceberam o que acontecia, logo, eles deveriam ter alguma resposta.
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