Pescador de poesia Por: Janaína Quitério l Foto: ARQUIVO ECOAVENTURA l arte: paula bizacho
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que tem uns 300 anos de idade e sob a qual gosto de decorar os textos. Quando a neblina cobre a floresta, a copa dessa árvore é a única parte visível no horizonte. Esse contato com a natureza me dá tranquilidade, o que procuro transmitir às pessoas que amo.
Stênio Garcia: Nas cidades onde vivi quando criança, aprendi a nadar em rio e a curtir as cachoeiras de Cachoeiro de Itapemirim-ES, gostava de caminhar na Serra do Caparaó (região montanhosa localizada na divisa de Espírito Santo com Minas Gerais), onde tem uma reserva de natureza muito grande, e de pescar a Piaba e o Lambari num riozinho. Durante muito tempo, convivi com minha avozinha Nicota, em Espera Feliz-MG, com quem aprendi a tirar uva do pé, a pegar na enxada e a ver um repolho nascer. Tudo isso me proporcionou uma consciência da natureza, que cultivo até hoje, apesar da vida atribulada. E foi em função de eu ter vivido até os 12 anos de idade no campo e do meu próprio biotipo — tenho 1,64 metro de altura, sou de cor morena — que percebi a possibilidade de ampliação do mercado de trabalho nas artes cênicas se me dedicasse a conhecer mais o “homem brasileiro”.
EA: É verdade que cultiva árvo-
EA: E hoje, como é a sua relação com a natureza? Stênio: Moro em uma casa de 1.400 metros quadrados fincada em uma das maiores reservas florestais urbanas do mundo, no Parque da Pedra Branca-RJ, que é um verdadeiro nicho ecológico. Tenho três cachorros, a gata Maria Carla, três jabutis — com um espaço só para eles — e mantenho um laguinho com 80 carpas coloridas. Ao lado disso, planto frutas silvestres para atrair macaquinhos e outros bichos. Do meu quintal, vejo uma árvore
res, às quais atribui nomes de pessoas queridas? Stênio: Sim, homenageio as pessoas amadas que se foram: mãe, pai, irmão e amigos, como a Mara Manzan — última planta semeada. São árvores cujos frutos me fazem lembrar as características dessas pessoas. A minha mãe, dona Stela, é um pé de jabuticaba, por ser uma fruta dadivosa e suculenta, da qual os pássaros gostam de tirar o caldo. Já meu pai é uma mangueira, pois é viva em minha memória a lembrança de ele me levar, quando pequeno, para chupar manga no pé. Com elas converso, a elas digo que amo e delas eu cuido.
EA: Em qualquer viagem pode-se aproveitar locais/pessoas/cenários como fontes de estudos e laboratórios ao ator. Que “espetáculos” você pôde contemplar em lugares como o Pantanal, por exemplo? Stênio: Uma das coisas que mais me emocionaram foi observar uma árvore pulsando como um coração no raiar do dia, às 5 horas da manhã. Nela havia muitos pássaros, que, em seus ninhos, alimentavam os filhotes. De lá de cima caíam restos de comida, que, por sua vez, nutriam outra fauna, composta por jacarés, cobras e muitos outros animais. Até então, não tinha visto nada que propagasse tanta vida como aquela árvore.
Acho que o homem pode alcançar o que quiser, desde que tenha persistência. Isso percebo em atletas, que batem recordes cada vez maiores, ou em acrobatas, como os do Cirque du Soleil, que executam movimentos aparentemente inconcebíveis” Foto: divulgação
Ele é fruto de dona Stela e seu Antônio, de quem também herdou a grafia dos nomes — iniciais da mãe (Ste) e finais do pai (nio). Com 50 anos de carreira cultivada no teatro, no cinema e na televisão, um dos mais renomados atores nacionais fala à equipe ECOAVENTURA, quase em versos, sobre como a sua relação com a natureza o ajudou não só a compor personagens tipicamente brasileiros como a preencher a vida com tranquilidade e sorte
ECOAVENTURA: Você nasceu em Mimoso do Sul-ES e passou a infância em várias cidades pequenas, num ambiente mais rural. Que vivências dessa época o ajudaram a construir a profissão de ator e o influenciaram em sua maneira de viver?
Foto: Sérgio (Savaman) Savarese
entrevista l Stênio Garcia
O bobo-da-corte Corcoran, da novela “Que rei sou eu?”
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Foto: EGO / MARCOS SERRA LIMA
entrevista l Stênio Garcia ‘Mestre Agripino, como você sabia para que lado ficava a Terra?” Ele simplesmente respondeu: “Olha, seu artista, eu não sabia. Mas embiquei para lá e fui embora”. Ou seja, tratava-se de uma intuição genuína, que nunca o fizera errar o caminho. O personagem de “Final Feliz” surgiu em contato com esse homem, que não conhecia nenhum lugar além do oceano em sua frente”
Curiosidades •Nasceu em 28/4/1932 •Formou-se em contabilidade na Escola Técnica de Comércio da Vila Isabel-RJ •Começou a fazer parte de teatro amador em 1952, com 20 anos de idade •Ingressou no Conservatório Nacional de Teatro, em 1955
EA: Em que medida os cenários da natureza o auxiliaram na composição de personagens tipicamente brasileiros, caso do jangadeiro mestre Antônio (da novela “Final Feliz”, em 1983) e do Zé do Araguaia (“O Rei do Gado”, em 1996)? Stênio: Para criar o mestre Antônio passei 15 dias numa praia perto de Fortaleza com o objetivo de estudar o comportamento de um pescador jangadeiro. Lá, convivi com mestre Agripino — considerado pescador-padrão do Ceará —, com quem conversei bastante e de quem gravei histórias incríveis. Uma vez ele me contou que havia levado mais de quatro horas para desvirar um jangada em alto-mar. Como ele não tinha a menor noção de onde estava, perguntei: “Mestre Agripino, como você sabia para que lado ficava
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•Personagens que o marcaram: mestre Antônio, de “Final Feliz”; Corcoran, de “Que Rei Sou Eu”; Herculano Maciel, de “O Dono do Mundo”
Foto: divulgação
Foto: PORTAL CARAS
•Almeja interpretar um personagem que vende a alma ao Diabo
a Terra?” Ele simplesmente respondeu: “Olha, seu artista, eu não sabia. Mas embiquei para lá e fui embora”. Ou seja, tratava-se de uma intuição genuína, que nunca o fizera errar o caminho. O personagem de “Final Feliz” surgiu em contato com esse homem, que não conhecia nenhum lugar além do oceano em sua frente. Para ele, o mar era tal qual uma mulher, por ser tão generoso. E essa percepção da vida só poderia ser captada quando em contato com ela. Depois, veio o Zé do Araguaia — um personagem tão forte que recebeu o nome do próprio lugar de onde ele nunca havia saído, numa cidadezinha entre Goiás e Mato Grosso, onde fiquei por um tempo junto com a atriz Beth Mendes. Ele era fruto da natureza e costumava segurar em suas mãos as borbulhas de água na nascente do rio. É lindo isso.
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Foto: EGO / MARCOS SERRA LIMA
•Participou de mais de 100 trabalhos em televisão, teatro e cinema e interpretou mais de 200 personagens
Em sua casa, no Parque da Pedra Branca-RJ Stênio ao lado de sua esposa, Marilene Saade
Como Dr. Castanho na novela “Caminho das Índias”, da Rede Globo
EA: Você tem histórico de conceber personagens fortes e interpretá-los com emoção. Para a criação deles, não vê obstáculos — seja dançar, dar salto mortal aos 57 anos, cantar ou dirigir caminhão. De onde vem essa disposição? Stênio: Já me disseram assim: “Não deem um homem sem braço para o Stênio interpretar que ele é capaz de cortar o próprio braço!” Acho que talvez pelo fato de eu ter tido uma infância no interior, que não é nada fácil, e de ter assumido a família com apenas 12 anos de idade, devido à separação de meus pais, tenham me dado força e impulso para resolver qualquer problema. Além disso, acredito muito em mentalização. Acho que o homem pode alcançar o que quiser, desde que tenha persistência. Isso percebo em
atletas, que batem recordes cada vez maiores, ou em acrobatas, como os do Cirque du Soleil, que executam movimentos aparentemente inconcebíveis.
EA: Você costuma dizer que faz perguntas ao Universo sobre a criação de personagens ou sobre os rumos que toma, de quem recebe respostas por meio de sincronicidades (ou coincidências). Essa “faculdade” está disponível para qualquer pessoa?
Foto: DIVULGAÇÃO
Foi em função de eu ter vivido até os 12 anos de idade no campo e do meu próprio biotipo — tenho 1,64 metro de altura, sou de cor morena — que percebi a possibilidade de ampliação do mercado de trabalho nas artes cênicas se me dedicasse a conhecer mais o ‘homem brasileiro’”
•Foi convidado a integrar a companhia de teatro de Cassilda Becker, junto com Walmor Chagas, Ziembinski, Fredi Kleeman e Cleyde Yáconis
Durante o ensaio para o quadro “Dança dos Famosos”, no Domingão do Faustão
Stênio: Se você acreditar que o homem viveu um processo de evolução desde a primeira célula que surgiu, e que foi acumulando conhecimento desde então, ele tem 25 milhões de anos de vida armazenados no subconsciente. Não se trata de magia: todo mundo pode
solicitar seu inconsciente para a sua vontade. Hoje eu leio matérias sobre sincronicidade e vejo que nada é coincidência, tem alguma coisa a mais que não sei explicar. Se tenho esse poder de solicitar, eu peço. Aí vou dizer que tenho a maior sorte do mundo. Mas, se não der certo, mal não fará.
EA: Deixe uma mensagem para o nosso público-leitor — entusiadas da pesca esportiva, meio ambiente e ecoturismo. Stênio: Participe desse movimento de preservação ecológica do planeta. Você não só terá uma satisfação de vida por ter essa postura como isso lhe dará muito sorte!
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