CARTA AO LEITOR
SUMÁRIO
GENIUS vem, mais uma vez, à luz do dia, impulsionada pela satisfatória receptividade que suas páginas tiveram, nos diferentes segmentos culturais do nosso Estado, a partir do ato de seu lançamento, no dia 16 de abril, na Academia Paraibana de Letras, durante o qual, conforme se pode ver em matéria inserta nesta edição, a intelectualidade paraibana se confraternizou, expressando a admiração e a aprovação no tocante à ideia da criação deste veículo de comunicação, da sua feição gráfica, bem como da excelente qualidade das colaborações divulgadas na edição inaugural. Leitores diversos também se manifestaram sobre o aparecimento de GENIUS, valendo destacar, como exemplo, as palavras do poeta Ciro José Tavares, que, em e-mail, disse, peremptório: Gosto de coisas sérias e Genius é uma delas. Bafejados por tais expressões de apoio e aprovação, dedicamo-nos a reunir nesta segunda edição, um naipe de colaboradores do mesmo nível, em volta de assuntos do maior interesse, relacionados com a literatura, a história, a filosofia, a educação e outras áreas de relevância. Recrutamos, entre outros, trabalhos da lavra de Neroaldo Pontes de Azevedo sobre a educação [Educar é preciso]; Evandro da Nóbrega, sobre a aventura russa de Elias Herckmanns, que governou a Paraíba, durante o domínio holandês; Glória das Neves Dutra Escarião, explanando as aproximações entre os conceitos de homem no pensamento de Paulo Freire e Edgar Morin; Chico Viana, dissertando sobre melancolia e erotismo em Olavo Bilac; Joaquim Osterne Carneiro, evocando a figura de Guimarães Duque, grande estudioso do semiárido nordestino, além de outros autores e trabalhos da mesma magnitude. Genius homenageia, com entrevista prestada ao jornalista Flávio Sátiro Fernandes, a figura ímpar de Mário Glauco di Lascio, na área de arquitetura, o qual, por seus projetos, sua dedicação e perfil ético no exercício profissional, merece ser considerado, como referido no título da matéria, um ícone da arquitetura paraibana. Por tudo isso, sentimo-nos estimulados a continuar no intuito de dotar o nosso Estado de um veículo de comunicação, na área do jornalismo cultural, suprindo, assim, como dissemos na ocasião de seu lançamento, uma lacuna de que a Paraíba se ressentia.
05 - INTELECTUAIS SE CONFRATERNIZAM NO LANÇAMENTO DE GENIUS Equipe Genius
06 - RELIGIÃO E ESTADO NA CONSTITUIÇÃO DE CÁDIZ E EM
ALGUMAS OUTRAS QUE RECEBERAM SUA INFLUÊNCIA Flávio Sátiro Fernandes
12 - A IGREJA DO ROSÁRIO DE POMBAL E O SINCRETISMO RELIGIOSO José Romero Araújo Cardoso
14 - DO ALASKA AO USHUAIA (DO ALASKA A EL FIN DEL MUNDO) Carlos Meira Trigueiro
15 - MELANCOLIA E EROTISMO EM OLAVO BILAC Chico Viana
18 - GUIMARÃES DUQUE: UM ESTUDIOSO DO SEMIÁRIDO NORDESTINO Joaquim Osterne Carneiro
27 - FFFFPB E OUTROS FESTIVAIS Wills Leal
28 - MÁRIO GLAUCO DI LASCIO - UM ÍCONE DE NOSSA ARQUITETURA Entrevista a Flávio Sátiro Fernandes
30 - ADEUS A DORGIVAL Equipe GENIUS
31 - AS FEIRAS LIVRES NA PARAÍBA: ESPAÇOS DE CONSUMO
MODERNOS E TRADICIONAIS Oswaldo Meira Trigueiro
35 - CONCEPÇÃO DE HOMEM: APROXIMAÇÕES CONCEITUAIS ENTRE PAULO FREIRE E EDGAR MORIN
Glória das Neves Dutra Escarião
39 - EDUCAR É PRECISO
Neroaldo Pontes de Azevedo
42 - EDITORA FÓRUM HOMENAGEIA O CONSELHEIRO FLÁVIO SÁTIRO FERNANDES Equipe GENIUS
44 - JURISTA BRASILEIRO É HOMENAGEADO EM PORTUGAL Equipe GENIUS
45 - LIVROS abril/maio/junho 2013 - Ano I - Nº 02 Revista da Fundação Flávio Sátiro Fernandes Diretor Responsável e Editor: Flávio Sátiro Fernandes (Registro Profissional de Jornalista Nº 01980-MTE/PB) Diagramação e arte: João Damasceno (DRT-3982) Concepção da Capa: Milton Nóbrega Tiragem: 1.000 exemplares Redação: Av. Epitácio Pessoa, 1251- Sala 807 – 8º andar Bairro dos Estados - João Pessoa-PB - CEP: 58.030-001 Telefone: (83) 3244.5633 - e-mail: flaviosatiro@uol.com.br GENIUS se acha matriculada sob Nº 655.961, do Livro A-489, do Serviço Notarial e Registral Toscano de Brito de João Pessoa-PB CARTAS E LIVROS PARA O ENDEREÇO ACIMA
Equipe GENIUS
46 - HERCKMANS É MUITO ESTUDADO AINDA HOJE MUNDO A FORA MAS NÃO SÓ POR HAVER GOVERNADO A PARAÍBA HOLANDESA Evandro da Nóbrega
52 - QUATRO POEMAS DE CHICÃO DE BODOCONGÓ 53 - A MORTE DE UM POETA “EXILADO” Carlos Alberto Jales
54 - AMOR AOS LIVROS Francisco Gil Messias
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COLABORADORES COLABORAM NESTE NÚMERO:
FRANCISCO GIL MESSIAS [Amor aos livros] Procurador da Universidade Federal da Paraíba, cronista e poeta.
CARLOS ALBERTO JALES [A morte do poeta] Professor de Filosofia da UFPB, poeta e cronista.
GLÓRIA DAS NEVES DUTRA ESCARIÃO [Concepção de homem: aproximações conceituais entre Paulo Freire e Edgar Morin]. Professora Doutora, em Educação, integrante do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba. Autora dos livros Educação e trabalho e Globalização e homogeneização do currículo no Brasil.
CARLOS MEIRA TRIGUEIRO [Do Alaska ao Ushuaia (Do Alaska a El Fin del Mundo)]. Professor aposentado da Universidade Federal da Paraíba. Ex-Professor da Universidade Católica de Pernambuco. Autor dos livros “Estudos de Casos no Treinamento de Executivos” e “Marketing & Turismo”, todos na 2ª edição, publicados pela Qualitymark Editora do Rio de Janeiro. Atualmente é Consultor de Marketing. CHICO VIANA [Melancolia e erotismo em Olavo Bilac] Professor da UFPB e doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sua tese, publicada em 1994 com o título de “O evangelho da podridão”, enfoca a representação da melancolia em Augusto dos Anjos. Atualmente ensina português e redação no curso que leva o seu nome. (www.chicoviana.com). EVANDRO DA NÓBREGA [Herckmans é muito estudado ainda hoje Mundo afora - mas não só por haver governado a Paraíba holandesa]. Jornalista, editor, autor do livro A glândula pineal do urubu, que lhe valeu uma apresentação no programa de Jô Soares. Responsável pela editoração de várias obras, dentre as quais sobrelevam O mais civilizado dos paraibanos (2005) e Ministros paraibanos em Tribunais Superiores (2012). FLÁVIO SÁTIRO FERNANDES [Religião e Estado na Constituição de Cádiz e em algumas outras que receberam sua influência]. Membro da Academia Paraibana de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, Professor Aposentado do Curso de Direito da Universidade Federal da Paraíba. É autor do livro História Constitucional da Paraíba. FRANCISCO DE ASSIS CUNHA METRI (Chicão de Bodocongó). Músico e poeta, Natural de João Pessoa, reside em Campina Grande, desde 1978, quando foi admitido como professor de flauta doce na então UFPB Campus II, hoje UFCG, Campus Campina Grande.
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JOAQUIM OSTERNE CARNEIRO [Guimarães Duque: Um estudioso do semiárido nordestino]. Engenheiro Agrônomo, escritor e historiador. Membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e de várias outras instituições. Atualmente é o Presidente do IHGP. JOSÉ ROMERO ARAÚJO CARDOSO [A Igreja do Rosário de Pombal e o sincretismo religioso] Professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Rio Grande do Norte. Escritor, Assessor da Fundação Vingt-un Rosado/Coleção Mossoroense, Especialista em Geografia e Gestão Territorial e em Organização de Arquivos, Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA – UERN, Sóciocorrespondente do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e do Instituto Cultural do Vale Caririense. NEROALDO PONTES DE AZEVEDO [Educar é preciso]. Professor e Ex-Reitor da Universidade Federal da Paraíba. Ex-Secretário de Educação do Município de João Pessoa. Ex-Secretário de Educação do Estado da Paraíba. OSWALDO MEIRA TRIGUEIRO [As feiras livres na Paraíba: espaços de consumo modernos e tradicionais]. Professor Associado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação/PPGC/ UFPB. Pesquisador da Rede Brasileira de Folkcomunicação/ FOLKCOM. Membro da Comissão Paraibana de Folclore. WILLS LEAL [FFFFPB E OUTROS FESTIVAIS]. Membro da Academia Paraibana de Letras e fundador da Academia Paraibana de Cinema. Autor, dentre outros, do livro Cinema na Paraíba/Cinema da Paraíba.
NOITE DE FESTA
INTELECTUAIS SE CONFRATERNIZAM NO LANÇAMENTO DE GENIUS Equipe Genius
O lançamento da revista Genius assinalou um instante de congraçamento no calendário cultural da Paraíba, quando escritores, jornalistas, acadêmicos, historiadores, intelectuais em geral, confraternizaram-se com o nosso Diretor, Flávio Sátiro Fernandes, efusivamente parabenizado por quantos compareceram à sede da APL para testemunhar tão significativo acontecimento. Todas as manifestações exaltavam, de maneira viva, tanto a iniciativa de criação da revista quanto a feição gráfica do periódico, sendo unânimes, igualmente, os elogios no tocante à alta qualidade das colaborações que compõem o primeiro número de Genius. A apresentação da revista foi procedida pelo Acadêmico Damião Ramos Cavalcanti, Presidente da Academia Paraibana de Letras, o qual, em rápidas palavras, enalteceu a ideia de criação de uma revista nos moldes da que se dava a conhecer naquela noite, motivo porque considerava de parabéns, não só o seu idealizador, mas todos os que compõem a intelectualidade local. Ao se dirigir aos seus convidados, frisou o Conselheiro Flávio Sátiro Fernandes ter sido levado a instituir Genius, pela constatação de não existir em nosso Estado um veículo de comunicação de natureza cultural, como é esta revista, salientando que as publicações ora existentes (Revista da Academia Paraibana de Letras, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, revistas da Universidade Federal d Paraíba e de outras instituições universitárias) são revistas que se voltam unicamente para os que fazem parte dessas casas acadêmicas ou de ensino e a elas ficam restritas, não oportunizando a participação de outras figuras e autores da sociedade. Nas fotos aqui estampadas registram-se os flagrantes mais expressivos do congraçamento intelectual levado a efeito na noite de 16 de abril do corrente ano. abril/maio/junho 2013 |
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CIÊNCIA POLÍTICA
RELIGIÃO E ESTADO NA CONSTITUIÇÃO DE CÁDIZ E EM ALGUMAS OUTRAS QUE RECEBERAM SUA INFLUÊNCIA(*) Flávio Sátiro Fernandes
SUMÁRIO - Introdução. Religião e Estado na Constituição de Cádiz. Religião e Estado na Constituição Portuguesa de 1822. Religião e Estado na Constituição Brasileira de 1824. Religião e Estado em algumas Constituições hispano-americanas. Conclusão. INTRODUÇÃO – O estudo da Constituição de Cádiz se tem prestado à elaboração de diferentes análises de natureza comparada, servindo isso para determinar a larga influência que aquela Carta exerceu no constitucionalismo ibero-americano, notadamente nas antigas colônias espanholas, com ênfase também no constitucionalismo brasileiro. Essa influência, malgrado a curta vigência daquela Carta, é por todos reconhecida, também,em relação aos acontecimentos que se seguiram à Martinhada – a pavorosa - quando as suas instruções eleitorais foram adotadas visando às eleições para as Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, realizadas em Dezembro de 1820, servindo ainda de inspiração na elaboração da resultante Constituição Política da Monarquia Portuguesa de 1822. A Constituição de Cádiz ou Constituição Espanhola de 1812, como se sabe, surgiu da ação desenvolvida pelas Cortes Gerais Extraordinárias reunidas na cidade de Cádiz, numa fase conturbada da vida de Espanha, que se encontrava na ocasião submetida ao domínio francês, determinado pela invasão napoleônica. As Cortes Gerais, convocadas pelo Conselho de Regência, abrigaram em sua formação as mais diversas categorias profissionais e sociais, destacando-se em seu seio os eclesiásticos, os graduados em direito, militares, nobres, catedráticos, comerciantes, altos funcionários, além de outros sem profissão definida. É de assinalar, também, que tais componentes constituíamse representantes das províncias peninsulares e daquelas situadas em África, em Ásia, nas Américas e em outras regiões.
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As Cortes, uma vez instaladas, procederam à elaboração do texto constitucional que foi, por fim, aprovado em 18 de março de 1812 e, no dia seguinte, promulgado, sendo, assim, a primeira Constituição espanhola e a primeira constituição surgida na península ibérica, valendo salientar que no moderno sentido de constituição, foi somente precedida pela Constituição Corsa de 1755, pela Constituição dos Estados Unidos da América e pelas Constituições Francesas de 1791 e 1793. RELIGIÃO E ESTADO NA CONSTITUIÇÃO DE CADIZ – Uma Constituição, como se sabe, começa a viger ou a existir com o ato de sua promulgação. Antes, é mero texto aprovado por uma assembleia, mas sem a eficácia necessária para impor-se aos cidadãos. Curiosamente, as primeiras inflexões religiosas da Constituição de Cádiz manifestaram-se não em seu texto promulgado, mas, em circunstâncias a ele exteriores, como, primeiramente, a utilização pelas Cortes da Igreja ou Oratório de São Filipe Néri, em Cádiz, para suas reuniões e trabalhos legislativos, cedido que fora pela Comunidade de Padres Filipenses; depois, tocante ao ato da promulgação do texto constitucional, que se celebrou também no Oratório, no dia 19 de março de 1812, data consagrada a São José. Essa vinculação se apresentaria tão marcante que a Constituição Espanhola de 1812 ganharia a alcunha de “la Pepa”, diminutivo carinhoso de Josefa, feminino de José. O cognome, aliás, seria utilizado no grito “Viva la Pepa”, sempre que se mostrou necessário defender aquele documento ou manifestar-lhe adesão. Feita essa digressão de caráter meramente histórico, podemos passar ao exame das disposições constitucionais que estabelecem as relações religião/Estado, as quais, surgidas naquela Carta, foram seguidas por várias outras, em diferentes nações. NORMAS FUNDAMENTAIS DA RELAÇÃO RELIGIÃO/ESTADO - A primeira delas está contida no Preâmbulo da Consti-
tuição, ao dizer que as Cortes “han decretado y sancionado la siguiente Constitución Política de La Monarquia Española en el nombre de Dios Todopoderoso, Padre, Hijo y Espíritu Santo, autor y supremo legislador de la sociedade”. A Constituição, como se vê, não só declara a feitura da Constituição, em nome de Deus, “autor y supremo legislador de la sociedade” como também deixa implícita sua adesão ao dogma da Santíssima Trindade (Padre, Hijo y Espíritu Santo). Por sua vez, o Título II da Constituição Espanhola contém um Capítulo dedicado à religião. (Capítulo II). Ele abriga um só artigo, bastante, porém, para dar a dimensão e a importância conferida por ela às relações Religião/Estado, assim redigido: Art. 12. La religión de la Nación española es y será perpetuamente la católica, apostólica, romana, única verdadera. La Nación la protege por leyes sabias y justas, y prohíbe el ejercicio de cualquiera otra. Esse dispositivo constitucional constitui a base fundamental das relações entre a religião católica e a Nação espanhola, visto que, por meio dela: a) aquele credo – religião católica, apostólica, romana - é oficialmente adotado para as Espanhas; b) essa adoção se dá em caráter perpétuo; c) a Constituição reconhece e declara a religião católica a única verdadeira; d) a Nação espanhola está obrigada a protegê-la, por leis sábias e justas; e) finalmente, em nome dessa relação tão estreita, o Estado espanhol proíbe o exercício de qualquer outra religião. PROCESSO ELEITORAL Estabelecidos esses fundamentos das relações entre a religião católica e a Nação espanhola, a Constituição passa a disciplinar, em Capítulo próprio, a formação das Cortes e a sua atuação quanto à atividade legislativa, que se fará com a sanção do Rei. Aí também constatamos normas atinentes à
relação religião/estado. O que primeiro chama a atenção, no tocante ao tema deste nosso despretensioso trabalho é a criação das juntas de paróquias, às quais se seguirão as de partido e as de província,como bases eleitorais para a indicação da deputação a atuar nas Cortes. Ver-se-á que a escolha das paróquias, como base primária para as eleições não se prendeu a meros fins administrativos, pois há, em mescla a procedimentos eleitorais a previsão de ritos católicos, como missa, Te Deum etc. Depois de definir as Cortes (Art. 27) como “la reunión de todos los Diputados que representan la Nación, nombrados por los ciudadanos en la forma que se dirá” a Constituição espanhola passa a disciplinar o modo por que se haverá de reunir-se a junta paroquial para escolha de comissários e, após, dos eleitores paroquiais que representarão as paróquias nas juntas eleitorais de partido. Para o tema de nossas considerações, não tem maior importância o processo eleitoral seguido, mas, sim, a particularidade que se colhe, tocante a ligações religiosas ou rituais que a Constituição cria nesse mesmo processo. Com efeito, disposições ali inseridas determinam, entre outras coisas, que: a) (Art. 46). Las juntas de parroquia serán presididas por el jefe político, o el alcalde de la ciudad, villa o aldea en que se congregaren, con asistencia del cura párroco para mayor solemnidad del acto; (O grifo é nosso) b) (Art. 47). Llegada la hora de la reunión, (...) hallándose juntos los ciudadanos que hayan concurrido, pasarán a la parroquia con su presidente, y en ella se celebrará una misa solemne de Espíritu Santo por el cura párroco, quien hará un discurso correspondiente a las circunstancias. (O grifo é nosso) c) (Art. 58). Los ciudadanos que han compuesto la junta se trasladarán a la parroquia, donde se cantará un solemne Te Deum, llevando al elector o electores entre el presidente, los escrutadores y el secretario. (O grifo é nosso).
Também, no tocante às juntas eleitorais de partido, reunidas na capital da província respectiva, estabelecia a Constituição de Cadiz a realização de rituais religiosos, após os trabalhos preliminares e antes da eleição propriamente dita, na forma seguinte: Art. 71. Concluido este acto, pasarán los electores parroquiales con su presidente a la Iglesia mayor, en donde se cantará una misa solemne de Espíritu Santo por el eclesiástico de mayor dignidad, el que hará un discurso propio de las circunstancias. (O grifo é nosso). Semelhante disposição se estabelecia em relação às juntas eleitorais de província, nas quais, após os trabalhos de certificação, escolha do secretário e de escrutinadores, e solução de questões levantadas, todos se dirigiriam à Catedral, para as solenidades eclesiásticas respectivas, encerradas as quais voltariam todos ao lugar de votação: Art. 86. En seguida se dirigirán los electores de partido, con su presidente, a la catedral o iglesia mayor, en donde se cantará una misa solemne de Espíritu Santo, y el Obispo, o en su defecto el eclesiástico de mayor dignidad, hará un discurso propio de las circunstancias. JURAMENTOS – A 25 de fevereiro de cada ano, na última reunião preparatória, os representantes haveriam de prestar o compromisso ou juramento constitucional, de cujos termos é possível concluir ter o mesmo natureza tanto cívica quanto religiosa, porquanto prestado por cada parlamentar com a mão sobre os “Santos Evangelhos” e vasado nos seguintes termos (Art. 117): ¿Juráis defender y conservar la religión Católica, Apostólica, Romana, sin admitir otra alguna en el Reino? R. Sí juro. ¿Juráis guardar y hacer guardar religiosamente la Constitución política de la Monarquía española, sancionada por las Cortes generales y extraordinarias de la Nación en el año de 1812? –R. Sí juro. ¿Juráis haberos bien y
fielmente en el cargo que la Nación os ha encomendado, mirando en todo por el bien y prosperidad de la misma Nación? R. Sí juro. Si así lo hiciereis, Dios os lo premie, y si no, os lo demande. (O grifo é nosso) Também o Rei, que tinha o tratamento de Majestade Católica (Art. 169), prestava juramento, da mesma natureza, a saber: N. (aquí su nombre), por la gracia de Dios y la Constitución de la Monarquía española, Rey de las Españas; juro por Dios y por los Santos Evangelios que defenderé y conservaré la religión Católica, Apostólica, Romana, sin permitir otra alguna en el Reino; que guardaré y haré guardar la Constitución política y leyes de la Monarquía española, no mirando en cuanto hiciere sino al bien y provecho de ella; que no enajenaré, cederé ni desmembraré parte alguna del Reino; que no exigiré jamás cantidad alguna de frutos, dinero ni otra cosa, sino las que hubieren decretado las Cortes; que no tomaré jamás a nadie su propiedad, y que respetaré sobre todo la libertad política de la Nación y la personal de cada individuo; y si en lo que he jurado, o parte de ello, lo contrario hiciere, no debo ser obedecido, antes aquello en que contraviniere, sea nulo y de ningún valor. Así, Dios me ayude y sea en mi defensa, y si no, me lo demande. (O grifo é nosso) Tratando da Família Real espanhola, no Capítulo IV, concedia a Constituição ao filho primogênito do Rei, que haveria de sucedêlo, o título de Príncipe de Astúrias, o qual, chegado aos quatorze anos, haveria de prestar o seguinte juramento (Art. 212): N. (aquí el nombre), Príncipe de Asturias, juro por Dios y por los Santos Evangelios, que defenderé y conservaré la religión Católica, Apostólica, Romana, sin permitir otra alguna en el Reino; que guardaré la Constitución política de la Monarquía española, y que seré fiel y obediente al Rey. Así, Dios me ayude. (O grifo é nosso)
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A assinalar, ainda, a existência de um Conselho de Estado, previsto no Art. 231, composto de quarenta membros, dentre eles quatro eclesiásticos, “de conocida y probada ilustración y merecimento”, dos quais dois seriam Bispos (Art. 232). Tocante ao ensino público, determinava a Constituição (Art. 366) a existência, em todas as povoações de “escuelas de primeras letras, en las que se enseñará a los niños a leer, escribir y contar, y el catecismo de la religión católica. (O grifo é nosso). São essas as disposições da Constituição Espanhola de 1812, que, legislando da forma indicada, estabeleceu um Estado religioso, de estreitas vinculações com a Igreja Católica Apostólica Romana, influenciando nesse ponto, como em vários outros, diversas Constituições peninsulares e ultramarinas, como aqui veremos. RELIGIÃO E ESTADO NA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA DE 1822 – Já mencionamos a influência da Constituição de Cádiz no constitucionalismo português, quando as suas instruções eleitorais foram adotadas para as eleições para as Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, realizadas em dezembro de 1820. Discutidas as bases da primeira Carta Política lusa, disso resultou um documento feito sob a inspiração da Constituição Espanhola, o que não era de admirar, haja vista, no momento, a restauração dessa Lei Maior. Os autores são unânimes em proclamar tal influência, em vários aspectos, pelo que tomamos em cogitação a profissão religiosa que o texto português contém, não obstante seja forçoso reconhecer, por flagrante, o temperamento com que a Lei fundamental lusa trata a matéria, se confrontadas as suas disposições com a Constituição de Cádiz. Preambularmente, as Cortes Extraodri-
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nárias e Constituintes da Nação Portuguesa, aderindo ao dogma trinitário, proclama que a Constituição Política recém aprovada é decretada “Em Nome da Santíssima e Indivisível Trindade”. Proclama a Constituição portuguesa, no Capítulo dos Direitos e Deveres Individuais dos Portugueses, como um dos principais deveres de todo Português “venerar a religião”, decretando, em seguida, que a Religião da Nação Portuguesa é a Católica Apostólica Romana. Diferentemente, porém, da Constituição Espanhola, que proibia o exercício de qualquer outra, Carta lusitana permitia aos estrangeiros “o exercício particular dos seus respectivos cultos”. Ao tratar das eleições para as Cortes, contempla a Constituição circunstância que reafirma a estreita relação entre o Estado Português e a sua religião, qual seja, a disposição no Art. 35, em que se estabelece a incompatibilidade de clérigos para as eleições às Cortes: os Bispos, nas suas dioceses; os Párocos, em suas paróquias. No decorrer do disciplinamento das eleições para as Cortes, inúmeras são as normas que criam o envolvimento das paróquias e seus respectivos párocos, assim como a utilização de igrejas e a execução de ritos católicos, no processo eleitoral, tal como determinava a Consituição de Cádiz, conforme vimos. Assim, a eleição se faria diretamente pelos cidadãos reunidos em assembleias eleitorais, à pluralidade de votos dados em escrutínio secreto, observado o seguinte, quanto ao que aqui nos interessa relatar: a) haveria em cada freguesia um livro de matrícula rubricado pelo Presidente da Câmara, no qual o Pároco escreveria ou faria escrever por ordem alfabética os nomes, moradas, e ocupações de todos os «fregueses» que tivessem voto na eleição. b) Caberia à Câmara designar também as igrejas, em que se haveria de reunir cada assembleia, e as freguesias ou ruas e lugares
de uma freguesia, que a cada uma pertencessem. c) Com os Presidentes assistiriam nas mesas de eleição os Párocos das igrejas onde se fizessem as reuniões. Quando uma freguesia se dividisse em muitas assembleias, o Pároco designaria sacerdote que a elas assistissem. Os ditos Párocos ou sacerdotes tomariamassento à mão direita do Presidente. d) As assembleias eleitorais seriam públicas, anunciando-se previamente a sua abertura pelo toque de sinos. Ninguém teria precedência de assento, exceto o Presidente, o Pároco ou sacerdote assistente. e) Reunida a assembleia no lugar, dia e hora determinada, celebrar-se-ia uma Missa de Espírito Santo, finda a qual, o Pároco, ou o sacerdote assistente, faria um breve discurso atinente ao objeto, e leria o capítulo das eleições. Logo o Presidente, de acordo com o Pároco, ou sacerdote, proporia aos cidadãos presentes duas pessoas de confiança pública para Escrutinadores, duas para Secretários da eleição, e, em Lisboa uma para Presidente, e outra para Secretário, nos termos do artigo 47 da Constituição. f) Dar-se-ia, então, prosseguimento, aos atos eleitorais até final, realizando-se um solene Te-Deum, cantado na igreja principal, após o que se dariacópia da Ata aos Deputados escolhidos, remetendo-se também outra à Deputação. JURAMENTOS – A Constituição Portuguesa determinava os procedimentos que os Deputados às Cortes deviam seguir, no tocante à instalação destas. Procedimentos que incluíam, no dia da instalação e do juramento, uma Missa solene do Espírito Santo, na igreja Catedral, ao fim da qual o celebrante deferiria o juramento ao Presidente que, pondo a mão direita no livro dos Santos Evangelhos, diria:Juro manter a Religião Católica Apostólica Romana; guardar e fazer guardar a Constituição política da Monarquia Portuguesa, que decretaram as
Cortes extraordinárias e constituintes do ano de 1821; e cumprir bem e fielmente as obrigações de Deputado em Cortes, na conformidade da mesma Constituição. (O grifo é nosso). Prestariam juramento também o VicePresidente e demais Deputados, dizendo: “Assim o juro”. Também o Rei, antes de ser aclamado, prestaria perante as Cortes nas mãos de seu Presidente o seguinte juramento: Juro manter a Religião Católica Apostólica Romana; ser fiel à Nação Portuguesa; observar e fazer observar a Constituição politica decretada pelas Cortes extraordinárias e constituintes de 1821, e as leis da mesma Nação; e prover ao bem geral dela, quanto em mim couber. (O grifo é nosso). Da mesma forma o herdeiro presuntivo da Coroa ao completar quatorze anos de idade, prestaria em Cortes, nas mãos do Presidente, juramento de “manter a Religião Católica Apostólica Romana; de observar a Constituição política da Nação Portuguesa; e de ser obediente às leis e ao Rei”. (O grifo é nosso). ENSINO RELIGIOSO – Deixou clara a Constituição Portuguesa de 1822 a necessidade de em todos os lugares do reino, onde conviesse, haver escolas suficientemente dotadas, em que se ensinasse a mocidade Portuguesa de ambos os sexos a ler, escrever, e contar, e o catecismo das obrigações religiosas e civis. Como se vê, no tocante ao objeto de nossas considerações, aqui, vale dizer, religião e Estado, a Constituição de 1822 seguiu as pegadas da Constituição de Cadiz, repetindo, em maior ou menor grau, o disciplinamento dessa matéria em seu texto. RELIGIÃO E ESTADO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1824 - A Constituição Brasileira de 1824, outorgada pelo Imperador Pedro I, depois de
haver dissolvido a Assembleia Constituinte que haveria de elaborar a primeira Carta do Império, teve, conforme assinala Paulo Bonavides (A evolução constitucional do Brasil, Estudos Avançados, vol. 14, nº. 40, São Paulo, Set./Dez. 2000), como inspiração doutrinária o constitucionalismo francês, “vazado nas garantias fundamentais do número 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789” e, comofonte positiva de inspiração imediata, a Constituição de Cádiz. Quanto ao tema que ora tratamos, a Constituição do Império, outorgada aos 25 de março daquele ano, continha disposições visivelmente inspiradas na Carta Espanhola, a começar da menção preambular feita à SANTÍSSIMA TRINDADE, em nome de quem foi decretada. Em seguida, no Art. 5º determinou o texto outorgado que a Religião Católica Apostólica Romana continuaria a ser a Religião do Império e que “todas as outras Religiões seriam permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de Templo”. Omitiu-se aquela Carta de vedar o exercício de outras crenças ou cultos, como o fazia a Constituição de Cadiz, nem tampouco restringiu a permissão de religiões outras aos estrangeiros, como assinalado na Carta portuguesa. Tocante às eleições para Deputados e Senadores para a Assembleia Geral, e dos membros dos Conselhos Gerais de Província, determinava o Art. 90 a sua realização com base nas Assembleias Paroquiais, semelhantemente ao que estipulava a Constituição Espanhola. Norma de grande relevância, a demarcar os contornos da vinculação Religião/Estado, era a que estabelecia a inelegibilidade para o cargo de Deputado de todo aquele que não professasse a Religião do Estado, vale dizer, a Religião Católica. (Art. 95).
JURAMENTOS – Estipulações de grande realce eram aquelas que exigiam de algumas figuras majestáticas a prestação de juramento em que a referência primeira dizia respeito à manutenção da Religião do Estado, a saber: Art. 103. O Imperador antes de ser aclamado prestará nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Câmaras, o seguinte Juramento – Juro manter a Religião Católica Apostólica Romana, a integridade, e indivisibilidade do Império; observar e fazer observar a Constituição Política da Nação Brasileira, e mais Leis do Império, e prover ao bem geral do Brasil quanto em mim couber. (O grifo é nosso). Art. 106. O Herdeiro presuntivo, em completando quatorze anos de idade, prestará na mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Câmaras, o seguinte juramento: Juro manter a Religião Católica Apostólica Romana, observar a Constituição Política da Nação Brasileira, e ser obediente às Leis, e ao Imperador. (O grifo é nosso). Art. 141. Os Conselheiros de Estado, antes de tomarem posse, prestarão juramento nas mãos do Imperador de – manter a Religião Católica Apostólica Romana; observar a Constituição, e as Leis; ser fieis ao Imperador; aconselhá-lo segundo suas consciências, atendendo somente ao bem da Nação. (O grifo é nosso). RELIGIÃO E ESTADO EM ALGUMAS CONSTITUIÇÕES HISPANO-AMERICANAS – Se a Constituição de Cadiz influenciou a feitura da Constituição Portuguesa e da Constituição Brasileira, mais forçosamente se veria refletida em Cartas elaboradas em Países de colonização espanhola, nos quais a Constituição de Cadiz vigorou efetivamente, uma vez promulgada em 19 de março de 1812. À época, já se iniciara a movimentação das colônias hispânicas no sentido de
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sua emancipação política e embora fossem gradativamente alcançando o ideal libertador, as antigas colônias não cortavam de vez o cordão umbilical que as unia à Espanha, e ao elaborarem suas Constituições dividiam-se entre o ideal americano de república e as inspirações da antiga metrópole.
juramentos exigidos de algumas autoridades, o primeiro compromisso a que se fazia menção era o de defender à custa do próprio sangue a religião católica, apostólica, romana, sem admitir nenhuma outra. Rematava-se o juramento com a clássica fórmula: “Si asi lo hiciéreis, Dios os premie; y si no, os lo demande”.
CONSTITUIÇÃO MEXICANA DE 1814 - A Constituição Mexicana de 1814 foi promulgada em 22 de outubro desse ano, pelo Supremo Congresso Nacional Americano ou Congresso de Anáhuac, reunido na cidade de Apatzingán, em face da perseguição das tropas de Félix María Calleja, siendo esta la primera Constituição do México, denominada oficialmente Decreto Constitucional para la Libertad de la América Mexicana. Não obstante basear-se nos principios da Constituição de Cádiz, optaram os constituintes pelo regime republicano de governo, como o fariam as demais colônias espanholas, ao se libertarem. Tocante, porém, à materia tratada neste trabalho, seguiu a Constituição do México o seu modelo peninsular, instituindo, por exemplo, a religião católica como a única que se deveria professar no Estado: Art. I. La religión católica apostólica romana es la única que se debe profesar en el Estado. Por outro lado, criou a Constituição, para efeito das eleições populares as juntas eleitorais de Paróquia, exigindo, outrossim, a execução de ritos religiosos, como uma Missa solene do Espírito Santo e um sermão proferido pelo cura ou outro eclesiástico, tal qual determinava a Constituição de Cádiz. Ordenava também a Constituição, em outra fase do processo eleitoral, fosse cantado um solene Te-Deum, em ação de graças, após o que a junta eleitoral seria dissolvida. Idênticas celebrações se fariam no tocante ao funcionamento das juntas eleitorais de partido e das juntas eleitorais de Província. Igualmente, no que dizia respeito aos
LA CONSTITUCIÓN PROVISORIA PARA EL ESTADO DE CHILE - A Constituição Provisória para o Estado do Chile foi promulgada aos 23 de outubro de 1818, por Bernardo O´Higgins, um dos responsáveis pelas lutas libertárias daquele País. No Capítulo Único do TITULO II, trata a Constituição da Religião do Estado, assim proclamando: La religión Católica, Apostólica, Romana es la única y exclusiva del Estado de Chile. Su protección, conservación, pureza e inviolabilidad, será uno de los primeros deberes de los jefes de la sociedad, que no permitirán jamás otro culto público ni doctrina contraria a la de Jesucristo.
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CONSTITUIÇÃO ARGENTINA DE 1819 - Essa Constituição, chamada Constitución de las Provincias Unidas de Sudamérica,foi elaborada e promulgada em Buenos Ayres, pelo Congresso de Tucumán, que se trasladara para aquela cidade, três anos após ter declarado a Independência, em Tucumán. Entrando em vigor aos 25 de maio de 1819, a Constituição sofreu a rejeição das províncias do interior, adeptas da solução federalista, quando a Carta havia tomado o caminho do governo unitário, dando origem aquela rejeição às lutas e confrontos que se praticaram a partir daí. Na Constituição argentina de 1819, a Seção Primeira tratava, precisamente, da Religião do Estado, podendo-se disso aquilatar da importancia por ela dada a tal questão:
Artículo 1º. La Religión Católica, Apostólia, Romana, es la Religión del Estado. El Gobierno le debe la más eficaz y poderosa protección y los habitantes del territorio todo respeto, cualesquiera que sean sus opiniones privadas. Art. 2º La infracción del artículo anterior será mirada como una violación de las leyes fundamentales del país. Assegurou a Constituição três vagas de Senadores para um Bispo e três eclesiásticos, disciplinando nos Arts. 16 e 17 a forma de preenchimento de tais lugares, a saber: Art. 16. Será Senador por primera vez el Obispo de la Diócesis donde reside el Cuerpo Legislativo. En lo sucesivo se elegirá el Obispo Senador por los Obispos del territorio, remitiendo sus votos al Senado. Publicados por la prensa, se hará el escrutinio, y el que reuniese el mayor número, será Senador: no resultando pluralidad, decidirá la elección el Senado. Art. 17. Los Cabildos eclesiásticos, reunidos por el prelado Diocesano, Curas Rectores del Sagrario de la Iglesia Catedral, y Redactores de los Colegios (cuando éstos sean eclesiásticos) elegirán tres individuos del mismo estado, de los cuales, uno al menos sea de otra Diócesis. Remitidas y publicadas las ternas con sus actas, los tres que reúnan mayor número de sufragios computados por las iglesias, serán Senadores; en caso de igualdad el Congreso ó Senado decidirá la elección. No Juramento determinado para o Diretor, Titular do Poder Executivo (Art. 59), a ser prestado antes de entrar em exercício, está incluída a proteção da Religião Católica, a saber: Yo (N.) Juro por Dios Nuestro Señor y estos Santos Evangelios, que desempeñaré fielmente el cargo de Director que se me confia; que cumpliré y haré cumplir la Constitución del Estado; protegeré la Religión Católica; y conservaré la integridad y independencia del territorio de la Unión. (Os grifos são nossos).
CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DA REPÚBLICA PERUANA - Elaborada e promulgada pelo Primeiro Congresso Constituinte, em 12 de Novembro de 1823, a CONSTITUCIÓN POLÍTICA DE LA REPÚBLICA PERUANA foi decretada “En el nombre de Dios, por cuyo poder se instituyen todas las sociedades y cuya sabiduría inspira justicia a los legisladores”, consoante dicção preambular. Tal Carta adotou a religião católica como a religião da República, com exclusão de qualquer outra, criando paraa Nação o dever de protegê-la e para cada indivíduo o dever de respeitá-la, conforme Arts. 8º e 9º do Capítulo III: ARTICULO 8º. - La religión de la República es la Católica, Apostólica, Romana, con exclusión del ejercicio de cualquier otra. ARTICULO 9º.- Es un deber de la Nación protegerla constantemente, por todos los medios conformes al espíritu del Evangelio, y de cualquier habitante del Estado respetarla inviolablemente. Tocante ao processo eleitoral, instituiu a Constituição peruana os Colégios Eleitorais de Paróquia e de Província, fixando para a reunião dos primeiros o segundo domingo de maio e para a dos outros o primeiro domingo de junho, para que todos os Deputados se pudessem reunir em setembro, na Capital da República. Criava a Carta do Peru a obrigação de juramento para os Deputados, o qual se deveria prestar antes de instalar-se o Congresso. O ato solene se daria perante o Presidente do Senado, na forma seguinte: - Juráis a Dios defender la Religión Católica, Apostólica, Romana, sin admitir el ejercicio de otra alguna en la República? - Sí, Juro. (O grifo é nosso) - Juráis guardar y hacer guardar la Constitución Política de la República Peruana, sancionada por el Congreso Constituyente? - Sí, juro.
- Juráis, haberos bien y fielmente en el cargo que la Nación os ha hecho, mirando en todo por el procomunal de la misma Nación? - Sí, juro. Si así lo hiciéreis, Dios os premie, y si no, os lo demande. (O grifo é nosso) Relativamente à instrução, determinava a Constituição (Art. 184) o oferecimento de ensino a todas as povoações da República, através de estabelecimentos de instrução que fossem adaptáveis às suas circunstâncias, garantindo-se também o ensino do catecismo da Religião Católica e uma breve exposição das obrigações morais e civis. CONSTITUIÇÃO POLÍTICA BOLIVIANA DE 1826 - A Constituição boliviana de 1826 foi promulgada em 19 de novembro daquele ano, “En el nombre de Dios”, adotando a religião católica como a religião da República, na forma a seguinte: Art. 6 – La Religión Católica, Apostólica, Romana, es de la República, con exclusión de todo otro culto público. El Gobierno la protegerá y hará respetar, reconociendo el principio de que no hay poder humano sobre las conciencias. E mais: a Carta Política Boliviana exigia ao pretendente a Presidente da República “Professar la religión de la República” (Art. 79). CONSTITUIÇÃO DO EQUADOR DE 1830 - A Constituição do Equador de 1830 foi a primeira constituição política daquele País, redigida pelo Congresso Constituinte de 1830 reunido na cidade de Riobamba, o qual iniciou suas funções em 14 de agosto com a presença de 20 deputados. O texto final foi aprovado em 11 de setembro de 1820 e promulgado em 23 do mesmo mês e ano, “EN EL NOMBRE DE DIOS, AUTOR Y LEGISLADOR DE LA SOCIEDAD”. Artículo 8.- La Religión Católica, Apostólica, Romana es la Religión del
Estado. Es un deber del Gobierno en ejercicio del patronato protegerla con exclusión de cualquiera otra. Assim ditava a Constituição equatoriana, instituindo a religião católica como a Religião do Estado, com exclusão de qualquer outra e criando a obrigação estatal de protegê-la. Também determinava a Constituição do Equador a existência de Paróquias Eleitorais, que funcionariam a cada quatro anos, sob a presidência do juiz e do pároco. CONCLUSÃO – Vistas as Constituições de Portugal (1822), Brasil (1824), México (1814), Chile (1818), Argentina (1819), Peru (1823), Bolívia (1826), Equador (1830), cremos ter ficado demonstrada a influência exercida pela Constituição de Cádiz, na construção do constitucionalismo luso-brasileiro, assim como na edificação do constitucionalismo hispano-americano, específicamente no que tange ao ponto por nós escolhido para desenvolvimento destas considerações. É claro que a contribuição oferecida pela Constituição Espanhola de 1812 é muito maior, se observados os demais aspectos que constituem o arcabouço institucional por ela armado, o que não poderia jamais ser objeto de um trabalho modesto e espacialmente limitado como este que elaboramos. Religião e Estado na Constituição de Cádiz e nos textos que lhe são consectários é tema, minimamente aqui tratado, constituindo um campo a ser mais amplamente discutido e analisado, por quantos se interessam pelos estudos constitucionais e de ciência política, de natureza comparada, tal a riqueza que a Constituição de Cadiz contém, em termos de história política. g (*) Este trabalho foi publicado, originariamente, na Revista Latinoamericana de Estudos Constitucionais, N. 13, Ano 11, setembro de 2012, lançada em Fortaleza e, este ano, em Madri.
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RELIGIÃO
A IGREJA DO ROSÁRIO DE POMBAL E O SINCRETISMO RELIGIOSO José Romero Araújo Cardoso
O marco do triunfo dos europeus e das ideias que traziam o signo da Cruz, quando da colonização brasileira, era a construção de igrejas católicas. A partir da edificação de inúmeros templos, surgiram diversos aldeamentos na região nordeste, bem como em muitos outros lugares espalhados pelo Brasil. Em Pombal, Estado da Paraíba, o testemunho dessa fase ainda se conserva através de relíquia histórica representada pela igreja do Rosário. A construção, em estilo barroco, se concretizou em devida promessa feita pelos conquistadores a Nossa Senhora do Bonsucesso quando das fulminantes e mortíferas investidas dos indígenas, precursoras do estilo de guerrilha que caracterizou os salteadores das caatingas, principalmente durante o século XIX e boa parte do passado. O “sucesso” foi pleno, registrando-se episódios surreais de pura perversidade contra povos indígenas. Inicialmente, a capela onde os colonizadores agradeciam o “sucesso” do massacre, era uma tosca choupana erigida por aventureiros a serviço da famosa Casa da Torre. O genocídio da brava tribo Pegas, bem como de inúmeras outras nações indígenas, verdadeiras donas da terra, se completava, afastando dessa forma a ameaça dos sucessivos e surpreendentes ataques aos colonizadores, e, também, talvez principalmente, aos rebanhos de gado, razão econômica da expansão territorial pelo sertão enfatizada pelos lusitanos em sua colônia nas Américas. Em 1721, quando a guerra dos “bárbaros” já integrava a memória dos antigos colonizadores, embora ainda incompleta, a estrutura primitiva da tosca capelinha cedeu lugar a uma perfeita obra de arte, com sinuosos traços arquitetônicos que se vinculavam ao estilo vigente quando de sua construção. Ainda sobreviviam, nessa época, tribos dispersas e acuadas, devido à desvantagem da defesa e do ataque pa-
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trocinado pelas armas de que dispunham. Resistiram poucos remanescentes das heroicas contendas que marcaram os sangrentos embates que envolveram índios e brancos quando das violentas pelejas que obstaculizaram tenazmente, durante dez anos, o avanço das bandeiras colonizadoras. A mão de obra utilizada na construção da atual igreja do Rosário de Pombal envolveu índios subjugados, escravos compulsoriamente inseridos na arriscada empreitada gerida pelos poderosos prepostos do famoso império localizado na Bahia. Possivelmente, trabalhadores livres também participaram da efetivação do marco da colonização portuguesa, país católico por excelência, que abrigou, durante longos séculos, a nefasta e criminosa instituição da inquisição. O pedreiro responsável pela obra de arte se chamava Simão Barbosa. Com certeza era um homem livre, embora inserido em plano inferior dentro da hierarquia da orgulhosa elite privilegiada da sociedade sertaneja agropastoril, a qual estava firmada sobre o reflexo da estrutura social consolidada no litoral açucareiro. Até o final do século XIX os cultos católicos, direcionados a Nossa Senhora do Bonsucesso, foram realizados na velha igreja em estilo barroco. Com a construção de novo templo, concluído no início da década de noventa da referida centúria, o recanto de oração dos cristãos da terra de Maringá à sua padroeira, passou a se realizar na matriz inaugurada para receber a devoção dos fiéis. Originalmente arquitetada com apenas uma torre, somente no final da década de cinquenta do século XX foi construída outra. A igreja do Rosário só passou a ser conhecida assim depois que mítico negro de nome Manoel Cachoeira conseguiu convencer o Bispo de Olinda a oficializar a festa em que se observa nítida vinculação com manifestações religiosas impostas
pelo colonizador aos escravos que penavam no famigerado cativeiro, o qual deixou marcas indeléveis. A mão-de-obra massacrada no trabalho estafante em canaviais, minas, etc., elo importante dentro da “plantation”, cuja característica era englobar, além da escravidão, o latifúndio e a monocultura, sofre humilhantemente, ainda hoje, com a permanência aviltante do legado maior do escravismo: o preconceito e a exclusão. Esse sistema imposto pela metrópole portuguesa assegurou o enriquecimento de alguns portugueses e de muitos holandeses que comercializavam o açúcar brasileiro até a crise sucessória em Portugal, a qual definiu a união ibérica. Reza a tradição que o fundador da festa do Rosário de Pombal fez três viagens a Pernambuco, até alcançar o seu objetivo. Com certeza, houve contato de Manoel Cachoeira com o folclore negro, extremamente rico nas plagas que palmilhou, principalmente no que tange às manifestações culturais personificadas no Reisado, nos Congos e na própria irmandade do Rosário, incorporados ao evento religioso, denotando formas de resistência cultural. O ritual dos Congos é um dos mais significativos, remontando à ênfase ao respeito de súditos à nobreza de tribos africanas. Três culturas se fundem no ensejo da adoração ao Rosário. Inúmeras tribos islamizadas foram trazidas da África para o Brasil, permanecendo traços culturais destas em razão da presença do Tecebá, o Rosário islâmico, entre os dedos da imagem de Nossa Senhora. Notar que o culto se destina mais precisamente ao Rosário, símbolo da resistência dos descendentes dos filhos de Alá. Em seguida, enquanto signo da imposição do colonizador católico, encontra-se a presença do cristianismo, com Nossa Senhora coadjuvando a expressão de Fé, e, finalizando com as evidentes marcas da louvação que denotam a influência da cultura negra, consi-
derada pagã pela igreja Católica, de certa forma, em diversos momentos. No início da década de sessenta do século passado, Padre Acácio Rolim se negou a realizar a festa do Rosário. A resposta da sólida cultura de Pombal se deu quando o povo, não se importando com nada, lotou a cidade e realizou sozinho o evento religioso. O sacerdote de nobre família cajazeirense se horrorizava com o espetáculo alegre e festivo promovido pela irmandade do Rosário, o qual ele considerava profano e herético. Alicerçado em indisfarçável racismo, este sacerdote considerava profana a manifestação negra ao Rosário, desestimulando-a enquanto pôde. Depois da era Padre Solon, quando houve efetiva articula-
Conheça a HISTÓRIA
DA PARAÍBA,
ção de novos rumos da liturgia católica no município de Pombal, a festa do Rosário passou a ser enfatizada de forma exponencial, sobrepujando a tradição antes existente, referente a devoção à padroeira. A igreja do Rosário, patrimônio importante da história do semiárido, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba, guarda, com certeza, segredos nunca descobertos. Séculos de história a fizeram referência a inúmeras gerações. Sua preservação é definida por lei. Nada pode atentar contra sua integridade estrutural, pelo menos em tese. Na prática, foram registrados verdadeiros atos de vandalismo contra a estrutura que guarda um pedaço da história pombalense. Várias preciosidades foram destruídas enquanto produto da
CONSTITUCIONAL
do Conselheiro Flávio Sátiro Fernandes, segunda edição, em primorosa produção da Editora Fórum. História Constitucional da Paraíba veio a lume, em segunda edição, incorporando ao seu texto o relato das Constituintes e Constituições paraibanas de 1967 e 1989, não retratadas na sua versão primeira. À época, o Brasil se achava a debateranecessidade da convocação da Assembleia Nacional Constituinte que iria elaborar a Constituição Cidadã, assim intitulada pelo Deputado Ulisses Guimarães, no ato da promulgação. Após isso, iriam os estados se lançar à tarefa de sua constitucionalização à luz dos princípios e normas contidos na nova Carta da República. O importante desta obra é que, apesar de se voltar para o estudo e análise das Constituintes e Constituições de um estado membro da federação¸ela é da maior valia para quem se dedica ao estudo do constitucionalismo brasileiro, notadamente de sua história, haja vista o relato minudente dos principais fatos e circunstâncias que cercaram o funcionamento daquelas assembleias, as quais redundaram em diferentes constituições que, ao longo de mais de um século, disciplinaram a vida políticoadministrativa daquele estado, refletindo, em suma, a própria história constitucional do Brasil e, de resto, as dos demais estados brasileiros, as quais em muito se assemelham. História Constitucional da Paraíba, abarcando a construção institucional do Estado da Paraíba, de 1891 a 1989, é obra única no país, mencionada pelo constitucionalista Paulo Bonavides em seu Curso de Direito Constitucional, como uma das mais recentes contribuições à história constitucional do Brasil.
insensatez daqueles que não enxergam a importância que o velho templo em estilo barroco tem para a compreensão do processo que gerou a espacialização deste núcleo da expansão metropolitana em direção ao desconhecido sertão de índios bravios. A igreja do Rosário de Pombal é uma das maiores riquezas que a terra de Maringá possui, na verdade patrimônio da humanidade, em virtude de o legado de gerações pretéritas ser um bem coletivo, que suscita conscientização acerca do papel que todos devemos desempenhar na busca incessante pela preservação dos nossos testemunhos históricos, e, consequentemente, de nossa cultura e, mais ainda, de nossa identidade, vilipendiada cotidianamente. g
LIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO - Editora Fórum, Professor aposentado da
Universidade Federal da Paraíba, o Conselheiro Flávio Sátiro Fernandes é autor de diversos livros e artigos divulgados em diferentes revistas especializadas do campo jurídico. Em linguagem simples, ele trata de temas de grande relevância e, às vezes, polêmicos, pela maneira como os aborda¸ não deixando de emitir suas opiniões e ideias que, em diversas ocasiões, se confrontam com o que pensam alguns doutrinadores. Tribunal de Contas, fiscalização municipal, responsabilidade dos Prefeitos, ação popular, controle social, improbidade administrativa, servidores públicos, prestação de contas, gastos com a manutenção e desenvolvimento do ensino, crimes licitatórios, concurso público, ouvidorias, controle externo, Câmara de Vereadores, responsabilidade fiscal, são questões que ele versa, ministrando a seus leitores proveitosas lições de Direito Administrativo, com incursões pelo Direito Constitucional e pelo Direito Financeiro. “Em direito – diz o Professor Flávio Sátiro Fernandes – vale muito a confrontação de ideias e o cotejo de opiniões que não devemos temer revelar, pois, ao expô-las nada mais estamos fazendo do que contribuir para o debate que enriquece a nossa ciência e contribui para o ideal maior de justiça”. E sobre as suas ideias, opiniões e sugestões, expostas neste livro, confessa: “Elas podem parecer ousadas, umas, e ingênuas, outras, mas, afinal de contas, de ousadias e ingenuidades faz-se o mundo...”
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TURISMO
DO ALASKA AO USHUAIA (DO ALASKA A EL FIN DEL MUNDO) Carlos Meira Trigueiro
“Quem não viaja, não passa da primeira página de um livro”. Santo Agostinho. Nas últimas três décadas escolhemos como hobby viajar pelo mundo. Modestamente, já conhecemos mais de 80 países, e a nossa meta até o final dos nossos dias é conhecer 100 localidades de países diferentes. Este artigo trata em narrar duas localidades situadas nas extremidades do globo terrestre, quais sejam, o Alaska e o Ushuaia na Patagônia Argentina. O Alaska ostenta o título de um dos menos populosos estados dos EUA: com cerca de 700 mil habitantes, tem 0,42 hab/km². Montanhoso e cercado pelas águas é realmente um local ideal para ser desvendado para um cruzeiro. Realizamos em setembro de 2006 um cruzeiro no Alasca. O ponto de partida foi Vancouver (Canadá). O navio era o Serenade of the Seas, um transatlântico da Royal Caribbean, com capacidade de transportar 3.000 passageiros com 1.200 tripulantes. Na época era um dos mais modernos da frota. A bordo do transatlântico navegamos nas águas calmas da “Inside Passage”. No deque do navio admiramos o glacial Hubbard, massa gigantesca de gelo azul-elétrico que se estende por 145 km entre o mar e o parque nacional Wrangell-St. Elias. Avistamos também do deque mamíferos marinhos, baleias jubarte, orcas, golfinhos,
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focas e leões marinhos. Um dos pássaros mais comumente avistados é águia-careca, ou águia-de-cabeça-branca, que faz seu ninho nas proximidades de Ketchikan e de Juneau. O navio fez três paradas nas cidades de Juneau, Ketchikan e Skagway. Juneau é a capital do Alasca com cerca de 35.000 habitantes. No centro da cidade estão localizados os cafés, restaurantes sofisticados, centros culturais e lojas de souvenires. As principais atrações são: Mount Robert onde o turista sobe num teleférico (548m de altura) e tem uma visão fantástica da cidade e das montanhas onde habitam os ursos; Alaska State Museum onde se conhece a história da colonização da região que era predominada pela mineração e a madeira. Ketchikan um pitoresco entreposto de pesca no sopé das montanhas. Sem ligação por ferrovia nem por rodovias com o resto da América do Norte, essa cidade de 10,7 km² tem casas de madeira e um centrinho onde há comércio de souvenires e de salmão enlatado, e joalherias. Essas últimas, herdadas da época da mineração do ouro. As principais atrações são a Rua Creek, com seus coloridos e bem-conservados
bangalôs que, no passado, hospedavam as casas onde, no ciclo do ouro, havia entretenimento noturno; o Dolly’s House é um museu, onde funcionou um cabaré. Na Rua Mission, uma das principais, um arco, dizendo que Kitchikan foi a primeira cidade do Alasca, dá as boas-vindas desde 1922. Skagway foi a porta de entrada para o outrora selvagem território de Yukon – todas elas na região da “Inside Passage”. Os pontos altos da cidade são The Red Onion Saloon, Park of Klondike e o National Historical Park. A Patagônia é uma das mais belas regiões do planeta terra, de paisagens únicas e impressionantes, compreendendo uma imensa área limitada ao norte pelo Rio Colorado, ao sul pelo Estreito de Magalhães, a oeste pelo Oceano Pacífico e a este pelo Oceano Atlântico. A Patagônia Argentina se divide em duas sub-regiões: a primeira, constituída por cadeias montanhosas permeadas por vales, bosques, lagos e geleiras; a segunda, com extensões e áridas planícies litorâneas cercadas por uma rica fauna local (baleias, lobos e elefantes marinhos, pinguins e milhares de aves), que se concentram, principalmente, na Península Valdés. Visitamos a cidade El Calafate onde conhecemos as seguintes atrações turísticas: Parque Nacional Los Glaciares, com destaque para o Perito Glacial e o Lago Argentino. Ficamos hospedados no Hotel Terrazas Calafate. Em Ushuaia, a outra cidade visitada, conhecemos as atrações turísticas: Parque Nacional Tierra del Fuego; passeamos no Tren del Fin del Mundo; Lagos Escondido y Fagnano; Estancia del Lobus; Parte da Cordillera de Los Andes; navegamos Canal Beagle e Faro del Fin del Mundo. Ficamos hospedados no Hotel Del Glaciar. Para qualquer viajante é obrigatório conhecer o Parque Nacional Los Glaciares que fica situado a 80 km de El Calafate. É uma viagem agradável e cheia de surpresas. A estrada asfaltada margeia o Lago Argentino, como também a Redonda Bay. Paisagens belíssimas! g
LITERATURA
MELANCOLIA E EROTISMO EM OLAVO BILAC Chico Viana
A poesia de Olavo Bilac caracteriza-se pelo rigor formal e pelo despojamento na expressão dos estados emocionais. É comum acusá-lo de cerebral e frio, opondo-lhe o artesanato conciso ao derramamento dos românticos e dos simbolistas. Sob essa ótica, é difícil concebê-lo como um melancólico a lamentar o seu objeto perdido. A verdade, no entanto, é que em Bilac a representação melancólica perpassa diversas composições, destacando-se menos em Panóplias e Via Láctea, onde a inspiração clássica acentua a contenção formal, e mais em Sarças de Fogo, Alma Inquieta e Tarde. Esses três últimos títulos já se opõem, quanto ao conteúdo emocional, à impassibilidade sugerida nos dois primeiros, e tal oposição será confirmada nos poemas respectivos. Julia Kristeva classifica a melancolia dos poetas como narcísica, distinguindo-a de uma melancolia objetal que decorreria da perda de um objeto de amor (KRISTEVA, 1989: 18). A melancolia narcísica envolve uma perda no próprio eu, sendo que os poetas e os artistas de modo geral padecem desse vazio de uma forma intensa e dramática. Esse dramatismo se estende à consideração da própria subjetividade, que é matéria de profundas cogitações. “A característica do temperamento saturnino é a relação constante e implacável com o eu, que nunca pode ser dada como certa. O eu é um texto – precisa ser decifrado” (SONTAG, 1986: 91). É através da Forma que o melancólico procura compensar a ferida narcísica decorrente da perda da Coisa – termo que, denotando um significante sem significado, designa na psicanálise lacaniana o Objeto Absoluto, ou melhor, “o Outro absoluto do sujeito, que se trata de reencontrar.” (LACAN, 1988: 69). Segundo Kristeva, “... a forma dita poética (...) é o único ‘continente’ que parece assegurar um domínio incerto, mas adequado, sobre a Coisa.” (1989: 20). Em Bilac é patente, desde “Profissão de Fé”, a identificação entre o objeto perdido e a expressão poética, assim como o desejo de para ela viver. Segundo Urânia Tourinho Peres, “não há como falar da melancolia sem presentificar aquele que, confrontado com a radicalidade da perda, encontra um caminho 1
no ato criador” (PERES, 1996: 12). Enquanto nos românticos a imagem ideal do objeto confunde-se com a figura da mulher, no parnasiano essa referência de Absoluto transfere-se para o fazer poético. Passa-se da religião do Amor para a religião da Forma, e não é menor a veemência com que o autor de Sarças de Fogo adere ao seu culto. Em prol da Beleza, sentindo-se incompreendido pelos outros, o eu lírico está disposto a renunciar a tudo: Não! Morra tudo que me é caro, Fique eu sozinho! Que não encontre um só amparo Em meu caminho! Que a minha dor nem a um amigo Inspire dó... Mas, ah! que eu fique só contigo, Contigo só! (7)1 A Beleza é o “outro mundo” capaz de assegurar ao artista, pela harmonia da prosódia e a polivalência dos signos, “um domínio sublimatório sobre a Coisa perdida” (KRISTEVA, 1989: 95). Esse domínio só é possível através do artifício da Forma, que se constitui num “continente” capaz de suprir a ausência de um “conteúdo” real, autêntico – o nada que o melancólico sente dentro d’alma. Na ânsia de suprir esse vazio ele busca a expressão artística, que sempre lhe parecerá insuficiente para traduzir os pensamentos e desejos humanos. Ao melancólico é motivo de enorme angústia o combate entre sentimento e expressão, ideia e forma. Sempre ficará algo por ser dito, pois, conforme reconhece Bilac em “Inania Verba”, O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava: A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve... E a Palavra pesada abafa a Ideia leve, Que, perfume e clarão, refulgia e voava. (145)
evoca outra atitude característica do melancólico, que é a sua generalizada disposição para o sacrifício. Em Augusto dos Anjos, por exemplo, verifica-se o anseio de ser Cristo para morrer pelos homens. Álvares de Azevedo deseja sucumbir em defesa dos seus sonhos e ideais. Bilac, qual um redentor solitário, ressalta que é necessário prevenir-se contra “os infiéis” que querem profanar o altar da Beleza. Repugna-lhe, com efeito, Sem sacerdote, a Crença morta Sentir, e o susto Ver, e o extermínio, entrando a porta Do templo augusto! (6-8) Em outros poemas esse desejo de morte perde a aura do sacrifício e aparece, bem dentro da clave melancólica, como uma busca de aniquilamento. Não se trata agora da morte por alguém ou por alguma coisa, mas do morrer por morrer. Presa do tédio e da desesperança, o eu lírico almeja pura e simplesmente extinguir-se. As imagens associadas a esse tipo de representação traduzem uma crise do espírito que se expressa como aborrecimento e cansaço existencial. Pela ótica freudiana, percebe-se em tais situações o eu lírico na dependência das pulsões de morte, que “se contrapõem às pulsões de vida e (...) tendem para a redução completa das tensões, isto é, tendem a conduzir o ser vivo ao estado inorgânico. (LAPLANCHE & PONTALIS, 1991: 407). Segundo Paul Ricoeur esse tipo de pulsões, sob cuja égide o indivíduo aspira, nirvanicamente, ao retorno à inconsciência do mineral, “expressa a crueldade do superego” (1965: 184) e, assim, confirma no melancólico a severidade do sentimento de culpa. Entre as passagens que indicam o desejo de extinção destaca-se a do poema “Tédio”, de Alma inquieta:
Em defesa da Forma, o eu lírico afirma-se disposto a enfrentar a própria morte. Com isso,
Sobre minh’alma, como sobre um trono, Senhor brutal, pesa o aborrecimento. Como tardas em vir, último outono, Lançar-me as folhas últimas ao vento! Oh! Dormir, no silêncio e no abandono,
Os números de páginas entre parênteses que aparecem no final dos versos de Bilac referem-se ao primeiro título da Bibliografia.
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Só, sem um sonho, sem um pensamento, E, no letargo do aniquilamento, Ter, ó pedra, a quietude do teu sono! (213) Nesse poema o anseio de morte, num desabafo bem pouco romântico, liga-se à recusa de procurar e impossível – “sonhar o que não vejo!”, conforme desabafa o eu lírico no nono verso. Ao contrário da nostalgia, que envolve um tempo e um lugar mais ou menos concretos, a melancolia define-se como uma saudade indefinida. O melancólico não sabe o que perdeu e por isso tende a mitificar o Objeto, dotando-o de atributos ideais e ilusórios. Como o Objeto falta desde sempre, é inútil procurá-lo mas também é impossível desistir da busca. Daí a ansiedade e o desencanto com que ele busca reencontrá-lo. Bilac reproduz esses estados emocionais em poemas intensos como “Paráfrase de Baudelaire”, em que exprime tanto os contornos ideais do objeto perdido, que tem as características de uma utopia, quanto o desalento ante a busca ilusória. Poucos dos nossos românticos expressaram com tal emoção a “saudade do que não se teve”: - Terra santa da luz, do sonho e dos amores... Terra que nunca vi, terra que não existe, Mas da qual, entretanto, eu, desterrado e triste, Sinto no coração, ralado de ansiedade, Uma saudade eterna, uma fatal saudade! Minha pátria ideal! Em vão estendo os braços Para teu lado! Em vão para teu lado os passos Movo! Emvão!...” (109, grifos nossos) Chama ainda a atenção nos versos acima a referência ao exílio, outro dos topoi da melancolia. O melancólico o mais das vezes aparece sozinho, apartado dos homens, em atitude de queixa ou meditação. Suas queixas ligam-se à base narcísica sobre a qual ele escolhe o objeto;
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por conta do narcisismo, preserva-se concomitantemente ao sofrimento, decorrente da perda, um traço de egocentrismo que faz o melancólico cobrar, exigir a atenção dos outros. Há nele “um traço (...) de uma insistente comunicabilidade, que encontra satisfação no desmascaramento de si mesmo.” (FREUD, 1980: 279). As queixas são uma forma de ele chamar a atenção dos outros. É típica do melancólico a assunção da postura contemplativa. Por isso “a Renascença alemã escolhe a melancolia, isto é, a consciência das ameaças e dos sofrimentos da vida, para descrever (...) a contemplação.” (KLIBANSKI et alii, 1989: 394). O melancólico desenvolve, ainda, uma exacerbada consciência de si mesmo. No âmbito da representação lírica, “o sujeito (...) se entrega à reflexão, imagem exemplar da vocação meditativa do melancólico” (GINZBURG, 1997: 62). A meditação corresponde ao impulso que o melancólico tem de sondar o micro e o macrocosmos, que são, projetivamente, enigmas da sua própria subjetividade. Por tudo isso, a postura meditativa se constitui num dos traços essenciais de uma poética da melancolia. Nos sonetos XXX e XXXI de Via Láctea percebe-se a referência ao exílio – curiosamente, no racional Bilac, um exílio por amor. Na primeira dessas composições, o eu lírico reconhece que Ao coração que sofre, separado Do teu, no exílio em que a chorar me vejo, Não basta o afeto simples e sagrado Com que das desventuras me projeto. (70) No soneto XXXI, ele compara o prazer de escutar o nome da amada, estando dela distante, à sensação de um exilado que, num país estranho, ouve palavras da sua própria língua. Em ambas as imagens, pois, a sensação de exílio resulta do afastamento do objeto amoroso. Já em “Dormindo” ela se aproxima da visão simbolista de Cruz e Sousa, para quem o degredo é a situação da alma enquanto prisioneira da matéria. “De qual de vós desceu para o exílio do mundo/ A alma desta mulher, astros do céu
profundo?” (152) – apostrofa o eu lírico no início da referida composição. Se tomamos Álvares de Azevedo e Olavo Bilac como típicos representantes da estética romântica e da parnasiana, um traço distintivo entre a melancolia em um e em outro desses estilos de época será a maneira como ambos buscam pôr fim ao sentimento do exílio. No romântico, o degredo só termina com a morte. Não se percebe nele o desejo de um encontro real, que amenize a saudade. Pelo contrário: o eu lírico se compraz, por conta da idealização e do sentimento de culpa, em lamentar a perda e compensá-la no sonho ou no devaneio. Incorpóreo e distante, o objeto aparece nas suas fantasias como um ente espiritualizado que se dilui, enquanto figura física, na abstrata atmosfera do sentimento que deve inspirar. Mais importante do que a amada, é o amor. Já no parnasiano destaca-se a nota sensual, afirmando-se sem grandes entraves a rejeição ao platonismo e a preferência pelo corpo. Essa atitude transparece em composições de recorte clássico como “O julgamento de Frineia”,“Satânia” e A tentação de Xenócrates”, nas quais se exaltam a beleza e o poder de sedução de famosas cortesãs da Antiguidade. Na primeira delas, por exemplo, o Areópago julga o comportamento da dissoluta Frineia, que “leva ao lar a cizânia e as famílias enluta” (80). Sem argumentos para responder a Eutias, que pedia a condenação da mulher, Hipérides retira o véu que a cobre e revela-lhe a nudez, deslumbrando os juízes. Nua, Frineia representa o “triunfo imortal da Carne e da Beleza” (ibidem). Essa atitude de valorização do corpo estende-se à apreciação do objeto amoroso, que é requisitado menos por sua beleza espiritual que pela física. No referido soneto XXX, o eu lírico depõe com franqueza: Não me basta saber que sou amado, Nem só desejo o teu amor: desejo Ter nos braços teu corpo delicado, Ter na boca a doçura do teu beijo. E as justas ambições que me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza Não há que a terra pelo céu trocar; E mais eleva o coração de um homem Ser de homem sempre e, na maior pureza, Ficar na terra e humanamente amar. Como se vê, o eu lírico bilaquiano rejeita a visão de mundo romântica, para qual a mulher é um ser etéreo e espiritualizado que se presta antes à adoração do que à posse. Ele afirma a legitimidade do seu desejo. Advogando a justeza dos seus impulsos eróticos, o que considera “baixo” é trocar a terra pelo céu, o corpo pelo espírito – e não o contrário. Nos versos finais exalta o humanismo pleno, de base greco-latina, em detrimento do fundo cristão que, no Romantismo, inspira e molda a imagem do objeto. Outra referência característica da poética da melancolia é da perda da crença. Enquanto topos melancólico, ela constitui uma variante do mito do paraíso perdido. No autor de Sarças de Fogo ocorre, por exemplo, no soneto “Rios e Pântanos”; o eu lírico contrapõe o sentimento de equilíbrio e de felicidade, característico de uma alma que crê, ao negro desengano trazido pela descrença. Eis como, no referido soneto, Bilac representa esses dois momentos: Muita vez houve céu dentro de um peito: Céu coberto de estrelas resplendentes, Sobre rios alvíssimos, de leito De fina prata e margens florescentes... Um dia veio, em que a descrença o aspeito Mudou de tudo: em túrbidas enchentes, A água um manto de lodo e trevas feito Estendeu pelas veigas recendentes. (110) Semelhante contraste verifica-se em “Idealismo”, de Augusto dos Anjos, autor no qual é forte o acento melancólico. Depois de representar seu coração como uma catedral “onde um nume de amor, em serenatas,/ Canta a aleluia virginal das crenças”, o eu lírico refere o momento decisivo em que, “no desespero dos iconoclastas”, quebra a imagem dos seus sonhos.
A descrença promove a perda do sentimento de Unidade, efeito da união com Absoluto, e precipita o melancólico em dualismos que ele busca em vão conciliar. A antítese é por excelência a figura que traduz essa ruptura, tipificada no soneto “Pomba e Chacal” (120), de Sarças de Fogo. Nele, representa-se a natureza como uma “mãe piedosa e pura” mas, ao mesmo tempo, como uma “implacável assassina” que distribui ao homem “o veneno e o bálsamo”, os sorrisos e as lágrimas. O melancólico tem uma dolorosa consciência dessas contradições e procura se vingar da mãe-madrasta. A fixação nos contrastes faculta ao melancólico ver em tudo o seu avesso – na felicidade, a tristeza; no sensualismo do corpo, o esqueleto; na saúde, a doença; no esplendor, a ruína; na vida a morte, enfim. “Pomba e Chacal”, cuja antítese do título alude aos conflitos existentes no reino natural, ilustra a equação vida-morte que, na sensibilidade melancólica, é percebida pela via dos contrastes. Na segunda quadra desse poema, o eu lírico se pergunta e ao mesmo tempo responde, perplexo: Pois o berço, onde a boca pequenina Abre o infante a sorrir, é a miniatura A vaga imagem de uma sepultura, O gérmen vivo de uma atroz ruína? Sempre o contraste! Pássaros cantando Sobre túmulos... (l20). Outra das angústias sentidas pelo melancólico liga-se ao sentimento da passagem do tempo, ou seja, da transitoriedade da vida e do mundo. Citando Olivier Pot, para quem a melancolia é um estado de passagem, Jaime Ginzburg observa que “o reconhecimento por parte da consciência (...) do mover-se de uma faixa etária à outra, da maturidade à velhice, é melancólico.” (55). Esse desespero ante o efêmero remonta ao Barroco, que procura compensá-lo com o carpe diem. Ao melancólico no entanto, que sempre vê no erotismo uma ameaça, falta a disposição para fruir o aqui e o agora. É-lhe impossível contrapor à consciência da efemeridade a intensificação dos impulsos vitais. A
passagem do tempo assusta-o e ao mesmo tempo o fascina, pois lhe acena com a perspectiva da morte. Composições como “Sahara Vitae” e “No limiar da morte”, de Sarças de Fogo, tematizam esse fatídico percurso ante o qual só resta ao homem a conformação. No primeiro desses poemas, a referência à inelutabilidade do destino humano aparece sob a forma alegórica da viagem no deserto, que condena os viajantes, ansiosos pelo “oásis do amor”, ao “simum da morte” (115). No segundo,o apelo a Tanatos possui a ambiguidade de que a morte se reveste para o melancólico, que ao mesmo tempo a rejeita e a deseja. São dela as palavras finais do soneto, convocando-o às “núpcias com o nada” que vai enfim trazer alívio à angústia da perda: Vem! que enfim gozarás entre meus braços Toda a volúpia, todos os encantos, Toda a delícia do repouso eterno! (107). Não falta, pois, à lírica do parnasiano Olavo Bilac a presença da melancolia. Nele, contudo, ao contrário do que ocorre em Álvares de Azevedo e Cruz e Sousa, a expressão melancólica tempera-se de um racionalismo e de um rigor compositivo que atenuam as representações da perda do objeto. Enquanto no romântico e no simbolista são intensos o sentimento de culpa e o desejo de morte, no parnasiano tais disposições são contrabalançadas por um erotismo que se orienta sem maiores entraves na direção do corpo da mulher. É certo que em alguns momentos prevalece o pessimismo e a morte é desejada. No entanto ela aparece mais como uma contingência do destino humano do que como um preço a ser pago pelo prazer. Ainda ao contrário do que acontece com os românticos, o parnasiano não se compraz na dor da perda. Tampouco se consome em idealizações que lhe acenam com a dimensão transcendente do objeto de amor. Em Bilac, a despeito de tudo o que no homem é incompleto e faltoso, percebe-se para além da tristeza o anseio de exaltar e fruir o corpo da mulher – dimensão imanente da Harmonia e da Beleza. g
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FREUD, Sigmund. Luto e melancolia. In: ---. Obras completas. Ed. Standard Brasileira, v. xiv. Rio de Janeiro, Imago, 1980. GINZBURG, Jaime. Olhos turvos, mente errante: elementos melancólicos em “Lira dos vinte anos”, de Álvares de Azevedo. Tese de Doutorado. UFRGS/Programa de Pós-graduação em Letras, 1997. HUGO, Victor. Do Grotesco e do Sublime; tradução do “Prefácio de Cromwell”. Trad. e notas de Celia Berretini. São Paulo, Perspectiva, 1988. KLIBANSKI, Raymond, PANOFSKY, Erwin& SAXL, Fritz. Saturne et la melancolie; études historiques et philosophiques: nature, religion, medicine et art. Paris, Gallimard, 1989. LAMBOTTE, Marie-Claude. Estética da melancolia. Trad. Procópio Abreu. Rio de Janeiro, Companhia de Freud, 2000. LÖWY, Michael & SAYRE, Robert. Revolta e melancolia: o romantismo na contramão da modernidade. Petrópolis, Vozes, 1995. P. 34. RICOEUR, Paul. Da interpretação; ensaio sobre Freud. Rio de Janeiro, Imago, 1965. SOUSA, Edson Luiz André de. Uma estética negativa em Freud. In: ---, TESSLER, Elida & SLAVUTZKY, Abrão (orgs.) A invenção da vida: arte e psicanálise. Porto Alegre, Artes e Ofícios, 2001.
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HISTÓRIA
GUIMARÃES DUQUE: UM ESTUDIOSO DO SEMIÁRIDO NORDESTINO Joaquim Osterne Carneiro *
CONSIDERAÇÕES INICIAIS Qualquer estudioso que desejar conhecer o Nordeste brasileiro, especialmente sua porção semiárida, levando em consideração suas potencialidades, seus problemas e sua singularidade, terá que se debruçar nos trabalhos elaborados por José Guimarães Duque, que se constituiu num dos maiores especialistas desta Região. O próprio Duque, ao se referir à região nordestina declarou o seguinte: “O Nordeste, ou mais especificamente, o Polígono das Secas, tem condições físicas, climáticas e sociais “sui-generis” ou não bem classificáveis, com os padrões ecológicos das outras partes do mundo seco ou semiárido”. (DUQUE, 1973). Filho de Manoel Jorge Duque e de Maria Pia Guimarães, José Guimarães Duque nasceu no dia 20 de novembro de 1903, no município de Lima Duarte (MG). Descendente de família originária do meio rural, seu pai era proprietário da Fazenda Sumidouro. Os primeiros estudos foram realizados no período de 1911 a 1915, na cidade de Juiz de Fora (MG). Em seguida, cursou o ginasial no Instituto Grenbery (1916/1918), enquanto os preparatórios (1922/1924) se realizaram no Instituto Grammom, ambos situados na cidade de Lavras – Estado de Minas Gerais. Em 1924, matriculou-se na Esco-
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José Guimarães Duque 1903 – 1978
la Superior de Agricultura, também localizada em Lavras, onde concluiu o curso de agronomia em 1928. É conveniente lembrar que a Escola Superior de Agricultura de Lavras e os Institutos Grenbery e Gammom foram fundados por missionários e professores católicos dos Estados Unidos da América do Norte e se constituem centros educacionais de muita credibilidade, responsáveis pela formação de técnicos dos mais competentes. Ao mesmo tempo, faz-se mister informar que, desde a mais tenra idade, José Guimarães Duque começou a lidar com os problemas do campo, ou seja, do meio rural. Assim, em 1918, quando ainda estudava no Instituto Grenbery,
quando do surgimento da epidemia da febre espanhola na região, levado por seu genitor, regressou à Fazenda Sumidouro, passando a exercer a função de administrador da aludida propriedade durante o período de quatro anos. Na oportunidade, se dedicou às atividades agropecuárias. No que diz respeito à agricultura, cultivou feijão, fumo e milho. No caso da pecuária, partiu para a produção de leite, mediante a exploração de bovinos da raça holandesa, além de criar suínos. Essa experiência foi de grande importância, não somente no decorrer do curso superior, como também no desempenho das funções de Engenheiro Agrônomo, já que alicerçou o conhecimento prático à teoria. Após concluir o curso de agronomia, ingressou no magistério, como professor da Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa - ESAV, atual Universidade Federal de Viçosa - UFV, localizada na cidade de Viçosa (MG), onde permaneceu de 1929 a 1932. Em 1932, atendendo a um convite do Engenheiro Agrônomo José Augusto Trindade, veio trabalhar no Nordeste, na Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas - IFOCS, atual Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - DNOCS. Ao fixar no Nordeste, durante mais de 4 (quatro) décadas, seu trabalho, seus estudos e pesquisas, prioritariamente, voltados para o
aproveitamento racional e sustentável dos recursos de solo e água do semiárido, objetivaram contribuir para o equacionamento dos problemas regionais. PRESENÇA E ATUAÇÃO NO NORDESTE SEMI-ÁRIDO Guimarães Duque chegou ao Nordeste quando a Região estava assolada por uma estiagem, ou seja, pela grande seca de 1930/1932, que ocupou uma superfície de 650.000 km2, estendendo-se do Piauí á Bahia, afetando uma população de 3.000.000 de pessoas. Naquela época, a IFOCS – Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas, se constituía na única instituição do Governo Federal a atuar no Nordeste, sendo vinculada ao Ministério da Viação e Obras Públicas-MVOP, cujo titular era o estadista paraibano Dr. José Américo de Almeida. Deve ser assinalado que, a presença de José Américo de Almeida à frente do MVOP, foi proveitosa para o Brasil e particularmente para a região nordestina, pois graças à sua atuação e à sua visão, a IFOCS foi contemplada com recursos financeiros significativos, fato que só ocorrera durante o governo do Presidente Epitácio Pessoa, quando os dispêndios em obras de combate aos efeitos das secas atingiram 15% da renda global do país, conforme assinala HIRSCHMANN (1965).
Afora isso, o Ministro José Américo de Almeida realizou estudos destinados à elaboração do Plano Geral de Viação Nacional, mandado executar pelo Decreto Nº 24.497, de 29/07/1934, dando início ao planejamento na Administração Pública; aprovou um Novo Regulamento da IFOCS, que eliminou a complexidade dos serviços - Decreto 19.726, de 20/02/1931; executou grandes obras no tocante à açudagem; e criou por meio de Portarias datadas de 12/11/1932, a Comissão Técnica de Piscicultura e a Comissão Técnica de Reflorestamento e Postos Agrícolas do Nordeste. Essas comissões eram ligadas diretamente ao Gabinete do Ministro, mas em seguida foram transferidas para a administração da própria IFOCS. O primeiro chefe da Comissão Técnica de Piscicultura foi o Dr. Rodolpho Theodor Wilhelm Gaspar von Ihering, Zoólogo natural do Rio Grande do Sul, nascido em 1883 e falecido em São Paulo em 1939. Por seus trabalhos e levantamentos pioneiros no campo da ictiologia é considerado com muita justiça o criador da piscicultura brasileira. Para chefiar a Comissão Técnica de Reflorestamento e Postos Agrícolas do Nordeste, depois transformada em Comissão de Serviços Complementares, foi designado o renomado Engenheiro Agrônomo José Augusto Trindade, mineiro nascido
no município de Oliveira em 1896 e formado pela Escola de Agronomia de Pinheiros, Estado do Rio de Janeiro, em 1915. José Augusto Trindade aportou pela primeira vez no Nordeste em 1918, com a finalidade de participar dos trabalhos da Comissão de Combate à Lagarta Rosada, no Estado da Paraíba. Em 1921, passou a dirigir as obras de construção do então Patronato Agrícola Vidal de Negreiros localizado na cidade de Bananeiras (PB), que foi inaugurado em 07/09/1924, permanecendo à sua frente até 1929, quando retornou ao Estado de Minas Gerais, para integrar a corpo docente da Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa - ESAV. Nesta entidade de ensino superior passou a lecionar a cadeira de Botânica Prática, no Curso Técnico Agrícola. Em 22 de novembro de 1932, foi trabalhar no Instituto de Meteorologia sediado na cidade do Rio de Janeiro (RJ), quando então recebeu o convite do Ministro José Américo de Almeida para chefiar a recém criada Comissão Técnica de Reflorestamento e Postos Agrícolas do Nordeste. De conformidade com GUERRA (1981), “Ao instalar a Comissão, Trindade trouxe vários colaboradores de Viçosa, entre os quais o professor José Guimarães Duque, que
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aqui criou raízes e estudou a fundo o Nordeste, tornando-se um dos maiores expoentes no terreno da agricultura e da sócio-economia nordestinas.” No sentido de consolidar suas ações, em 1933, José Augusto Trindade iniciou a implantação dos Postos Agrícolas da IFOCS, preferencialmente localizados junto às grandes barragens. Concomitantemente, levando em consideração a necessidade de implementar a pesquisa em irrigação, em 1937 transformou o Posto Agrícola de São Gonçalo, localizado no município de Sousa (PB), em Instituto Experimental da Região Seca. Sua inauguração aconteceu em 16 de outubro de 1940, quando da visita do Presidente da República Getúlio Vargas a São Gonçalo. Naquele dia, acompanhado do Interventor Federal do Estado da Paraíba, Dr. Ruy Carneiro, do Interventor Federal do Estado do Rio Grande do Norte, Dr. Rafael Fernandes Gurjão, do Inspetor de Secas, Dr. Luis Augusto da Silva Vieira e de diversas outras autoridades, o Presidente Getúlio Vargas percorreu as instalações da instituição, que a partir daí passou a existir, constituindo-se no primeiro centro de pesquisa agronômica instalado no Nordeste. Com a morte prematura do Dr. José Augusto Trindade, ocorrida no
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Recife (PE), em 09/03/1941, o Instituto Experimental da Região Seca passou a denominar-se Instituto José Augusto Trindade, sendo posteriormente designado Instituto Agronômico José Augusto Trindade, numa justa homenagem a um técnico que com zelo, dedicação, honradez e entusiasmo estudou cientificamente o Nordeste semiárido, de modo a permitir a exploração racional da agricultura irrigada. De conformidade com CARNEIRO (1999), “Como reconhecimento do trabalho pioneiro do Engenheiro Agrônomo José Augusto Trindade, no tocante à irrigação, a Associação Brasileira de Irrigação e Drenagem – ABID, instituiu em 1982 a Medalha do Mérito da Irrigação e Drenagem José Augusto Trindade, que se destina a premiar, anualmente, pessoas físicas nacionais e estrangeiras, que no campo das atividades científicas, educacionais, administrativas, empresariais, políticas e de comunicação relacionadas com irrigação e drenagem, se hajam distinguido de forma relevante e notável”. Como foi afirmado anteriormente, em 1932, José Guimarães Duque deu início às suas atividades na IFOCS, ocupando o cargo de Chefe da 2ª Inspetoria Regional da Comissão Técnica de Reflorestamento e Postos Agrícolas do Nordeste, cuja área de atuação compreendia os Es-
tados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco e estava localizada no Posto Agrícola do Açude Público Cruzeta, município de Cruzeta (RN). Posteriormente, passou a chefiar a 1ª Inspetoria Regional da referida Comissão, com sede em Fortaleza (CE). Em 1936, a sede da 1ª Inspetoria Regional foi transferida para o Posto Agrícola São Gonçalo, localizado no Açude Público São Gonçalo, município de Sousa (PB). Em 1938, afastou-se da IFOCS e foi residir em Fortaleza (CE), passando a exercer o cargo de Professor da Escola de Agronomia, prestando também assessoria técnica à firma Quixadá & Comercial, representante de tratores e implementos agrícolas. Com a investidura do Dr. Ruy Carneiro, em 1940, na Interventoria Federal da Paraíba, Guimarães Duque foi nomeado Secretário de Agricultura, Viação e Obras Públicas do Estado da Paraíba, permanecendo no cargo até 15 de agosto de 1941. A partir daí, passou a chefiar a Comissão de Serviços Complementares da IFOCS, dando continuidade às atividades pioneiras desempenhadas por José Augusto Trindade, direcionadas para o aproveitamento e a exploração hidroagrícola do Nordeste. Sobre a saída de Guimarães Duque do cargo de Secretário de Esta-
do da Paraíba, Ruy Carneiro, em depoimento prestado ao CEPDOC, da Fundação Getúlio Vargas, em março de 1977, afirmou: “O Presidente da República necessitou do Dr. Guimarães Duque, que é uma grande figura e o levou para dirigir o Serviço de Reflorestamento das Obras Contra as Secas”. Em 1945, a IFOCS transformou-se em DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas -, e a Comissão de Serviços Complementares passou a denominar-se Serviço Agroindustrial, permanecendo sob o comando do Dr. José Guimarães Duque, com sede em Fortaleza (CE), desde outubro de 1941. Durante vários anos foi Professor da Cadeira de Recursos Naturais, na Escola de Engenharia de Universidade Federal do Ceará e representou também durante muito tempo, o Ministério da Viação e Obras Públicas junto ao Conselho Deliberativo da SUDENE - Superintendencia de Desenvolvimento do Nordeste, marcando sua presença nos inúmeros pareceres que emitiu por escrito e através de sua palavra sempre acatada. Foi igualmente um dos fundadores da Companhia Cearense de Desenvolvimento Agropecuário - CODAGRO, tendo exercido o cargo de Superintendente Técnico, na sua primeira diretoria. Em 1963 aposentou-se do DNOCS, por tempo de serviço, a pe-
dido, no Cargo em Comissão de Chefe do Serviço Agroindustrial, sendo posteriormente designado membro do Conselho Administrativo da autarquia. Faleceu em Fortaleza (CE) no dia 12/05/1978. Era casado com a Senhora Maria Laura Moreira Duque, descendente de tradicional família cearense, filha de George Moreira Pequeno e de Laura Fiúza Pequeno. Desta união nasceram os seguintes filhos: Marcelo, Sergio, Silvio e Duque Filho. Quando da sua morte, o Engenheiro Agrônomo Inácio Ellery Barreira que durante muitos anos exerceu o cargo de seu Adjunto-Substituto, no Serviço Agroindustrial do DNOCS, em trabalho publicado no jornal O POVO, edição de 21/05/1978 declarou: “O ilustre extinto era possuidor de vastos conhecimentos técnicos e científicos, os quais transmitia com sua palavra fácil e atraente. Era convidado, constantemente, para proferir palestras em vários Estados do Brasil. Falava fluentemente inglês e francês. Por mais de uma vez esteve nos Estados Unidos da América, inclusive em Congresso de Irrigação e Drenagem. Escreveu vários livros e colaborou no Boletim do DNOCS e em revistas técnicas. São de sua autoria, dentre outros,“Solo e Água no Polígono das Secas” já na sua 3ª edição e “ O Nordeste e as Lavouras Xerófilas”, em 2ª edição, que são
verdadeiras obras clássicas, no seu gênero, tendo o autor recebido, pela primeira vez um prêmio em dinheiro, do Governo Federal”. Em reconhecimento aos relevantes serviços prestados ao Nordeste, recebeu a Medalha de Ouro dos Grandes Moinhos do Recife, sendo também agraciado com a Sereia de Ouro, Comenda criada pela Televisão Verdes Mares da cidade de Fortaleza (CE) e destinada a premiar personalidades que mais se destacam em favor do desenvolvimento do Ceará. TRABALHOS ELABORADOS POR GUIMARÃES DUQUE O primeiro trabalho publicado por Guimarães Duque intitula-se “Notas Sobre a Ensilagem”, e está inserido no Boletim da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas, Nº 4, Vol. 2, Outubro/1934. Logo em seguida, o Boletim da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas, Nº 5, Vol. 2, Novembro/1934, publicou “Notas Sobre a Fenação”, igualmente de sua autoria. Em 1935, publicou dois trabalhos intitulados: “Notas Sobre o Posto Agrícola Lima Campos”. Referidos estudos constam dos Boletins da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas, de Nº 6, Vol. 3, Junho/1935 e Nº 1, Vol. 4, Julho/1935. Em 1937, publicou no Boletim
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da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas, Nº 2, Vol. 8, Out. a dez./1937, um trabalho denominado “O Problema da Alimentação Animal no Sertão do Nordeste”. Este trabalho foi republicado no Boletim Téc. DNOCS, Fortaleza, 38(2): 119129, jul/dez. 1980, em homenagem à sua memória. Em 1938, publicou mais 2(dois) trabalhos. O primeiro, intitulado “Ensaio Preliminar Sobre a Formação de Mudas de Oiticica”, consta do Boletim da Inspetoria Federal de Obras Nº 1, Vol. 9, Jan. a mar./1938, enquanto “Ensaio Preliminar de Irrigação na Cultura do Algodão “ Express ”, foi publicado no Boletim da Inspetoria de Obras Contra as Secas, Nº 2, Vol. 9, Abril a jun./ 1938. Em 1939, voltou a escrever no Boletim da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas. Assim, o Boletim Número I, volume II, que circulou nos meses de janeiro a março daquele ano, publicou o trabalho de sua autoria e do Engenheiro Agrônomo Paulo de Brito Guerra intitulado “Observações para a Cultura da Oiticica”, e o Boletim número 2, volume II, que circulou de abril a junho, publicou o trabalho de sua lavra “O Fomento da Produção Agrícola”. Ainda em 1939, o Boletim da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas, que circulou no quarto tri-
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mestre, publicou o trabalho de sua autoria e dos Engenheiros Agrônomos Paulo de Brito Guerra e Teófilo A. Pacheco Leão, denominado “Resultado do Ensaio de Competição de Variedades de Tomates”. Em 1944, publicou “Algumas Questões da Irrigação no Nordeste”. Em 1949, vem a lume a primeira de suas grandes obras “Solo e Água no Polígono das Secas”. Este livro, que foi reeditado diversas vezes, chama a atenção pelo modo como é encarada a problemática nordestina, máxime a do semi-árido nos mais distintos aspectos. Em 1950 publicou “Apreciações Sobre os Solos do Nordeste” e no ano seguinte, “A Exploração dos Açudes Públicos”. Em 1959, em parceria com os Engenheiros Agrônomos Inácio Ellery Barrreira, Francisco Edmundo Souza Melo e Jairo Padilha elaborou o trabalho “Os Serviços Agronômicos do DNOCS”, que foi publicado no Boletim do DNOCS Nº 6, Volume 20, novembro de 1959. Na década de sessenta do século passado ou, mais precisamente, em 1964, lançou outro grande trabalho “O Nordeste e as Lavouras Xerófilas ”, que a exemplo de “Solo e Água no Polígono das Secas” é uma obra das mais importantes, das mais diversificadas, das mais fe-
cundas, das mais abrangentes, não somente por levar em conta os problemas ecológicos, como também, pelos questionamentos agronômicos relacionados com o aproveitamento das plantas xerófilas, que “são aquelas que toleram a escassez d’água, que fogem aos efeitos da deficiência hídrica ou que resistem à seca. Elas podem ser classificadas em 3 tipos, conforme o modo como conseguem sobreviver: 1) efêmeras, 2) suculentas ou carnosas; 3) lenhosas”. Em 1972, atendendo a um convite da CNI - Confederação Nacional da Indústria, Guimarães Duque esteve naquela entidade, para pronunciar uma conferencia que foi assistida por diversas autoridades civis e militares, abordando os principais problemas regionais. Sua exposição intitulada “Nordeste, Ecologia e Desenvolvimento” alcançou grande repercussão, em virtude dos conhecimentos demonstrados pelo conferencista, como igualmente pelo conteúdo do trabalho. Em 1973, quando ocupei o cargo de Diretor da Diretoria de Irrigação do DNOCS, contratei o Dr. José Guimarães Duque para ministrar um Curso de Semi-Aridez e Lavouras Xerófilas. O curso foi realizado no auditório da Direção Geral, do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas,
em Fortaleza (CE), sendo assistido por técnicos daquela autarquia e de outras instituições. No decorrer do treinamento, o Professor Guimarães Duque abordou as causas e conseqüências das secas, a área de abrangência do fenômeno, a ecologia, os solos, a vegetação e as regiões naturais existentes no Nordeste, enfatizando as questões relacionadas ao melhoramento da pastagem nativa e das lavouras xerófilas. Especialmente para o curso, José Guimarães Duque preparou duas apostilhas mimeografadas, que se constituíram nos últimos trabalhos publicados em vida por aquele inesquecível técnico. Em 1982, o Banco do Nordeste do Brasil, atendendo a uma solicitação da Escola Superior de Agricultura de Mossoró (RN) e da Fundação Guimarães Duque, publicou “Perspectivas Nordestinas” trabalho que havia sido deixado inédito. Neste estudo, o mestre Guimarães Duque complementou os conceitos expostos nos seus clássicos livros “Solo e Água no Polígono das Secas” e “ O Nordeste e as Lavouras Xerófilas”, quando trata das disparidades regionais, em face dos recursos naturais – água, solo, florestas, energia, minérios -; descreve o meio físico levando em conta as características climáticas; faz uma apreciação das Regiões Naturais – Seridó,
Sertão, Caatinga, Cariris Velhos, Agreste, Serras, Cerrado e Carrasco -; apresenta informações e opiniões de estudiosos sobre as secas e suas conseqüências; enumera as providências oficiais adotadas desde o Governo Imperial, tendo em vista os problemas do Nordeste; dá ênfase à criação das instituições como a IFOCS/DNOCS, a Comissão do Vale do São Francisco, o Banco do Nordeste do Brasil e a Superintendência de Desenvolvimento Nordeste; trata da integração econômica e social do Nordeste; e assinala a necessidade de preparar a população nordestina para o desenvolvimento econômico e social. CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DE OBRA DE DUQUE Pelo levantamento e análise realizados, a obra de José Guimarães Duque é ampla, profunda e diversificada. Os trabalhos elaborados na década de trinta e até o final dos anos quarenta do século passado, abordam, preferencialmente, temas agronômicos, relacionados à competição e ao melhoramento de variedades de plantas e preparação de forragem fenação e silagem. No final da década de quarenta da última centúria ou, mais precisamente, em 1949, como foi informado anteriormente, Guimarães Duque lançou “Solo e Água no Polígono das
Secas”, que revolucionou os conceitos até então vigentes a respeito de semiárido nordestino. Neste seu livro, tomando por base a vegetação, o clima e o solo refletidos na paisagem e no uso da terra, classificou pela primeira vez as Regiões Ecológicas existentes no Polígono das Secas afirmando: “Ousamos separar o Polígono das Secas em caatinga, sertão, seridó, agreste, carrasco e serras, nomes que vieram da língua indígena ou foram escolhidos pelas populações locais. Cada região do Nordeste Seco tem as suas espécies vegetais acomodadas compensadamente nas necessidades de luz, de nutrição, de água etc; as espécies, os solos e os climas procuram manter o equilíbrio fisiológico quando deixados ao abandono” (DUQUE, 1964). Cada uma dessas regiões ecológicas é descrita quanto à área de abrangência, tipos de solos, clima e vegetação. Especial atenção é conferida ao xerofilismo e a fauna do Nordeste semiárido. Ao longo do seu substancioso, opulento e profundo trabalho, José Guimarães Duque trata também dos métodos de cultivos e dos tipos de lavouras nas áreas de clima quente; e destaca as lavouras secas como o algodoeiro mocó, a carnaubeira, a oiticica, a agave, o caroá, a maniçoba, o umbuzeiro, o pequizeiro, a palma
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sem espinho e outras que resistem às estiagens e estão adaptadas às condições ecológicas prevalecentes no denominado Polígono das Secas. Os levantamentos de solos do Nordeste iniciados por especialistas da então IFOCS, através da Comissão de Serviços Complementares e posteriormente pelo Serviço Agroindustrial do DNOCS, contando com a decisiva participação de técnicos do Instituto José Augusto Trindade, estão inseridos neste livro. Capítulo especial é dedicado à agricultura irrigada e à colonização das terras úmidas situadas nas proximidades do Polígono das Secas. O outro grande livro de Guimarães Duque, “O Nordeste e as Lavouras Xerófilas”, foi lançado em 1964. A ecologia regional, a aridez, o clima e a vegetação xerófila são focalizados detalhadamente neste trabalho que impressiona a todos que têm a possibilidade de conhecê-lo. De outra parte, tomando por base distintos outros estudos, inclusive aqueles constantes do seu livro “Solo e Água no Polígono das Secas”, foi também elaborado um Mapa das Regiões Naturais, que se constitui em anexo do livro “O Nordeste e as Lavouras Xerófilas”. Este mapa delimita as Regiões Naturais existentes no semi-árido dos Estados que compõem o Nordeste – Piauí, Ceará, Rio Grande do
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Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Outras contribuições importantes de Guimarães Duque direcionadas para o estudo, a compreensão e o equacionamento da problemática nordestina são encontradas na conferência proferida na CNI, em 1972, intitulada “Nordeste Ecologia e Desenvolvimento”, nas duas apostilhas lançadas quando ministrou em 1973, o Curso de Semi Aridez e Lavouras Xerófilas, contratado pela Diretoria de Irrigação do DNOCS, bem como em sua obra póstuma “Perspectivas Nordestinas”, lançada em 1982. ANDRADE (1967), outro grande estudioso dos problemas regionais, analisando e comentando os principais trabalhos de Guimarães Duque, chama atenção para o aspecto ecológico que permeia sua obra. No entanto, no nosso entendimento, quem melhor sintetizou a profundidade e a abrangência da obra de Guimarães Duque foi SOUZA (1979), às fls. 88 do seu livro sobre o Nordeste, quando afirmou: “A obra do Agrônomo Guimarães Duque, que chefiou por muitos anos o Serviço Agroindustrial do DNOCS, é a mais importante de quantas foram feitas sobre a sub-região semiárida, pela amplitude de conhecimentos teóricos e práticos que reúne, graças à mente pragmática, experimental e imaginativa do autor, capaz de dis-
cutir com segurança tanto os condicionamentos naturais quanto socioeconômicos. A suma de sua contribuição está em “Solo e Água no Polígono das Secas” e em” O Nordeste e as Lavouras Xerófilas”. Ambas são obras clássicas, mas insuficientemente divulgadas, especialmente a primeira, que está a exigir com urgência não uma, porém varias novas edições. Procura ele compreender a origem de certas posições técnicas alienadas: “Através do ensino agrícola saturado com idéias e teorias expostas por professores estrangeiros, de publicação difundindo as últimas novidades agrícolas em continentes frios, foi a nossa agricultura orientada, embora bem intencionalmente, para um choque com o ambiente” . (DUQUE, 1949) E conclui João Gonçalves de Souza: “Outra contribuição fundamental de Guimarães Duque foram suas observações, experimentos e melhoramentos com plantas xerófilas, a maior parte delas oriundas do próprio sertão e, portanto, a ele extraordinariamente adaptadas, tal como salientei”. O livro publicado após seu falecimento “Perspectivas Nordestinas”, no entender de F. Alves de Andrade, na Nota Prévia nele inserida, “É um esboço complementar aos trabalhos de pesquisa básica – Solo e Água no Polígono das Secas e O Nordeste e
as Lavouras Xerófilas, já considerados de consulta obrigatória aos que se dedicam a estudos nordestinos, divulgados em várias edições. Ocorre que, se as publicações acima referidas constituem a nervura central do pensamento do escritor, o livro por ele deixado inédito é como um testamento esclarecedor a revelar o coroamento do seu trabalho, contendo uma visão global, em leque aberto, de interpretações nos últimos tempos que ele viveu. A experiência do autor, pode-se dizer, foi extensiva e intensiva. Desde o campo à cátedra universitária, a sua vivência com a realidade da região semiárida deu-lhe uma convicção de soluções que aparecem e surdem da própria consciência, de modo claro e pleno. Neste livro dá-nos a sabedoria do que observou no DNOCS e na SUDENE, como administrador, conselheiro, assessor, produzindo afinal um mensagem de perspectivas em termos não simplesmente quantitativos, mas de qualidade”. REFLEXÕES FINAIS. Foi no Nordeste, área singular e distinta, situada na zona tropical, com temperatura do ar variável entre limites estreitos, com chuvas orográficas e convectivas irregularmente distribuídas no tempo e no espaço, com solos de formação granítica, gnáissica e sedimentar, ondulados
sem grandes planícies, com vegetação da caatinga formando a floresta seca e rica em espécies vegetais, onde não existe a predominância de desertos, do frio à noite e do nomadismo da população, que José Guimarães Duque desenvolveu suas atividades, seus trabalhos, seus levantamentos, suas pesquisas durante tantos anos. Dono de uma personalidade marcante, se notabilizou no estudo e na pesquisa, fazendo-se respeitar por quantos tiveram o prazer de conhecê-lo. Sua obra se destaca não somente pela profundidade e pela abrangência, como também pela maneira simples e direta como os assuntos são abordados. A ecologia regional e a semiaridez no Nordeste, as regiões naturais e as regiões ecológicas, o aproveitamento racional dos solos irrigáveis e das terras de sequeiro, a importância econômica das plantas xerófilas, a causa, a problemática das secas e seus efeitos sobre as lavouras e a pecuária, o melhoramento dos pastos nativos e o suprimento alimentar do gado nos períodos de escassez, são temas que foram levantados e tratados nos diferentes trabalhos elaborados e publicados por Guimarães Duque. Conheci José Guimarães Duqu e, que todos chamavam Dr. Duque, no inicio dos anos quarenta do sécu-
lo pretérito, no Açude Público São Gonçalo, município de Sousa (PB), onde nasci e onde meu pai Francisco de Andrade Carneiro trabalhava como médico da então IFOCS, lotado inicialmente na Comissão do Alto Piranhas e em seguida no Instituto José Augusto Trindade - IJAT. Naquela época estavam sendo implantadas as obras de transformação hidroagrícolas do Projeto de Irrigação do Açude São Gonçalo - construção de canais, drenos e estradas de penetração - e o IJAT – Instituto José Augusto Trindade funcionava plenamente. Nessas condições, o Dr. Duque freqüentemente ali se encontrava, com o objetivo de inspecionar os trabalhos em andamento, como também orientar a equipe técnica então existente, integrada por Engenheiros Agrônomos, Químicos, Veterinários e Técnicos Agrícolas. Quando concluí o curso de Agronomia, em 1961, diferente do que acontece atualmente, quando o desemprego é uma constante, recebi convites para trabalhar na ANCAR (atual EMATER), no Instituto Agronômico do Nordeste – IPEANE e no Ministério da Agricultura. Entretanto, como havia nascido em São Gonçalo, preferi ingressar no DNOCS, sendo designado pelo Chefe do Serviço Agro-Industrial, Dr. José Guimarães Duque para
Av. Olinda, 65 - Tambaú - sala 105 - João Pessoa-PB - Fone: (83) 3227-2443 - Fax:(83) 3226-7175
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prestar serviços na minha terra, no Instituto José Augusto Trindade, posteriormente denominado Instituto Agronômico José Augusto Trindade - IAJAT. Em São Gonçalo, tive o ensejo de conhecer “Solo e Água no Polígono das Secas”, leitura obrigatória, uma espécie de bíblia dos Engenheiros Agrônomos do DNOCS daquele tempo. A partir daí, passei a ler e a consultar seus trabalhos e ainda hoje os manuseio regularmente, já que apesar do tempo continuam atualizados,
principalmente quando abordam a ecologia da Região. Em 1963, através da Portaria Nº 02-S, de 14/01/1963, do Chefe do Serviço Agroindustrial do DNOCS, Engenheiro Agrônomo José Guimarães Duque, fui elogiado, em virtude da atuação decisiva que possibilitou a conclusão em tempo, dos prédios do Centro de Treinamento do Instituto José Augusto Trindade. Creio que fui um dos poucos a receber um elogio daquele renomado técnico. Após 1971, quando passei a tra-
balhar na Direção Geral do DNOCS em Fortaleza, mantinha frequentes contatos com Dr. Duque, principalmente quando ele integrava o Conselho de Administração e eu exercia o cargo de Diretor da Diretoria de Irrigação, o que possibilitou contratá-lo, em 1973, para ministrar um Curso de Semi Aridez e Lavouras Xerófilas. Foi, portanto, com satisfação que elaborei este trabalho, quando levantei detalhadamente sua bibliografia e procurei analisar seu lúcido pensamento. g
BIBLIOGRAFIA ANDRADE, Francisco Alves. Agronomia e Humanismo. Problemas de Política Econômica e Educacional Agrária. Fortaleza, Imprensa Universitária do Ceará, 1967. BARREIRA, Inácio Ellery. Excerto da Biografia do Dr. José Guimarães Duque. Jornal O POVO, edição de 21/05/1978. CARNEIRO, Ruy. Depoimento.Prestado em março de 1977, ao CEPDOC, da Fundação Getulio Vargas (mimeografado). CARNEIRO, Joaquim Osterne. Considerações Sobre os Recursos Hídricos da Paraíba.Conferência realizada em 09/09/1999, em comemoração aos 75 anos de criação do Colégio Agrícola Vidal de Negreiros. Bananeiras, PB, 09 de setembro de 1999 (mimeografado). DUQUE, José Guimarães. Notas Sobre a Ensilagem. Boletim da Inspetoria de Obras Contra as Secas. Nº 4-Vol. 2-Outubro 1934. ____________________ . Notas Sobre a Fenação. Boletim da Inspetoria de Obras Contra as Secas. Nº 5-Vol 2-Novembro 1934. ____________________. Notas Sobre o Posto Agrícola Lima Campos. Boletim da Inspetoria de Obras Contra as Secas. Nº 6-Vol. 3- Junho 1935. ___________________. Notas Sobre o Posto Agrícola Lima Campos. Boletim da Inspetoria de Obras Contra as Secas. Nº 1-Vol. 4- Julho 1935. ____________________. O Problema da Alimentação Animal no Sertão do Nordeste. Boletim da Inspetoria de Obras Contra as Secas. Nº2-Vol. 8- out. a dez. 1937. B. Téc. DNOCS, Fortaleza, 38(2): 119-129, jul/dez. 1980. _____________________. Ensaio Preliminar Sobre a Formação de Mudas de Oiticica. Boletim da Inspetoria de Obras Contra as Secas. Nº 1-Vol. 9- Jan a mar. 1938. ____________________. Ensaio Preliminar de Irrigação na Cultura do Algodão “Express”. Boletim da Inspetoria de Obras Contra as Secas. Nº 2- Vol.9-Abr. a jun a Set. 1938. DUQUE, José Guimarães e GUERRA, Paulo de Brito. Observações para a Cultura da Oiticica. Boletim da Inspetoria de Obras Contra as Secas. Nº 1-Vol. II-Jan a mar.1939. DUQUE, José Guimarães. O fomento da Produção Agrícola. Boletim da Inspetoria de Obras Contra as Secas. Nº 2-V0L. II-Abr. a jun. 1939. DUQUE, José Guimarães, GUERRA, Paulo de Brito e LEÃO, Teófilo A. Pacheco. Resultado do Ensaio de Competição de Variedades de Tomates. Separata do Boletim da Inspetoria de Obras Contra as Secas do 4º trimestre de 1939. DUQUE, José Guimarães. Algumas Questões da Irrigação no Nordeste. pp. 1-24(mimeografado)1944. ___________________. Solo e Água no Polígono das Secas. Publicação Nº 154, Serie I, A, Departamento Nacional de Obras Contra as Secas. Agro-Industrial, Fortaleza, Ceará-Iª edição, 1949. ______________ . Apreciações Sobre os Solos do Nordeste. Separata. “Anais do Instituto Nordeste”.Fortaleza, 1950. ______________. A Exploração dos Açudes Públicos. Rodovia, Rio de Janeiro,junho1951:41-53. DUQUE, José Guimarães, BARREIRA, Inácio Ellery, MELO, F.E. Souza e PADILHA, Jairo. Os Serviços Agronômicos do DNOCS. Boletim do DNOCS Nº 6, Vol. 20, novembro de 1959. DUQUE, José Guimarães. O Nordeste e as Lavouras Xerófilas. BNB-ETENE, Fortaleza, 1964. ______________________. .Nordeste Ecologia e Desenvolvimento. Confederação Nacional da Indústria. Rio de Janeiro, 1972. ________________________. Curso de Semi-Aridez e Lavouras Xerófilas. Iº Volume. Ministério do Interior. DNOCS/Diretoria de Irrigação. Fortaleza-CE, 1973(mimeografado). ____________________________ Curso de Semi-Aridez e Lavouras Xerófilas. Melhoramento da Pastagem Nativa como Fator Econômico Auxiliar e Complementar da Lavoura Xerófila. 2º Volume. Ministério do Interior. DNOCS/Diretoria de Irrigação. Fortaleza-CE, 1973 (mimeografado). _____________________________ .Perspectivas Nordestinas. Obra Póstuma. Fundação Guimarães Duque. Escola Superior de Agricultura de Mossoró. Banco do Nordeste do Brasil S.A. Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste - ETENE. Fortaleza, 1982. GUERRA, Paulo de Brito. A Civilização de Seca. Ministério do Interior. Departamento Nacional de Obras Contra as Secas. Fortaleza, DNOCS, 1981. 71p. HIRSCHANN, Albert O. Política Econômica na América Latina. Editora Fundo de Cultura. São Paulo-SP, 1965. SOUZA, João Gonçalves de. O Nordeste Brasileiro: Uma Experiência Regional. Fortaleza; Banco do Nordeste do Brasil, 1979.
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CINEMA
FFFFPB E OUTROS FESTIVAIS Wills Leal
Mais de uma dezena de festivais ligados ao cinema devem ser realizados este ano na Paraíba, com sua grande maioria exibindo obras de cineastas locais. Um, certamente, deverá obter grande repercussão na mídia: será o FFFF/PB Festival do Filme Feito Sobre o Filme Paraibano. Vai retratar o que cineastas amadores e profissionais, aqui na Paraíba e em outros Estados produziram, ao longo de décadas, sobre nossa produção fílmica. Exibirá dezenas e dezenas de “filmes” realizados em diversas bitolas e plataformas, divulgando, analisando, estudando, ou até mesmo apenas “documentando” o trabalho de diretores, produtores, ator/ atriz, pequenos ciclos e até mesmo de produções não reais, os chamados “filmes espirituais”, que fizeram muito sucesso nos anos 60 do século passado. Os últimos dados que temos indicam que são mais de 30 produções, a grande maioria curtas e muitas em película, nas bitolas 16 e 35 milímetros. Só há o domínio absoluto da mídia digital apenas nas produções mais recentes. São poucas as
que foram realizadas em Super-oito. Este valioso acervo, pouco conhecido e na sua quase totalidade ameaçado de extinção, será mostrado ao público, em diversas exibições, até mesmo via televisão, acompanhado de debates. Será uma excelente oportunidade para que se tenha uma visão mais geral de como tem sido a evolução do cinema na/da Paraíba e o papel que seus realizadores sempre tiveram na cinematografia brasileira e até na internacional. Boa parte dos filmes enfoca principalmente aspectos históricos das produções paraibanas, não se dando muita importância aos seus aspectos técnicos. Só nos últimos anos é que houve essa preocupação, quando foram realizadas obras com melhor qualidade profissional. O Festival, em realidade, tem por objetivo exibir, discutir e analisar criticamente as obras audiovisuais produzidas sobre os filmes e cineastas paraibanos, as antigas casas de exibições, festivais e acontecimentos relacionados à sétima arte, em nosso Estado. Objetiva, ainda, propor
soluções para preservação e salvaguarda dessas produções e indicar sugestões que propiciem sua melhor divulgação. As obras serão exibidas em blocos temáticos, não se levando em consideração seus aspectos históricos, tempo de exibiçãoou mídia realizada. Paralelo ao FFFFPB ocorrerão lançamentos de livros sobre o cinema, exposições temáticas e mesas redondas sobre cultura visual. Os demais principais festivais ligados ao cinema previstos para serem realizados, este ano, na Paraíba são: Cineport e Aruanda, em João Pessoa; Digital do Semiárido, em vários municípios; do Sertão, em Patos, Comunicurtas, em Campina Grande; além dos voltados para exibições de produções locais, em pelo menos seis cidades. Outros festivais, com conteúdos os mais diversos, divulgando ciclos, nacionalidades, obras de determinados criadores (diretor ou ator, por exemplo) serão realizados nas salas alternativas, como Sesc, Sesi, Energisa, Funjope, Estação Cabo Branco e nas Universidades. g
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ENTREVISTA MÁRIO GLAUCO DI LASCIO
UM ÍCONE DE NOSSA ARQUITETURA Entrevista a Flávio Sátiro Fernandes Fotos: Genius
N
ascido em João Pessoa (quando ainda se chamava Parahyba), aos 8 de setembro de 1929, MÁRIO GLAUCO DI LASCIO, filho do arquiteto e construtor Hermenegildo diLascio, natural de Lábria, na Itália, graduou-se em Arquitetura pela Escola de Belas Artes do Recife, no ano de 1957, após o que passou a exercer uma grande atividade profissional que o fez tornar-se um dos grandes nomes da profissão no Brasil e, particularmente, na Paraíba, merecendo o reconhecimento de estudantes, professores e colegas de profissão como um ícone de nossa arquitetura. Em entrevista ao nosso Diretor, jornalista Flávio Sátiro Fernandes, Mário Glauco diLáscio repassou os primórdios de sua formação profissional, bem como nomes de destaque da arquitetura brasileira e paraibana, e outros pontos relevantes de sua vida de arquiteto, que perfaz cinquenta e seis anos de sua existência octogenária, ainda em plena atuação. Ao fim da entrevista, Mário di Láscio desenhou, inteiramente de memória, o croqui de um de seus primeiros projetos nesta Capital (Figs. 2 e 4).
Como nasceu seu interesse pela Arquitetura? Desde a adolescência, acostumava acompanhar o meu pai, arquiteto e construtor, nas suas visitas de administração às obras. Isto despertou-me o interesse pelas atividades de construir, assim como pelos desenhos dos projetos arquitetônicos que se elaboravam no escritório, documentando toda a evolução dos empreendimentos. Quais os primeiros passos em direção à formação acadêmica? Com bastante facilidade em desenhar, reproduzir e criar modelos de pequenas habitações, além da curiosidade nas leituras dos livros de arquitetura existentes na biblioteca do meu pai, aos poucos fui percebendo que a atividade da arte de projetar e construir seria meu objetivo profissional. Terminado o curso colegial, ingressei no curso superior de arquitetura, na Escola de Belas Artes do Recife, onde adquiri minha formação como arquiteto e onde concluí os estudos em 1957. Em seus tempos de graduação, que nomes e tendências predo-
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minavam na arquitetura brasileira? Naquela época, já havia o movimento modernista na arquitetura, com profissionais que estabeleceram, através de suas produções, excelentes trabalhos no setor, os quais serviram de modelo e orientação para os profissionais atuantes no mercado da construção civil. No sul do país, destacavam-se os nomes de Warchavic, Jaques Pilon, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Vilanova Artigas, Sérgio Bernardes e muitos outros. No Nordeste, principalmente no Recife, aponto os nomes de Acácio Gil Borsoi, Delfim Amorim, Valdeci Pinto, entre os mais notáveis. Fig 1
Que nomes mais se sobressaíam dentre seus professores de arquitetura? Dentre os mestres na Faculdade, os que mais me deixaram fortes lembranças, pela sua competência e sabedoria, foram: Ivan de Aquino, Delfim Amorim, Acácio Borsoi, Pelópidas Silveira e Evaldo Coutinho, professor de Teoria da Arquitetura, autor de várias obras. E entre seus colegas de turma, quem está presente em suas lembranças? Do tempo de frequência ao curso de arquitetura, alguns nomes de colegas mais próximos se destacam na minha memória, tais como, David Jacobovitz (falecido), Gildo Montenegro, Carlos Alberto Carneiro da Cunha, Manoel Evandro de Avelar, Armindo Ângelo Leal, Conceição Lafayette, Severino Aragão, Lúcia Ataíde, Luiz Coimbra. Qual o seu primeiro projeto arquitetônico e que outros merecem sua relevância? Como profissional da arquitetura o meu primeiro projeto foi a residência do empre-
Fig 2
sário Lourenço de Miranda Freire, localizada na Avenida Getúlio Vargas, nesta Capital, uma residência de estilo modernista, com dois pavimentos e uma área aproximada de 350ms² (Fig 1). Porém, o projeto que mais me deixou envolvido, em sua concepção espacial, foi o da residência do Dr. João Cavalcanti, localizada na rua Francisca Moura (Fig 3). Outro projeto que destaco, por me ter exigido viagens e estudos, foi o do edifício do Fórum, nesta Capital, transformado, hoje, em anexo do Tribunal de Justiça. (Capa e Fig 5). Que diferenciações lhe parecem existir entre a arquitetura de seus tempos de estudante e a arquitetura de hoje? Atualmente, a produção arquitetônica se diferencia bastante daquela que era praticada nos primeiros tempos de minha atuação. A evolução das tecnologias da construção, a oferta de novos materiais e novos conceitos sociais de ocupação dos espaços e habitabilidade, estabeleceram fatores bem distintos no resultado da produção profissional do setor. Podemos verificar esses efeitos, fazendo uma breve leitura urbana em diversas áreas desta Capital. Por exemplo, na orla marítima, no Altiplano, nos bairros novos que surgiram recentemente, como também na crítica estética verificada na observação da composição das edificações, mormente nas fachadas. Cite um fato gratificante em sua carreira de arquiteto. Na minha atividade como profissional da arquitetura, consegui construir sólidas amizades com a minha clientela, bem como na atividade do ensino da arquitetura, onde o bom relacionamento com meus alunos ainda hoje me causa a agradável sensação de haver conseguido transmitir-lhes algo de importante da essência do saber na área do fazer arquitetônico. Cite um fato decepcionante em seu exercício de arquiteto.
Fig 3
Não posso deixar de mencionar o seguinte: apesar de todos os meus esforços, a fim de divulgar a necessidade ética de estabelecer moralmente o campo realmente representativo da personalidade plural do profissional como representante de uma categoria e não apenas da pessoa individual, alguns profissionais, infelizmente, usam da atividade de participação nas operações financeiras de aquisição dos materiais da obra. Isso é verdadeiramente lamentável. Este conceito que me foi transmitido por meu pai, me parece que caiu ou vem caindo em desuso, devido aos comportamentos consumistas estabelecidos pela nossa sociedade. É lamentável e decepcionante que isto venha acontecendo. Fig 5
Fig 4
É difícil o exercício profissional da arquitetura? Por tudo que eu tenho referido, o exercício da profissão de arquiteto torna-se difícil e ingrato, com o passar do tempo. Que arquitetos brasileiros justificariam seu realce, ontem e hoje? Na arquitetura brasileira, torna-se difícil apontar profissionais notáveis, sem cometer o erro de deixar de citar alguns deles. No entanto, podem-se apontar Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Sérgio Bernardes, Vilanova Artigas, Rui Ohtake, Eolo Maia, Lelé, Borsoi, Amorim e, aqui em João Pessoa, os nomes de Expedito Arruda, Amaro Muniz, Régis Cavalcanti, Gilberto Guedes, Paulo Macedo, entre outros. Que aconselhamentos poderiam os novos profissionais obter de sua larga experiência profissional? Com a experiência adquirida ao longo de muitos anos de atividade profissional, gostaria de dizer aos novos colegas arquitetos que durante todo esse tempo, sempre procurei, como ainda procuro, me informar acerca dos novos conhecimentos, para utilizá-los no dia a dia da atividade profissional. Isto sou eu! g abril/maio/junho 2013 |
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VIDA ACADÊMICA
ADEUS A DORGIVAL Equipe GENIUS
Na noite de 12 de abril do corrente ano, faleceu em João Pessoa, no hospital da Unimed, onde estava internado, o ex-Governador da Paraíba e ex-Prefeito da Capital, Dorgival Terceiro Neto, que era, também, membro da Academia Paraibana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. Dorgival foi vítima de uma parada cardiorrespiratória, após ser acometido de um AVC. O velório do insigne conterrâneo teve lugar no Palácio da Redenção, por onde passaram amigos, familiares, confrades e admiradores de Dorgival, antes que seu corpo fosse levado a Taperoá, sua terra natal, onde foi sepultado, no domingo, dia 14 daquele mês. O Governador Ricardo Coutinho esteve presente ao velório, levando a solidariedade oficial à família enlutada. Compareceram, igualmente, Secretários da Administração Estadual, Acadêmicos, membros do IHGP, parlamentares, e outras figuras do mundo político paraibano. Dorgival nasceu em Taperoá, aos 12 de setembro de 1932, filho de Melquíades Vilar e Eliza Vilar. Fez os estudos primários e ginasiais no Ginásio Diocesano de Patos, dirigido pelo Padre Manuel Vieira. Em 1950, concluído o curso ginasial, seguiu para João Pessoa, onde matriculou-se no Liceu Paraibano, passando a morar na tradicional Casa do Estudante. Tendo ingressado na Faculdade de Direito da Paraíba, colou grau de Bacharel em 1957, passando a exercer a advocacia e, posteriormente, o magistério jurídico. Em 1971, foi nomeado, pelo Governador Ernani Sátyro, Prefeito de João Pessoa, cargo em cujo exercício demonstrou competência e probidade. Ao final do seu período na Prefeitura, desincompatibilizou-se para candidatar-se a Vice-Governador, na chapa encabeçada por Ivan Bichara Sobreira, indicado para o cargo pelo governo militar. Com o afastamento do Governador, que passou a disputar a eleição de Senador, Dorgival assumiu a governadoria
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Fotos: Correio da Paraíba
em caráter definitivo e, por seis meses, administrou o seu Estado, reafirmando naquelas funções os mesmos atributos de eficiência e seriedade. Além de jornalista, Dorgival era escritor, o que lhe valeu uma vaga na Academia Paraibana de Letras, eleito para ocupar a Cadeira nº 7, que tem como patrono Arthur Aquiles. Tomou posse na APL aos 17 de junho de 1999, sendo saudado pelo cronista Gonzaga Rodrigues. Era igualmente membro do IHGP. Dorgival Terceiro Neto deixou viúva a Senhora Marlene Muniz Terceiro Neto, e três filhos: Dorgival Terceiro Neto Júnior, Germana Terceiro Neto Parente Miranda e Adriana Terceiro Neto Bernardo de Albuquerque, além de oito netos e dois bisnetos. A Academia Paraibana de Letras, por ocasião do velório, prestou uma homenagem ao seu integrante, oportunidade em que usaram a palavra o presidente Damião Ramos Cavalcanti e a Acadêmica Ângela Bezerra de Castro, estando presentes, ainda, os confrades Flávio Sátiro Fernandes, Astênio César Fernandes, entre outros. Como dito acima, o sepultamento de Dorgival deu-se em sua cidade natal, Taperoá, para onde o corpo foi levado. Lá recebeu as homenagens de seus conterrâneos e amigos. g
COSTUMES
AS FEIRAS LIVRES NA PARAÍBA: ESPAÇOS DE CONSUMO MODERNOS E TRADICIONAIS Oswaldo Meira Trigueiro
A Paraíba é um dos menores Estados do Brasil, situado na região Nordeste, com uma população correspondendo a 1,97% da população nacional, distribuída em 223 municípios A sua capital é João Pessoa com 742.478 habitantes e a segunda mais importante cidade do Estado é Campina Grande com 389.995 habitantes. A maioria dos municípios tem população inferior a 30 mil habitantes. Apenas 30 dos seus municípios têm população acima dos 20 mil habitantes e 193 com população abaixo dos 20 mil, sendo a menor população a do município de São José do Brejo do Cruz com 1.707 habitantes (IBGE, 2012). Podemos afirmar, ainda, que a maioria das cidades do Estado são cidades imaginárias urbanas (VEIGAS, 2002), ou cidades rurbanas1(FREYRE, 1982). Nas cidades rurbanas do Nordeste brasileiro as tradicionais feiras livres são acontecimentos vinculados à sua história, à sua economia e à sua cultura, mas cada vez mais inseridas no contexto da sociedade midiatizada. A cidade de Patos, localizada a 301 quilômetros de João Pessoa, sede da 6ª Região Geoadmistrativa do Estado da Paraíba constituída por 22 municípios, na sua maioria com população abaixo de 20 mil habitantes, é um importante centro socioeconômico e cultural do sertão paraibano. A tradicional feira semanal das segundas-feiras é um acontecimento que envolve populações de diferentes cidades sertanejas interessadas em negócios de compra, venda e troca de mercadorias de origens rurais ou do mundo globalizado. É sem dúvida um local onde a tradição e o moderno convivem, um dando espaço ao outro. Na feira, o consumidor vai às compras, mas também vai em busca de momentos de lazer, do ócio na praça do mercado público central e nos seus entornos. As feiras livres nas cidades interioranas da Paraíba vão além de um simples local de venda
e troca de artefatos; envolvem uma complexa rede de relações sociais, uma diversidade de produtos, que se mesclam entre o moderno e o tradicional, o global e o local. Mesmo com todas as tecnologias de comunicação, a feira ainda é um importante local onde se toma conhecimento das novidades dos seus arredores. São as notícias sobre o inverno ou a seca, os preços dos produtos agrícolas em outras localidades, são os parentes e amigos que habitam em outras léguas que trocam informações nos movimentados intercâmbios presenciais. A feira livre é lugar dos reencontros semanais para fugir um pouco da vida cotidiana; é, sem dúvida, um local onde o moderno e a tradição convivem um dando espaço ao outro. À feira o consumidor vai à procura de coisas básicas, mas também vai em busca de momentos de entretenimentos e outros afazeres. As feiras, mesmo com toda a modernidade do mundo globalizado e as avançadas tecnologias, continuam sendo importantes pontos de encontro, de convivência das sociedades rurbanas do Nordeste brasileiro em que a oralidade, as interações interpessoais continuam como principais formas de comunicação, melhor dizendo, predomina ali o modelo interpessoal de comunicação, onde são estabelecidas fecundas interações socioculturais. Na feira, os negócios, os intercâmbios de conhecimento e as conversações, nos lugares de compras, vendas e divertimentos, são realizados, fundamentalmente, pelas interações mediadas face a face que animam os diálogos justificados horizontalmente. A grande feira engloba um conjunto de outras feiras menores (de carnes, frutas e verduras, feijão, farinha, rapadura, fumo, barro, animais, calçados, livros e revistas, sulancas, importados, trocas, etc.), que se estendem por várias ruas próximas da praça do mercado público central. As minifeiras têm a sua economia e o
seu capital sociocultural independente, mas operam interligadas por redes de comunicação cotidianas – folkcomunicacionais – que constituem esses lugares polifônicos de negociações dialéticas de aquisição de bens duráveis e não duráveis, ensejados ou não pelas novas tecnologias de comunicação, mais especificamente a televisão. Há, na verdade, uma feira de aquisição de bens materiais e uma outra de aquisição de bens imateriais que envolvem diferentes sujeitos, com os mais diversos propósitos. É o pluralismo de ofertas dos artefatos e das manifestações culturais, distribuídos em espaços demarcados, que anima os movimentos de cada setor da feira, como se fosse a estratificação de mercadorias nas gôndolas de um supermercado ou de um shopping a céu aberto, funcionando como heterotemia da economia social e cultural do local. Para compreender esses movimentos nos espaços e tempos nas cidades rurbanas o caminho escolhido foi observar os processos de comunicação através da folkcomunicação como: (...) o conjunto de procedimentos de intercâmbio de informação, ideias, opiniões e atitudes dos públicos marginalizados urbanos e rurais, através de agentes e meios direta ou indiretamente ligados ao folclore (Beltrão, 1980, p. 24.). Para Luiz Beltrão (1980, p.24), no processo da folkcomunicação, a mensagem é estruturada artesanalmente, veiculada horizontalmente e dirigida a uma determinada audiência, constituída na sua maioria por membros de um mesmo grupo de referência. As feiras semanais animam as cidades do interior nordestino, com as suas inconfundíveis polissemias de manifestações culturais tradicionais e modernas, numa mixórdia de negócios realizados nas praças dos mercados públicos e nos seus entornos, em dias de grandes
O neologismo – rurbano ou rurbanização – foi empregado por Gilberto Freyre (1982), para definir uma comunidade que habita um perímetro conceitualmente definido como urbano, mas que na realidade continua mantendo suas características rurais. São cidades com menos de 20 mil habitantes conforme o grau de densidade de ocupação humana nesse perímetro, urbano ou não urbano. Assim, como afirma o autor, o conceito de rurbanização é: “Um processo de desenvolvimento socioeconômico que combina, como formas e conteúdo de uma só vivência regional – a do Nordeste, por exemplo, ou nacional – a do Brasil como um todo – valores e estilos de vida rurais e valores e estilos de vida urbanos. Daí o neologismo: rurbanos. [...] Numerosas populações poderiam viver com vida mista: juntando a urbanismos, ruralismos como que desidratados sem deixarem de corresponder ao apego que parece haver na maioria dos seres humanos a contatos com a natureza e com a terra. Com a água de rios, com árvores, plantas e até matas” (FREYRE, 1982, p. 57).
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negócios de vendas e trocas. É nesses espaços de ordem e desordem que as feiras nordestinas continuam como lugares contemporâneos de múltiplas opções de labuta e lazer. São processos negociados nas interações mediadas entre artefatos e pessoas (mercadores e compradores) que entram nas práticas da vida cotidiana das pequenas cidades dos sertões paraibanos e em plena coexistência com o mundo globalizado pelos meios de comunicação. Os mercadores, os feirantes, os compradores e a própria feira são todos cúmplices no jogo de adequação da tradição com a modernidade. A população paraibana, mesmo a que vive nas cidades rurbanas, tem rádio em 82,2% dos domicilios, em 98,0%, televisão; em 69,7%, telefone móvel; em 30,2%, microcomputadores e em 26,5%, acesso à internet em casa (IBGE, 2012). Para adquirir esses bens de consumo a população das cidades rurbanas, na sua maioria de baixa renda, desenvolve estratégias próprias de compra e poder de uso desses artefatos no espaço da casa ou da rua (DAMATTA, 1985). Nas tradicionais feiras, são ofertadas mercadorias da indústria global – produtos originários da China, do Paraguai ou de marcas – Made In – de qualquer lugar, que se mesclam com produtos agrícolas, artesanais, de interesse local, fabricados no seio das famílias. São espaços, quase sempre sem restrições de negócios e onde é possível comprar-se de quase tudo. Os artefatos produzidos na esfera global não trazem marcas da localidade; são mercadorias desprendidas de origens regionais e nacionais, não são localizáveis, não possuem características territoriais e de fronteiras. Os artefatos regionais e locais são indicadores de lugares, de sobrenomes de famílias com história de vida e aos poucos ganham códigos de barras. Suas identificações são os testemunhos dos afazeres e lazeres culturais das localidades próximas das feiras, com forma e conteúdo (cores, sabores e significados da terra), e nos últimos anos são cada vez mais agregadores de ingredientes da indústria global para atender as
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demandas da sociedade midiatizada. Ou seja, os produtos tradicionais como gastronomia, o artesanato em barro, couro, madeira, entre tantos outros, continuam como portadores de sentidos dos contextos socioculturais do local. Com a influência da globalização nos negócios, os produtos da roça ganham rótulos, código de barra, novas embalagens, novos ingredientes e projeções nos pontos de revenda para turistas e consumidores da sociedade midiatizada. Desses movimentos de apropriação e incorporação de bens culturais midiáticos, emergem os mediadores ativistas da rede folkcomunicacional, que se inserem nos novos contextos socioeconômicos da feira, através das interações face a face e de suas interligações com outras tipologias de midiatizações, mas quase sempre predominando os relatos orais e os encontros presenciais. Ativistas da rede folkcomunicacional são atores sociais que operam nessas redes como mediadores, estão sempre atualizados com os acontecimentos midiáticos. Ou seja, são protagonistas nos processos de mediações, entre os acontecimentos locais e os acontecimentos globais, realizados nos espaços públicos e privados, destacamse pela sua posição, maneira de agir e pensar nos seus grupos sociais. Portanto, são atores sociais que saem da sua condição de anonimato,
como um entre tantos outros, para ganhar uma condição de visibilidade nos espaços concedidos ou conquistados entre familiares, amigos, nos negócios, partidos políticos, igrejas, sindicatos, poder público, mídia e em tantas outras instituições de suas referências primárias e secundárias (TRIGUEIRO, 2008, p. 47). Nas tradicionais feiras, o global e o local coexistem, onde existem espaços e tempos de negociações; há uma miscelânea de coisas e pessoas que se movimentam em diferentes direções. A tradicional feira já não se limita aos negócios relacionados com agropecuária e agroindústria, é um território amplo de atividades socioculturais, de brincadeiras, de entretenimento e performance globalizadas, é sem dúvida um campo fértil de atuação dos ativistas midiáticos das redes folkcomunicacionais. SÍNDROME DA INSUFICIÊNCIA DO CONSUMO DO LICITO OU ILÍCITO NAS FEIRAS DO TROCA No entorno do mercado público das cidades rurbanas, onde geralmente é realizada a feira do troca, estão localizados estabelecimentos comerciais, como os armazéns dos “secos e molhados” de venda em grosso, supermercados, mercadinhos, bodegas, bares, restaurantes populares, jogos de azar, além de trapaceiros, vendedores de folhetos de cordel, cegos cantadores, emboladores, artistas mambembes, prostitutas, bêbados, ambulantes com as mais diversificadas mercadorias. Tanto na demanda de consumo de bens materiais, como das atividades artísticas e culturais, os movimentos dos feirantes são realizados próximos uns dos outros e se agrupam em formas de expressão próprias, travando-se os negócios lícitos e ilícitos. Entorno aqui compreendido como aquilo que está em volta do sujeito e que pode ser próximo ou longe, basta estar ao seu alcance pelos diferentes meios de interações, de conformidade com as diferentes variações quantitativas e qualitativas dos espaços temporais (SANTOS, 1997). Ou seja, a Chi-
na é bem ali! São essas diferenças de variações que nos abrem novos caminhos para a pesquisa da folkcomunicação. A feira não se encerra em si mesma. Ela tem uma continuidade que se dilui por toda a semana e se renova, todos os dias, nas conversas com os interconhecidos que por algum motivo não aparecem por lá. O retorno da feira para casa é sempre cheio de novidades, de novas histórias para se contar. São novos artefatos para se exibir, vender e trocar nos espaços da casa ou da rua. Não é por acaso que nas feiras populares nordestinas, crescem os negócios informais de troca e venda dos produtos lícitos e ilícitos, os produtos piratas. Ou seja, a aquisição legal ou ilegal de bicicletas, motos, televisores, CDs, DVDs, celulares, smartphones, tablets, jogos eletrônicos, música digital, games, programas de computador, relógios digitais, tênis, confecções e uma infinidade de objetos – bugigangas – acontece nas bancas dos camelôs, vendedores informais, nos lajões, nas galerias do comércio atacadista e em boxes comerciais que se espalham no interior e exterior dos mercados públicos. Nos mais diversos lugares instalam-se pontos de revenda desses artefatos produzidos globalmente, que incrementam a economia informal local, desenvolvida fora do sistema legal do estado e das redes dos negócios éticos e lícitos. Pesquisa publicada pela Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (Fecomercio-RJ/2010), sobre o consumo de produtos piratas confirma que no ano de 2010 cerca de 70 milhões de brasileiros compraram algum produto pirata como roupas, tênis, relógios, óculos, CDs, DVDs e aparelhos eletrônicos. Na região Nordeste, em 2006, 43% da população comprava esses produtos e em 2010 passou para 63% como consequência do ganho socioeconômico que a população teve nesses últimos anos. As redes de negócios informais podem oferecer mercadorias com menores preços, porque estão desprovidas de impostos, de contratos de trabalho legal. Isto é, produtos contrabandeados. São redes que se espalham em campos férteis com dispositivos criados para
atender à demanda de consumo da sociedade de baixa renda que, muitas das vezes, é motivada pela mídia, passando a usufruir desses sistemas de venda de bens de consumo e contribui, direta ou indiretamente, para a reprodução de relações socioeconômicas paralelas, fora do domínio do mercado legal da globalização. É nesse paradoxo, entre o lícito e ilícito, que quase sempre a maioria dos brasileiros se inclui no sistema de consumo de produtos da moda ditada pelos interesses da sociedade midiatizada, gerando uma outra forma de poder e de negócio do local. Os bens de consumo difundidos pelas redes midiáticas chegam a quase todos os lugares, não como algo apenas nocivo para sugar ou vampirizar os produtos regionais, mas sim para construir as novas convivências sociais das comunidades rurbanas conectadas ao mundo globalizado através de atualizados processos de comunicação cotidiana – folkcomunicacionais, mas de alguma forma, legal ou ilegal, contribuem com o desenvolvimento do local. No conjunto das minifeiras uma chama atenção por sua diversificação na oferta de mercadorias nacionais e importadas. É a feira do troca, um espaço que vem crescendo com a nova economia local, onde quase tudo tem valor de moeda e de transação dos negócios. A feira do troca é um shopping popular a céu aberto onde é ofertada uma variedade de coisas novas e usadas, de procedências legais e ilegais. Sua garantia é a palavra empenhada do mercador. Os produtos são ofertados com preços abaixo dos praticados nos mercados legalizados, o que os torna mais atraentes para os consumidores de menor renda. Nesses negócios, quase não existe transação bancária, cartão de crédito. Prevalece a aquisição direta, à vista, o escambo ou um negócio híbrido que envolve parte em dinheiro e outra em objetos novos ou usados. No espaço da feira do troca, é possível se fazerem refeições rápidas nos restaurantes populares, o famoso PF – Prato Feito, tomar café, cerveja, cachaça com tira-gostos, tudo
na base da culinária típica do local, ou comer pizza de diferentes sabores. Há ponto de táxi e mototaxi, carroças de burro para conduzir os fregueses com as suas compras. Em cada setor da feira (bicicletas, motos, relógios, televisores, telefones celulares, vestuários e outros tantos), existe sempre um ou mais personagens que atuam como mediadores ativistas folkcomunicacionais dos negócios de troca e cada um com a sua especialidade. Na feira do troca as mercadorias são expostas em lugares organizados ou desorganizados propositalmente pelos seus protagonistas, para dar visibilidade às transações lícitas e, ao mesmo tempo, para camuflar as ilícitas. As negociações de uma coisa por outra qualquer são estabelecidas por hierarquias de poder simbólico e de posse dos bens culturais. A compra ou a troca se inicia com a designação de um valor de débito e para se tomar posse do artefato desejado é necessária a sua quitação através de um pagamento previamente estabelecido na negociação. É na forma e no valor da quitação do débito, previamente estabelecido, que se efetiva a compra ou a troca de mercadorias, nesses processos de negociações, às vezes demorados, realizados em diferentes movimentos de interações mediadas entre vendedor e comprador. O comprador consolida o direito de posse e uso dos bens duráveis e não-duráveis, podendo a partir daí levar a mercadoria para casa e determinar a sua ocupação num território de sua propriedade. CONSIDERAÇÕES FINAIS A sociedade na atualidade passa por grandes mediações presenciais e por significativas midiatizações de consumo de bens materiais e imateriais que alcançam grande parte da população brasileira e não seria diferente se os operadores ativistas das redes folkcomunicacionais também não estivessem passando por todas essas mudanças. Com a globalização nas comunidades rurbanas, os processos socioculturais do local são cada vez mais midiatizados pelas novas
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tecnologias. São mais frequentes os processos de apropriação e incorporação de novos significados de bens culturais do mundo contemporâneo na vida cotidiana dessas microgeografias. Melhor dizendo, nas comunidades rurbanas as experiências tradicionais, os processos socioculturais são cada vez mais afetados pelas referências tecnoantropológicas, que já não se opõem aos significados simbólicos do mundo das experiências e acontecimentos da atualidade (MORLEY, 2008, p. 225). Os ativistas operadores das redes folkcomunicacionais estão sempre inovando, se adaptando aos contextos e às dinâmicas culturais em seus entornos, como resultado dos processos das dinâmicas sociais que frequentemente se esbarram dialeticamente entre o antigo e atual, entre o local e o global, entre o tradicional e o moderno. Aqui compreendidas tradição, antiguidade e modernidade como categorias que se movimentam conforme a dinâmica social de uma comunidade em qualquer época da sua história. Portanto: Antiguidade e actualidade designam recortes cronológicos no desenrolar da história humana, ao passo que tradição e modernidade designam representações do mundo que encontramos em qualquer época histórica (RODRIGUES, 1994, p. 49).
Não é mais possível no início da segunda década do século XXI continuar o debate sobre a dicotomia sem levar em consideração as relações na atualidade do mundo moderno e do mundo tradicional, como se um fosse empecilho do outro, até porque são campos de experiências que se interligam sobre fortes tensões, mas construtores de diferentes épocas históricas. A investigação no campo da folkcomunicação deve privilegiar, também, as tensões existentes nos diferentes processos de convivências entre tradição, modernidade e atualidade nas manifestações culturais populares/folclóricas. Nas comunidades que habitam cidades rurbanas, podemos facilmente observar práticas de experiências da modernidade no estilo de vida tradicional, ou práticas das experiências tradicionais em
estilo de vida da modernidade e a convivência com os acontecimentos midiáticos transmitidos ao vivo de qualquer parte do mundo. Mesmo com todos os avanços das novas tecnologias de comunicação e os negócios do mundo globalizado, as tradicionais feiras livres no Nordeste brasileiro e, neste caso, mais especificamente o Estado da Paraíba, continuam como importantes centros de negócios e lazeres para determinados segmentos da sociedade que habitam as cidades rurbanas. Continuam cada vez mais vivas no contexto sociocultural das cidades localizadas no semiárido paraibano e certamente continuarão até porque a globalização da produção das coisas e da comunicação não aboliu as culturas do local e nem os processos tradicionais de comunicação – folkcomunicacionais. Nessa perspectiva o estudo da folkcomunicação deve se voltar na atualidade para a observação do consumo dos produtos materiais e imateriais da sociedade midiatizada e interpretar como a sociedade tradicional incorpora, pelos diferentes processos sociais, esses produtos midiáticos na dinâmica da sua vida cotidiana. São esses movimentos constantes que vão permitir uma melhor visão das “fronteiras”, possivelmente existentes, entre sociedade tradicional e sociedade moderna, como consequência das dinâmicas sociais e dos processos de atualização da folkcomunicação, já na segunda década do século XXI. g
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BELTRÃO, Luiz. Folkcomunicação: a comunicação dos marginalizados. São Paulo: Cortez, 1980. BENJAMIN, Roberto.Folkcomunicação no contexto de massa. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2000. DAMATTA, Roberto. A casa e a rua:espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985. FECOMERCIO, RJ. Federação de Comercio do Rio de Janeiro. Pirataria no Brasil: radiografia do consumo. Rio de Janeiro, 2010. FREYRE, Gilberto. Rurbanização:o que é? Recife: Massangana, 1982. IBGE/IDEME. Diretoria de Pesquisa, Coordenação de População e Indicadores Sociais. 2012. MORLEY, David. Médios, modernidad y tecnologia:hacia uma teoria interdisciplinar de la cultura. Barcelona, Espanha: Gedis Editorial, 2008. RODRIGUES, Adriano Duarte. Comunicação e cultura:a experiência cultural na era da informação. Lisboa: Editora Presença, 1994. SANTOS, Milton. Espaço e método. São Paulo: Nobel, 1997. TRIGUEIRO. Osvaldo Meira. Folkcomunicação e ativismo midiático. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2008. VEIGA, José Eli da.Cidades imaginárias: O Brasil é menos urbano do que se calcula. Campinas, sp. Autores Associados, 2002
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FOLOSOFIA
CONCEPÇÃO DE HOMEM: APROXIMAÇÕES CONCEITUAIS ENTRE PAULO FREIRE E EDGAR MORIN Glória das Neves Dutra Escarião
A motivação para escrever o texto Concepção de homem: aproximações conceituais entre Paulo Freire e Edgar Morin surgiu do desafio da pesquisa que realizamos em razão da busca do entendimento do ser educador. A pretensão é a de ser o que é o nosso vir a ser permanente: educadora popular. Preferimos designar o texto como teórico-reflexivo por entendermos a reflexão teórica como método e postura próprios dos educadores que pensam criticamente, agem e escrevem em um campo determinado de ação político-pedagógica: a educação popular. O exercício da reflexão e da escrita, do agir político – pedagógico representam a possibilidade fecunda de produzir conhecimento, embora correndo os riscos de “violentar” o conhecimento já produzido através da opção pelo caminho das rupturas, do contraponto e do enfrentamento dos desafios. Esses riscos sempre foram assumidos por Freire e Morin sem o medo de provocar questionamentos, argumentações, divergências, aproximações... Sempre entenderam ser esta a própria dinâmica intrínseca ao processo de construção do conhecimento. Nessa perspectiva, o texto versará sobre a visão de homem com base no pensamento e nos fundamentos teóricos de Freire e Morin. Pretendemos, no texto, expor o pensamento dos autores procurando as aproximações entre os fundamentos teóricos que legitimaram Freire e legitimam Morin, como anunciadores do homem enquanto ser do seu tempo histórico, no âmbito de um projeto mais amplo de sociedade. Pretendemos identificar as concepções de homem presentes nas propostas reveladas nos vários conceitos e concepções de Freire e Morim, além do pensamento utópico que apresentam. Esta utopia centrada no caráter político e multicultural da educação propõe como horizonte: a visão de totalidade do saber universal, não excludente e o homem como centro de todo o processo educacional. O texto se baseia nos construtos teóricos de Freire e Morin e se insere na direção de alternativas para a construção da educação popular que favoreça o pensar crítico e a discussão em função da superação dos problemas que
constituem base para ratificar o compromisso político, social, pedagógico e ético com a educação popular, numa postura ousada e propositiva, tanto em relação ao pensar crítico como na proposição de alternativas contra-hegemônicas que respondam às perspectivas populares em direção a emancipação humana. A concepção de homem é central nesse texto. O próprio termo evoca visões diferenciadas que, ao longo da história, controlam, regulam, libertam e escravizam a pessoa humana. Exemplos dramáticos da história universal registram as conseqüências da opressão e violência praticados pelo próprio homem em decorrência das relações de poder autoritárias e desumanizantes. Como afirma Hobsbawm em relação ao século XX, na sua busca permanente de tentar compreendê-lo pelas atrocidades praticadas nesse século que ele caracteriza como um dos séculos mais violentos: “[...] A principal tarefa do historiador não é julgar, mas compreender, mesmo o que temos mais dificuldade para compreender. O que dificulta a compreensão, no entanto, não são apenas nossas convicções apaixonadas, mas também a experiência histórica que as formou. As primeiras são fáceis de superar, pois há verdade no conhecido mas enganoso dito francês tout comprendre c’ est tout pardonner (tudo compreender é tudo perduar). Compreender a era nazista na história alemã e enquadrá-la em seu contexto histórico não é perduar o genocídio. De toda forma, não é provável que uma pessoa que tenha vivido este século extraordinário se abstenha de julgar. O difícil é compreender”.(1997, p.14). Portanto, percebemos como a forma de conceber o ser humano e o critério de verdade que acompanha essa ou aquela concepção de homem e o agir em decorrência dessa visão vêm acompanhadas das relações de poder presentes nas ações que direcionam o fazer humano. 1. POR QUE FREIRE E MORIN? Consideramos Freire e Morin como intelectuais que produziram os seus próprios conceitos
de homem em consonância com as suas concepções de mundo, de sociedade, de educação a partir de uma ampla reflexão teórica das grandes correntes filosóficas e, por essa razão, os seus discursos são legitimados por àqueles que militam em razão do processo de humanização, uma das utopias universais. Freire educador nascido no Nordeste do Brasil em 1921, em decorrência da sua própria história de compromisso político-social com os oprimidos e da ação educativa que caracterizou a sua práxis profissional, é um intelectual reconhecido nacional e internacionalmente. Destacou-se pelo trabalho aqui e alhures, sempre em países do “Terceiro Mundo” como no Brasil, Chile e países africanos. A sua vasta obra é citada mundialmente e a sua filosofia educativa, baseada nos construtos teóricos marxistas, é caracterizada como uma das vertentes das pedagogias progressistas. Inegavelmente, Freire associou, direcionou e produziu todo o seu trabalho intelectual e a sua vasta experiência de educador com a alfabetização e a formação da consciência dos oprimidos. O seu endereço certo: os oprimidos, as camadas populares, o seu povo. Como os grandes filósofos, Freire foi um homem do seu tempo. Fez história e ousou promover uma educação propositiva. Trabalhou exaustivamente a sua fala escrita e oral. Denunciou e anunciou. Se indignou com a opressão, defendeu a dignidade humana. Viveu intensamente a luta pela emancipação humana. Acreditou nas possibilidades e na esperança. Assim, afirmou Freire: “ Sem sequer poder negar a desesperança como algo concreto e sem desconhecer as razões históricas econômicas e sociais que a explicam, não entendo a existência humana e a necessária luta para fazê-la melhor, sem esperança, sem sonho. A esperança é a necessidade ontológica: a desesperança, a esperança que, perdendo o endereço, se torna distorção da necessidade ontológica”. Morin nasceu em Paris em 1921. É o filho único de um casal de judeus sefarditas, descendentes dos judeus expulsos da península ibérica em 1492/1496.
1 Para dirimir toda e qualquer conotação machista esclarecemos que o uso da expressão - concepção de homem - não exclui a mulher e não assume a posição de superioridade ao sexo masculino.
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Entre os anos 1936–1937 Morin se reconhece politicamente com a Frente Popular e a Guerra Civil Espanhola. Engaja-se num ato militante em solidariedade aos anarquistas catalães e participa de seu primeiro comício político: uma reunião trotskista no cais de Valmy. No clima tenso que antecede a Segunda Guerra Mundial, Morin adere aos Estudantes Frentistas, liderados por Gaston Bergery que preconizava um socialismo nacional e rejeição à guerra. Nessa época começa a estudar o marxismo. Em 1961, Morin fez uma longa viagem pela América Latina e visita os países Bolívia, Peru e México. Após uma temporada no Brasil vai para Santiago do Chile, onde freqüenta cursos na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais. Considera o mundo indígena e mundo afro-brasileiro fascinantes. No mês de maio de 1998, Morin participa de uma mesa-redonda na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo com professores e pesquisadores de diferentes universidades de São Paulo. Coordena uma oficina sobre o tema “A Ética”no Centro de Estudos Filosóficos Palas Athena, em S.Paulo, e faz conferências na Universidade do Rio Grande do Norte, em Natal onde existe um grupo de estudos e pesquisas formado a partir da proposição de seu pensamento. A Universidade Católica de São Paulo e o Centro de Estudos Filosóficos também criam grupos que trabalham diretamente a partir do pensamento proposto por Morin. Morin legitima-se como um pensador europeu estudioso dos problemas do mundo, do planeta Terra, do homem. Apresenta-se como conhecedor da realidade da América Latina e do Brasil. Circula entre os intelectuais nordestinos e com eles produz conhecimento. Assume uma perspectiva de apoio a produção do conhecimento com endereço certo: a vida humana. No seu livro Terra Pátria, Morin constrói toda uma reflexão sobre a natureza do universo, sobre a natureza da Terra, sobre a natureza da vida e sobre a natureza do homem para propor uma “nova consciência planetária”. No capítulo “ A carteira de identidade terrestre”,
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Morin afirma sobre o homem inserido no universo e na Terra: “ Eis-nos portanto, minúsculos humanos, sobre a minúscula película de vida que cobre o minúsculo planeta perdido num descomunal universo (que talvez seja ela próprio minúsculo num proliferante pluriverso). Mas, ao mesmo tempo, esse planeta é um mundo, a vida é um universo pulante de bilhões de indivíduos, e cada ser humano é um cosmos de sonhos, de aspirações, de desejos”.(1995,p.67). 2. A CONCEPÇÃO DE HOMEM EM FREIRE E MORIN: algumas aproximações Tanto quanto Freire, Morin tem como ponto de partida das suas reflexões as questões que sempre provocaram a busca da verdade que parece inatingível: Quem somos nós? O que é o mundo? De onde viemos e para onde vamos? Afirma Freire: “[...] Mais uma vez os homens, desafiados pela dramaticidade da hora atual, se propõem, a si mesmos, como problema. Descobrem que pouco sabem de si, de seu ‘posto no cosmo’ e se inquietam por saber mais. Estará, aliás, no reconhecimento do seu pouco saber de si uma das razões desta procura. Ao instalar-se na quase, senão trágica descoberta do seu pouco saber de si, se fazem problema a eles mesmos. Indagam. Respondem, e suas respostas os levam a novas perguntas.” (1978,p.29) Afirma Morin: “ [...] A aventura do cosmo talvez tenha tido seu início após o big-bang, um momento explosivo a partir do qual formaram-se as primeiras partículas, seguido da formação dos núcleos dos átomos no seio das estrelas, o planeta Terra, as moléculas. Nosso aparecimento relaciona-se a tudo isso. Estamos na vanguarda desta aventura mas, ao mesmo tempo, damos continuidade a esta aventura cósmica prodigiosa que começou há quinze bilhões de anos”( 2002,p.78). Portanto, na nossa visão, é possível aproximar os dois educadores em função das suas perspectivas humanas e dos sonhos que sempre impulsionaram Freire, ainda presentes nos seus
discípulos e que motivam Morin, aos 80 anos, a continuar produzindo o saber necessário à emancipação humana, apontada como uma das aproximações conceituais entre ambos, tendo como eixo central – a concepção de homem.1 As representações do homem enquanto sujeito histórico têm como fundamento a concepção moderna do homem autônomo e unitário. Segundo Brugger, no sentido primitivo, o vocábulo origina-se, possivelmente, de uma raiz ainda hoje existente em ‘nahnen’: advertir, exortar, Mensch significa ‘ser pensante’. (19, p.212). No Latim homo significa ‘nascido da terra”. Entretanto, para clarificar as concepções de homem sublinhadas pelos dois educadores destacamos algumas expressões comumente presentes nos seus textos. È importante assinalar que o argumento central de Freire e Morin é o quadro referencial que elege as reflexões sobre o homem com base, principalmente, nos construtos teóricos marxistas analisados em contextos diferenciados. Cabe-nos indagar: o que os aproximou? Essa indagação faz-nos retomar a discussão sobre as expressões adjetivadas sobre o homem. Em síntese, destacamos as concepções dos dois educadores: O homem é membro da natureza e como os outros animais é possuidor de vida finita; é um ser ao mesmo tempo biológico e espiritual; enquanto indivíduo é único, singular; enquanto ser social é histórico, situado no tempo e espaço determinados; o homem é indivisível na sua totalidade. Busca a consciência e o conhecimento da realidade para transformá-la. O homem deve buscar a união e correlação entre si mesmo, os outros homens, as condições materiais e a natureza. Nessa abordagem, de base marxista, o homem considera a sua realidade concreta na perspectiva da construção de novas relações humanas que transformem as condições de existência humana.
O homem é o centro, o agente e o objeto das ações sociais em razão dos outros homens. O estudo da vida humana deve, então, voltar-se para a própria vida humana. Enquanto ser social, cria cultura e pode transcender a sua “animalidade” pela possibilidade de agir conscientemente. Marx e Engels admitem como um dos primeiros pressupostos de toda a existência humana, a seguinte afirmação construída ao se referirem à História que, certamente, influenciou Freire e Morin: [...] os homens devem estar em condições de viver para poder ‘fazer história’. Mas, para viver é preciso antes comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, portanto, a produção da própria vida material, e de fato este é um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, como há milhares de anos, deve ser cumprido todos os dias e todas as horas, simplesmente para manter os homens vivos” (1993, p.39). Nessa perspectiva, para Freire o homem é um ser concreto que existe numa situação concreta. Essa é primeira condição para que possa agir, atuar, operar, transformar a realidade de acordo com as necessidades. Essa capacidade de atuar associada a sua capacidade de refletir faz do homem um ser da práxis. Afirma Freire: “ Assim, como não há homem sem mundo, nem mundo sem homem, não pode haver reflexão e ação fora da relação homem-realidade. Essa relação homem-realidade, homem-mundo, ao contrário do contato animal com o mundo, como já afirmamos, implica a transformação do mundo, cujo produto, por sua vez, condiciona ambas, ação e reflexão”. (1981,p.17). Freire vai mais além das nossas expectativas em relação ao ser humano. Afirma Freire que o homem está no mundo com o mundo e essa condição o torna capaz de relacionar-se, de sair de si e de projetar-se nos outros. O homem se identifica com a sua ação, faz história e é capaz de captar o mundo e transformá-lo. Por essa razão, afirma Freire, o homem não é um ser de
adaptação e sim de transformação. (1981, p.3032) Morin parte a sua reflexão sobre o homem abordando a questão do conhecimento e associando-o ao mundo. Diz o autor que o conhecimento do mundo como mundo é necessidade ao mesmo tempo intelectual e vital e este desafio se constitui como problema universal do cidadão do novo milênio. A questão para Morin é : “ como ter acesso às informações sobre o mundo e como ter a possibilidade de articulá-las e organizá-las? Como perceber e conceber o Contexto, o Global (A relação todo/partes), O Multidimensional, o Complexo?”(2002,p.35). A proposta de Morin sobre os sete saberes necessários à educação do futuro coloca o conhecimento humano como uma forma de situar o humano no universo sem separar homem/universo. Diz Morin: Quem somos é inseparável de onde estamos? de onde viemos e para onde vamos? ( Idem,p.47) Freire aborda essa questão de forma indivisível. As reflexões sobre o homem e o mundo se inter-relacionam. Não existem posições hierárquicas entre mundo e homem. Entretanto, Morin afirma que interrogar a condição humana implica, em primeiro lugar, questionar a posição do homem no mundo. Para Morin apesar dos progressos da ciência o humano continua “esquartejado, partido como pedaços de um quebra-cabeça ao qual falta uma peça” (Idem,p47-48). O autor apresenta um problema epistemológico, assim colocado e ainda sem resposta: [...] “ é impossível conceber a unidade complexa do ser humano pelo pensamento disjuntivo, que concebe nossa humanidade de maneira insular, fora do cosmos que a rodeia, da matéria física e do espírito do qual somos constituídos, bem como pelo pensamento redutor, que restringe a unidade humana a um substrato puramente bioanatômico” (Idem,p.48) Freire desafia o homem a comprometer-se. Afirma que ao serem impedidos de atuar e de refletir, os homens são feridos em si mesmos porque são seres do compromisso.
“Compromisso com o mundo que deve ser humanizado para a humanização dos homens, responsabilidade com estes, com a história”, diz Freire (1981,p18). O compromisso não pode realizar-se apenas nas palavras, mas na práxis pelo engajamento na realidade concreta. Uma das afirmações de Freire mais significativas e de grande repercussão é aqui reproduzida: “[...] O compromisso, próprio da existência humana, só existe no engajamento com a realidade, de cujas “águas” os homens verdadeiramente comprometidos ficam “molhados”, “ensopados”. Somente assim o compromisso é verdadeiro.(Idem,p.19). Essa afirmação enfática sobre o compromisso revela a concepção de homem segundo Freire. Diz o educador que o homem deve ser solidário com o outro. Para tanto, deve ser comprometido consigo mesmo, com o outro, com a situação concreta e, nessas circunstâncias, os homens assumem os seus interesses e os interesses dos grupos aos quais pertencem. Nesse sentido, o seu compromisso profissional não pode ser dicotomizado de seu compromisso de homem. O compromisso é assumido de forma radical, totalizante. Portanto, o compromisso não se desvincula do homem; não é um ato passivo. È ato da práxis implicando na ação-reflexão sobre a realidade. (Idem,p.19-21). O que nos diz Morin:sobre essa questão? De outro ponto de partida, Morin aborda a condição humana. Como seres planetários os seres vivos dependem da biosfera terrestre, afirma o autor. A importância da humanização voltada para a humanização nos conduz a um novo início. (2002,p.51). Nessa perspectiva do autor, o conceito de homem tem duplo princípio: um princípio biofísico e um princípio psico-sócio-cultural intrinsecamente relacionados. Em síntese, o autor afirma “que somos originários do cosmo, da natureza, da vida, mas, devido à própria humanidade, à nossa cultura, à nossa mente, à nossa consciência, tornamo-nos estranhos a este cosmos, que nos parece secretamente íntimo”.(Idem,p.51). Para Morin, o homem é um ser biológico
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e cultural. O autor é enfático ao afirmar que o homem “exprime de maneira hipertrofiada as qualidades egocêntricas e altruístas do indivíduo, alcança paroxismos de vida em êxtases e na embriaguez, ferve de ardores orgiásticos e orgásmicos, e é nesta hipervitalidade que o Homo sapiens é também Homo demens”(Idem,p.52) Contudo, Freire e Morin acreditam na educação como possibilidade presente e futura. Freire propõe a superação da educação bancária sustituindo-a pela educação democrática; a educação pelo diálogo, palavra e ação; o engajamento político do educador supõe o conhecimento da realidade para buscar e descobrir caminhos que respondam a problemática educacional. Coerente com os postulados marxistas, reconceitualizados pela Teoria Crítica, Freire contribuiu para uma mudança educacional direcionada para a realidade da América Latina e Brasil, à luz dos postulados que elegem a interdisciplinaridade entre os conceitos estritamente ligados e direcionados para a formação do homem do diálogo. Para consecução dessa finalidade, a educação deve ser democrática devendo considerar os alunos culturalmente
diferentes. Assim, a sua proposta pedagógica parte da realidade, das aspirações, das necessidades e das perspectivas dos alunos. Esse ponto de partida será sempre a referência para todo ato político-pedagógico da práxis educativa freiriana. Morin apresenta os saberes necessários à Educação do Futuro. A sua proposta destaca vários postulados voltados para a inserção do homem no seu tempo, no universo, no cosmo, na Terra. Morin apresenta esses postulados levando-nos a refletir sobre a nossa condição humana. Em síntese, da sua proposta destacamos que: todo conhecimento comporta o risco do erro e da ilusão e que erro e ilusão parasitam a mente humana desde o aparecimento do Homo Sapiens; é necessário introduzir e desenvolver na educação o estudo das características cerebrais, mentais, culturais, dos conhecimentos humanos, de seus processos e modalidades, das disposições tanto psíquicas quanto culturais que o conduzem ao erro ou à ilusão. É necessário civilizar nossas teorias, ou seja, desenvolver nova geração de teorias abertas, racionais, críticas, reflexivas, auto-críticas, aptas a se auto-reformar.
A educação do futuro deverá ser o ensino primeiro e universal, centrado na condição humana. Conhecer o humano é, antes de mais nada, situá-lo no Universo e não separá-lo dele. Por isso, é necessário ensinar a identidade terrena. Nessa perspectiva, educação do futuro deverá ensinar a ética da compreensão planetária, afirma Morin. Ensinar a compreensão entre as pessoas é condição e garantia da solidariedade intelectual e moral da humanidade. (MORIN,2002). Tanto Freire como Morin destacam a pessoa humana como centro do processo educacional. É a pessoa humana que os aproxima. É o humano que sempre motivou Freire a buscar o conhecimento ético e comprometido e que continua a motivar Morin, a continuar construindo o conhecimento a serviço do gênero humano numa dimensão planetária. Podemos afirmar que Freire e Morin sempre tomaram posições: são portadores e anunciadores dos caminhos que convergem na direção da humanização. Sempre procuraram estabelecer o diálogo para alimentar a discussão sobre o mundo, o universo, o cosmo, o homem, a vida, a educação. g
REFERÊNCIAS BRUGGER, Walter. Dicionário de filosofia. 3ª ed. São Paulo: EPU, 1997. HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. ____________. Educação como prática da liberdade. 9ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. ____________. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. ____________. Pedagogia do oprimido. 6ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. MARX, K. & ENGELS, F. A ideologia alemã. 9ª ed. São Paulo: Editora Hucitec, 1993. MORIN. Edgar. O método. Porto Alegre: Sulina, 1998. ____________. Ciência com consciência. 6ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. ____________. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 6ª ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2002. ____________. Os sete saberes e outros ensaios. São Paulo: Cortez, 2002. MORIN, Edgar & KERN, Anne Brigitte. Terra-Pátria. Porto Alegre: Sulina, 1995. SCOCUGLIA, Afonso Celso. A história das idéias de Paulo Freire e a atual crise de paradigmas. João Pessoa: Ed. Universitária / UFPB, 1999. SCOCUGLIA, Afonso Celso MELO NETO,José Francisco. Educação popular : outros caminhos. João Pessoa: Ed. Universitária / UFPB, 1999. TORRES, Carlos Alberto (org.). Teoria crítica e sociologia política da educação. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2003.
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EDUCAÇÃO
EDUCAR É PRECISO Neroaldo Pontes de Azevedo
I - INTRODUÇÃO “Do Brasil e de suas presumidas identidades muito já se disse. São bastante conhecidas as imagens de modelo do país cujos conceitos operatórios de análise se baseiam em pares opostos e duais: Dois Brasis, oficial e real, Casa Grande e Senzala, o tradicional e o moderno, capital e interior, urbano e rural, cosmopolita e provinciano, litoral e sertão, assim como os respectivos‘tipos’ que os habitariam e os constituiriam. A essa tipificação em pares opostos, por vezes incompleta ou equivocada, não seria fora de propósito acrescentar outros ligados à esfera do acesso e domínio da leitura e da escrita que ainda descrevem uma linha divisória entre brasileiros: alfabetizados/analfabetos, letrados/iletrados.”(1) Essa citação inicial, retirada de um parecer do professor Jamil Cury, no Conselho Nacional de Educação, no ano 2000, continua, infelizmente, gozando de atualidade e nos provocando a repensar e traduzir na prática o que vem significando oconceito de republicanismo ainda vigente em nossa República Federativa do Brasil. Não há dúvida de que o país vem se desenvolvendo, avançando na linha de diminuição dos índices de pobreza, mas também é verdade que não consegue atuar, de forma decisiva, nas questões estruturantes, o que faz com que a desigualdade em todos os níveis continue a prevalecer, traduzida, de modo dramático, na educação, em que avança a tecnologia, mas permanecemos com um índice de 10% de brasileiros que não conseguiram ainda dar sequer os primeiros passos na aprendizagem, continuando analfabetos. Todos sabemos que se vive hoje uma “nova ordem mundial”, decorrente das grandes mudanças que vêm ocorrendo no cenário sócio-político, o que exige novas reflexões, novas posturas, novas ações, em resumo, um “novo olhar sobre o mundo”. A partir da década de 1980, observa-se, particularmente na América Latina, um movimento crescente em busca da democracia, no campo político, o que provoca também a busca de novos parâmetros no relacionamento entre os países e novos desafios no relacionamento das pessoas. A Educação passa cada vez mais a ser chamada a preparar o cidadão para esse mundo em transformação.(2) É uma ilusão, porém, pensar que a educação, por si só, seja capaz de
resolver todos os problemas. Paulo Freire afirmava com clareza: “A educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.”(3) O avanço das Tecnologias da Informação e da Comunicação exige um modo também novo e mais flexível de ver e mudar o mundo do ensino e das aprendizagens. Apesar de vir crescendo essa compreensão, ainda não podemos dizer que a educação venha merecendo o devido valor e o devido cuidado que merece. De fato, não se tem dúvida, nos dias de hoje, sobre as garantias legais que protegem o direito à educação para todos, em âmbito internacional e, de modo específico, no Brasil. Sem desconhecer os avanços que vêm ocorrendo, também é verdade que a realidade nem sempre segue o modelo desenhado e que o sistema educacional brasileiro ainda não conseguiu oferecer a todos os cidadãos a alavanca necessária para o crescimento individual e coletivo. “O Brasil ainda tem uma escola do século XIX, professores do século XX e alunos do século XXI”(4) , afirma o integrante do Conselho Nacional de Educação, Mozart Neves Ramos. II – EDUCAÇÃO: UM DIREITO DE TODOS Trataremos aqui da legislação que rege a educação básica no Brasil, o que gera um dever para o Estado. É importante conhecer a legislação e aplicá-la de uma forma correta. Mas isso ainda é pouco. O objetivo é firmarmos um compromisso de todos os agentes envolvidos com a educação, para transformar em prática um direito e um dever. Mesmo porque esse direito é fruto do esforço da sociedade, ou seja, vem sendo construído, passo a passo, através de embates, de lutas, de pressão, de organização. Isso envolve umapostura diferenciada dos gestores, dos professores, dos técnicos, enfim, de todos os profissionais da educação, em relação aos alunos. Eles podem ser agentes transformadores das suas vidas, da sociedade, do meio em que vivem, da própria escola em que estudam. A Constituição Federal, promulgada em 1988, logo no seu artigo 6º, apresenta a educação como o primeiro dos “direitos sociais” dos cidadãos brasileiros. No Art. 205, o textoconstitucional é mais direto ainda: “A educação,
direito de todos...” No Art. 208, § 1º, diz ainda a Constituição que “o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.” O FUNDEF , tornado lei em 2006, consolidou essa compreensão, reservando 15% do percentual de 25% destinado à Educação, apenas para o ensino fundamental de 7 a 14 anos. Educação infantil, Educação de Jovens e Adultos e Ensino Médio viveram momentos de extrema dificuldade, no que diz respeito ao seu funcionamento. Compreendia-se como ensino obrigatório o ensino fundamental, dos 7 aos 14 anos. Mas os avanços vêm acontecendo. A partir de janeiro de 2007, o FUNDEB corrige essa distorção, na medida em que toda a educação básica passa a ser inserida na nova forma de financiamento. A lei avançou ao criar o ensino fundamental de 9 anos. Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB sinalizava para um ensino obrigatório de 9 anos, a iniciar-se aos seis anos de idade. Este se tornou meta da educação nacional pela Lei no 10.172, de 9 de janeiro de 2001, que aprovou o Plano Nacional de Educação, que vigorou até janeiro de 2011. Desde então, o projeto de lei 8.035, de dezembro de 2010, do poder executivo, tramita, lentamente, no Congresso Nacional, vivendo-se uma situação no mínimo estranha de não se ter um Plano Nacional de Educação vigorando no país. Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, fazendo eco à Constituição Federal, também já apontara a educação como um direito, no Art. 53: “A criança e o adolescente têm direito à educação...” No dia 11 de novembro de 2009, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional59, publicada no Diário Oficial da União, do dia 12 do mesmo mês e ano, que consolida o direito público subjetivo para a educação básica (educação infantil, a partir dos quatro anos, ensino fundamental e ensino médio), estabelecendo a matrícula obrigatória na educação básica para o corte etário de quatro a dezessete anos. III. EDUCAÇÃO: DEVER DO ESTADO Todo direito gera um dever. E é assim que a Constituição Federal considera a educação. Voltemos ao Art. 205: A educação, direito de todos e dever do abril/maio/junho 2013 |
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Estado e da família, será promovidae incentivada com a colaboração da sociedade... No que diz respeito ao ensino fundamental, etapa da educação básica, a Constituição define, no Art. 208, já modificado pela Emenda Constitucional nº 59/2009: O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – educação básicaobrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria. A lei 12.796, de 4 de abril de 2013, alterou a LDB, tornando-a coerente com a Constituição Federal, no que diz respeito a obrigatoriedade da oferta de ensino dos quatro aos dezessete anos de idade. O dever do Estado (entenda-se: Estados, Distrito Federal e Municípios) é de tal ordem que a Constituição vai mais além, no Art. 208, § 2º: O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. E a LDB repete no Art. 5º § 4º: Comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o oferecimento do ensino obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade. Observe-se ainda que o art. 6º da EC 59/2009 admite umacarência na implantação das mudanças: O disposto no inciso I do art. 208 da Constituição Federal deverá ser implementado progressivamente, até 2016, nos termos do Plano Nacional de Educação, com apoio técnico e financeiro da União. IV. FINANCIAMENTO Segundo a Constituição Federal, no Art. 212, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, nunca menos de vinte e cinco por cento da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. A Emenda Constitucional 53, de 19 de
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dezembro de 2006, criou o FUNDEB, regulamentado pela Medida Provisória339/2006, que foi regulamentada pela Lei 11.494/2007. O FUNDEB, com vigência de 14 anos (2007 – 2020) é um fundo especial de financiamento da educação básica, de natureza contábil e de âmbito estadual. É constituído de um conjunto de impostos já disponibilizados para os Estados e Municípios, reservando 80 % do total dos 25 % destinadosà educação, acrescidos do correspondente a 10% da contribuição do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, a título de contribuição da União, a partir de 2010. A distribuição dos recursos é calculada com base no número de alunos da Educação Básica, conforme o censo do ano anterior, matriculados nos respectivos âmbitos de atuação prioritária, com peso diferenciado e de acordo, ainda, com o custo-aluno, definido a cada ano. Do total dos recursos do FUNDEB, 60%, no mínimo, devem ser utilizados para a remuneração dos professoresem efetivo exercício na educação básica e, no máximo, 40% nas outras ações de manutenção e desenvolvimento do ensino, conforme estão previstas no Artigo 70 da LDB. O artigo 208, inciso VII, da Constituição Federal, na redação dada pela recente EC 59/2009, preconiza: - atendimento ao educando,em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. Além disso, o Plano de Desenvolvimento da Escola – PDE - , criado pelo Governo Federal, poderá beneficiar, através do Plano de Ações Articuladas – PAR, ações consideradas necessárias em todas as etapas e modalidades da educação básica. A luta por um investimento mais adequado na educação concentrou-se recentemente na reivindicação de que seja consignado no novo Plano Nacional de Educação o percentual de 10% do PIB para a educação. Há uma expectativa positiva, que se espera não seja frustrada, de que o Congresso Nacional venha a aprovar o projeto de lei do executivo que
destina a aplicação dos royalties do petróleo para a educação. IV – QUALIDADE E METAS A exigência dos tempos atuais vai além da oferta da educação básica. Exige-se uma educação de qualidade social, ou seja, é preciso garantir competências e formar para o mundo do trabalho, para a cidadania, para a solidariedade. Numa entrevista a Paola Gentile e Roberta Benari, Perrenoud aponta a responsabilidade dos professores no sentido de mudar o foco da aprendizagem: transmitir conhecimentos, sim, mas conhecimentos situados, que ensinem a pensar, que ensinem a construir. “Para desenvolver competências é preciso, antes de tudo, trabalhar por problemas e por projetos, propor tarefas complexas e desafios que incitem os alunos a mobilizar seus conhecimentos e, em certa medida, completá-los. Isso pressupõe uma pedagogia ativa, cooperativa, aberta para a cidade ou para o bairro, seja na zona urbana ou rural. Os professores devem parar de pensar que dar o curso é o cerne da profissão. Ensinar, hoje, deveria consistir em conceber, encaixar e regular situações de aprendizagem, seguindo os princípios pedagógicos ativos construtivistas. Para os adeptos da visão construtivista e interativa da aprendizagem, trabalhar no desenvolvimento de competências não é uma ruptura. O obstáculo está mais em cima : como levar os professores habituados a cumprir rotinas a repensar sua profissão ? Eles não desenvolverão competências se não se perceberem como organizadores de situações didáticas e de atividades que têm sentido para os alunos, envolvendo-os, e, ao mesmo tempo, gerando aprendizagens fundamentais.”(5) Paulo Freire já falava, em um poema, (6) com extrema propriedade e com uma visão aberta e prospectiva, o que ele compreendia ser uma escola que permite a cidadania. A escola A escola é...
O lugar onde se faz amigos, Não se trata só de prédios, salas, quadros, Programas, horários, conceitos... Escola é, sobretudo, gente, Gente que trabalha, que estuda, Que se alegra, se conhece, se estima. O diretor é gente, O coordenador é gente, O professor é gente, O aluno é gente, Cada funcionário é gente. E a escola será cada vez melhor Na medida em que cada um Se comporte como colega, amigo, irmão. Nada de ‘ilha cercada de gente por todos os lados’. Nada de conviver com pessoas e depois descobrir Que não tem amizade a ninguém, Nada de ser como tijolo que forma a parede, Indiferente, frio, só. Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar, É também criar laços de amizade, É criar ambiente de camaradagem, É ‘se amarrar nela’! Ora, é lógico... Numa escola assim vai ser fácil
Estudar, trabalhar, crescer, Fazer amigos, educar-se, Ser feliz. Mais tarde, o Relatório Delors, encomendado a um grupo de especialistas pela UNESCO, apontava os quatro pilares da educação para o século XXI: aprender a ser, aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a viver juntos. (7) A escola está ligada a uma rede local, nacional e mesmo internacional. Assim é que o Movimento Todos pela Educação apontou as 5 metas a serem atingidas em 2022: 1) Toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola 2) Toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos 3) Todo aluno com aprendizado adequado à sua série 4) Todo jovem com o Ensino Médio concluído até os 19 anos 5) Investimento em Educação ampliado e bem gerido.(8) Para tanto, é preciso que a gestão da escola tenha uma visão voltada para a mudança, para a renovação. A escola, nos padrões atuais, com raras exceções, não tem conseguido cumprir um papel renovador. A responsabilidade da gestão é decisiva. Em forma resumida, pode-
mos apontar aquilo que seria o decálogo dos bons gestores: 1) Atitude positiva de liderança 2) Compreensão da missão da escola 3) Foco na prática pedagógica 4) Trabalho coletivo e participativo 5) Atuação proativa na solução de problemas 6) Capacidade de mediar conflitos 7) Formação e atualização permanentes 8) Ética 9) Esperança ativa 10) Crença firme no papel transformador da educação Uma educação transformadora tem que levar em consideração o papel essencial do professor, valorizando-o através de um salário digno, oferecendo formação continuada, para que ele possa enfrentar os desafios permanentes do dia a dia e tenha como foco o processo de aprendizagem do aluno. Sem otimismo ingênuo, de forma positiva, podemos reafirmar que educar é preciso, valendo-nos mais uma vez das palavras do educador Paulo Freire, proclamado, em 2012, o patrono da educação brasileira: “Mudar é difícil, mas é possível.” (9)
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NOTAS (1) CURY, Carlos Roberto Jamil. Parecer CNE/CEB 11/2000 – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/PCB112000.pdf. Acesso em 03/05/2013 (2) Ver BARONE, Rosa Elisa M. Educação e políticas públicas: questões para o debate”. http://www.senac.br/BTS/263/boltec263a.htm Acesso em 03/05/2013 (3) FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Ed.UNESP, 2000, p.68 (4) http://g1.globo.com/globo-news/noticia/2012/11/brasil-tem-escola-do-seculo-xix-afirma-especialista-em-educacao.htmlAcesso em 04/04/2013 (5) GENTILE, Paola e BENCINI, Roberta. Construindo competências. Entrevista com Philippe Perrenoud, Universidade de Genebra. htpp://www.unige.ch/fapse/sse/teachers/perrenoud/php_main/php_2000/2000_31.html Acesso em 05/05/2013 (6) http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTerceiraAula.htmal?aula=15356 Acesso em 05/05/2013 (7) DELORS, Jacques (coord.). Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. São Paulo:Cortez; Brasília: MEC, UNESCO, 1998, pp.103-104 (8) www.todospelaeducacao.org.br/ Acesso em 05/05/2013 (9) FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2005, 31ª ed.
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HOMENAGEM
EDITORA FÓRUM HOMENAGEIA O CONSELHEIRO FLÁVIO SÁTIRO FERNANDES Equipe GENIUS
Foi realizado nos dias22 e 23 de março do corrente ano, no salão de convençõesdo Verde Green Hotel, o Fórum de Gestão Pública na Paraíba, patrocinado pela Editora Fórum, de Belo Horizonte, em homenagem ao Conselheiro Aposentado Flávio Sátiro Fernandes, do Tribunal de Contas do Estado e nosso Diretor. A citada promoção teve como Presidente de Honra, o atual Presidente da mesma Corte, Conselheiro Fábio Túlio Filgueiras Nogueira. O Fórum de Gestão Pública na Paraíba constitui mais um dos eventos que a conhecida casa editorial, especializada em direito
público, vem realizando em diversas capitais do País, contando com o apoio de vários órgãos públicos e privados, tendo em sua programação importantes personalidades do mundo jurídico brasileiro, convidados para a apresentação de palestras sobre temas de interesse de gestores e servidores das administrações federal, estaduais e municipais, tais como, direito de acesso à informação, gestão municipal e regiões metropolitanas, competência municipal e licenciamento municipal, saneamento básico, divisão constitucional de competências, controles de políticas públicas, desenvolvimento nacional sustentável,
O Ministro Carlos Ayres Brito faz entrega ao Conselheiro Flávio Sátiro Fernandes da placa comemorativa da homenagem, mandada confeccionar pela Editora Fórum
Outro instante da entrega ao Conselheiro Flávio Sátiro Fernandes da placa comemorativa da homenagem a ele prestada pela Editora Fórum
O Ministro Benjamim Zimmler faz entrega de placa ao Conselheiro Fábio Túlio Nogueira, Presidente de Honra do conclave
O nosso Diretor, ladeado por sua esposa, Eliane, e pelo Presidente da Fundação Casa de José Américo, Flávio Sátiro Filho
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atuação e responsabilidade da assessoria jurídica nas licitações e contratos, e outros mais. Participaram do Fórum de Gestão Pública na Paraíba os professores Talden Farias, Daniela Libório, Rúsvel Beltrame Rocha, Cristiana Fortini, Daniel Ferreira, Antônio Carlos Alencar Carvalho, Luís Manuel Fonseca Pires. Os Ministros Benjamim Zimmler, Presidente do Tribunal de Contas da União e Carlos Ayres Brito, aposentado recentemente do Supremo Tribunal Federal, pronunciaram as duas palestras de encerramento do Fórum, cabendo ao primeiro dissertar sobre Regime Diferenciado de Contratações e ao segundo, discorrer sobre Perfil constitucional do processo administrativo. Na sessão de encerramento, coube ao Editor Luís Cláudio destacar ser o evento realizado em homenagem ao Conselheiro Aposentado, Flávio Sátiro Fernandes, cuja vida pública tem, segundo ele, a significativa marca de trinta e seis anos de serviços prestados ao controle externo, como Conselheiro e Procurador Geral do Tribunal de Contas do Estado. Referiu-se, igualmente, Luís Cláudio ao Conselheiro Fábio Túlio Filgueiras Nogueira, escolhido Presidente de Honra do Fórum. Na oportunidade, foram entregues aos homenageados placas alusivas ao preito que lhes foi prestado pela Editora, competindo ao Ministro Benjamim Zimmler entregar a placa comemorativa da homenagem ao Presidente do TCE da Paraíba. Já o Ministro Carlos Ayres Brito procedeu à entrega da mesma peça ao Conselheiro Flávio Sátiro Fernandes, ocasião em que lembrou seu antigo conhecimento com o homenageado, há cerca de vinte anos, quando exercia o cargo de Procurador do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe e o Conselheiro Flávio Sátiro Fernandes dirigia o TCE da Paraíba. A placa entregue ao Conselheiro Flávio Sátiro Fernandes contém os seguintes dizeres: Ao Conselheiro Flávio Sátiro Fernandes: A Fórum o homenageia pela sua valorosa contribuição à melhoria da qualidade da Gestão Pública brasileira e por seu compromisso com a construção de uma Administração Pública transparente, eficiente e eficaz. João Pessoa, março de 2013 O Fórum de Gestão Pública, realizado na Paraíba, contou com a presença de administradores públicos, assessores, professores e estudantes, que lotaram as dependências do auditório do Verde Green Hotel localizado na Praia de Tambaú. Na ocasião, o Editor Luís Cláudio procedeu ao sorteio de um exemplar dos livros Lições de Direito Administrativo e História Constitucional da Paraíba, de autoria do Conselheiro Flávio Sátiro Fernandes, os quais foram autografados pelo autor. g
O Conselheiro Flávio Sátiro Fernandes, ao lado de um grupo de participantes do Fórum
O Ministro Carlos Ayres Brito, o Conselheiro Flávio Sátiro Fernandes e o Editor Luís Cláudio Rodrigues Ferreira, Diretor da Editora Fórum, promotora do evento
O Ministro Carlos Ayres Brito, o Conselheiro Flávio Sátiro Fernandes e o Presidente da Fundação Casa de José Américo, Flávio Sátiro Filho
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HOMENAGEM
JURISTA BRASILEIRO É HOMENAGEADO EM PORTUGAL Equipe GENIUS
A Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, entregou, no dia 15 de abril do corrente ano, ao jurista brasileiro, Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará e colaborador desta revista, Paulo Bonavides, a Medalha Jorge Miranda. A comenda foi concedida pela primeira vez, após aprovação por unanimidade do Conselho Acadêmico da Faculdade, e foi instituída com o objetivo de distinguir personalidades que se destacam e que dedicam sua carreira à produção e desenvolvimento do direito. A homenagem representou um reconhecimento ao mérito acadêmico daquele ilustre paraibano e das suas relações de intercâmbio com Portugal que lhe valeram prêmios nacionais e internacionais, a exemplo do título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Lisboa, considerado pelo Professor Jorge Miranda como um dos principais defensores dos direitos civis e constitucionais, o Professor Paulo Bonavides, em sua fala de agradecimento, fez uma distinçãoàquele mestre, seu amigo de longa data. À cerimônia, realizada na Sala do Conselho Científico da Faculdade de Direito de Lisboa, estiveram presentes professores, funcionários e alunos da Faculdade de Direito, valendo destacar também o comparecimento de alunos brasileiros estudantes de doutoramento, que foram prestigiar o evento. A Medalha Jorge Miranda é considerada uma distinção que além de homenagear personalidades do direito, também homenageia o professor que lhe empresta o nome, Jorge Miranda, um dos mais importantes juristas de Portugal. Compuseram a Mesa diretora dos trabalhos o Professor Dr. Eduardo Vera-Cruz Pinto, diretor da FD; Professor Dr. José Cândido de Albuquerque, diretor da Faculdade de Direito do Ceará; Professor Dr. Jorge Miranda, Professor Catedrático Jubilado da Facaldade de Direito de Lisboa; o Embaixador do Brasil em Portugal, Dr. Mário Vilalba e o presidente da Associação Acadêmica da FDUL, André Machado. g
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Ocasião em que o professor Paulo Bonavides recebia a comenda das mãos do embaixador do Brasil em Portugal
O diretor da FD da UL, professor Vera Cruz
Professor Jorge Miranda, patrono da comenda
Aspecto da mesa diretora dos trabalhos
Professor Bonavides agradece a homenagem
LIVROS GLOBALIZAÇÃO E HOMOGENEIZAÇÃO DO CURRÍCULO NO BRASIL - Glória das Neves Dutra Escarião, Editora da UFPB, João Pessoa, 2013. Em geral, da temática da mundialização da cultura, surge um dos debates mais interessantes no campo de estudo das relações internacionais: o de se procurar saber se a globalização resulta ou não em homogeneização cultural. Mike Featherstone tem sido um dos autores ativos nessa discussão. A ele somam-se Arjun Appadurai, Roland Robertson, Boaventura dos Santos, entre outros. Essencialmente são esses os autores que a Profa. Glória das Neves Dutra Escarião, destacada professora e pesquisadora do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba, estuda, para nos advertir sobre os efeitos da “globalização hegemônica” na homogeneização do currículo no Brasil. Nas palavras da própria autora, esse trabalho “representa o nosso compromisso político-pedagógico com a educação pública”. (Roberto Jarry Richardson)
CONSTITUIÇÃO E NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPIOS – Paulo Bonavides, Malheiros Editores, São Paulo, 2012. Consagrado no Brasil e no Exterior como um dos grandes constitucionalistas da atualidade, PAULO BONAVIDES tem dado uma larga e profícua contribuição à mais moderna Doutrina do Direito Constitucional. Orador vibrante e fecundo, doutrinador de incomparável valor, escritor de textos escorreitos e fluentes, tem, em seus inúmeros trabalhos – conferências, discursos, textos para prefácios de livros seus e de outros autores – vertido toda a sua sábia doutrina, numa combativa e incansável luta pela implantação de uma teoria constitucional de respeito aos direitos humanos e às conquistas democráticas. Justo, portanto que se preste esta homenagem, com a publicação de textos os mais significativos, esparsos e de difícil acesso. Com isso pode-se ter uma visão muito acurada do seu pensamento, desde as mais antigas colocações até os mais recentes pronunciamentos, sempre na mesma linha e direção: a primazia da Constituição e da normatividade como fundamento de toda Democracia, do Direito e da Justiça. (Nota da Editora Malheiros)
A PARAÍBA POR SI MESMA – José Octávio de Arruda Melo (Org.), Eduepb, Campina Grande, 2012.Este livro, focando autores paraibanos que, em diversos setores do conhecimento (história, literatura, direito, folclore, geografia, artes, imprensa etc.) se tenham dedicado ao estudo da Paraíba,através de suas respectivas obras,procura dar uma visão multifacetada do nosso Estado, mediante análise do que esses autores revelaram sobre aParaíba,em suas respectivas áreas de interesse e conhecimento. Essa análise é feita, relativamente a cada autor, por Irene Rodrigues da Silva Fernandes, Evandro da Nóbrega, Jean Patrício da Silva, Josemir Camilo de Melo, Joaquim Osterne Carneiro, Janete Lins Rodriguez, Maria Gelza Rocha Fernandes de Carvalho, Antônio Sérgio T. de Melo, Renato César Carneiro, Martha Falcão de Carvalho Morais Santana, Flávio Sátiro Fernandes, Rômulo de Araújo Lima, José Mário da Silva, Osvaldo Meira Trigueiro, José Octávio de Arruda Melo, Hildeberto Barbosa Filho, Alex Santos, Chico Pereira Júnior, Domingo Azevedo Ribeiro. Para concretização deste trabalho de fôlego para a cultura paraibana valeu a idealização, o incentivo e a determinação de Cidoval Morais de Sousa, diretor da Editora da Universidade Estadual da Paraíba – EDUEPB.
POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO, Um abordagem sistêmica. Manoel Alexandre Cavalcante Belo. Juruá Editora. Curitiba, 2012. Manoel Alexandre Cavalcante Belo, mais que um professor de raro talento, o que já é muito, é um acadêmico devotado à produção do conhecimento no sentido mais pleno dessa expressão, pois produzir conhecimento é acrescentar algo de seu aos esforços intelectuais precedentes, atitude escassa no meio acadêmico de nossos dias. Estamos falando, portanto, de alguém que busca, em suas reflexões, oferecer sua própria contribuição, tornando-se merecedor de grande admiração por parte de seus colegas e alunos. [Vinícius Soares de Campos Barros – Prefácio].
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HISTÓRIA
HERCKMANS É MUITO ESTUDADO AINDA HOJE MUNDO AFORA — MAS NÃO SÓ POR HAVER GOVERNADO A PARAÍBA HOLANDESA Evandro da Nóbrega O terceiro governante holandês da Capitania da Paraíba foi o escritor, poeta, dramaturgo, marujo, aventureiro e comandante militar Elias Herckmans (1596-1644), ainda hoje estudado também na Rússia, na Holanda e noutras partes do Mundo. Mas o interesse em torno dele não se deve somente a suas peças teatrais, seus poemas, suas canções, sua Descrição Geral da Capitania da Paraíba, sua viagem com Hendrik Brouwer ao Chile e demais realizações guerreiras, administrativas, etnográficas e intelectuais. Deve-se, também, ao fato de haver escrito, como testemunha ocular e confiável, um dos dois únicos documentos coevos sobre o chamado Tempo dos Distúrbios na Moscóvia de fins do século XVI e inícios do século XVII. Foi essa a “aventura russa” de Elias Herckmans.
Por aqui, quase ninguém sabe: Elias Herckmans, holandês que governou a Paraíba de 1636 a 1639, teve uma “aventura russa” bem antes de vir para o Nordeste brasileiro. Foi testemunha ocular de muitas das sangrentas ocorrências que marcaram a transição entre as dinastias Rurik e Romanov. Esse negro período é conhecido na Rússia como Smútnoye Vryémya, “os Tempos dos Distúrbios”, de smuta = comoção, distúrbio, confusão, aflição. O conturbado período ocorreu logo depois da morte do czar Fiôdor I [Teodoro I], em 1598, e antes da assunção ao trono, em 1613, do czar da nova dinastia, Mikhail (Miguel) Romanov [pronuncia-se romanóff]. Herckmans chegou a assistir ao enforcamento do filho de sete anos, nascido do primeiro Falso Dmitry com uma polaca. Por esse tempo, o futuro governante neerlando-paraibano se achava em demorada visita à localidade portuária de Arkángelsk (Arcangel), porto marítimo do Mar Branco, no extremo noroeste do território russo. Representava ali a firma importadora-exportadora holandesa Vogelaer (na grafia moderna, Vogelaar = “Passarinheiro” ou “Caçador de Aves”). Em Holandês, Russo & Latim — De volta aos Países-Baixos, Herckmans tornar-se-ia, em 1625, o segundo estrangeiro (e o segundo holandês, ao lado de Isaac ou Jsaak Massa) a escrever sobre esses violentos eventos:
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concluiu nesse ano alentado manuscrito sobre os Tempos de Aflições dos russos. O título do relatório é, numa das versões, Een historischen verhael van de voornaemste beroerten des Keijserrijcks van Russia, ontstaen door den Demetrium Ivanowijts, die den valschen Demetrius t’ onrecht genoemt wert. Beschreven door Elias Herckmans, anno Domini MDCXXV Amsterdam [= “Relato histórico das principais comoções havidas no Principado da Rússia e originadas pelo príncipe Dmitry Ivánovitch, falsamente acusado de se fazer passar pelo tsárevitch; escrito por Elias Herckmans, em Amsterdam, 1625”]. Dois Títulos Bibliográficos Principais - O manuscrito dessa obra permaneceu num museu holandês, sem divulgação, surgindo depois (ou uma cópia dele) na Biblioteca Pública Imperial de São Petersburgo. Somente seria publicado, pelos russos, em holandês, no ano de 1868, fazendo-se traduções em russo e latim apenas em 1874. Dizendo de outra forma, esse relato de Herckmans (Een historischen verhael van de voornaemste beroerten des keyserrychs van Russia, ontstaen den Demetrium Ivanowyts, die den valschen Demetrius l’onrecht genoemt wert), publicado em Amsterdam em 1625, ganharia traduções para o latim e o russo em 1877, respectivamente sob os títulos de: a) Rerum Rossicarum Scriptores Exteri, a Collegio Archeographico editi, Tomus II, Isaaci Massae et Eliae Herkmanni, batavorum, narrationes [“Escritores Estrangeiros sobre a História Russa, editada pelo Colégio Arqueográfico, Tomo II, Relatos dos batavos Isaak Massa e Elias Herckmans”]; e b) “Istoritcheskoye povestvovaniye o vajneishikh smútakh v gosudarstvye Rússkom” [no livro Skazányia Massy i Gerkmana o Smútnom Vrêmeni v Róssiy, saído em São Petersburgo], como aqui se mostra nas fotos em anexo ao presente texto. Em Russo, Latim e Alemão - Uma das versões mais recentes é aquela que recebeu a denominação de “Istoritcheskoye povestvo-
vaniye [...]”, entre as páginas 211 e 262 do volume Króniki smútnovo vrêmeni, editado por A. Liberman, B. Morozov e S. Shokarev, em Moscou, para o Fundo Serghyêi Dubov, em 1998. Não é de admirar que Herckmans esteja sempre sendo citado por grande número de autores antigos e hodiernos, inclusive num dos trabalhos mais atuais de Marshall Poe, seu Foreign Descriptions of Muscovy: An Analytic Bibliography of Primary and Secondary Sources [segunda edição revisada, corrigida e aumentada, © 1995, 1999 e 2008, Slavica Publishers, Inc.]. Outra vetusta obra abordando esses relatos antigos sobre o Grão-Ducado de Muscóvia é Historien und Bericht von dem Großfürstenthumb Muschkow, de Petrus Petrejus de Erlesunda, saído pela editora Tipis Bavaricis, em 1620, encontrando-se um de seus raros exemplares na Biblioteca Nacional da Áustria. Ainda outro livro respeitável, novamente em latim, para não ficar apenas nestes, dentre muitos exemplos: Memorabilis et perinde stupenda de crudeli Moscovitarum expeditione narratio è Germanico in Latinum conuersa (qua oppidum Pleskj in Lituania situm invaserunt), saído pela editora Boscardus, em 1563. Cronologia dos Tempos de Aflição - Altamente recomendáveis, no contexto, são as obras da historiadora Maureen Perrie, professora emérita de História Russa na Universidade de Birmingham e que se volta para a publicação de trabalhos preocupados em nos explicitar em especial os séculos XVI a XX, a exemplo de Pretenders and Popular Monarchism in Early Modern Russia: The False Tsars of the Time of Troubles (1995) e The Cult of Ivan the Terrible in Stalin’s Russia (2001). Além do mais, ela editou o imprescindível primeiro volume da Cambridge History of Russia (Volume I, from Early Rus’ to 1689), a partir do qual os “Tempos de Aflição” podem ser assim datados: 1601–1603: grande fome na Rússia, antecedendo o início dos “Tempos das Aflições”, os quais se estenderiam até 1613;
1603: surge o primeiro Falso Dmitry, na Polônia, pretendendo o trono russo; 1604: com um “exército”, o primeiro Falso Dmitry invade a Rússia; 1605: morte de Borís Godunov e assassinato de seu filho Fiôdor; o primeiro Falso Dmitry torna-se czar; 1606: derrubada e assassinato do primeiro Falso Dmitry; Vassíli Shuysky torna-se czar; e, entre 1606 e o ano seguinte, ocorre a revolta de Bolotnikov; 1607–1610: período do segundo Falso Dmitry, que desafia Shuysky; 1609: A Suécia intervém na Rússia para apoiar Shuysky; os poloneses cercam Smolensk; 1610: deposto o czar Shuysky, o trono russo é oferecido ao príncipe Wladylaw da Polônia; os poloneses ocupam Moscou e o segundo Falso Dmitry é assassinado; 1611: a primeira milícia nacional da Rússia tenta libertar Moscou; 1612: a segunda milícia nacional, liderada por Mínin e Pojarskiy, consegue finalmente libertar Moscou das mãos dos poloneses; 1613: Miguel Romanov é eleito czar, encerrando-se os Tempos das Aflições na Rússia. Pedro II na Rússia — Interessante notar que, dois anos depois dessa tradução russo-latina da obra de Herckmans, o imperador brasileiro Dom Pedro II visitaria a mesma cidade, ainda então com seu nome eslavo de Sankt-Petersburg e até 1918 a capital do poderoso Império Russo. A recepção a Dom Pedro deu-se em agosto de 1876, quando foi repetidamente homenageado nas célebres Academia de Ciências e Universidade locais, num périplo de visitas, conferências e debates em que demonstrou aos sábios russos profunda erudição, temperada por sua proverbial modéstia. De 1874 para cá, surgiram na Rússia e noutras partes do Planeta, em várias línguas, sucessivas edições, versões e obras baseadas nos dois relatos distintos de Herckmans e de Massa. Os próprios acadêmicos russos sempre consideraram o relato de Herckmans mais bem escrito e confiável — mesmo por que Jsaak Massa, ele próprio, se declara simples comerciante sem estudo. Ademais, seu método (ou falta de método) em grafar as palavras neerlandesas é de molde a enlouquecer até filólogos os mais pacientes. Enfim, a grafia de Massa tornou ainda mais confusa a já complicadíssima ortografia neerlandesa do século XVII. Humanista Culto — Herckmans, bem ao contrário, era um humanista culto e cosmopolita. Ao concluir o manuscrito holandês sobre os Tempos das Confusões na Moscóvia, ele já lançara, desde o ano anterior, uma peça teatral de relativo valor literário, Slach van Vlaenderen [Batalha de Flandres], em que, por meio de alegorias clássicas, louva a vitória dos holandeses no cerco
RARA GRAVURA DO CÉLEBRE REMBRANDT ILUSTROU LIVRO DO FUTURO GOVERNADOR DA PARAÍBA — Apenas seis livros foram ilustrados por gravuras do grande artista holandês Rembrandt — e uma dessas estampas, “A Nave da Fortuna”, saiu em 1634 no Elogio da Navegação, de autoria de Elias Herckmans, que logo depois governaria a Paraíba por três anos. Exemplares remanescentes dessa obra são hoje disputados, a peso de ouro, por antiquários e colecionadores internacionais.
de Nieuwpoort. Já o minucioso documento que Herckmans deixou sobre os Tempos de Turbulências no Principado da Moscóvia torná-lo-ia crescentemente mais célebre, não apenas na Rússia, mas na Europa e noutros países, como Inglaterra, França e Estados Unidos. Só que Herckmans é conhecido dos russos e dos eslavos em geral como Gerkman [pronuncia-se ghérkmann, com o G de gato, não de gelo] ou Ilyá Ghérkman. Tempo de Aflições — Para situar o leitor a respeito do Relato Histórico que Herckmans deixou sobre uma das fases mais tempestuosas da História russa, resumo aqui o que foram esses Tempos das Turbulências (ou das Aflições, das Crises, das Agitações, da Anarquia, da Baderna, das Incertezas, das Rebeliões, dos Problemas etc), como têm sido chamados. Em 1584, faleceu o penúltimo dos czares ruríquidas, Ivan IV Vasilyevitch (o equivalente a João IV, filho de Basílio). Era ele o poderoso Ivan, o Terrível, devendo-se entender “terrível” aí como “o formidável”, o “formidando”, “o que inspira medo aos inimigos”, não sendo o Diabo, portanto, tão ruim quanto o pintam... Ivan IV era querido do povo, por defendê-lo contra os boiardos e voivodas. E, ao que se diz, morreu por lento envenenamento. Um de seus filhos, o tsárevitch (o mesmo que czárevitch) Dmitry Vassílyevitch — ou seja, Demétrio dos Basílio ou filho de um Basílio — morreu em 1591, em circunstâncias estranhas. O segundo filho, Fiôdor I (Teodoro I), assumiu o trono do pai, mas também passou desta para melhor em 1598 — sem deixar descendentes.
Arranjou-se então um tzar-tampão, o meio-tártaro Borís Godunov, cunhado de Fiôdor e que todos conhecemos pelo drama de Púshkin e pela ópera de Mussórgsky. Apesar de ser homem de ideias avançadas, Godunov deu azar como imperador russo: invernos rigorosíssimos, más colheitas, fome e mortes em massa provocaram violentos conflitos e rebeliões, inclusive de cossacos e camponeses. Os boiardos (grandes fazendeiros) e os voivodas (outros poderosos senhores russos) não gostavam de Godunov e lhe moveram guerra. Vendo na confusão oportunidade de abocanhar partes do território russo, primeiro os poloneses e lituanos e, depois, os suecos, invadiram os domínios do reino/ grão-ducado/principado da Moscóvia. As coisas se complicaram quando, na Polônia, apareceu um sujeito dizendo ser nada menos que o príncipe, o próprio tsárevitch Dmitry Vasílyevitch — isto é, o filho (tido como morto) do falecido tzar Ivan IV. Dois Falsos Dmitrys — Em sua marcha contra Moscou, este primeiro Falso Dmitry foi arrebanhando temível exército. E os boiardos o apoiaram, querendo a todo custo derrubar Borís Godunov. Este morreu também misteriosamente, em 1605, e seu filho, Fiôdor II, que em tese seria seu sucessor, viu-se linchado pela multidão, tendo o “alegado” ou “pretenso Dmitry” (como dizem historiadores russos) assumido o trono sob aclamação. Em seu curto período, Dmitry até que não governou mal. Mas contra ele se junabril/maio/junho 2013 |
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taram novamente os boiardos/voivodas e o fato de se haver casado, preterindo as russas, com uma estrangeira — a polonesa Marina Mniszek, católica e não ortodoxa. As violências chegaram a um ápice: russos irados destronaram Dmitry, mataram-no e, colocando seu cadáver na boca de um canhão, dispararam-no na direção da Polônia (mandaram-no de volta, enfim). Foram brutalmente massacrados também os seguidores dmitrystas. As coisas não serenaram por aí. Em meio à permanente confusão, surgiram outros espúrios pretendentes a tzar, inclusive um segundo Falso Dmitry — que, por incrível que pareça, foi “reconhecido” pela polonesa Marina como o primeiro Dmitry, que, para ela, não morrera coisa nenhuma (apesar daquela cena do canhão). Entre 1606 e 1610, um príncipe ruríquida, Vasíly Shuysky, tornou-se tzar à força, mas acabou derrubado, em Moscou, pela zemlyá sóbor, uma espécie de assembleia eleita por voto indireto. Foi a vez de uma guarnição militar assumir o poder, de 1610 a 1612, sem no entanto conseguir manter a ordem. Enforcando Crianças — A salvação do país, porém, não partiu dos militares, mas da Igreja Ortodoxa Russa. Esta, dispondo de mosteiros fortificados, pôde organizar a resistência, conclamando os russos à unificação. Teve a ajuda de um marchante com senso de liderança, Kozma (Cosme) Mínin, que reuniu grande exército popular, a partir de Níjni-Novgórod, entregando-o ao príncipe Dmitry Pojarsky. Pôde-se finalmente expulsar os invasores, pacificar internamente os espíritos e eleger um novo tzar, Mikhail I Romanov (Miguel I), de 16 anos e filho do patriarca da Igreja Ortodoxa, o boiardo e depois metropolita Fyôdor Nikititch Romanov (1553-1633), que, como chefe religioso, adotou o nome de Filaryet e ficou mandando até a maioridade de Mikhail. Quase tudo isto pode ser lido nos textos holandeses, russos e latinos do Relato Histórico escrito por Herckmans. Ele conta também inúmeras barbaridades que testemunhou, dentre as quais o enforcamento, por ordem do novo tzar, do filho de sete anos do primeiro Falso Dmitry com Marina. Era preciso executar o menino publicamente, para que não mais surgissem falsos pretendentes ao trono. Enquanto se via conduzido à forca, pelas ruas, sob o vento e a neve, a inocente criança perguntava repetidamente: “Para onde me levam?” Por ter o rapazinho pouco peso, não funcionou direito o laço da forca — e os carrascos tiveram que terminar o trabalho noutra parte do patíbulo. Penalizado, Herckmans cita Eurípedes, Hesíodo e outros clássicos, acrescentando que ninguém sabia se a mãe do pequeno fora estrangulada em seu quarto ou se morrera de dor ante a sorte do filho.
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ELIAS HERCKMANS (ILYÁ GHERKMAN, EM RUSSO) — Esta é a capa da obra Khroniki Smútnogo Vryemeni [= “Crônicas dos Tempos dos Distúrbios”], um dos vários livros russos que, escritos nos séculos XIX, XX e XXI, analisam o Relato Histórico de Ilyá Gherkman (“nosso” Elias Herckmans) sobre os Smútnoye Vryêmya ou Tempo das Conflagrações na Rússia da sangrenta transição entre as dinastias dos Rurik e dos Romanov.
Falso ou Verdadeiro? — Herckmans acreditava que o primeiro Falso Dmitry não era falso — seria o verdadeiro tsárevitch Dmitry que de alguma forma milagrosa es capara à morte e se escondera por uns tempos na Polônia. Isto porque essa indagação (era ou não um impostor?) se impunha, antigamente. Hoje em dia, prevalece a lição de grandes historiadores russos, como Platonov, Kostomarov e outros: “Quem teria sido o primeiro Dmitry já foi importante pergunta na História russa, mas, hoje, não mais. Quer tenha sido o verdadeiro tsárevitch, quer tenha sido o monge Gregor Otrepyev ou um terceiro pretendente, convencido pelos boiardos e voivodas a se acreditar o autêntico filho do tzar falecido, não se pode desconhecer que ele teve amplo apoio popular. O que se deve perguntar é: quem colocou o Falso Dmitry no poder?” Com Espírito de Aventura - O Dr. Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins, que vem realizando excelente trabalho de revisão crítica do período holandês na Paraíba, anota que Herckmans nascera em Amsterdam por volta de 1596, tendo falecido em Recife a 8 de janeiro de 1644 e sendo enterrado no cemitério da igreja do Corpo Santo. Chegara a Pernambuco, provindo da República neerlandesa [também
“República das Letras”], em 23 de dezembro de 1635, como membro do Conselho Político. “Homem dotado do espírito da aventura, porém justo e detentor de boa cultura”, o escritor e poeta Herckmans falava português, tendo-se interessado pela língua tupi e pelos costumes dos tapuias [como se interessou, no Chile, pela língua dos indígenas mapuches]. “De acordo com Joannes de Laet, ele estava no governo da Capitania de Itamaracá a partir de 7 de outubro de 1636”. Tendo sido bom administrador em Itamaracá, veio depois prestar seus serviços na Capitania da Paraíba. Barlaeus & Herckmans — Como me surgiu a ideia de escrever um livro sobre a “aventura russa” de Herckmans, algo totalmente desconhecido por aqui? De início, não havia esta intenção, a de elaborar um volume específico sobre isto. Ocorre que estava eu pesquisando para escrever outro livro, O poeta do Brasil holandês (sobre Barlaeus e quase já concluído), e meu raciocínio era sempre interrompido pela lembrança daquelas três linhas da bibliografia holandesa de Honório Rodrigues: “Trabalhando numa firma que negociava com Arcangel”, Herckmans “escreveu uma descrição histórica sobre a Moscóvia”, bem depois publicada “em edição latina e russa”. Honório soube disto ao estudar a bibliografia holandesa em inglês, nos EUA. Como não sou totalmente analfa em russo, nem em latim, nem mesmo em holandês do século XVII, comecei a ler, nas poucas horas vagas, diversos livros (em russo, holandês, latim, inglês, francês, alemão e espanhol etc) que tratam dessa contribuição de Herckmans à História da Rússia. Os paraibanos não imaginam como Herckmans é internacionalmente cotado! Decidi então sustar por uns meses a pesquisa em torno de Barlaeus — e com o mesmo entusiasmo me agarrei a Herckmans. É assim que, num futuro não mui remoto (como espero), irá aparecer também estoutro livro, Um Governador da Paraíba na Primeira Guerra Civil da Rússia, quase como um subproduto do trabalho O poeta do Brasil holandês. Livros sobre Herckmans — Em meus alfarrábios, disponho, entre outros, do volume 11, de 1893, da jamais suficientemente elogiada publicação holandesa Oud-Holland. Esse número enfeixa, entre as páginas 162 e 178, a primeira biografia de Herckmans, elaborada pelo estudioso neerlandês Jacob Adolf Worp. O pernambucano Alfredo de Carvalho, que tantas traduções importante fez do holandês, verteu também para nossa língua o trabalho do Dr. Worp, com observações suas, na Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico de Pernambuco. Este trabalho foi ainda depois reproduzido num livro póstumo de Carvalho, Aventuras e aventureiros do Brasil.
Adicionais ensaios sobre Herckmans foram surgindo, no Brasil, na Holanda e noutros países. Por exemplo: um resumo dessa biografia de Herckmans feita por Worp foi publicada por P. C. Molhuysen e P. J. Blok no terceiro volume de seu Nieuw Nederlandsch Biografisch Woordenboek, de que também disponho entre minhas coleções. Mas há inúmeros outros livros que citam Herckmans. E, mais recentemente, também saiu nova biografia sua, na área da UFPB. Outras Obras de Herckmans — Outras obras deixadas por Herckmans e de que pouco se fala, entre nós, são aqui apresentadas com seus títulos reduzidos à expressão mínima (sabendo-se que os livros dessa e de outras épocas exibiam títulos quilométricos): 1624 = o drama Slach van Vlaenderen [Batalha de Flandres]; 1625 = Historische Verhael [Relato Histórico]; 1627 = a tragédia Tire ondergank [algo como A perdição de Tiro]; 1634 = Der Zee-vaert lof [O elogio da navegação]; 1635 = Encomium calvitii, ofte Lof der Kael-koppen [O elogio da calvície] et alia. O Elogio da navegação de Herckmans é obra interessantíssima, não só por constituir uma História da arte de navegar em versos. Faz um apanhado das aventuras do Homem no mar desde os tempos da... Arca de Noé, até as conquistas marítimas dos holandeses, passando, naturalmente, pelos portugueses, espanhóis, ingleses e outros povos. Ainda hoje pode ser lida com prazer, por sua originalidade e riqueza criativa. No próprio volume, Herckmans é elogiado, em versos, tanto por Barlaeus — com o poema “In artis nauticae encomium, scriptum à doctissimo ac ingeniosissimo viro Elia Herckmans” [= Encômio sobre a Arte Náutica, escrita pelo doutíssimo e engenhosíssimo cidadão Elias Herckmans] — como por Jacobus Revius e M. Z. Boxhorn, entre outros.
DEPOIS DE GOVERNAR A PARAÍBA, HERCKMANS VIVE NOVA AVENTURA, DESSA VEZ NO CHILE Humanista culto, de espírito investigativo e aventureiro, gozando de certa nomeada, à época, como poeta/dramaturgo, Herckmans veio da Holanda para Recife em fins de 1935, integrando o Alto Conselho Político da Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais. Como terceiro governador da Capitania paraibana, substituiu, a partir de fins de 1636, o destemperado diretor Ippo Eysens, morto em emboscada na Várzea paraibana pelo grupo de Rebelinho, em outubro desse ano. Ex-dirigente da Capitania de Itamaracá, Herckmans responsabilizou-se também pelo governo do Rio Grande do Norte. Embora fosse na Holanda um dos escritores que compunham suas obras em vernáculo, à diferença de Barlaeus e outros, que preferiam o latim, Herckmans demonstrava facilidade em aprender línguas. Provas disto: a) chegou a comunicar-se bem, em português, no Brasil; b) deixou glossários em línguas indígenas do Nordeste e dos mapuches ou araucanos do Chile; e c) nas imediações da ilha de Chiloé e das ruínas de Valdívia, pôde até entender os palavrões que, em castelhano, os inimigos espanhóis dirigiam a seus soldados... Foi, Sim, o Terceiro — Não pairam mais dúvidas sobre se Herckmans foi o segundo (como muitos achavam) ou o terceiro governador holandês da Paraíba. Foi o terceiro — e isto ficou estabelecido em definitivo por um dos maiores especialistas em História Colonial do Brasil, o médico, historiador e acadêmico Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins. Quando Guilherme lançou um novo livro seu, Governantes da Paraíba, defendi sua inclusão na Coleção Paraibana ante o Conselho Estadual de Cultura. Isso porque se trata de obra a dirimir de vez por todas a confusão que se veio formando, através dos séculos, em torno da definição da lista dos governadores (capitães-mores et alii) da Paraíba, no período colonial — vale dizer, entre meados da década de 1580 e a chegada da Família Real ao Brasil, em 1808.
Herckmans foi, sim, o terceiro governador neerlandês da Capitania paraibana, de uma lista de uns dez — rol que inclui, entre outros, o Dr. Servaes Carpentier; Ippo Eysens [aquele assassinado pelo capitão Rabellinho e sua gente]; o próprio Elias Herckmans [de antes de 26 de novembro de 1636 até antes de 1º. de julho de 1639]; o Dr. Sebastiaen van Hoogeveen [nomeado diretor da Capitania da Paraíba na primeira semana de dezembro de 1638, mas que não chegou a tomar posse, por haver falecido a 27 de fevereiro de 1639]; o Dr. Daniel Alberti; Paulus de Linge [governador por duas vezes, aproximadamente de fins de 1640 até meados de 1642 e, depois, de junho de 1645 até fins de 1646]; o Dr. Gijsbert de With; o tenente-coronel Jacob Stachhouwer; e o coronel Guillaume de Houtain. Herckmans entre os Grandes — Herckmans, em grau menor, mas sempre integrando aquela plêiade de espíritos de escol constituída por João Maurício de Nassau-Siegen, Barlaeus, Piso, Marcgrave, Post, Eckout e muitos outros, continua e continuará a ser estudado pelos tempos afora, vez que sempre haverá interesse por novos aspectos e novéis ângulos de visão sobre o autêntico fenômeno que foi a Nova Holanda na Terra Brasilis. Muitíssimos bons historiadores, seja entre nós, seja no Exterior, já se debruçaram sobre o inesgotável material relativo à presença dos holandeses no Brasil. Fiz questão de citá-los devidamente, a todos, quando redigia o livro sobre Herckmans — aquele egresso de Amsterdam que se imortalizou não apenas por sua Descrição geral da Capitania da Paraíba, mas, também, por muitos outros feitos de monta, nos diferentes campos alcançados por sua versatilidade, bem característica do Zeitgeist que presidia o Gouden Eeuw, o Século de Ouro dos Países-Baixos.
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Homenagem aos Maiores — Escrevendo sobre Herckmans, sobre Barlaeus e sobre outros holandeses de gênio que enriqueceram a Cultura brasileira e universal (sem jamais pretendermos “redescobrir a roda” em temas tão exaustivamente investigados na Holanda e em várias partes do Globo), não podemos esquecer o nome dos espíritos de escol que deixaram ou continuam deixando sua rica contribuição a esses estudos. É o caso de especialistas do naipe de Varnhagen, van den Branden, Geysbeek, K. ter Laan, Laet, Wätjen, Capistrano, o Barão de Studart, Francisco Lisboa, Gonsalves de Mello, van den Boogaart, Wiznitzer, Morisot, Baro, Moreau, Nieuhof, Netscher, Blonk, Hélio Viana, Alfredo de Carvalho, Câmara Cascudo, Irineu Pinto, Coriolano de Medeiros, Honório Rodrigues, Leite Cordeiro, Pereira da Costa, Paulo Herkenhoff, Francisco Moonen, Costa Porto, Gino Doria, Pérez Oramas, Pedro e Beatriz Corrêa do Lago, Leonardo Dantas, Max Justo, Mota Menezes, Joaquim Cardozo, Ronald Raminelli, Cândido Mendes, Souza Leão Filho, Lima Sobrinho, Ulysses Pernambucano, Nachman Falbel, David Freedberg, Amaral Júnior, Cleonir de Albuquerque, Cláudio Moreira Bento, van Basselaar, Bouman, Boxer, Teodoro Sampaio, Olavo de Medeiros Filho e, last, not least, o grande Evaldo Cabral de Mello. Em meus despretensiosos livros sobre Herckmans & Barlaeus, quase prontos para irem ao prelo, agradeço a uma lista de pessoas e instituições da Paraíba, do Brasil e de outros países que me ajudaram a dar conta da pesada tarefa. Mas, desde já, sublinho aqui agradecimentos especiais a dois historiadores: Guilherme d’Avila Lins, que, entre outras generosidades, me emprestou magnífica edição da principal obra de Barlaeus [Rerum per octennium in Brasilia]; e b) José Octávio de Arruda Mello, que me pôs à disposição o já citado volume com a Historiografia & bibliografia de Honório Rodrigues sobre o domínio holandês no Nordeste brasileiro. Herckmans Sertanista — Outro manuscrito, de autoria do já então ex-governador paraibano Herckmans, demonstra novamente que ele não era “homem de ficar parado”. Provavelmente para realçar sua dedicação à República neerlandesa, chefiou por dois meses, em 1641, a partir do Recife, a expedição através da Paraíba, Rio Grande do Norte e Piauí, na fracassada busca de metais preciosos. O relato dessa aventura chegaria às mãos de Barlaeus, certamente enviado, já de Haia, por Nassau, tendo como intermediário o poeta Franciscus Plante (1613-1690), capelão de Maurício e autor, em 1647, da obra Mauritias [Mauricíada, em louvor do conde].
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O RELATO HISTÓRICO DE HERCKMANS EM HOLANDÊS DE INÍCIOS DO SÉCULO XVII — Esta é a primeira página do importante documento legado por Herckmans à Historiografia mundial. Foi escrito em neerlandês de começos do século XVII e se intitula Historisch verhael van de voornaemste beroerten des Keyserrycks van Moscovien, ontstaen door den Tsareewyts Knaes Demetrius Ivanowyts, die men seyde hem valschelick uytegegeven te hebben voor den Tsareewyts ofte Keyserssoon des Heeren Ivani Vaciliwytsi [= Relato histórico dos distúrbios provocados no Principado de Moscóvia em virtude da ação do príncipe Dmitry Ivanovitch, falsamente acusado de fazerse passar pelo filho do tzar Ivan Vasilievitch].
Significativamente, essa obra de Plante saiu em Amsterdam, e não em Haia, onde residia João Maurício. Foi publicada no mesmo ano em que saíra a lume a magnífica História do Brasil Holandês [Rerum per Octennium in Brasilia] produzida por Barlaeus a pedido do conde (depois príncipe). Prova de que os dois trabalhos se relacion(av)am é que muitas das ilustrações de uma constam da outra. Plante faria também, em 1648, a oração fúnebre e o epitáfio de Barlaeus e publicados em Rotterdam sob o título de In obitum viri clarissimi Casparis Barlaei, Professoris in Illustri Amstelodamensium Gymnasio celeberrimi Poëtarum hujus seculi principis, Epicedium Francisci Plante, Rotterdami, Typis Joannis Naerani, Anno Domini 1648. Melhores Fontes — Aliás, a obra encomendada a Barlaeus pelo ex-administrador do Nordeste holandês, João Maurício, integrava a estratégia deste para obter da Casa da Orange sua indicação como supervisor (general) das operações militares na própria Holanda. Em sua Rerum per octennium in Brasilia, Barlaeus transcreveu integralmente esse documento herckmaniano, sobre a malograda incursão em busca de riquezas no interior da Paraíba e de outras Capitanias. O livro de Barlaeus e a Generale beschrijvinge de Herckmans são as melhores fontes holandesas para o entendimento da Paraíba desses recuados tempos. Ainda não me convenci de que, nos contatos com Barlaeus, não se tenha valido Nassau, além de Plante, dos bons préstimos de seu secretário pessoal, o judeu-lisboeta-holandês Gaspar Dias Ferreira, escabino em Olinda, vicaris-generaal na Paraíba e que o acompanhara no regresso de Pernambuco à Holanda — com direito a um bivaque na Paraíba.
Aventura Chilena — No governo paraibano, Herckmans deveria ser sucedido por Sebastiaen van Hoogeveen, realmente nomeado para o cargo. Mas Sebastiaen adoeceu e não pôde assumir, falecendo em inícios de 1639. O substituto de Herckmans, assim, foi Daniel Alberti. Depois de governar Itamaracá, Paraíba e Rio Grande do Norte, além de realizar a “entrada” aos sertões, Herckmans acompanharia o famoso navegador patrício Hendrik Brouwer (15811643) em nova aventura: a tentativa, entre 1642 e 1643, de tomar da Espanha a região próxima a Valdívia (Chile), apossando-se primeiro da ilha de Chiloé. Sobre isto, dispomos de alentados textos, em vários idiomas. São relatos inicialmente escritos em holandês do século XVII e depois traduzidos sucessivamente para o inglês (em que chega a ser citado como Herkeman, Gerkman e até Anquermans!), para o espanhol e outros idiomas. Tais textos, referentes à tentativa holandesa de apoderar-se dos redutos hispânicos no sul do Pacífico americano (era preciso atacar o inimigo espanhol onde quer que acumulasse riquezas!), foram transcritos em inúmeras obras, que tivemos a felicidade de compulsar, uma a uma, em suas línguas originais. Cadáver Incendiado — A esquadra de Brouwer/Herckmans partira de Recife e Nassau ajudara a aprestá-la. Brouwer já era então bem conhecido explorador, almirante e administrador colonial na área de atuação da Companhia (também holandesa) das Índias Orientais. Para a aventura chilena, uniu-se esta à Companhia das Índias Ocidentais. Depois de muito pelejar em águas e terras do Chile, com seus comandados, Brouwer faleceu a 7 de agosto de 1643. E quem o substituiu nesse empreendimento guerreiro foi o próprio kapitein Herckmans, seu imediato ou vice-almirante, que passou ipso facto a general, a almirante. Por várias razões, a viagem chilena fracassou, do ponto de vista militar da Companhia holandesa. Mas representou, como depois se viu, notáveis ganhos para o Conhecimento, notadamente na Geografia, Cartografia e Etnografia. E a incursão de Brouwer/Herckmans obrigou os espanhóis a gastarem muito dinheiro na fortificação de seus redutos chilenos. Ao regressar a Pernambuco, em inícios de 1644, Herckmans foi responsabilizado pelo fracasso no Chile. E, ao que se diz, sua morte, naquele ano, livrou-o de um conselho de guerra. Sepultado em Recife, seus restos mortais tiveram melhor sorte que os de Brouwer — cujo cadáver foi retirado do túmulo, nas proximidades de Valdívia, pelos irados espanhóis, e queimado até que dos ossos restassem apenas cinzas. E, para Vocês verem como se pode fazer História fajuta, há um livro em espanhol que diz: Herckmans e seus comandados foram... decapitados na Inglaterra!
REMBRANDT, MAIOR PINTOR HOLANDÊS,ILUSTROU UMA OBRA DE HERCKMANS Se Herckmans não tivesse se notabilizado por sua Descrição geral da Capitania da Paraíba, por outras realizações intelectuais e por suas aventuras em Moscóvia, no Nordeste brasileiro e nas costas chilenas, nem assim deixaria jamais de ser frequentemente citado em obras já surgidas e a surgirem ao redor do Mundo. Isto porque não só consta de praticamente todos os dicionários biográficos holandeses, como teve a sorte de seu Elogio da navegação haver sido um dos poucos livros, na História, a contar com uma ilustração de ninguém menos que Rembrandt. De fato, o grande Rembrandt ilustrou apenas seis livros. Mas Der Zee-vaert lof exibe à página 97 bela gravura in folio assinada pelo artista nascido em Leiden e datada de 1633. Os exemplares remanescentes dessa raridade bibliográfica são de há muito disputados a peso de ouro por antiquários, justamente por causa da presença do rembrantesco desenho, intitulado “A nave da fortuna”. Apenas uma das 18 gravuras é de Rembrandt; as demais são de outro artista, não tão célebre, Willem Basse. E há esta ironia na História: apesar de contar com um livro ilustrado por Rembrandt, Herckmans nunca teve um retrato pintado, ou por Rembrandt ou por qualquer outro artista, ao que se saiba (não se conhecem retratos seus); em contrapartida, abundam retratos de Barlaeus — bem mais conhecido, mas que nunca teve qualquer de seus numerosos livros ilustrado por Rembrandt... Manassés ben Israel — A pergunta sempre foi: como Herckmans convenceu o grande Rembrandt a ilustrar seu livro? Minhas modestas pesquisas apontam numa direção (e me mostrem o erro os que mais souberem): Herckmans, como Rembrandt, era muito amigo do notável rabino, escritor, impressor, editor e diplomata luso-judeu Manasheh ben Yossef ben Yisrael — isto é, Manoel Dias Soeiro, vale dizer Manassés ben Israel (1604–1657), que instalou a primeira tipografia hebraica em Amsterdam.
EM RUSSO & EM LATIM O VALIOSO DOCUMENTO DE HERCKMANS SOBRE A HISTÓRIA DA RÚSSIA — Foi apenas entre 1851 e 1868 que se publicaram, em São Petersburgo, as traduções latina e russa do Relato Histórico de Herckmans sobre os distúrbios ocorridos no Principado da Moscóvia durante os Tempos das Aflições vividos pelos russos e envolvendo invasões de poloneses, lituanos e suecos. Além disso, surgiram um tsar-tampão, Borís Godunov, e dois falsos Dmitrys, aspirantes ao trono da Rússia. Acima, a página principal do Skazányia Inostrannykhy Pisatelyey o Rossiy, izdanniya Arkheografitcheskogo Kommissiyeyu, Tom’ II, Izvestiya Gollandtsev’ Isaaka Massy i Il’i Gherkmanna [Relatos de escritores estrangeiros sobre a Rússia, editados pela Comissão Arqueográfica, Tomo 2, Descrições feitas pelos holandeses Isaac Massa e Elias Herckmans]. Ainda se usa a antiga ortografia cirílica pré-Revolução Comunista, com o emprego de letras só tornadas obsoletas com as reformas ortográficas de 1918.
A VERSÃO EM LATIM DO MESMO DOCUMENTO DE HERCKMANS — O frontispício do segundo volume, em latim, da obra Rerum Rossicarum Scriptores Exteri, a Collegio Archeographico editi, Tomus II, Isaaci Massae et Eliae Herkmanni, batavorum, narrationes [Escritores Estrangeiros sobre a História Russa, editada pelo Colégio Arqueográfico, Tomo II, Relatos dos batavos Isaak Massa e Elias Herckmans].
De família expulsa de Portugal pela Inquisição, ben Israel era também amicíssimo de Barlaeus e de outros expoentes da época, como Vossius, Grotius, Vondel e Huygens. Manassés chegou a ser cogitado para rabino da Kahal Zur Israel [= Congregação Rochedo de Israel], a primeira sinagoga das Américas, sediada em Recife, cidade que visitou no período nassoviano. Aí certamente entendeu-se com o já citado judeu lisboeta Gaspar Dias Ferreira. Este, secretário de Nassau (a quem chamava “meu senhor, amparo e protetor”), viera pobre de Portugal e chegou a ser muito influente, como uma espécie de conselheiro do conde. Foi vicaris-generaal na Paraíba, escabino em Olinda/ Recife e dono de engenhos no Nordeste holandês. E não se pode esquecer: Rembrandt ilustrou um dos livros de ben Israel com quatro estampas ou águas-fortes. Trinta Mil Dólares — No longo poema marítimo de Herckmans, a viagem de Colombo é descrita em detalhes. É nas partes IV e V que Herckmans apresenta os feitos dos holandeses nas Índias Orientais e Ocidentais, inclusive no Brasil. A obra haver saído em “seis tomos” não significa que preencha mais de um volume: trata-se de um livro só, em seis partes, com 184 páginas e notas históricas. Se Você realmente quer ter um exemplar dessa obra de Herckmans em sua estante, deve verificar se lhe sobram uns US$ 30 mil e adquiri-la via Internet, no Antiquariaat het Bisschopshof... Deve estar, como se diz, “dentro do preço de mercado”. Basta dizer que, em 1999, a famosa casa de leilões Christie’s, de Londres, que só apregoa autênticas raridades, colocou à venda precioso lote, encabeçado justamente por um exemplar de Der Zee-vaert Lof. Referindo-se à inclusão da gravura de Rembrandt, Borba de Moraes reconhece que ela valorizou em muito o livro-poema de Herckmans, além de se tratar de obra raríssima. Exemplares remanescentes podem ser encontrados no Rijkmuseum de Amsterdam, no Brasil e em bibliotecas de raridades da Europa e dos EUA. g
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QUATRO POEMAS DE CHICÃO DE BODOCONGÓ
Augusto
Recriminação
(Conversando com Augusto dos Anjos)
Previno-te! Para que depois não seja tarde. Não faças alarde e me escute. O beijo amigo é a definição Da traição que acontecerá depois. A busca da sinceridade Só terás nos teus diálogos íntimos E o teu morcego estará a te perturbar Pela vida toda. A essência do carbono ‘prato predileto dos vermes’ Pulsa, pulsa e te move Levando-te a curiosa imagem Do teu túmulo. A tua catedral de cristal Foi violada pelos teus versos. O Eu impresso. Confesso: São conclusões que te fizeram Augusto. (Campina Grande/2010)
Se tu não tens nada de novo a dizer Não me filio aos teus princípios. Se não tens nada a modificar Não me convoques para justificar a tua visão de mundo. Na orquestra da dialética és o executante e nada mais. Se tua receita prescreve os mesmos ingredientes, Falta no teu engenho a multiplicidade das idéias, O teu saber é imóvel e carece de premissas, Que te orientem para reconhecer o inusitado. (Campina Grande/2017)
Mais um dia (Autoretato)
O escrito Frases coladas em papel Escritas por punho decidido O concebido é a marca do autor Na espera de ser compreendido. A coragem lhe impõe um rótulo Lhe impõe um ritmo acelerado Que tem como compromisso Um olhar crítico e desprendido. Despojado de interesses mesquinhos Foge das magoas das frases arrogantes De um complemento mentiroso De um pensar ensandecido. (Campina Grande/2013)
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Apara de barba fica presa na pele Da boca expele o mau hálito O hábito não o torna monge A solidão não o afasta dos demais Aliás, o transforma em mais um Do grupo dos esquisitos A ver o mundo a rodar. Apelar para absurdos É ainda o que melhor sabe explorar: Viagens para além de São Saruê Pasárgada, em plena madrugada, Espalha as brasas que guarda em seu íntimo, Vê o sol surgir e a passarada assanhada trila As melodias das cinco da manhã Nhã-nhã-nhã-nhã-nhã-nhã repetitivo do rádio O faz despertar e esquecer que sonhou. Ao que tudo parece saberá entender a vaidade E armado com a realidade vai à luta.
LITERATURA
A MORTE DE UM POETA “EXILADO” Carlos Alberto Jales
O poeta Francisco Carvalho, cearense, faleceu no último mês de março. Com sua morte calou-se uma das mais altas vozes da moderna poesia brasileira. “Exilado” no país do Ceará, Francisco Carvalho esteve sempre longe dos grupos que se protegem, das igrejinhas do elogio mútuo, das críticas que só enaltecem os que estão perto do poder. Deste modo, Carvalho era vítima desta tendência em se endeusar alguns nomes, como se antes e depois destes, ninguém tivesse mais escrito boa poesia. Assim é a vida literária, assim são seus cânones e seus heróis. A poesia de Francisco Carvalho é um momento privilegiado do estético, um instante encantado em que a palavra está a serviço da beleza e da realização da vocação artística. Nascido em Russas, foi em Fortaleza, como funcionário da Universidade Federal do Ceará que desenvolveu sua produção poética. Longe de qualquer experimentalismo, de qualquer sentimento concretista, de qualquer modismo, para dizer tudo, seu ethos poético se debruça sobre as grandes perguntas e dúvidas que atormentam o ser humano na sua trajetória: o nascimento, a morte, a amizade, a fé, os valores morais, as reminiscências da infância. Nosso papel no mundo, nossa paixão, nosso estranhamento, o mistério, a despedida, a chegada e a partida. A estética carvalheana é rural, é urbana, flagra o homem em seus grandes e pequenos momentos, desnuda a alma sem condená-lo nem absolvê-lo, e realiza uma poesia profundamente existencialista, profundamente calcada na per-
gunta que atormenta os pensadores de todos os tempos. “O que é o homem?”, maravilhosamente traduzida no poema ”o bicho homem” oferecida ao poeta Sérgio de Castro Pinto, e musicado pelo cantor Fagner. Mas é preciso ressaltar que Francisco Carvalho não faz filosofia por meio da poesia, mas sua obra não se recusa a abordar o que angustia e assombra o coração humano. Alguns anos antes de morrer, Francisco Carvalho concedeu uma entrevista ao também poeta José Inácio Vieira de Melo, na qual tenta explicar e compreender a sua pouca penetração na literatura brasileira. Sem uma palavra de amargura, sem nenhum ressentimento, Carvalho lembra que é um poeta “geograficamente” condenado ao silêncio, pois sempre vivera nas fronteiras do Ceará. Apesar de vencedor do Prêmio Bienal Nestlé de Literatura Brasileira, de 1982, “os intelectuais do Centro-Sul partem da premissa de que uma região sem desenvolvimento econômico e social não tem condições de produzir literatura de boa qualidade. As elites do Sul do país, “para o bem e para o mal, continuam a ditara moda das roupas e dos poemas”. Na mesma entrevista, Carvalho arremata, melancolicamente talvez: “é preciso reconhecer que a poesia é hoje um teatro sem plateia. Uma ribaltaàs moscas”. A entrevista de que foram citadas as frases, foi concedida ao Jornal A Tarde Cultural, de Salvador, em 16 de abril de 2005. A obra de Francisco de Carvalho é múltipla pelos temas abordados, com destaque para suas
reminiscências infanto-juvenis, de cunho telúrico, pastoril, profundamente enraizado na terra, e de teor uno, pois o que aparece na diversidade de sua poesia é o homem e suas dúvidas, como já dissemos acima. Se me fosse dado escolher cinco livros da vasta obra de Francisco de Carvalho, eu ficaria com: As Verdes Léguas, os Exílios do Homem, Romance da Nuvem Pássaro, Quadrante Solar, Raízes da Voz, por critérios puramente subjetivos, que dizem respeito à minha própria concepção de poesia.É claro que a voz lírica de Francisco Carvalho perpassa toda sua obra, um lirismo contundente que é irmão do lirismo de Alberto da Costa e Silva, de Mauro Mota, de Edmia Dominguez, outros grandes esquecidos da crítica literária brasileira. Um lirismo que faz Carvalho escrever no último verso do já citado, Poema do Homem: Que bicho é o homem Que rasteja e voa que se ergue e cai? De onde ele veio? E para onde vai? Este é um breve resumo da dicção poética de Francisco Carvalho. Poeta dos abismos, poeta das entranhas, poeta que desejou publicar um último livro, mesmo sabendo que isto era “uma utopia de poeta marginal”. A história mostrará que ele era um poeta essencial.
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BIBLIOFILIA
AMOR AOS LIVROS Francisco Gil Messias
Aos que amam os livros e as bibliotecas, indico a imediata leitura do pequeno e valioso livro de Jacques Bonnet, editor e tradutor francês, intitulado “Fantasmas na biblioteca – A arte de viver entre livros”, publicado agora entre nós pela Editora Civilização Brasileira, com tradução de Jorge Coli. É um livro dirigido não apenas aos bibliófilos, aos colecionadores compulsivos, aos bibliotecários profissionais, aos livreiros, todos os que,por dever ou por paixão, colocam o livro no centro de suas vidas, mas também ao leitor comum, aquele que simplesmente gosta de ler, que considera a leitura um prazer necessário e indispensável à vida, os que, de algum modo, compartilham a opinião de Jorge Luis Borges de que “O Paraíso é uma biblioteca” ou ainda aquela mais radical de Umberto Eco quando diz “Se Deus existisse, certamente seria uma biblioteca”. O livro de Bonnettem como epígrafe uma frase de Charles Nodier, escritor francês do século XIX, que é sua própria justificativa: “Depois do prazer de possuir livros, não há quase nenhum mais doce do que falar deles.” É exatamente desse prazer de falar de livros que Bonnet faz a matéria-prima de sua obra. O texto todo é uma manifesta declaração de amor aos livros e às bibliotecas. Sobre estas, afirma com a autoridade dos frequentadores contumazes: “A biblioteca protege da hostilidadeexterior, filtra os ruídos do mundo, atenua o frio que reina à volta, mas oferece também um sentimento todo-poderoso. Pois a biblioteca faz recuar as pobres capacidades humanas: é um concentrado de tempo e de espaço. Reúne em suas prateleiras todas as estratificações do passado. Os séculos que nos precederam se encontram ali.” É isto mesmo. Para quem gosta de livros e de ler, toda biblioteca tem um pouco da atmosfera dos templos religiosos: um respeitoso silêncio, uma certa penumbra, um distanciamento em relação
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ao lado de fora, que condizem com a reflexão e com o recolhimento, condições necessárias tanto para a oração quanto para a leitura. Em um dos capítulos mais interessantes, Bonnet faz inusitada distinção entre os personagens que habitam as bibliotecas: os reais e os fictícios. Os primeiros – em aparente paradoxo -são os personagens ditos imaginários das obras literárias, dos quais sabemos tudo que devemos saber e que permanecem vivos praticamente para sempre, enquanto existirem os livros nos quais têm vida; os segundos, são os autores dessas obras, sobre quem às vezes sabemos tão pouco. Daí afirmar com toda segurança que “Hamlet é muito mais vivo que Shakespeare, de cuja existência conhecemos apenas alguns fragmentos”. Pura verdade. Afinal, o que sabemos realmente, com segurança, dos escritores enquantopessoas? Por mais extensa e detalhada que seja a biografia documentada de um autor, o que ela representa relativamente à extensão e profundidade de sua vida interior, a tudo que deixou de ser contado e que, assim, permanece desconhecido para o biógrafo e para todos? Não foi à toa que Flaubert disse “Madame Bovary sou eu”. Talvez seja realmente mais fácil encontrar o verdadeiro Flaubert numa leitura cuidadosa de seu livro mais famoso que em todas as biografias que o tenham como tema. Assim como os livros falam de seus autores, segundo Bonnet, a biblioteca fala sobre seu dono: “Para quem souber decifrá-la com sutileza, aparece, na sequência das prateleiras, a natureza profunda de seu bibliotecário.” E conclui: “Aliás, nenhuma biblioteca de certa importância se parece com outra, nem possui a mesma personalidade.” Bonnet discorre não apenas a respeito da vida das bibliotecas, mas reflete sobre o fim das mesmas. Sim, porque, segundo ele, as bibliotecas também morrem. Algumas são assassinadas, como a
de Alexandria e todas que queimaram em razão das guerras, por exemplo; outras, as particulares, geralmente se extinguem com o desaparecimento de seus donos: “Os herdeiros não sabem o que fazer dessa massa incômoda de obras para eles sem interesse.” É a realidade. Certa vez, num dos sebos de nossa cidade, encontrei um precioso livro que pertencera a respeitado intelectual paraibano, então há pouco falecido. O volume trazia afetuosa dedicatória do célebre autor ao ex-proprietário, o que tornava o livro ainda mais valioso, sob qualquer ponto de vista. Comprei-o sem titubear e fiquei pensando na efemeridade de tudo, na indiferença das pessoas,no significado daquele volume desgarrado, entregue à própria sorte, como um cão abandonado pela família após a morte de seu dono.Com este respeito e com este carinho, recolhi aquele livro ao meu modesto acervo, como faria, estou certo, qualquer outro amante de livros em meu lugar. Também curiosa é a narração que Bonnet faz de um assalto ocorrido na casa-biblioteca de José Mindlin, maior bibliófilo brasileiro, falecido há poucos anos. Os ladrões tomaram sua esposa como refém e estipularam o prazo de uma tarde para que Mindlin conseguisseo valor do resgate. A ameaça dos bandidos foi absolutamente adequada a um homem de livros: caso o dinheiro não fosse entregue dentro do prazo, nenhum mal seria feito à refém, mas, em represália,poriam fogo em sua biblioteca. Desnecessário dizer que, sem hesitar, Mindlin pagou o resgate. Salva, a biblioteca de Guita e José Mindlin, talvez o melhor acervo particular de livros raros do país, foi doada à Universidade de São Paulo, que para ela construiu um belo prédio, hoje aberto aos estudantes e pesquisadores, como verdadeira joia do patrimônio cultural brasileiro. O livro de Bonnet é tudo isto e muito mais, verdadeira doçura de leitura. Por isso, caro leitor, se pertences à confraria, ele merece honrosamentehabitar tuas estantes.
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