Ă lvaro Madeiro Leite Professor Titular de Pediatria Faculdade de Medicina - UFC .
Como aprendemos a
considerar a dor os outros?
Educação da sensibilidade...
Convite a novas percepções...
Educar A educação se divide em duas partes: educação das habilidades e educação das sensibilidades... Sem a educação das
sensibilidades, todas as habilidades são tolas e sem sentido.
por Rubem Alves
Fim de século: o paradoxo triunfo/infelicidade na medicina
Triunfo científico e tecnológico
Incerteza Desorientação Perda da confiança Infelicidade
“Why are doctors so unhappy? Smith, R (2001) British Medical Journal
Conflito epistemológico fundamental: a natureza da doença
Uma condição objetiva, gerada por um distúrbio mecânico
X
Uma condição inseparável da experiência subjetiva do paciente
•Doente substituído por um corpo doente, porta-voz da doença. •Doente transformado em caso clínico
•Invisibilidade do Outro em sua condição humana. [experiência única, singularíssima, que a condição patológica representa em sua vida]
Anton Tchekhov
ANGĂšSTIA
Com quem a dor partilharei?
ANGÚSTIA: a quem comunicar minha tristeza?
• Cenário: – Moscou
• Personagens – Cocheiro: Iona Potápov – Filho do cocheiro: Kuzmá Ionitch – Égua – Transeuntes
Com quem a dor partilharei? Cena I
Anoitece. A neve graúda e úmida gira preguiçosamente ao redor dos lampiões recém acesos e deita-se em placas macias e finas nos telhados, nos lombos dos cavalos, nos ombros, nos gorros.
Com quem a dor partilharei? O cocheiro Iona Potápov está todo branco, como um fantasma. Está sentado na boléia, curvado, tão curvado quanto é possível curvar-se um corpo vivo, e não se mexe. Se toda uma avalanche se despencasse sobre ele, nem assim, ao que parece, ele acharia necessário sacudir a neve… A sua eguazinha também está branca e imóvel.
Com quem a dor partilharei? Os olhos de Iona correm aflitos e martirizados pelas turbas que se agitam de ambos os lados da rua: não haverá no meio dessas milhares de pessoas ao menos uma que quisesse ouvi-lo? Mas as turbas
correm sem notá-lo, nem a ele, nem à sua angústia…
Com quem a dor partilharei?
Angústia enorme, que não conhece limites. Se estourasse o peito de Iona e a angústia se derramasse, ela inundaria, parece, o mundo inteiro — e no entanto, ela é invisível. Ela conseguiu aninhar-se numa casca tão ínfima, que não se pode enxergá-la nem com lanterna à luz do sol…
Com quem a dor partilharei? Cena III
Iona se veste e vai para a cavalariça, onde está a sua égua. Ele pensa na aveia, na palha, no tempo… No filho, quando está sozinho, ele não consegue pensar. Falar com alguém a respeito do filho, isso ele poderia, mas pensar sozinho e imaginá-lo élhe insuportável e assustador…
http://www.youtube.com/watch?NR=1&v=MtoVE9QoA40
Com quem a dor partilharei? Iona vê um zelador de prédio com um saco na mão e decide falar com ele. — Mano, que horas serão? — pergunta ele. — Passa das nove... E por que ficas parado aqui? Vai andando! Iona afasta-se alguns passos, dobra o corpo e entregase à angústia...
Dirigir-se aos homens ele já considera inútil.
Dirigir-se aos homens ele jĂĄ considera inĂştil
Cena final... “Diálogo” com a eguinha!!!
Com quem a dor partilharei? — Mastigas? — pergunta Iona ao seu cavalo, vendolhe os olhos brilhantes. Mastiga, anda, mastiga… Se não ganhamos para a aveia, comeremos palha… Pois é… Já estou velho para este trabalho… O filho é que devia trabalhar, e não eu… Aquele sim é que era cocheiro de verdade… Se ao menos vivesse… Iona cala-se um pouco, depois continua:
Com quem a dor partilharei? A eguazinha mastiga, escuta e esquenta com seu bafo as mãos do dono…
Iona se deixa arrebatar e conta-lhe tudo… http://www.youtube.com/watch?v=1XQLpYa7oUw
Jurandir Freire Costa: s铆ntese de nosso tempo
Desinvestimento cultural na ideia do pr贸ximo
Objetivo Pensar um dos problemas da condição humana, exatamente aquele concernente à temática da escolha individual, e no caso particular, a escolha da profissão médica. Vale dizer, profissão que tem no respeito e no cuidado ao outro que sofre sua missão primordial.
• O romance narra a história de dois casais (Tomas-Teresa; Sabina-Franz) que tem de lidar com a aventura de suas existências individuais ao mesmo tempo em que tentam reorganizar suas vidas atingidas em cheio pela invasão da República Tcheca pelos comunistas russos.
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Tomas entrara em conflito aberto com a burocracia comunista ao se envolver com a publicação de um texto na revista da União dos Escritores Tchecos, publicação com “alguma autonomia no interior do regime, e que falava de assuntos que as outras não ousavam falar publicamente” (p. 166). Escrevera, despretensiosamente, meses antes da invasão russa, sobre aspectos contraditórios do comportamento dos comunistas do país frente às desventuras totalitárias do regime soviético.
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Pouco depois o texto foi publicado na antepenúltima página, entre as cartas dos leitores. Tomas não sentiu nenhuma satisfação. Haviam-no chamado ao jornal para que aprovasse uma mudança de sintaxe, mas em seguida, sem pedir licença, tinham cortado tanto seu texto que suas reflexões se reduziam a uma tese fundamental (demasiado esquemática e agressiva) e não lhe agradavam absolutamente.
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Isso aconteceu na primavera de 1968. (...) Quando a carta de Tomas foi publicada, houve um clamor: chegamos a isso! Já ousam escrever publicamente que temos de furar nossos olhos! Dois ou três meses mais tarde, os russos decidiram que a livre discussão era inadmissível no seu domínio, e mandaram, no espaço de uma noite, que seu Exército ocupasse o país de Tomas (p. 167).
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[...] Tomas se lembrou da história de Édipo. Édipo não sabia que dormia com sua própria mãe, e, no entanto, quando compreendeu o que tinha acontecido, nem por isso se sentiu inocente. Não pôde suportar a visão da infelicidade provocada por sua ignorância, furou os olhos e, cego para sempre, partiu de Tebas. Tomas ouvia o grito dos comunistas que defendiam sua pureza de alma, e dizia a si próprio: por causa de sua inconsciência o país talvez tenha perdido séculos de liberdade. Mesmo assim vocês gritam que se sentem inocentes? Como podem ainda olhar em torno de si mesmos? Como?! Não estão espantados? Vocês não enxergam? Se tivessem olhos deveriam furá-los e deixar Tebas!(p. 164)
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No dia seguinte escreveu sua carta de demissão. Supunha (corretamente) que uma vez descendo, por vontade própria, ao degrau mais baixo da escala social (como já haviam feito milhares de intelectuais de outras áreas), a polícia não teria mais poderes sobre ele e deixaria de se interessar por ele. Nessas condições, não poderiam mais publicar declarações supostamente assinadas por ele, pois não teriam credibilidade (p. 181). (...)Tomas sentiu que não estava nada seguro de ter tomado a decisão acertada mas, sentindo-se já comprometido com ela por um voto de fidelidade, não cedeu. Tornou-se lavador de vidros (p. 181).
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Poderíamos, portanto, concluir que não havia em sua vida um es muss sein! uma grande necessidade. Na minha opinião, havia uma. Não era o amor, era a profissão. Não fora conduzido à medicina por um acaso ou um cálculo racional, mas por um profundo desejo interior. Se fosse possível classificar as pessoas por categorias, seria certamente a partir desses desejos profundos que as conduzem para esta ou aquela atividade que exercem durante a vida inteira (p. 182).
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Um francês é diferente do outro. Mas todos os atores do mundo se parecem em Paris, Praga, e até mesmo no mais modesto teatro do interior. É ator aquele que aceita, desde a infância, expor sua vida a um público anônimo. Sem esse consentimento fundamental que na da tem a ver com o talento, que é algo mais profundo do que o talento não se pode ser ator. Da mesma maneira, o médico é aquele que aceita se ocupar de corpos humanos durante a vida inteira e com todas as consequências. E esse acordo fundamental (não o talento ou a habilidade) que faz com que ele possa entrar numa sala de dissecação no primeiro ano e terminar o curso seis anos mais tarde (p. 182).
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A cirurgia eleva o imperativo fundamental da profissão de médico ao extremo limite em que o humano toca o divino. Quando se bate com violência no crânio de um homem com um porrete, ele cai e deixa de respirar para sempre. Mas ele deixaria de respirar mais cedo ou mais tarde. O assassinato só fez apressar o que o próprio Deus providenciaria depois. Bem podemos supor que Deus previu o homicídio mas não a cirurgia. Nunca podia imaginar que ousaríamos mergulhar a mão no interior do mecanismo que ele inventou, embalou cuidadosamente com pele, lacrou e fechou para esconder dos olhos dos homens.
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Quando Tomas encostou pela primeira vez um bisturi na pele de um homem adormecido pela anestesia, depois cortou essa pele com um gesto enérgico, abrindo uma incisão regular e precisa (como se fosse o tecido inanimado de um casaco, uma saia ou uma cortina), ele sentiu uma breve mas intensa sensação de sacrilégio. Mas, certamente, era isso que o atraía! Era uma necessidade, um es muss sein! Profundamente enraizado nele, para o qual não contribuíra nenhum acaso, nem a ciática do chefe de serviço, nem qualquer fator externo. Mas então, como pôde largar tão depressa, com tanta firmeza facilidade, alguma coisa tão profunda? (p. 183).
• Ser cirurgião é abrir a superfície das coisas e olhar o que se esconde dentro delas. Talvez tenha sido isso que despertou em Tomas o desejo de ver o que havia do outro lado, além do es muss sein! • Em outras palavras, de ver o que sobra da vida quando o homem abre mão de tudo que considerara até então como missão (p. 185).
Os quatro pilares da educação
Aprender a conhecer Aprender a fazer Aprender a conviver Aprender a ser
Fonte: EDUCAÇÃO: um tesouro a descobrir. Relatório da UNESCO sobre a educação, coordenado por Jacques Delors
Aprender a ser...
Words that make a difference Palavras e Gestos que fazem a diferenรงa
Escutatória
"Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma". Fernando Pessoa
Como aprendemos a
considerar a dor os outros?
Muito obrigado!!