João Grando: portfólio

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IMAGINADOR. Da soma de um anseio totalizador à assunção da dúvida/indecisão como agente libertador tem-se um tecido expressivo no qual se costuram retalhos de diferentes plataformas, ou um campo

criativo de formato e dimensão dinâmicos, fértil e estéril à espera e em busca do poder tigrino e do tocante lamento da presa, no atelier ou com o smartphone, do humor ao horror, habitando quaisquer desses hiatos entre extremos, ou os descobrindo: a cabeça ao vento; as mãos, à obra.

ÍNDICE i. ii. iii. iv. v. vi. vii. viii. ix. x. xi. xii.

DESENHOS E PINTURAS NANONARRATIVAS IMPLOSIVAS ENSAIO MULTIPLATAFORMA VÍDEOS TEXTOS FOTOGRAFIA AUTORRETRATO BUROCRACIA POÉTICA JG,PG,JPG VÁ SELFIES SKETCHES

APÊNCIDE APÊNDICE APÊNDICE APÊNDICE

1: 2: 2: 3:

METONÍMIAS DA MULTIPLICIDADE DETALHES BULA CV




i. DESENHOS E PINTURAS


CONTATO 2013 123 x 222 cm Acr铆lica e 贸leo sobre tela


O AMOR É UMA LÁGRIMA DE MANGÁ 2009 30 x 40 cm Grafite, carvão, nanquim, hidrocor e caneta esferográfica sobre papel.


RONDON 2010 87 x 140 cm Grafite, carvão, nanquim, hidrocor, caneta esferográfica e acrílica sobre papel.


I AM COMING 2011 87 x 140 cm Grafite, carvão, nanquim, caneta hidrocor, caneta esferográfica e tinta acrílica sobre papel.


RRRIDE 2010 70 x 50 cm Grafite, nanquim, hidrocor, esferográfica e acrílica sobre papel.


PG,JG,JPG #3 (HOMEM-PRÉDIO) 2009 Grafite, nanquim, hidrocor, caneta esferográfica e pastel oleoso sobre papel 30 x 40 cm (abaixo) com manipulação digital posterior (à direita).


HORIZONS 2010 70 X 100 CM Grafite, carvão, nanquim, hidrocor, caneta esferográfica, pastel oleoso e tinta acrílica sobre papel.


As variações de cores, de tipos de pincelada, de níveis de realismo trabalham na elaboração de camadas acumuladas e na tensão entre elas. Uma figura tratada tecnicamente de modo mais acadêmico com seus tons pastéis dialoga com uma imagem de cores vibrantes e contornos bem definidos por linhas fortes, chocando tradição pictórica e gráfica, volume/profundidade e plano bidimensional, cores misturadas e diluídas a cores chapadas e puras. Os elementos de estruturas retas do cenário como prédios, ruas e os postes em seqüência reforçam a perspectiva da cena, fazendo dela a origem não só dos raios-guia de profundidade como de toda a imagem, como se tudo que há ali erigisse dali, estendendo-se do fundo do quadro e trocando influências entre figurações na extensão do caminho (interessante salientar que é a ordem de pintura do quadro também, tendo sido iniciado pela pintura do céu, justamente do céu, abrigo divino da criação na maioria das mitologias e origem da vida em muitas correntes científicas). sim e não ou não e sim (in.form.ação) [em andamento] 2013 133 x 188 cm Acrílica e óleo sobre tela

A narrativa da cena é de acontecimentos ilógicos sem relações aparentes: as personagens parecem ter sido teletransportadas naquele instante de outro local ou realidade, onde a ação acontecia e fora interrompida pelo rapto do quadro. A existência das coisas dali está ligada à condição que a imagem do quadro fornece, como se ela tivesse começado naquele exato momento, entrosada com o tempo do trabalho, com a existência da pintura em si, a criação da forma como criação da forma representada, e não como personagens que tivessem sua vida própria independente do registro ali feito; os objetos físicos passam a existir a partir da imaginação, como no célebre conto “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”, de Jorge Luis Borges. Assim, as relações puras de forma transpõem a realidade representada: uma linha inserida no espaço de perspectiva diagonal da calçada transposta para o bloco de

texto deixa de ser profunda para virar uma forma geométrica abstrata: a mesma linha reaplicada, colada, toma outro sentido. O quadro é o histórico dessas relações formais que se influenciaram dinamicamente até o momento de ficarem congeladas na imagem finalizada. Entre os dois personagens maiores (dois autorretratos complementares), no primeiro plano do quadro, há uma relação de dúvida, ou ao menos hesitação: aparentemente duelam, mas as feições não esclarecem a força imprimida, há certa ambigüidade entre a simulação e a efetividade do ato, se ele é de fato agressivo ou se seria até mesmo afetuoso, se há de fato voluntariedade em seus atos ou se é como se estivessem ali por uma determinação, uma determinação visual por assim dizer, como figurantes que cumprem seus papéis burocraticamente (ou talvez o espanto da recém-chegada a um cenário para o qual foram teletransportados). No tratamento pictórico irregular do quadro a textura que resolveria uma representação realista salta de seu contexto e toma vida própria no espaço da tela, como se a representação e o representado gerassem uma terceira coisa, que ao mesmo tempo se materializa na realidade representada diminuindo a distância entre o que é representado (narrativa, conteúdo) de como se representa (expressão, forma): tudo o que está na tela, seja uma mancha ou um corpo nu, ganha vida tanto como personagem quanto elemento abstrato, não há exceções ou divisões: se dividem o mesmo plano bidimensional, as regras são, ainda que generosas, as mesmas para tudo. Há nessa ação totalizadora e permissiva algo de indecisão assumida que proporciona essa liberdade a qualquer resposta, qualquer tentativa, onde há espaço para tudo; à tela qualquer coisa pode ser trazida indistintamente; ao meu tecido expressivo, qualquer tipo de criação é bem-vinda.


XXI E O MAL DE ALZHEIMER DE ZEUS 2009 70 X 100 CM Grafite, carvão, nanquim, hidrocor, caneta esferográfica e tinta acrílica sobre papel.


FEMME ET FAUNE 2008 70 X 100 CM Grafite, carvรฃo, nanquim, canetas hidrocor e esferogrรกfica sobre papel.


Explorar nalgumas fotografias a situação gerada pela captura da cena, como o lançamento urgente de algum sentido, servindo de mote, início ou conclusão no desenrolar de uma nanonarrativa tão fugaz quanto o instante captado pela máquina fotográfica. Esse sentido breve e leve se dá implosivamente, como colocar um verso na música surgida da imagem. Os recursos têm de ser exclusivamente da captura da imagem, ou seja, não há qualquer manipulação digital posterior, as intervenções são feitas opticamente no próprio ato da cena.

ii.

NANONARRATIVAS IMPLOSIVAS


EU-LÍRICO: EU-LUZ 2009 Fotografia


JOテグ CRIANDO ADテグ 2009 Fotografia


JOÃO CRIANDO ADÃO (VARIAÇÕES) 2009 Fotografia


RAIO DE SOMBRA NO MUNDO SUBTERRÂNEO D’ÁGUA 2010 Fotografia


iii.ENSAIO MULTIPLATAFORMA WWW.JOAOGRANDO.COM Desde 2007 Site

Ensaio multiplataforma (sobre tudo sob um) agrupado numa organização com espacialização dinâmica do tempo, tema, modalidade etc. Unidos pelo autorretrato, que funciona como um vetor que se movimenta em meios vários de criação os interligando num mesmo espaço poético dissipado por eles, centro de gravidade da autoria radicante.


À multiplicidade de estímulos da contemporaneidade posiciono-me replicando múltiplas respostas formais eladas pela autoria, freqüentemente explícita através da utilização de autorretratos, impugnando a casualidade e anonimato que de praxe estes estímulos carregam – a própria imagem funcionando como assinatura, até como certa absolvição, na medida em exponho somente a mim mesmo, e certa autenticação, na medida que sou dono da minha verdade e o detentor dos direito de imagem que reflito para a realidade. Desta prática que não restringe modalidades afluem experiências e obras de desenho, pintura, escrita, fotografia, vídeo etc. que se cruzam e afastam ao longo de seus cursos, operando ora independentemente, ora relacionadas (pela síntese ou sobreposição), mas sempre como rios diversos pertencentes a uma mesma bacia hidrográfica; seu registro e publicação também são variados, complexando inda mais a contingência para um espaço de exibição estático por tempo determinado.

www.joaogrando.com Desde 2007 O mesmo site da página anterior disposto numa outra visualização.

Ainda assim, ela rebentara-se de um mesmo contexto de produção no qual a autoria, para além do estabelecimento compulsório de uma trajetória, estilo, histórico etc., talvez seja a chave conceitual que a retenha: os textos extensos ou pequenos, as fotos, os infográficos, as montagens, até mesmo as inserções em redes sociais, são expressões cujo único elo é o emissor, fazendo do autor um lugar dissipado pelas obras, um vetor que as relaciona. Este método correria o risco de ser vago, já que se vale das pertinências da autoria, mas é como tenho trabalhado e a experiência me mostra que ele tem sido eficaz ao conglomerar os diferentes tipos de manifestações e mesmo assim dar um mesmo tom a elas, dar-lhes algo perceptível em comum. (Nalguns casos o autorretrato torna forçosa a autoria, relacionando-se, por oposição ou adaptação, às tendências de fim de anonimato e criação coletiva, vistos em movimentos como o Copyleft, quase como um levante.) Talvez a principal característica do ensaio, gênero literário cujas bases foram fundamentadas por Bacon e Montaigne, consista na liberdade: ela está no âmago das características atribuídas a ele, como a possibilidade de ser breve, como a possibilidade de transitar entre estilos, sua informalidade, sua subjetividade, sua assunção da liberdade para falar sobre qualquer tema. Sob essa ótica, é difícil não associar o gênero aos cadernos de Leonardo da Vinci, uma versão visual (e já há 5 séculos atrás complexando categorias) em que um esboço artístico para um afresco divide espaço com o projeto de uma ponte ou estudo científico anatômico. Não vejo melhor associação ao meu trabalho do que esta, uma série de ensaios ou um grande ensaio que se rarefaz em parcelas variadas tanto no espaço quanto no tempo. Não por acaso, logo que iniciei minhas publicações na internet, em 2007, meu lema (talvez slogan tenha mais cabimento) era “sobre tudo sob um”. Dado então ser da minha atividade criativa operar em plataformas várias e de publicação gradual e dissipada, ela problematiza a questão da exposição como fomentação de um lugar, já que não se trataria de um espaço pensado previamente para tanto, mas um espaço que deve abarcar o gênero desta produção, na falta da identificação de um conceito estreito que a acompanhe.

Vejamos o caso da pintura, a qual, no caso da utilização que faço dela, comunica-se mais tradicionalmente com o público, pela natureza do suporte: o quadro na parede para ser contemplado e analisado in loco em todos os seus detalhes, a materialidade (relevos, dimensão, camadas de tinta etc.) presente além da imagem retiniana, além do que uma reprodução visual registra; porém a reprodução do original pintado ressonará em outros meios, podendo ser reutilizada por mim com manipulação digital e associada às outras formas de criação, ou ainda por outrem, pela simples disseminação permitida pelas tecnologias atuais. A imagem conceitual, a idéia emanada da materialidade se move livremente, acumulando significados e usos adquiridos na sua trajetória. Talvez o caminho para atender isso seja a exposição fractal, retalhada e costurada, superposta, misturada, tal como a é virtualmente pelo site onde mantenho e atualizo parte considerável de minha produção: http://www.joaogrando.com. Nele o discurso fragmentado em imagens (fotos, infográficos, desenhos, pinturas, rascunhos etc.), textos de diferentes estilos e tamanhos se organiza tal como num jornal ou site de notícias: as partes têm interdependência, a aproximação se dá pelo espaço disponibilizado, passível de manipulação pelo visitante, que pode reordená-lo por alguns critérios disponíveis, como ordem temporal, por assuntos (amor, esporte, arte etc.) através dos marcadores de postagens, por formato (texto, imagem, foto etc.). Além disso, há ainda uma pequena gama de opções para a diagramação e dinâmica geral do site (há um menu suspenso no canto superior esquerdo que permite escolher dentre sete formatos, que mudam consideravelmente o padrão (padrão, não original) da exibição). Interessante notar que, embora o agregador de conteúdos possa ser manipulado pelo leitor-espectador, eles se mantêm originais em todos os detalhes (o texto, além de ser imutável, mantém a formatação definida por mim). O controle é sobre o conteúdo, o meio é livre. Temos aqui a espacialização do tempo, a espacialização do tema, disponíveis em modulações manipuláveis pelo espectador. Repetir estas ferramentas permitidas pela tecnologia digital analogicamente é um desafio, mas pode não ser a única saída. A dificuldade em expor para visitação esta parte do trabalho é projetar o dinamismo destes elementos que se ligam por diferentes fatores, ora narrativos, ora temporais, ora unicamente pela centralização autoral; costumeiramente eles não têm critérios específicos para exibição, ou seja, são disponibilizados virtualmente, para leituras nos veículos que convirem aos espectadores (computador pessoal, smartphone, tablet, televisão etc.). Então a sua exposição planejada num espaço para ser visitada presencialmente tende a uma atmosfera arquivista, de compilação. Para evitá-la, se for o caso ou intenção, é preciso fazer uma curadoria do próprio trabalho, estabelecendo recortes temáticos, temporais ou, mais profundamente, elaborar uma narrativa multiplataforma, um processo de montagem que trabalhe novos significados a partir do material existente – embora esta prática também possa ser realizada a priori deliberadamente. Isso entanto cria um novo degrau, já que essas práticas resultantes em narrativas se assentam mais adequadamente no formato livro ou vídeo, mais propensos à distribuição para o público do que para a visitação.


´ IV.VIDEOS (VIDE-OS) HTTP://YOUTUBE.COM/JOAOGRANDO


METEORO DE GAZA

3’42” (1920 X 1080) 2011

http://bit.ly/gazavideo

(2011) Imagens documentais reeditadas + animação digital. A vingança (onírica e, portanto, impossível) da Faixa de Gaza contra o resto do mundo.

8’88”

9’26” (800 x 600) 2008

http://bit.ly/888video

Imagens documentais reeditadas + animação digital. Vídeo feito em 2008 explorando os acontecimentos a partir do número 8 e relacionando o maio de 1968 com o movimento Diretas Já de 1989.


BEIJO

1’27” (1920 X 1080) 2011

http://bit.ly/beijoVIDEO

(2011) No beijo, um suja o outro de si mesmo. As marcas jamais se vão. Animação stop-motion com desenhos a carvão.


V.TEXTOS


txt

Nos precipícios, o silêncio, o vazio e a amplitude da vista se sintetizam num grito de VEM. Não raro isso assusta e afasta, impõe uma cautela que cobre qualquer ato. Mas, no caso de realmente se considerar a proposta do chamado e se dispor muito próximo a ele, o precipício, antes de sugar num mar oco, usa seu poderoso som para falar e ali ele até ouve - para além dos testes acústicos de gritos bumerangues, naquele silêncio em erupção o pensamento volta para si como se fosse pensado por outro, donde, como no caso do eco ou de qualquer outro espelho, esclarece, até revela.

+ http://www.joaogrando.com/p/texto.html + http://www.joaogrando.com/search/label/TXT

Não estou em depressão, talvez até o contrário, mas devo dizer que cheguei à beira do precipício e devo pular. Como se trata de uma metáfora, há a opção de VOAR. E neste caso o silêncio traduzido por VEM virará VÁ. ESBOÇO SOBRE A CONCENTRAÇÃO ESPONTÂNEA: A delicadeza é mais ou menos épica quando captada. Qualquer coisa o é: há nesta captação quase o contrário de captura. Seja um cisco em zoom máximo colado à íris, seja o detalhe que é tudo na contemplação. Percebe-se algo, que antes era e tão somente, e sempre fora e tão somente, mas agora (convém chamar agora a tal instante) é, mas não mais apenas é, mas é miraculosamente, miraculosamente é. E não se sabe se mais vingança ou mais recompensa, mas a coisa rebate o arrebatamento de sua privacidade invadida na proporção absurda de E = mc², do átomo que engole a metrópole ao ter seu segredo descoberto. Encostar-se à verdade. E por breves instantes falar sua língua única e óbvia, como Dvořák derrete o som de uma porta fechando vagarosamente para fechá-la de vez com seu violoncelo, ou como um tigre devora um boi e o transforma primeiro em sono depois em salto. Em tal linguagem compulsória emprega-se muito mais esforço do que qualquer mestre pudesse esperar do discípulo o mais dedicado: a demanda na nitidez com que de repente as coisas se apresentam. Ou melhor, parecem se apresentar, visto que de fato quem põe o palco somos nós: elas estavam sempre ali; nós não estávamos. Até agora. dú.vi.da_da_vi.da:_dá.di.va? ========================

Tudo é passível de debate, ponto de vista; e nem é preciso acreditar neste mistério evidente elucidado nos grandes ensinamentos esotéricos: as coisas em seu funcionamento mesmo se reservam versões, impossibilitam uma não rarefeita verdade; como dispensar a maravilha potencial em cada possibilidade que há em tudo, em qualquer infinitesimal vibração? Há uma sintonia precisa entre quaisquer coisas que se preferem ou em qualquer coisa preferida. E talvez aquilo que parece uma sensação evoca uma dimensão inteira, que transborda da sua camada e emerge delicadamente do ciclo padrão, na forma de sutilezas que nos põe em pequenos xeques eventuais, e nos inquirem justamente a certeza: será que eu tenho certeza? Será que eu tenho, então, certeza? Será que abro mão da languidez da verdade para criar (crer na, fechar-me na) minha própria? Tudo é possível certeza.











João corre, a uns treze por hora. Era de fato bom que ele corresse e chegasse de peito ofegante lá. O vestido que ela está deixa a parte mais tenaz da coxa à mostra, o pé e a panturrilha conseqüente estão moldurados na forma mais reveladora dos músculos por estarem no alto de um salto. A parte menos levada a público, a continuação da coxa que se ligará à bunda, estava sob o vestido, para acentuar a curiosidade, mas revelando apenas o volume que ele encobria, dando assim uma das duas sugestões – a outra vinha da parte antes dita, pela qualidade da pele que continha os músculos à mostra. Enfim, era bom que seu peito estivesse preparado para um encurtamento brusco entre diástole e sístole.

O pé num salto alto – desafiando o destino plantígrado, quase para se tornar felino –, através especialmente do metatarso, é um nó: uma ponta, a de cima, segue para uma parte predominada por músculos, que se avoluma deles, com conseqüente potência, além de ser quente e prática quando se dirige aos instintos biológicos de reprodução; a outra, a de baixo, dilui-se para a delicadeza em dedos e depois unhas, para o adorno, e como tal pode não ser lembrado, embora não seja tampouco despercebido. A parte que aponta para cima sugere um cavalo. A de baixo, uma menina com tranças nos cabelos. Na dúvida entre as duas, rendemo-nos.

A continuação das panturrilhas é sempre um mistério: seja para cima (tapada pela saia), ou para baixo (tapado pelo sapato). As falanges separadas das coxas nem parecem poder dividir o mesmo corpo, menos ainda o mesmo membro. É como os lingeries: aquele lacinho parecendo reter dois peitos com centenas de vezes seu volume e peso: o cio e o abraço concomitantes. E, como naqueles desenhos em que a velha e a moça aparecem ao mesmo tempo (mas uma de cada vez a todo o momento), ou Freud e uma mulher pelada, não há como resolver o embate.

Apesar de toda a vontade já num nível de angústia (num dos pouquíssimos casos em que a angústia é não grito, mas canto) ante tanta biologia, haverá sempre o ursinho de pelúcia, o choro no final do filme: o fato de bochechas e bundas estarem num mesmo corpo é um indicativo de que estas coisas devem coexistir. Empate. E sem contar que ainda há um cérebro, que não se importa com nada disso.


VI.FOTOGRAFIA



FOTOG 光 RAFIA http://bit.ly/grandofoto









24/07/2011 15H07 (2011)


11-FEV-10 11:15 (2011)


7 AUTORRETRATO


Uma questão perene espontânea e compulsoriamente em minha produção é a utilização de minha própria imagem. Ela se dá em autorretratos (fotográficos, desenhados ou pintados), na exploração de novas figuras derivadas desses autorretratos, na coisificação da minha própria imagem, transmutando-me, por exemplo, num logotipo, usando-me de personagem dos próprios desenhos e pinturas, e se estende, metaforicamente, na utilização de meu universo cotidiano, que se nivela às demais temáticas universais, bem como na produção de textos autobiográficos, nos quais a minha expressão pessoal é explicitada no mesmo espaço de impressões intelectuais gerais, igualando ponto de vista e conhecimento, imaginação e fato. Minha própria imagem funciona como referencial inequívoco pessoal da raça humana, da existência e do universo, garantindo uma veracidade da poética sob uma hipótese solipsista, como no mapa em que, a partir da ampliação repetida de um autorretrato a grafite, eu justifico o universo como sendo nada mais do que uma questão de escala de um todo composto ou extensivo a esse ser que sou.

A CRIAÇÃO DE JOÃO (em andamento) 201290 x 120 cm Óleo sobre tela


A CRIAÇÃO DE JOÃO 2009 Marcador permanente sobre fotografia impressa em papel fotográfico

GRANDING 2013 Imagem digital


4 PM 2011 70 x 100 cm Carv達o sobre papel.


JOテグ DIREITO, JOテグ ESQUERDO 2007 Fotografia manipulada digitalmente.


MAPA SOLIPSISTA 2012 Montagem digital utilizando cópias reprográficas de cópias reprográficas de autorretrato feito a lápis e papel vegetal contornando o mesmo desenho original.

AUTORRETRATO CONSTELAÇÃO 2011 Imagem digital.


SOLIPSISMO

GENEALOGIA: JOテグ & MARIA :(:

Fotografia manipulada digitalmente.


∞. BUROCRACIA POÉTICA


DIĂ LOGOS i E ii 2008 Imagem digital.


Du muĂ&#x;t dein Leben ändern 2009 Gif animado (http://www.joaogrando.com/2009/09/leiturarilke.html)


VINÍCIUS DE MORAES  MIRÍCIUS DE VONAES 2008 Impressão jato de tinta em papel sulfite.


11/set 2008 Poema (Foi objeto de estudo no livro “Português: linguagens: 6ª edição”, de William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães.)


TWITTER 2008 (Ă€ direita, detalhes)


COMO ALTERAR INTERPRETATIVAMENTE O SENTIDO DE UMA SETA 2012


FAST-REBELDIA PARA LEVAR 2009 Montagem a partir do logo do McDonald’s em baixa resolução manipulada no programa Paintbrush.

HOW2 ADULAR 2009 (Componente da VA #-1 (adiante))


130 YOTTAMETROS

Imagem digital.

HALO/HOLE PALAVRÕES

Imagem digital.

EH_フォダ’’

Imagem digital.

Caneta esferográfica sobre papel.


Diรกlogos experimentais HE, SHE, SILENCE / SHE HE(RI) 2009


VOGAIS

5W1H

Manipulação digital de texto.

VOCÊ MEANS YOU

Hidrocor sobre papel.

ME CHAMA DE ARIAL

Intervenção digital retirada de tumblr.

Impressão em papel sulfite 21 x 30 cm ENGLISH X PORTUGUÊS_BR

sobre

imagem

digital


Canoas-POA > Everest-Marianas 2012 21 x 30 cm Papel vegetal datilografado sobre impress達o em papel sulfite.


 CREPÚSCULO 2009 Montagem com fotos do céu ordenada por horários (12h até 22h) na estrutura da proporção áurea.

 CAMINHO DA LUZ 2010 Fotografia


9.JG,PG,JPG



MARY POPPINS RULES

Páginas de papel alheias cujos originais, geralmente de 30 x 40 cm, são trabalhados com grafite, carvão, caneta esferográfica, nanquim, marcadores, pastel, hidrocor etc. Algumas tem uma leve manipulação digital posterior.


SÉRIE ALT+3


THE AMAZING SPIDERMAN

!


SÉRIE ALT+3


DELICADEZAS QUE NINGUÉM VÊ E OUTRAS RECLAMAÇÕES

MATADOR


S/ TÍTULO

POW



VÁ: O X DA QUESTÃO Desde 2009 Nº -1: 332 páginas http://bit.ly/va-1 Nº 0, 1, 2, 3 etc.: sequência do projeto. Arte sequencial em PDF.



XI.SELFIES


i_大_j_g http://bit.ly/grandoself


Contrapondo aquelas experiências com a própria imagem em que, ainda que se conte com o acaso, há a intenção de elaborar alguma expressão, há também uma série de registros cujo único pretexto seja eu aparecer na foto (na sua imensa maioria fotografada por mim mesmo). Na rede social virtual Flickr mantenho e atualizo desde 2007 um álbum chamado SELF i_大_j_g autorretrato, que agrupa um histórico desses registros – hoje há cerca de mil fotos. Ainda que não sejam todas as fotos do período, está mais para um diário do que para uma seleção; há desde fotos vestindo apenas uma toalha sem preparação alguma até disparos acidentais em que apareci a centímetros da câmera. Essa coleção cujo único critério é minha aparição ganha sentido no conjunto, em como a “[...] aglomeração de objetos contribui para o surgimento do sentido de diferença, produzindo essa diferença enquanto valor. Toda série, toda gradação, toda comparação, gera variedade e diversidade” (SEGALEN, 1999 apud BOURRIAUD, 2011, p. 69).












XII.SKETCHES


2012 2009 70 x 100 cm Grafite, carvão, nanquim, hidrocor, caneta esferográfica, pastel oleoso e tinta acrílica sobre papel.


TODAS AS FACEZINHAS BONITAS PARA SUBSTITUIR UMA FACE TRISTE 2008 30 x 40 cm Grafite e carv達o sobre papel.


E SE AS COISAS RESOLVESSEM? 2010 40 x 40 cm Grafite, carvรฃo, caneta esferogrรกfica, aquarela e pastel oleoso sobre papel.


PRINCĂ?PIO 2009 Colagem digital sobre desenho originalmente nanquim, carvĂŁo e grafite sobre papel 30 x 40 cm.


FOTOSSĂ?NTESE 2009 21 x 30 cm Hidrocor sobre papel.


AÇÃO REAÇÃO

2008 30 X 40 cm (2011)

TORMENTA

S/ TÍTULO

2009 70 X 100 cm

Grafite e carvão sobre papel.

TRAZ AS PARADINHA

2009 70 X 100 cm

Grafite e carvão sobre papel.

Foto de desenho feito a hidrocor e grafite.

AÇÃO

REAÇÃO

II

2008 70 X 100 cm (2011)


EVERYTHING BEAUTIFUL S/ TÍTULO

IS

2009 30 X 40 cm

Hidrocor sobre papel.

Esferográfica sobre papel.

S/ TIÍTULO

S/ TIÍTULO

Grafite sobre papel.

HORIZONTE

Tira digital.

2007 60 X 90 cm

Grafite sobre papel.


S/ TIÍTULO

2007 70 X 100 cm

Carvão e pastel seco sobre papel.

S/ TIÍTULO

2007 60 X 90 cm

Grafite sobre papel.

S/ TIÍTULO

2007 60 X 90 cm

Grafite sobre papel.

Alguns exercícios desenho.

de

pintura

e


Alguns exercĂ­cios desenho.

de

pintura

e


ANJO

S/ CAPA DE DIÁRIO

2010 50 X 70 cm

Grafite, carvão, nanquim, hidrocor, caneta esferográfica, pastel oleoso e tinta acrílica sobre papel.

TÍTULO

2010 30 X 40 cm

Grafite, carvão e acrílica sobre papel.

2009 70 X 100 cm

Carvão sobre papel.


Apêndice I

Metonímias da multiplicidade Ao analisar algumas obras verifica-se que esse método operacional de abarcar as linguagens livremente vista no conjunto do meu trabalho se repete nalgumas experiências de suas unidades, refiro-me especialmente àquelas que demandam mais dedicação nas suas elaborações e execuções: as pinturas e desenhos grandes refletem metonimicamente este mesmo sistema totalizador e permissivo, ora sobrepõe ora sintetizam estilos, técnicas, figurações, elementos de comunicação etc. sob uma estrutura que os cinja. O universo da imagem funciona como um agrupador para diferentes experiências e tratamentos gráficos e pictóricos. Veja-se o exemplo da obra “Rondon”: seu cenário compreende uma rua simples rodeada de alguns prédios e árvores; habitam o cenário pessoas, animais e máquinas; trata-se, então, quase da manifestação conceitual da idéia de cenário urbano, no qual basicamente são esses os elementos que se misturam: mineral, vegetal, animal, humano e máquina. Na cena do desenho todas as imagens geradas, independentemente de função, estilo, cor etc. compartilham um ambiente comum imposto pelo cenário que ocupa todo o quadro: o macaco feito a grafite com traços marcados, o homem e seus filhos feitos a grafite com traços leves, os grafismos feitos com caneta hidrocor e qualquer outro elemento transitam no mesmo ambiente imaginário.

Associada a outra obra, feita no ano seguinte (“I’m coming”) vemos isso nas representações do céu: eles aparecem na parte superior (como conceitualmente não poderia deixar de ser), são céus simbólicos, cuja Lua é também simbólica (o destaque às crateras características), assim como o Sol (a síntese do Sol-corpo-celeste com sua idéia de estrela: as chamas e explosões da transformação de Hidrogênio em Hélio contidas no formato de pentagrama regular).

uma estrutura brilhante de metal), noutras vezes parecem estar apenas coladas, sem nada que as justifique ali. conceitual: o céu acima e o chão abaixo criando uma linha horizontal que os separa exatamente na metade do plano pictórico. Suas cores reforçam o contraste entre os seus conceitos: a soma das cores do céu (bases azuis e negras) com a das cores do chão (bases amarelas e brancas) gera uma terceira cor (bases verdes e cinzas) que surge e se desenvolve no sentido de leitura ocidental, da esquerda para direita, fomentando uma figura que se justifica tanto no plano abstrato pictórico, quanto no espaço cênico representado, quanto na significação metafórica de origem, surgimento, formação (céu com estrelas associado ao chão e suas pedras e minerais resultando numa forma orgânica viva, numa forma que carrega a escrita). A sombra é arbitrária; ainda que quando incida, ela incida sob as regras do realismo, baseando-se nas formas e ângulos que a formam. Mas é arbitrária, como as demais representações realistas do quadro, que não constituem a sua regra: o realismo é sempre uma alternativa a ser solicitada, uma alternativa para ancorar alguns trechos da imagem num imaginário referenciado no concreto, como se a cena ali erigida através de diversos recursos pictóricos e gráficos tivesse algo de acontecido, algo de registro. O compromisso com a realidade é firmado e abandonado à ordem da execução ou da organização pictórica. espaço visual abstrato, numa camada além-imagem, suspensa do espaço cênico em que os demais elementos visuais se relacionam; é o que ocorre com os blocos de textos que sobrepõe fotos em materiais jornalísticos e peças publicitárias, com as legendas de filmes etc. Entanto nessa obra o texto se movimenta entre camadas de maior ou menor profundidade, a ponto de se fixar na mesma camada do espaço imagético, recuar da condição de informação independente para fazer parte do cenário; aqui novamente há uma escala em que ele vai e volta níveis de realismo, entre o texto como integrante da ação cênica e o texto como informação diagramado independentemente da imagem. medida em que se vale das aberturas que a palavra contato em si carrega, de suas possibilidades de uso a partir de seu estado isolado, como uma entrada de dicionário (contato no sentido de contatos com seres extraterrestres, contato no sentido de contatar através da linguagem, mensagens, contato no sentido de tato, contato no sentido de resultado), como um índice visual de conotações.

A sobreposição e síntese dão-se complexamente em todos os níveis do trabalho, como nos materiais (partes do desenho a grafite, outras partes com tinta acrílica, tinta óleo, colagens, canetas hidrográficas), nos estilos (tratamento ora realista, ora expressivo, ora esquemático), nos métodos de comunicação (texto, imagem, estrutura espacial guiada ora pela cena da imagem ora pela plataforma abstrata da superfície). Esse processo construtivo vem evoluindo até hoje, como veremos nas obras a seguir, as mais recentes, terminadas no final deste ano de 2013. A figura principal que ocupa a parte direita do centro do quadro alegoricamente sintetiza todos os elementos tratados no seu entorno, atraindo para si magneticamente todas as manifestações formais e representativas sem qualquer seleção: a operação totalizadora e permissiva transnominada mais uma vez dentro de si mesma, uma sinédoque dentro de outra sinédoque: o que une tão diferentes tratamentos gráficos e pictóricos, cores, níveis de realismo é a estrutura da figura, seu contorno: sua idéia de corpo, neste caso, abarca qualquer coisa dentro dos limites de seu contorno, de sua imagem. Como o DNA, a estrutura pode ser encontrado em qualquer mínima amostra.

Embora a pintura “Contato”, óleo e acrílica sobre tela de 123 x 222 cm finalizada em dezembro de 2013, trata-se de uma representação fantástica e com ambientação inóspita, nalguns pontos ela recebe um tratamento realista; e embora ela tenha um aspecto geral figurativo, nalguns pontos ela tem um tratamento pictórico abstrato. novamente cria camadas de representação sobrepostas, acumuladas. Às vezes as figuras têm seus laços entre umas e outras representados (a representação de uma conexão física, como os tentáculos da figura verde ou a continuidade do corpo em


APENDICE nยบ 2

Detalhes:










“(...) vemos isso nas representações do céu: eles aparecem na parte superior do quadro (como conceitualmente não poderia deixar de ser); são céus simbólicos, cuja Lua é também simbólica (o destaque às crateras características), assim como o Sol (a síntese do Solcorpo-celeste com sua idéia de estrela: as chamas e explosões da transformação de Hidrogênio em Hélio contidas no formato de pentagrama regular).” [Leia mais nas páginas 102 a 104 deste porfólio]

















APÊNDICE 3

Bula O autorretrato expandido num ensaio multiplataforma. 1 LINGUAGEM HETEROGÊNEA 1.1 CONTEMPORANEIDADE HETEROGÊNEA As profundas mudanças nos indivíduos, na sociedade, na comunicação etc. desde o pós-guerra demandaram a necessidade de novas conceituações compatíveis com a contemporaneidade. Uma série de conceitos em crise foi remodelada a partir de reflexões oriundas de todos os campos do saber (filosofia, antropologia, economia etc.) e que se relacionam mutuamente, logicamente a arte e seus rebentos aí incluídos. Essas conceituações, mais do que apenas teorias, elucidam uma situação já instaurada, no interior da qual todas as propriedades humanas estão irremediavelmente inseridas. Desde seu rompimento com a agenda moderna, a arte tem articulado diversas modalidades antes alheias a ela e se abriu em todos os seus aspectos, abrangendo totalmente os nichos sociais, culturais, midiáticos, políticos etc. A aurora dos anos 90, com o fim da dualidade URSS-EUA e o avanço da tecnologia da rede mundial de computadores, vem “[...] datar a entrada (...) da arte nesse mundo globalizado e destituído de ‘grandes relatos’ que é agora o nosso” (BOURRIAUD, 2011). As características de subversão histórica do pós-moderno só se expandiram mais e mais com a democratização do acesso e disseminação da informação proporcionados pelas novas tecnologias. Embora as obras de arte sempre foram complementadas por uma porção variante oriunda de sua inerente polissemia, como é próprio também de qualquer comunicação, talvez nunca o interior de uma obra foi tão frágil ante o seu exterior, cada vez mais amplo e influente, quanto nos dias de hoje. É cada vez menos possível determinar ou mesmo controlar a escala (público, significado, exibição) de um trabalho, que se vulgariza, supervaloriza,

subverte-se à revelia do artista. Por analogia à reflexão de Anthony Giddens acerca do esvaziamento do espaço, o lugar contemporâneo é cada vez mais fantasmagórico, na medida em que sofre influências de tal modo diversas e numerosas que se torna difícil limitá-lo – é definido por agentes múltiplos e complexos, de origens distintas, numa teia de determinantes. Seguramente essa rarefação dos limites pode ser estendida a qualquer conceito em nossa época. Relativamente a isso, mas numa visão mais ampla sobre os tempos atuais, Nicolas Bourriaud metaforiza a contemporaneidade através de um arquipélago interconectado, em oposição ao continente do modernismo; aliados à conceituação de Marc Augé sobre os lugares antropológicos e não-lugares, nos quais enfatiza a incontornável relação de influência de um lugar no sentido clássico com seu exterior, pode-se vislumbrar uma atmosfera artística onde o território, a origem, o limite e mesmo o individualismo, enquanto suspensão do pertencimento a um conjunto totalizador, perdem força. Daí tem-se uma rede complexa e única que abrange e relaciona todas as heterogeneidades, acabando com qualquer resquício de isolamento. A comunicação desta massa também é assim, heterogênea e até onipresente pelo volume concomitante e ininterrupto com que ocorre, um excesso de informações e em meios de veiculação de fácil acesso e disseminação. Essa situação gera um cenário artístico sem uma corrente crítica principal, sem um mainstream lógico: não há uma justificativa formal, social, política, poética ou estética balizadora, não há regras para que a obra adentre o terreno da arte contemporânea – o novo, que era o ingresso histórico exigido pelo moderninsmo, já não se estabelece numa cadeia evolutiva, como diz Luiz Camillo Osório¹: “[...] a diferença do novo não está ligada a um suporte ou meio expressivo, não tem nada a ver com evolução tecnológica (nem é contra ela), mas se apresenta como uma surpresa estética: algo que nos tira das fórmulas constituídas e nos faz poder perceber as coisas de um modo singular.” Partindo dos desbravamentos da arte, esse cenário abrangedor estende-se também gradualmente para os demais campos criativos, como destaca Heloísa Buarque de Hollanda² ao comentar que os novíssimos escritores brasileiros (segundo ela basicamente os nascidos de 1980 em diante) são de “[...] uma geração que tem uma formação literária com forte input de imagens, música, quadrinhos,

clipes etc. Então você vê uma literatura quase multiplataforma [...]”. Já há tempo, mas cada vez mais, as categorias têm perdido importância no processo de criação em si.

As minhas experiências anteriores, inda que se tenham desenvolvido frutiferamente, sempre me foram insuficientes quando não múltiplas em seu processo criativo.

Nesse sentido, se como artista minha arte mover-se-á compulsoriamente nesse cenário, é preciso pensá-la nesse cenário, sob o risco de intenções ultrapassadas se perderem quando expressadas, ou seja, a produção se voltar para um fim que rapidamente será subvertido pelo “uso” dos receptores (espectadores, colaboradores, leitores, críticos etc.).

Se há a necessidade de estabelecer uma coerência em minha produção, para que ela não seja fomentada e para que não atrofie o desenvolvimento mais do que germiná-lo, ela tem de se apresentar pela instauração de liberdade: formal, temática e poética, porque a sua base é ideal, sendo a prioridade, portanto.

1.2 PRODUÇÃO HETEROGÊNEA

ARTÍSTICA

Trata-se da soma de um anseio totalizador à assunção da dúvida/indecisão como agente libertador.

INDIVIDUAL

Minha produção artística desde sempre tramitou por variadas plataformas de criação. Sob um mesmo guarda-chuva chamado arte – já nem mais uso o termo artes visuais, e tendo cada vez mais a usar apenas o termo criação –, ela é como um tecido expressivo no qual se costuram retalhos distintos, que acabam por se relacionar casualmente, ou no qual se desenvolve, de modo então interagido a priori, um plano de síntese dessas modalidades diversas, sendo esta interação também a conseqüente construção de uma terceira parte congruente; em termos práticos, desmembra-se uma produção que relaciona desenho, pintura e foto combinados, por confronto ou complementação, ao texto, e manipulados num espaço comum, geralmente ordenada seqüencialmente para leitura, que pode ser estático, e assim organizado através do design gráfico, ou cinético, organizado pelo vídeo, já naturalmente uma plataforma de convergência. Ou ainda uma série de registros em diferentes meios arquivados num local comum para manipulação do espectador-leitor, ficando à sua leitura a ordenação que será utilizada. Essa espontânea e quase compulsória construção criativa híbrida e abrangente demanda-se de uma por assim dizer incapacidade de concentração, de uma incapacidade de abrir mão de modalidades para se isolar nalguma delas e desenvolver uma pesquisa específica; isso se asila numa vontade de franquear as habilidades criativas exercidas, acumulando os ofícios pretendidos e até então entremeados de escritor, ilustrador, quadrinista, realizador audiovisual, designer, pintor e até mesmo, já sem tanta pretensão quanto os anteriores, ator, sob a liberdade criativa da arte contemporânea, único terreno permissivo para dispensa de classificações.

2 AUTORRETRATO Outra questão perene espontânea e compulsoriamente desde sempre em minha produção é a utilização de minha própria imagem. Ela se dá em autorretratos (fotográficos, desenhados ou pintados), na exploração de novas figuras derivadas desses autorretratos, na inserção de minha imagem como personagem em desenhos e pinturas, e se estende, metaforicamente, na utilização de meu universo cotidiano, que se nivela às demais temáticas universais, bem como na produção de textos autobiográficos, nos quais a minha expressão pessoal é explicitada no mesmo espaço de impressões intelectuais gerais, igualando ponto de vista e conhecimento, imaginação e fato.

2.1 ATOR FOTOGRÁFICA

NA

NANONARRATIVA

Nalgumas fotografias trabalho extraindo algum sentido de uma situação inusitada presente na cena, como o lançamento urgente de uma narrativa que lhe dê algum sentido, servindo de mote, início ou conclusão no desenrolar de uma nanonarrativa tão fugaz quanto o instante captado pela máquina. Esse sentido breve e leve se dá implosivamente, como colocar um verso na música surgida da imagem.

exemplo, num logotipo, usando-me de personagem dos próprios desenhos e pinturas; minha própria imagem funciona como referencial inequívoco pessoal da raça humana, da existência e do universo, garantindo uma veracidade da poética sob uma hipótese solipsista, como no mapa em que, a partir da ampliação repetida de um autorretrato a grafite, eu justifico o universo como sendo nada mais do que uma questão de escala de um todo composto ou extensivo a esse ser que sou.

2.3 ARQUIVO DE AUTORRETRATOS Contrapondo essas experiências com a imagem, em que, ainda que se conte com o acaso, há a intenção de elaborar-se alguma expressão, há também uma série de registros cujo único pretexto seja eu aparecer na foto (na sua imensa maioria fotografada por mim mesmo). Na rede social virtual Flickr mantenho e atualizo desde 2007 um álbum chamado SELF i_大_j_g autorretrato, que agrupa um histórico desses registros – hoje há cerca de mil fotos. Ainda que não sejam todas as fotos do período, está mais para um diário do que para uma seleção; há desde fotos com toalha sem preparação alguma até disparos acidentais em que apareci a centímetros da câmera. Essa coleção cujo único critério é minha aparição ganha sentido no conjunto, em como a “[...] aglomeração de objetos contribui para o surgimento do sentido de diferença, produzindo essa diferença enquanto valor. Toda série, toda gradação, toda comparação, gera variedade e diversidade” (SEGALEN, 1999 apud BOURRIAUD, 2011, p. 69).

3 ENSAIO MULTIPLATAFORMA 3.1 AUTORIA COMO CENTRO DE GRAVIDADE

PRÓPRIA

À multiplicidade de estímulos da contemporaneidade posiciono-me replicando múltiplas respostas formais eladas pela autoria, freqüentemente explícita através da utilização de autorretratos, impugnando a casualidade e anonimato que de praxe estes estímulos carregam – a própria imagem funcionando como assinatura, até como certa absolvição, na medida em exponho somente a mim mesmo, e certa autenticação, na medida que sou dono da minha verdade e o detentor dos direito de imagem que reflito para a realidade.

Trabalho também na coisificação da minha própria imagem, transmutando-me, por

Desta prática que não restringe modalidades afluem experiências e obras de desenho, pintura, escrita, fotografia, vídeo etc.

2.2 DESDOBRAMENTOS IMAGEM

DA


que se cruzam e afastam ao longo de seus cursos, operando ora independentemente, ora relacionadas (pela síntese ou sobreposição), mas sempre como rios diversos pertencentes a uma mesma bacia hidrográfica; seu registro e publicação também são variados, complexando inda mais a contingência para um espaço de exibição estático por tempo determinado. Ainda assim, ela rebentara-se de um mesmo contexto de produção no qual a autoria, para além do estabelecimento compulsório de uma trajetória, estilo, histórico etc., talvez seja a chave conceitual que a retenha: os textos extensos ou pequenos, as fotos, os infográficos, as montagens, até mesmo as inserções em redes sociais, são expressões cujo único elo é o emissor, fazendo do autor um lugar dissipado pelas obras, um vetor que as relaciona. Este método correria o risco de ser vago, já que se vale das pertinências da autoria, mas é como tenho trabalhado e a experiência me mostra que ele tem sido eficaz ao conglomerar os diferentes tipos de manifestações e mesmo assim dar um mesmo tom a elas, dar-lhes algo perceptível em comum. (Nalguns casos o autorretrato torna forçosa a autoria, relacionando-se, por oposição ou adaptação, às tendências de fim de anonimato e criação coletiva, vistos em movimentos como o Copyleft, quase como um levante.) 3.2 ENSAIO DISSIPADO Talvez a principal característica do ensaio, gênero literário cujas bases foram fundamentadas por Bacon e Montaigne, consista na liberdade: ela está no âmago das características atribuídas a ele, como a possibilidade de ser breve, como a possibilidade de transitar entre estilos, sua informalidade, sua subjetividade, sua assunção da liberdade para falar sobre qualquer tema. Sob essa ótica, é difícil não associar o gênero aos cadernos de Leonardo da Vinci, uma versão visual (e já há 5 séculos atrás complexando categorias) em que um esboço artístico para um afresco divide espaço com o projeto de uma ponte ou estudo científico anatômico. Não vejo melhor associação ao meu trabalho do que esta, uma série de ensaios ou um grande ensaio que se rarefaz em parcelas variadas tanto no espaço quanto no tempo. Não por acaso, logo que iniciei minhas publicações na internet, em 2007, meu lema (talvez slogan tenha mais cabimento) era “sobre tudo sob um”.

3.3 MEIOS DE EXIBIÇÃO Dado então ser da minha atividade criativa operar em plataformas várias e de publicação gradual e dissipada, ela problematiza a questão da exposição como fomentação de um lugar, já que não se trataria de um espaço pensado previamente para tanto, mas um espaço que deve abarcar o gênero desta produção, na falta da identificação de um conceito estreito que a acompanhe. Vejamos o caso da pintura, a qual, no caso da utilização que faço dela, comunica-se mais tradicionalmente com o público, pela natureza do suporte: o quadro na parede para ser contemplado e analisado in loco em todos os seus detalhes, a materialidade (relevos, dimensão, camadas de tinta etc.) presente além da imagem retiniana, além do que uma reprodução visual registra; porém a reprodução do original pintado ressonará em outros meios, podendo ser reutilizada por mim com manipulação digital e associada às outras formas de criação, ou ainda por outrem, pela simples disseminação permitida pelas tecnologias atuais. A imagem conceitual, a idéia emanada da materialidade se move livremente, acumulando significados e usos adquiridos na sua trajetória. Talvez o caminho para atender isso seja a exposição fractal, retalhada e costurada, superposta, misturada, tal como a é virtualmente pelo site onde mantenho e atualizo parte considerável de minha produção: http://www.joaogrando.com. Nele o discurso fragmentado em imagens (fotos, infográficos, desenhos, pinturas, rascunhos etc.), textos de diferentes estilos e tamanhos se organiza tal como num jornal ou site de notícias: as partes têm interdependência, a aproximação se dá pelo espaço disponibilizado, passível de manipulação pelo visitante, que pode reordenálo por alguns critérios disponíveis, como ordem temporal, por assuntos (amor, esporte, arte etc.) através dos marcadores de postagens, por formato (texto, imagem, foto etc.). Além disso, há ainda uma pequena gama de opções para a diagramação e dinâmica geral do site (há um menu suspenso no canto superior esquerdo que permite escolher dentre sete formatos, que mudam consideravelmente o padrão (padrão, não original) da exibição). Interessante notar que, embora o agregador de conteúdos possa ser manipulado pelo leitor-espectador, eles se mantêm originais em todos os detalhes (o texto, além de ser imutável, mantém a formatação definida por mim). O controle é sobre o conteúdo, o meio é livre. Temos aqui a espacialização do tempo, a espacialização do

tema, disponíveis em modulações manipuláveis pelo espectador. Repetir estas ferramentas permitidas pela tecnologia digital analogicamente é um desafio, mas pode não ser a única saída. A dificuldade em expor para visitação esta parte do trabalho é projetar o dinamismo destes elementos que se ligam por diferentes fatores, ora narrativos, ora temporais, ora unicamente pela centralização autoral; costumeiramente eles não têm critérios específicos para exibição, ou seja, são disponibilizados virtualmente, para leituras nos veículos que convirem aos espectadores (computador pessoal, smartphone, tablet, televisão etc.). Então a sua exposição planejada num espaço para ser visitada presencialmente tende a uma atmosfera arquivista, de compilação. Para evitá-la, se for o caso ou intenção, é preciso fazer uma curadoria do próprio trabalho, estabelecendo recortes temáticos, temporais ou, mais profundamente, elaborar uma narrativa multiplataforma, um processo de montagem que trabalhe novos significados a partir do material existente – embora esta prática também possa ser realizada a priori deliberadamente. Isso entanto cria um novo degrau, já que essas práticas resultantes em narrativas se assentam mais adequadamente no formato livro ou vídeo, mais propensos à distribuição para o público do que para a visitação.

3.4 CONVERGÊNCIA Uma tendência natural dessas práticas é que passem da simples sobreposição para um cruzamento, já aí não apenas unidas por um conjunto artístico, mas unidas no interior de uma peça isolada. Daí nivelam-se as potencialidades poéticas desenvolvidas nas diferentes linguagens, de tal modo que, uma vez aplanadas, permutem suas propriedades típicas: o ritmo do texto pode se transferir para a imagem; a imagem pode se valer de um contexto estabelecido anteriormente pelo texto num processo de estímulo mútuo. As linguagens trabalharão também nas elipses deixadas por outras linguagens, atuando como chaves de interpretação. O cuidado fundamental é não mascarar “reinvenções de roda” na simples mistura de modelos já resolvidos; para tanto, as formatações devem, como já disse, trabalhar a favor da narrativa ou punção poética que as agrupa: têm função, mas função não implica vontade – esta é da poética,

e ela que determina o que será usado, ela é o fio condutor. 3.5 METONÍMIAS DA MULTIPLICIDADE 3.4.1 MMA e iPhone O MMA (mixed martial arts, traduzido da língua inglesa significa literalmente “artes marciais misturadas”) é um conceito que vem se desenvolvendo desde os anos 60, crescendo em popularidade nos anos 90 e gozando de grande prestígio nos dias atuais. Inicialmente consistia numa competição intermodalidades (a sobreposição do boxe, jiu jitsu, caratê etc.) que evoluiu rapidamente, graças às regras únicas que atendiam todos os estilos, abrigando-os num lugar comum, para a competição de um novo estilo surgido, onde os lutadores usaram o que lhes interessava em cada modalidade: a síntese do boxe, jiu jitsu, caratê etc. Todas as artes marciais têm suas regras próprias, suas tradições, suas especialidades; o MMA despreza essas especificidades e recruta o que é prático para um fim. O smartphone (um aparelho telefônico móvel com funções estendidas, quase um mini computador portátil) ecoa esse mesmo conceito do nosso tempo: embora não seja uma máquina fotográfica, é usado para tirar fotos; embora não seja um computador, é usado para processar programas vários. Analogamente, para além da linguagem comum binária que processa todos os tipos de arquivo (imagem, vídeo, som, texto), a comunicação e expressão são para mim a prioridade nesses casos da convergência, e assim sendo podem convocar o meio que for necessário para seus objetivos, reforçando que o público já se relaciona naturalmente com esses cruzamentos.

3.4.2 VÁ #-1 O trabalho “VÁ #-1”, de 2009, um arquivo PDF de 332 páginas disponível para leitura e download na internet4, transita entre um periódico (“#-1” sugere a seqüência do programa nos números 0, 1, 2 etc.), livro de artista, romance gráfico, catálogo, portfólio etc. Ao decorrer de suas páginas, textos de todos os tipos e imagens de todos os tipos se relacionam através da organização poética do design. Há textos inéditos e manipulações de trabalhos anteriores, que se combinam (um poema de 2006 é aglutinado a um esboço até então esquecido de 2004) e atuam combinadamente num álbum de idéias gráficotextuais.

Ao analisar algumas obras verifica-se que esse método operacional de abarcar as linguagens livremente vista no conjunto do meu trabalho se repete nalgumas experiências de suas unidades, refiro-me especialmente àquelas que demandam mais dedicação nas suas elaborações e execuções: as pinturas e desenhos grandes refletem metonimicamente este mesmo sistema totalizador e permissivo, ora sobrepõe ora sintetizam estilos, técnicas, figurações, elementos de comunicação etc. sob uma estrutura que os cinja. O universo da imagem funciona como um agrupador para diferentes experiências e tratamentos gráficos e pictóricos. Veja-se o exemplo da obra “Rondon”: seu cenário compreende uma rua simples rodeada de alguns prédios e árvores; habitam o cenário pessoas, animais e máquinas; trata-se, então, quase da manifestação conceitual da idéia de cenário urbano, no qual basicamente são esses os elementos que se misturam: mineral, vegetal, animal, humano e máquina. Na cena do desenho todas as imagens geradas, independentemente de função, estilo, cor etc. compartilham um ambiente comum imposto pelo cenário que ocupa todo o quadro: o macaco feito a grafite com traços marcados, o homem e seus filhos feitos a grafite com traços leves, os grafismos feitos com caneta hidrocor e qualquer outro elemento transitam no mesmo ambiente imaginário. A figura principal que ocupa a parte direita do centro do quadro alegoricamente sintetiza todos os elementos tratados no seu entorno, atraindo para si magneticamente todas as manifestações formais e representativas sem qualquer seleção: a operação totalizadora e permissiva transnominada mais uma vez dentro de si mesma, uma sinédoque dentro de outra sinédoque: o que une tão diferentes tratamentos gráficos e pictóricos, cores, níveis de realismo é a estrutura da figura, seu contorno: sua idéia de corpo, neste caso, abarca qualquer coisa dentro dos limites de seu contorno, de sua imagem. Como o DNA, a estrutura pode ser encontrado em qualquer mínima amostra. Associada a outra obra, feita no ano seguinte (“I’m coming”) vemos isso nas representações do céu: eles aparecem na parte superior (como conceitualmente não poderia deixar de ser), são céus simbólicos, cuja Lua é


também simbólica (o destaque às crateras características), assim como o Sol (a síntese do Sol-corpo-celeste com sua idéia de estrela: as chamas e explosões da transformação de Hidrogênio em Hélio contidas no formato de pentagrama regular). A sobreposição e síntese dão-se complexamente em todos os níveis do trabalho, como nos materiais (partes do desenho a grafite, outras partes com tinta acrílica, tinta óleo, colagens, canetas hidrográficas), nos estilos (tratamento ora realista, ora expressivo, ora esquemático), nos métodos de comunicação (texto, imagem, estrutura espacial guiada ora pela cena da imagem ora pela plataforma abstrata da superfície). Esse processo construtivo vem evoluindo até hoje, como veremos nas obras a seguir, as mais recentes, terminadas no final deste ano de 2013.

3.5.1 Análise da obra “sim e não ou não e sim: in.form.ação” Como nos trabalhos analisados anteriormente e na produção de forma geral, temos aqui um ecletismo que permeia todos os fatores da obra. As variações de cores, de tipos de pincelada, de níveis de realismo trabalham na elaboração de camadas acumuladas e na tensão entre elas. Uma figura tratada tecnicamente de modo mais acadêmico com seus tons pastéis dialoga com uma imagem de cores vibrantes e contornos bem definidos por linhas fortes, chocando tradição pictórica e gráfica, volume/profundidade e plano bidimensional, cores misturadas e diluídas a cores chapadas e puras. Os elementos de estruturas retas do cenário como prédios, ruas e os postes em seqüência reforçam a perspectiva da cena, fazendo dela a origem não só dos raios-guia de profundidade como de toda a imagem, como se tudo que há ali erigisse dali estendendo-se do fundo do quadro e trocando influências entre figurações na extensão do caminho (interessante salientar que é a ordem de pintura do quadro também, tendo sido iniciado pela pintura do céu, justamente do céu, abrigo divino

da criação na maioria das mitologias e origem da vida em muitas correntes científicas). A narrativa da cena é de acontecimentos ilógicos sem relações aparentes: as personagens parecem ter sido teletransportadas naquele instante de outro local ou realidade, onde a ação acontecia e fora interrompida pelo rapto do quadro. A existência das coisas dali está ligada à condição que a imagem do quadro fornece, como se ela tivesse começado naquele exato momento, entrosada com o tempo do trabalho, com a existência da pintura em si, a criação da forma como criação da forma representada, e não como personagens que tivessem sua vida própria independente do registro ali feito; os objetos físicos passam a existir a partir da imaginação, como no célebre conto “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”, de Jorge Luis Borges. Assim, as relações puras de forma transpõem a realidade representada: uma linha inserida no espaço de perspectiva diagonal da calçada transposta para o bloco de texto deixa de ser profunda para virar uma forma geométrica abstrata: a mesma linha reaplicada, colada, toma outra sentido. O quadro é o histórico dessas relações formais que se influenciaram dinamicamente até o momento de ficarem congeladas na imagem finalizada. Entre os dois personagens maiores (dois autorretratos complementares), no primeiro plano do quadro, há uma relação de dúvida, ou ao menos hesitação: aparentemente duelam, mas as feições não esclarecem a força imprimida, há certa ambigüidade entre a simulação e a efetividade do ato, se ele é de fato agressivo ou se seria até mesmo afetuoso, se há de fato voluntariedade em seus atos ou se é como se estivessem ali por uma determinação, uma determinação visual por assim dizer, como figurantes que cumprem seus papéis burocraticamente (ou talvez o espanto da recém-chegada a um cenário para o qual foram teletransportados). No tratamento pictórico irregular do quadro a textura que resolveria uma representação realista salta de seu contexto e toma vida própria no espaço da tela, como se a representação e o representado gerassem uma terceira coisa, que ao mesmo tempo se materializa na realidade representada diminuindo a distância entre o que é

representado (narrativa, conteúdo) de como se representa (expressão, forma): tudo o que está na tela, seja uma mancha ou um corpo nu, ganha vida tanto como personagem quanto elemento abstrato, não há exceções ou divisões: se dividem o mesmo plano bidimensional, as regras são, ainda que generosas, as mesmas para tudo. Há nessa ação totalizadora e permissiva algo de indecisão assumida que proporciona essa liberdade a qualquer resposta, qualquer tentativa, onde há espaço para tudo; à tela qualquer coisa pode ser trazida indistintamente; ao meu tecido expressivo, qualquer tipo de criação é bem-vinda.

3.5.2 Análise da obra “Contato” Embora a pintura “Contato”, óleo e acrílica sobre tela de 123 x 222 cm finalizada em dezembro de 2013, trata-se de uma representação fantástica e com ambientação inóspita, nalguns pontos ela recebe um tratamento realista; e embora ela tenha um aspecto geral figurativo, nalguns pontos ela tem um tratamento pictórico abstrato. Isso cria certa tensão entre realidade e fantasia, novamente cria camadas de representação sobrepostas, acumuladas. Às vezes as figuras têm seus laços entre umas e outras representados (a representação de uma conexão física, como os tentáculos da figura verde ou a continuidade do corpo em uma estrutura brilhante de metal), noutras vezes parecem estar apenas coladas, sem nada que as justifique ali. O cenário onde a ação ocorre é de uma simplicidade conceitual: o céu acima e o chão abaixo criando uma linha horizontal que os separa exatamente na metade do plano pictórico. Suas cores reforçam o contraste entre os seus conceitos: a soma das cores do céu (bases azuis e negras) com a das cores do chão (bases amarelas e brancas) gera uma terceira cor (bases verdes e cinzas) que surge e se desenvolve no sentido de leitura ocidental, da esquerda para direita, fomentando uma figura que se justifica tanto no plano abstrato pictórico, quanto no espaço cênico representado, quanto na significação metafórica de origem, surgimento, formação (céu com

estrelas associado ao chão e suas pedras e minerais resultando numa forma orgânica viva, numa forma que carrega a escrita). A sombra é arbitrária; ainda que quando incida, ela incida sob as regras do realismo, baseando-se nas formas e ângulos que a formam. Mas é arbitrária, como as demais representações realistas do quadro, que não constituem a sua regra: o realismo é sempre uma alternativa a ser solicitada, uma alternativa para ancorar alguns trechos da imagem num imaginário referenciado no concreto, como se a cena ali erigida através de diversos recursos pictóricos e gráficos tivesse algo de acontecido, algo de registro. O compromisso com a realidade é firmado e abandonado à ordem da execução ou da organização pictórica. Camadas de texto ordinariamente se posicionam num espaço visual abstrato, numa camada além-imagem, suspensa do espaço cênico em que os demais elementos visuais se relacionam; é o que ocorre com os blocos de textos que sobrepõe fotos em materiais jornalísticos e peças publicitárias, com as legendas de filmes etc. Entanto nessa obra o texto se movimenta entre camadas de maior ou menor profundidade, a ponto de se fixar na mesma camada do espaço imagético, recuar da condição de informação independente para fazer parte do cenário; aqui novamente há uma escala em que ele vai e volta níveis de realismo, entre o texto como integrante da ação cênica e o texto como informação diagramado independentemente da imagem. O título emerge das relações tratadas na cena, na medida em que se vale das aberturas que a palavra contato em si carrega, de suas possibilidades de uso a partir de seu estado isolado, como uma entrada de dicionário (contato no sentido de contatos com seres extraterrestres, contato no sentido de contatar através da linguagem, mensagens, contato no sentido de tato, contato no sentido de resultado), como um índice visual de conotações.

4 PROCESSO Se a produção em si carrega essa característica múltipla, o processo criativo não

teria como ser diferente. Nele experiências se cruzam, rotas são desviadas e novos caminhos são abertos inesperadamente, filigranas de movimento intenso e multilateral. Principia-se – a despeito do processo ser contínuo pode-se usar esse termo – de um movimento aleatório de diversos esboços, ações, idéias, intenções etc. até que se alinhem numa situação favorável à criação mais pensada, orientada e planejada, daí se rebentando dessa tempestade de estímulos para um caminho só, qual a formação de um planeta surgido de poeira cósmica. Um processo de evolução como o elucidado pela Teoria da Inflação da física, onde pequenas irregularidades e acidentes iniciais acumulam-se em progressão geométrica e geram resultados não previstos inicialmente, como uma bola de neve cujo formato esférico seja substituído pela novidade na dinâmica de sua evolução. Do recorte de uma cena de um vídeo em que eu me movimentava para a filmadora estacionada sobre uma cadeira surgiu um esboço sem fim definido; tempos depois, esse esboço completou outro esboço que havia sido criado alheiamente a esse processo. Indubitavelmente o caminho do frame do vídeo à pintura “Contato” não foi planejado, mas surgiu devido à fértil permissividade instaurada no ambiente de atelier. Não deixa de ser, claro, o processo mental criativo ordinário, em que intenção e acaso (e até mesmo intervenção divina para os mais crentes, como eu) se confundem no turbilhão de estímulos que se cruzam a todo o momento na imaginação de um criador de imagens. Tento somente perder o mínimo possível (o que será sempre muitíssimo) desse processo registrando-o para que sejam acordes passíveis de composição ou ao menos uma coleção de obedientes impressões, traduções da introspecção, mapas dos circuitos internos – todos solúveis entre si.

1 Luiz Camillo Osorio in revista Filme Cultura nº 54, 2011, pág. 56, CTAv (Centro Técnico Audivisual CTAv) maio/2011.) 2 Heloísa Buarque de Hollanda (idem)


Apêncide 4: CV

JOÃO GRANDO (João Ricardo Lopes Grando). Torres, 1982. FORMAÇÃO Bacharel em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, 2013 Projeto de Graduação: “O autorretrato expandido num ensaio multiplataforma”.

PUBLICAÇÕES - Zupi #23 (5 páginas inteiras, das quais 2 imagens em folhas duplas (seção “start/stop”)); - ffw>>Mag! #32 (1 página inteira (pág. 188)); - Livro Português Linguagens 7º ano, de William Roberto Cereja e Thereza Magalhães (Editora Atual) – um poema foi objeto de estudo; - Livro selecionados 1º Concurso Nacional de Poesia – Colatina 2005.

EXPOSIÇÕES COLETIVAS - 15x15 – Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, Porto Alegre – RS, 2014 (abertura agendada para maio) - Festival Hotspot, selecionados nacionais, curadoria de Speto e Graziela Peres – exposição itinerária: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Vitória, Porto Alegre, Salvador, Recife, Natal, Belém, São Luís; 2013 - Urussai, 27ª Casa dos Criadores, shopping Frei Caneca, São Paulo – SP, 2010 - Vaga-lume, mostra de vídeo experimental – Pinacoteca do Instituto de Artes UFRGS, Porto Alegre – RS, 2008 - Bienal B – Casa dos Bancários, Porto Alegre – RS, 2007 OUTROS - cofundador da marca Camelbird (http://www.camelbird.com.br) - Técnico em Administração não praticante; - Técnico em Contabilidade não praticante;

www.joaogrando.com i@joaogrando.com /joaogrando /joaogrando /joaogrando

[51] 8018-2287



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