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o espaço mnemônico the mnemonic space 54
JURANDY VALENÇA
Não é à toa que, segundo o filósofo francês Merleau-Ponty (1908-1961), “o espaço não é um ambiente (real ou lógico) em que as coisas se dispõem, mas o meio pelo qual a posição das coisas se torna possível”. Para ele, e também para Aline e Jeff, o espaço - o lugar - não é algo que se impõe, ao contrário, se constrói a partir da experiência humana. Ele só existe se houver um sujeito, o espectador/observador que o construa. Com o seu olhar e pensamento.
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O repertório de formas dos artistas, em seus relevos, esculturas e fotografias constituem dispositivos mnemônicos, que se relacionam com a nossa memória. O que vemos são pedaços de uma cartografia afetiva na qual o vazio é abarcado e ilumina zonas de sombras da nossa memória. É uma demonstração topológica que incorpora a imagem, a representação do vazio, da paisagem, da passagem do tempo e suas rasuras na pele das coisas, em uma organização sutil que envolve uma troca de reciprocidades entre a ausência e a presença.
Ambos falam também sobre como as formas podem tensionar as relações com o espaço, e como se ao mesmo tempo o redesenhasse. Jeff e suas rachaduras que povoam incompletudes, ao projetar o chão em toda sua frontalidade nas paredes, ou ao elevá-lo sobre o piso existente da Casa de Vidro, o desloca para outro patamar, criando um “palco”, um lugar de suspensão do real. Além de trazer à tona, apontando, direcionando nosso olhar para o chão para a terra, que está usando um pensamento, uma estratégia mais aristotélica do que platônica.
It is not a coincidence that, according to the French philosopher Merleau-Ponty (1908-1961), “space is not an environment (real or logical) in which things are arranged, but the means by which the position of things becomes possible.”. For him, and also for Aline and Jeff, the space - the place - is not something that is imposed, on the contrary, it is built from the human experience. It only exists if there is a subject, the spectator/observer who constructs it with his/her eyes and thoughts.
The artists' repertoire of forms, in their reliefs, sculptures and photographs, constitute mnemonic devices, which relate to our memory. What we see are pieces of an affectionate cartography in which the void is encompassed and illuminates shadowy areas of our memory. It is a topological demonstration that incorporates the image, the representation of the void, the landscape, the passage of time and their erasures in the skin of things, in a subtle organization that involves an exchange of reciprocity between absence and presence.
Both also talk about how shapes can tension relationships with space, and as if at the same time they redesign it. Jeff and their cracks that populate incompleteness, when projecting the floor in all its frontality on the walls, or when raising it over the existing floor of the Glass House, moves it to another level, creating a “stage”, a place for suspension of the real. In addition to bringing to the surface, pointing, directing our gaze towards the ground towards the earth, which is using a thought, a strategy that is more Aristotelian than Platonic.
JURANDY VALENÇA
As esculturas e fotografias que Aline exibe carregam por si só um sentido poético, transitório, que ocupa um lugar impreciso no espaço. Como que aliviadas do seu peso, suas colunas carregam a delicada densidade de uma paisagem. Em sua imponente e enigmática escultura central, o branco do gesso que usa denota uma assepsia na escultura criando uma paisagem circular e anônima. Afinal, qual é a paisagem, de onde ela vem e para onde vai? Ela cria uma figuração que traz em si um anonimato e uma “impessoalidade altiva”, expressão que o Rodrigo Naves usou em um ensaio sobre o Antonio Lizárraga.
Ambos representam a inteireza das coisas por meio do chão fendido, rachado, trincado, das ranhuras, das junções e interposições, da repetição que se conectam, se ligam. São cavidades, cortes, fendas, interrupções, sulcos, vãos, vazios preenchidos? A superfície que vai além de ser limite, fronteira de algo ou do seu eixo, a axialidade do traçado urbano. Eles mimetizam na Casa de Vidro o ambiente, o entorno, a cidade. Os lugares deslocados do seu local de origem. Aline e Jeff embelezam a opacidade do mundo, o seu azedume, seu pesadume e também sua leveza. Agem como topólogos que vão além da superfície das coisas. Revelam a tensão entre a [des]ordem e o acaso. Há nestes trabalhos uma leveza, aquela que Italo Calvino nos lembra, que a precisão, no antigo Egito, “era simbolizada por uma pluma que servia de peso num dos pratos da balança em que se pesavam as almas”. Essa pluma era chamada de Maat, e seu hieróglifo indicava também a unidade de comprimento, “os 33 cm do tijolo unitário”.
O que antes era privado de espessura, a superfície em si, a paisagem, passa a ter profundidade, ganha uma nova representação em obras que abrigam elementos de fratura nos quais a cidade deixa de ser um todo. Eles desconstroem a estrutura tradicional das aparências. Suas obras são representações estéticas do território no qual a geometria euclidiana, das superfícies, é posta em xeque-mate.
The sculptures and photographs that Aline exhibits carry by themselves a poetic, transitory sense, which occupies an imprecise place in space. As if relieved of its weight, its columns carry the delicate density of a landscape. In her imposing and enigmatic central sculpture, the white of the plaster she uses denotes an asepsis in the sculpture, creating a circular and anonymous landscape. After all, what is the landscape, where does it come from and where does it go? She creates a figuration that brings an anonymity and a “haughty impersonality”, an expression that Rodrigo Naves used in an essay about Antonio Lizárraga.
Both represent the wholeness of things through the split, cracked, cracked floor, the grooves, the junctions and interpositions, the repetition that connects. Are the cavities, cuts, cracks, interruptions, grooves, gaps and voids filled? The surface that goes beyond being a limit, the frontier of something or its axis, the axiality of the urban layout. In Casa de Vidro, they mimic the environment, the surroundings, the city. Places displaced from their place of origin. Aline and Jeff embellish the opacity of the world, its bitterness, its heaviness and also its lightness. They act as topologists who go beyond the surface of things. They reveal the tension between [dis]order and chance. There is a lightness in these works, which Italo Calvino reminds us, that precision, in ancient Egypt, “was symbolized by a feather that served as a weight in one of the scales on which souls were weighed”. This plume was called Maat, and its hieroglyph also indicated the unit of length, “the 33 cm of the unitary brick”.
What was previously deprived of thickness, the surface itself, the landscape, now has depth, gains a new representation in works that harbor elements of fracture in which the city ceases to be a whole. They deconstruct the traditional structure of appearances. Their works are aesthetic representations of the territory in which Euclidean geometry, of surfaces, is put in checkmate.