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Pare de se

sabotar Nutrir sentimentos negativos pode comprometer a saúde física e a vida social, além de abrir portas para comportamentos disfuncionais. Saiba como driblá-los por Diego Benine

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educadora física Patrícia cresceu em um lar que era, segundo ela mesma, atípico, problemático. Embora não fosse violento, seu pai era alcoólatra e sofria de uma dependência patológica de açúcar. A mãe, por sua vez, tinha dificuldades para controlar a raiva, o que tornava o convívio familiar ainda mais conturbado. Esse cenário contribuiu para que a garota desenvolvesse uma autocobrança excessiva e bastante danosa. “Para não decepcionar as pessoas ao meu redor, eu fugi para uma espécie de perfeccionismo. Isso gerou um ciclo de frustração, baixa autoestima, insegurança e isolamento. Com o passar do tempo me tornei uma pessoa raivosa e muito agressiva”, conta. O acúmulo de sentimentos negativos durante a adolescência não comprometeu somente a saúde mental e as relações sociais de Patrícia. Sintomas como insônia, falta de apetite, dificuldade de concentração e variações

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súbitas de pressão arterial – sobretudo quando tinha de enfrentar situações difíceis – acompanharam a jovem até a fase adulta e refletiram até mesmo em sua vida profissional. “Eu não conseguia sair para procurar um trabalho. Além disso, não tinha ânimo para trabalhar. Estava sempre fugindo da maioria das minhas responsabilidades.” O drama de Patrícia não se trata de um caso isolado. Afinal, as emoções, sejam elas positivas ou negativas, estão presentes no cotidiano de praticamente todos os seres humanos. De acordo com a psiquiatra Elisa Brietzke, do departamento de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), sentimentos como raiva, inveja, tristeza, solidão, vergonha e culpa auxiliam o homem a adaptar-se a situações adversas e, por conta disso, foram preservados ao longo da evolução humana. O problema é quando eles fogem do controle. “Ao surgirem de maneira intensa ou fora do contexto, são prejudiciais”, diz a médica. www.revistavivasaude.com.br

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O caminho dos sentimentos

Elisa explica que as emoções são regidas pelo conjunto de estruturas cerebrais que formam o sistema límbico. Desequilíbrios emocionais estão relacionados a disfunções nesta unidade. “As causas vão de fatores genéticos e ambientais (estresse) a eventos traumáticos e uso de álcool e drogas.” Na visão da medicina antroposófica, o ato de sentir é visto como uma das três atividades básicas da alma humana – as outras duas são o pensar e o querer. “No caso do sentir, o processo acontece no meio do corpo. Sentimos com a base do tórax. Quando estamos ansiosos ou com medo, colocamos a mão no peito”, esclarece Elaine Marasca, presidente da Liga dos Usuários e Amigos da Arte Médica Ampliada (Luaama) e autora do livro Saúde se aprende, educação é que cura (Ed. Antroposófica). Segundo ela, um excesso de pensar faz que o sentir perca em qualidade. “A pessoa deixa de compreender o que sente. Isso gera desequilíbrio e pode culminar em problemas de saúde.”

Veneno físico e mental

Alma doente, o corpo sente Se você tem dificuldades para lidar com as emoções negativas, procure ajuda especializada. Além de elevar os riscos de depressão e transtornos psiquiátricos, elas podem estimular a produção de hormônios relacionados ao estresse e que têm sido considerados desencadeadores de problemas como: Hipertensão Dificuldade de concentração Queda de cabelo Gastrite Úlcera Distúrbios do sono (excesso ou déficit) Problemas nos rins e na bexiga Diarreia ou prisão de ventre Dores musculares e articulares Diminuição da libido Disfunção erétil Infecções repetidas (como gripes recorrentes, por exemplo. O excesso de cortisol debilita o sistema imunológico).

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Conhecedor da alma humana, Shakespeare provavelmente se referia aos danos causados pelos estados emocionais quando afirmou: “a raiva é um veneno que bebemos esperando que os outros morram”. A analogia é perfeita para explicar as reações bioquímicas nocivas que a ira e os demais sentimentos negativos trazem ao organismo. “Biologicamente, estas emoções têm algo em comum: a liberação de hormônios relacionados ao estresse, como cortisol, adrenalina e noradrenalina. Em altos níveis e disparados continuamente, podem afetar o bom equilíbrio sistêmico”, alerta Ricardo Monezi, pesquisador do Instituto de Medicina Comportamental da Unifesp. Ele afirma que a tristeza e a solidão têm ligação direta com casos de fobia social – tipo de ansiedade que faz que a pessoa fuja do convívio com outras. “Interiorizados de maneira crônica, eles desencadeiam hábitos que fazem que a pessoa se afaste do meio social ou seja marginalizada. Afinal, ninguém gosta de conviver com pessoas tristes.” www.revistavivasaude.com.br

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Sinal de alerta

Elisa ressalta que, caso não sejam controlados e tratados, os sentimentos negativos podem desencadear depressão, transtornos de ansiedade e até levar a pessoa a buscar comportamentos disfuncionais, tais como: consumir álcool e cigarro em excesso, fazer uso abusivo da internet ou comprar, jogar ou fazer sexo compulsivamente. Mas como saber qual é a hora de procurar ajuda? “As emoções dançam conforme a música. Se acontecer uma coisa boa, a pessoa fica feliz. Se ela estiver persistentemente triste, mesmo quando coisas boas acontecem isso é um sinal de alerta”, completa a psiquiatra. É preciso ficar atento se o sentimento está restrito a uma área da vida do indivíduo. Ainda tomando a tristeza como exemplo, é natural que ele se sinta triste devido a um acontecimento trágico, desde que mantenha a capacidade de sentir prazer em outras áreas. Se isso não acontecer, talvez seja a hora de procurar um médico.

Alivie os sentimentos negativos

Raiva

Tristeza

Atividades que ajudam a regular respiração (ioga, artes marciais e fisioterapia respiratória) ajudam a desenvolver autocontrole.

Recomenda-se exposição à luz solar, alimentos ricos em flavonoides (chocolate e frutas secas) e a prática de alguma atividade física.

inveja

solidão

Dedicar-se a trabalhos voluntários ajuda a tratar esse problema. Sessões de terapia podem ser necessárias para trabalhar a autovalorização.

Busque o contato com amigos e familiares por meio de atividades como passeios ao ar livre e esportes. Evite passar muito tempo na internet.

vergonha

culpA

Participe de eventos em que você não fique apenas como agente passivo. Saraus, teatros e clubes de leitura são boas pedidas.

Expressar o que sente para amigos e pessoas de confiança é fundamental para aceitar os próprios erros e conviver com eles.

Atriz: Rayssa Randi. Make e cabelo: Elcio Aragão

Antídotos

Elisa diz que há duas formas de lidar com esse tipo de problema. “É possível estabelecer estratégias focadas no fato que está gerando o sentimento ou medidas para aliviá-lo. Se a pessoa está em um emprego muito ruim e isso a deixa irritada, ela pode mudar de emprego ou telefonar para um amigo para se sentir melhor.” Já Elaine sugere as artes como válvula de escape: “o sentir deve ser trabalhado por meio da música, da pintura e do contato com a natureza.” A espiritualidade é outra ferramenta poderosa no combate às emoções ruins. De acordo com Monezi, ser espiritualizado não implica necessariamente em seguir uma religião, mas ter um conjunto de crenças, ler sobre elas e praticá-las. Segundo ele, isso ajuda no combate aos agentes estressores e traz sentimentos positivos, melhorando a qualidade de vida. Patrícia encontrou seu próprio jeito de vencer a luta interior. “Sou praticante de meditação. Nos últimos tempos, eu abracei isso, pois percebi que me ajuda. É algo que me tranquiliza e traz aceitação.” www.revistavivasaude.com.br

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