Col贸quio
Humanidades M茅dicas
Anton Tchekhov e a sensibilidade ao sofrimento humano
Ă lvaro Madeiro Leite Faculdade de Medicina - UFC
Como aprendemos a
considerar a dor os outros?
Fim de século: o paradoxo triunfo/infelicidade na medicina
Triunfo científico e tecnológico
Incerteza Desorientação Perda da confiança Infelicidade
“Why are doctors so unhappy? Smith, R (2001) British Medical Journal
Conflito epistemológico fundamental: a natureza da doença
Uma condição objetiva, gerada por um distúrbio mecânico
X
Uma condição inseparável da experiência subjetiva do paciente
•Doente substituído por um corpo doente, porta-voz da doença. •Doente transformado em caso clínico
•Invisibilidade do Outro em sua condição humana. [experiência única, singularíssima, que a condição patológica representa em sua vida]
Educação da sensibilidade...
Convite a novas percepções...
Educar A educação se divide em duas partes: educação das habilidades e educação das sensibilidades... Sem a educação das
sensibilidades, todas as habilidades são tolas e sem sentido.
por Rubem Alves
Perspectiva do doente
(da pessoa doente) • A gente não tá preparada pra aquilo, a gente não engravida pra deixar um filho dentro de uma UTI. A gente pensa: ‘ vou ter ele nove meses, vou vim pra casa, receber alta e cuidar do meu filho em casa. É uma situação muito difícil: além de você correr o risco de perder o seu filho... • Eu chego em casa e dá assim um vazio, é muito triste...
Ian McWhinney "Father of Family Medicine" • A Medicina, por todo o sempre, porta problemas morais dos quais dois são muitos sérios presentemente:
insensibilidade ao sofrimento e abuso de poder. O distanciamento produzido por nossas abstrações nos tornam particularmente expostos ao primeiro – a
insensibilidade. E
nosso crescente conhecimento a respeito de prognóstico e terapêutica ao segundo – o abuso de poder (a prática autoritária).
Como aprendemos a respeitar a dor os outros?
http://medhum.med.nyu.edu/
ANGÚSTIA: a quem comunicar minha tristeza?
• Cenário: – Moscou
• Personagens – Cocheiro: Iona Potápov – Filho do cocheiro: Kuzmá Ionitch – Égua – Transeuntes
Com quem a dor partilharei? Cena I
Anoitece. A neve graúda e úmida gira preguiçosamente ao redor dos lampiões recém acesos e deita-se em placas macias e finas nos telhados, nos lombos dos cavalos, nos ombros, nos gorros.
Com quem a dor partilharei? O cocheiro Iona Potápov está todo branco, como um fantasma. Está sentado na boléia, curvado, tão curvado quanto é possível curvar-se um corpo vivo, e não se mexe. Se toda uma avalanche se despencasse sobre ele, nem assim, ao que parece, ele acharia necessário sacudir a neve… A sua eguazinha também está branca e imóvel.
Com quem a dor partilharei? Iona e a sua eguazinha não se movem do lugar já faz muito tempo. Saíram do pátio ainda antes do almoço, porém não fizeram nem uma corrida. Mas eis que a sombra da noite desce sobre a cidade. A luz pálida dos lampiões cede lugar à cor viva e o bulício das ruas torna-se mais ruidoso.
Com quem a dor partilharei? [1º passageiro] — Cocheiro, para a Viborgskaia! — ouve Iona. — Cocheiro! Iona estremece e, através dos cílios grudados pela neve, vê um militar de capote e capuz. — Para Viborgskaia! — repete o militar. — Mas tu estás dormindo, hein? Para Viborgskaia!
(...) “Não sabes dirigir! Aguenta a direita!”, ralha o militar.
Com quem a dor partilharei? Iona torce a boca num sorriso, força a garganta e rouqueja: — É que… patrão… coisa… o … meu filho… se finou esta semana. — Hum!… E de que foi que ele morreu? Iona volta-se de corpo inteiro para o passageiro e fala: — E quem sabe lá! Vai ver, foi a febre… Ficou três dias no hospital e se finou… É a vontade de Deus.
Com quem a dor partilharei? Cena II — Cocheiro, para a ponte Policial! — grita o corcunda com voz de trêmulo. — Nós três — por vinte copeques! Iona puxa as rédeas e estala os lábios. Vinte copeques não é preço justo, mas ele não está para pensar em preço… um rublo ou cinco copeques, para ele dá na mesma agora — haja passageiros…
Com quem a dor partilharei? Iona olha para eles por cima do ombro. Escolhendo um momento propício, volta-se novamente e balbucia: — E eu nesta semana…coisa… finou-se meu filho! — Todos vamos nos finar… — suspira o corcunda, enxugando os lábios depois do acesso de tosse. — Anda, toca, toca! Deus meu, palavra que não agüento mais viajar assim! Quando é que nós vamos chegar?
Com quem a dor partilharei? • E Iona volta-se para contar como morreu seu filho, mas aí o corcunda suspira aliviado e declara que, graças a Deus, eles já chegaram, finalmente. Tendo recebido os vinte copeques, Iona finca longamente o olhar no encalço dos farristas, que desaparecem num portão escuro.
Com quem a dor partilharei?
Outra vez ele está só, e outra vez o silêncio cai sobre ele… A angústia, que amainara um pouco, surge de novo e oprime o peito com força maior ainda.
Ensino clínico
“coração da educação médica”
SOFRIMENTO: o que ĂŠ, como considerar?
Com quem a dor partilharei? Os olhos de Iona correm aflitos e martirizados pelas turbas que se agitam de ambos os lados da rua: não haverá no meio dessas milhares de pessoas ao menos uma que quisesse ouvi-lo? Mas as turbas
correm sem notá-lo, nem a ele, nem à sua angústia…
Com quem a dor partilharei?
Angústia enorme, que não conhece limites. Se estourasse o peito de Iona e a angústia se derramasse, ela inundaria, parece, o mundo inteiro — e no entanto, ela é invisível. Ela conseguiu aninhar-se numa casca tão ínfima, que não se pode enxergá-la nem com lanterna à luz do sol…
Ensino clínico
“coração da educação médica”
Com quem a dor partilharei? Cena III
Iona se veste e vai para a cavalariça, onde está a sua égua. Ele pensa na aveia, na palha, no tempo… No filho, quando está sozinho, ele não consegue pensar. Falar com alguém a respeito do filho, isso ele poderia, mas pensar sozinho e imaginá-lo élhe insuportável e assustador…
Com quem a dor partilharei? Iona vê um zelador de prédio com um saco na mão e decide falar com ele. — Mano, que horas serão? — pergunta ele. — Passa das nove... E por que ficas parado aqui? Vai andando! Iona afasta-se alguns passos, dobra o corpo e entregase à angústia...
Dirigir-se aos homens ele já considera inútil.
Dirigir-se aos homens ele jĂĄ considera inĂştil...
Cena final... “Diálogo” com a eguinha!!!
Com quem a dor partilharei? — Mastigas? — pergunta Iona ao seu cavalo, vendolhe os olhos brilhantes. Mastiga, anda, mastiga… Se não ganhamos para a aveia, comeremos palha… Pois é… Já estou velho para este trabalho… O filho é que devia trabalhar, e não eu… Aquele sim é que era cocheiro de verdade… Se ao menos vivesse… Iona cala-se um pouco, depois continua:
Com quem a dor partilharei? Iona cala-se um pouco, depois continua: — Assim é, mana egüinha… Não temos mais Kusma Ionitch… Foi-se desta para melhor… Pegou e morreu, à toa… Agora, imagina tu, por exemplo — tu tens um potrinho, e tu és a mãe desse potrinho… E de repente, imagina, esse mesmo potrinho se despacha desta para melhor… Dá pena ou não dá?
Com quem a dor partilharei?
A eguazinha mastiga, escuta e esquenta com seu bafo as mãos do dono… Iona se deixa arrebatar e conta-lhe tudo…
Dirigir-se aos homens ele já considera inútil ANGÚSTIA A quem confiar minha tristeza? Com quem a dor partilharei?
A quem confiar minha tristeza?
http://www.youtube.com/watch?NR=1&v=MtoVE9QoA40
Jurandir Freire Costa: s铆ntese de nosso tempo
Desinvestimento cultural na ideia do pr贸ximo
Philip Roth - Pastoral Americana -
... a vida ĂŠ entender as pessoas errado, sempre e sempre, num movimento infinito de desentendimentos, como se fĂ´ssemos, todos, incapazes de chegar atĂŠ o outro.
Como aprendemos a
considerar a dor os outros?
Contardo Calligaris - sobre a indiferença Trata-se de uma deficiência de caráter moral. A pessoa indiferente é incapaz de perceber o que uma determinada situação está pedindo a ela.
Nem sua sensibilidade nem seu entendimento sabem escutar as demandas da realidade, o compromisso que uma situação social requer, a ajuda ou a companhia de que outra pessoa necessita.
Homem Invisível revela a dor da existência do homem negro num mundo branco. •
Ralph Ellison escreveu, no seu livro The invisible man:
• “Eu sou invisível, compreendam bem, simplesmente porque as pessoas se recusam a olhar para mim”.
OS CINCO SABERES DO PENSAMENTO COMPLEXO: Humberto Mariotti
SABER VER (...) nossa existência é confirmada pelo olhar do outro. Em certas tribos do Natal, na África do Sul, o principal cumprimento é a expressão Sawu bona, que quer dizer "eu vejo você". As pessoas assim saudadas respondem dizendo Sikhona, que significa "eu estou aqui". Ou seja: começamos a existir quando o outro nos vê.
OS CINCO SABERES DO PENSAMENTO COMPLEXO: Humberto Mariotti
SABER VER Ética ubuntu (tradição Umuntu ngumuntu nagabantu), que em zulu significa “Uma pessoa se torna uma pessoa por causa das outras”. Para esses povos, quando um indivíduo passa por outro e não o cumprimenta, é como se houvesse se recusado a vê-lo, o que significa negar-lhe a existência.
Escutatória
"Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma". Fernando Pessoa
Words that make a difference Palavras e Gestos que fazem a diferenรงa
Insight. Elaboração. Crescimento mental • In [dentro de] • Sight [iluminação]
Se fez uma luz na mente da pessoa...
Muito obrigado!!