Entrevista com Alex Atala

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entrevista l Alex Atala

Ele mostra seu caráter

Se o pescador entende o que o fly significa, o Lambari já satisfaz”

Um dos chefs brasileiros mais renomados no mundo recebe a nossa equipe em seu restaurante, o D.O.M., momentos antes de a casa abrir para acolher seus clientes. Em meio a outros diversos compromissos agendados no dia, Alex Atala se esquece do tempo para falar de forma franca e sem subterfúgios sobre a sua paixão pela modalidade de pesca com mosca e sobre os desafios do esporte no Brasil Por: Janaína Quitério l Fotos: wilson feitosa e ARQUIVO pessoal l arte: marcelo kilhian

ECOAVENTURA: Você é flyzeiro. O que o fisgou para essa modalidade? Alex Atala: Historicamente, o fly é a pescaria mais justa e honesta, não poluente e que exige sensibilidade de quem pratica, já que o pescador precisa saber ler o rio, identificar onde está o peixe e o que está comendo, pois a mesma isca não funciona igualmente de manhã e à tarde. O pescador de fly só começa a pescar bem quando está integrado com o meio ambiente. E, uma vez que compreende todo o conjun-

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to descrito — o que é o rio, onde, por quê —, a pescaria se torna a mais assassina que existe, de tão efetiva que é. Para mim, a maior máquina de matar peixe é a vara de fly. Mas é nesse momento que o pescador dessa modalidade mostra a sua excelência, o seu caráter e o seu respeito à natureza ao soltar o peixe, ou seja, ele demonstra a sua capacidade de matar, e não o faz.

EA: Dessa forma, a sua relação com o pesque e solte

EA: Em uma palavra: o que é pescar para você?

é grande. Atala: É total. Na verdade, fui evoluindo. Se, desde criança, pratiquei a caça submarina, hoje dedico 90% de minhas pescarias à pesca com mosca. Corrija-me se estiver errado: a primeira modalidade do mundo a realizar o pesque e solte foi o fly fishing.

Atala: É fechar um ciclo: eu saio, me esforço, pesco, limpo o peixe, tempero-o e como. É um ciclo vital que se fecha em minha frente. Não se trata de matar um monte, mas quero reservar um para comer. Me recuso a levar um sanduíche de mortadela para a pescaria. Isso seria um atestado de incompetência.

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entrevista entrevista l Alex Atala Atala exibe o troféu, fisgado no Pará

vários lugares do mundo onde pesquei, ao contrário, o que mais me impressionou foi o cuidado dos guias com a forma correta de mexer no peixe. Na África, fui pegar no meu líder e o guia gritou: “Molha a mão!”. Infelizmente, a pesca esportiva no Brasil está atrasada em educação, e vejo uma grande fatia desse mercado com pouca vontade de mudar.

EA: Isso não estaria relacionado com o nível social e o poder aquisitivo? Atala: Há 20 anos, sim. Hoje, essas informações estão na internet, que, por sua vez, tem em favelas e até em tribos indígenas.

EA: E o fly, você considera

Para mim, a maior máquina de matar peixe é a vara de fly. Mas é nesse momento que o pescador dessa modalidade mostra a sua excelência, o seu caráter e o seu respeito à natureza ao soltar o peixe, ou seja, ele demonstra a sua capacidade de matar, e não o faz” EA: Você tem três filhos, pesquisa novos ingredientes amazônicos e administra uma vida atribulada, como vemos agora. Como é seu tempo para curtir o hobby de pescar? Atala: Eu pescava com bastante frequência até abrir esse restaurante, há dez anos. De lá para cá, tento buscar qualidade. Como tenho poucas oportunidades de viajar para pescar me dou ao luxo de ir a lugares melhores.

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EA: Cite um tipo de pescaria do qual mais gosta. Atala: Pescar Lambari no laguinho de minha casa com mosca seca. Quantas pessoas no mundo podem fazer isso? Pescar no Santa Rosa foi incrível, no rio Zambeze, na África, também. Programei de pescar Dourado e Caranha na Bolívia: uma viagem cara que proporciona um prazer incrível quando se chega a um rio selvagem para ser um dos primeiros a pinchar ali. Mas, hoje, para mim, não acho que essas viagens sejam bem mais prazerosas do que pescar na minha casa com os Lambarizinhos que já conhecem todas as minhas iscas.

EA: Você tem no “currículo” várias viagens à região amazônica com outros chefs. O objetivo é praticar a pesca ou também apresentar os ingredientes e a culinária regionais? Atala: Já viajei com alguns chefs, a maioria de outros países, mas que não pescam. Como, para nós, cozinhar é o maior elo entre a natureza e a cultura — já que a única coisa tirada da natureza e levada à boca para alimentar-se, sem passar por processo humano, é a fruta ­—, os caras vêm para conhecer toda essa diversidade nacional. Só que, para onde eu vou, a minha varinha vai junto.

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E faço isso há tantos anos que me orgulho de falar que pesquei no Brasil inteiro e em várias partes do mundo.

EA: Nesse sentido, qual o melhor point para pescar no mundo? Atala: Considero o Brasil o melhor lugar para a pesca esportiva. Eu já pesquei Truta no visual, pinchando na cara do peixe, quando fui à Nova Zelândia, também já pesquei em Neuquén-Argentina, entre vários outros lugares. Mas ainda acho que o Brasil e nossos peixes estão por cima no ranking. E isso em tudo: sabor, astúcia e uma diversidade absurda de rios. A pesca por aqui é assim: quando a gente acha que acabou, alguém chega com uma novidade.

EA: Com tantas qualidades identificadas por você, o que falta para a pesca esportiva dar um salto no País? Atala: Sou um pouco ácido nisso: acho que, de um modo geral, a maioria dos pescadores brasileiros ainda pesca de qualquer jeito, com qualquer equipamento e sem respeito à natureza. Quando levo meus filhos ao pesqueiro, vejo muita barbaridade, como gente que pega o peixe com a mão seca, sem se preocupar com o muco protetor dele. Em

acessível? Atala: Claro que existe a limitação financeira, mas conheço pescadores de fly que não são ricos, e os equipamentos estão mais acessíveis. Algumas modalidades ainda são muito caras, como a pesca oceânica de peixes de bico, que realmente é para poucos. Agora, se o pescador entende o que o fly significa, o Lambari já satisfaz.

EA: Você já passou por alguma situação constrangedora?

Me recuso a levar um sanduíche de mortadela para a pescaria. Isso seria um atestado de incompetência” Atala: Sou cuidadoso e vaidoso, então, quando levo meus filhos a um pesqueiro, chego num carro pensado para o que gosto de fazer, segurando minha malinha de pesca, com roupa de pescador e vara. Aí ouço as piadinhas: “Chegou o playboy”. Quer saber? Não nasci playboy, mas estou adorando ser. O engraçado é muitos rirem da minha cara, e eu sair do pesqueiro com mais fisgadas do que os outros. Aí, penso: “O playboy quebrou todo mundo!”. Certa vez, usei uma tanajurinha num pesqueiro, e comecei a pegar Tilápias. Logo veio um menino e disse: “Meu pai mandou perguntar que isca você está usando.” Expliquei que não era isca, e lhe ofereci para que a mostrasse ao pai. No fim, ele voltou com o recado: “Meu pai disse que isso aqui não presta e que você está escondendo a isca”. Quer dizer, tentei mostrar algo diferente, mas não deu certo. Tigerfish fisgado e solto no rio Zambezi

EA: O ambiente de pesca pode ser definido como um lugar mágico, que reúne amigos num ambiente de parceria. Mas, e quando há competição? Atala: É uma contradição quando a pesca esportiva começa a estimular isso. Não saio mais para pescar com quem compete comigo. Quero parceiro que comemore meu sucesso, e eu o dele. Se não pescarmos nada, também será legal pra caramba.

EA: Uma dica para preparar o peixe à beira do rio. Atala: Menos é mais: jirau, brasa e acabou. O momento é incrível pela simplicidade que tem. Quantas pessoas têm a oportunidade de comer um peixe fresco, que acabou de ser pescado? O peixe tem que ser resfriado já no barco, ou seja, ao invés de ser deixado sob o Sol, deve terminar de ser morto no gelo. E sou a favor do peixe inteiro, pois ele começa a entrar em processo de declínio de qualidade quando se encosta a faca nele, tal qual uma maçã. Assim, aproveite o presente da natureza naquele momento. Grelhe o peixe inteiro e coloque sal só depois de pronto. Como disse, para mim, pescar é fechar um ciclo.

A pesca esportiva no Brasil está atrasada em educação, e vejo uma grande fatia desse mercado com pouca vontade de mudar” ecoaventura

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