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EDITORIAL Queremos contribuir para a perturbação da ordem semântica das coisas. Pois cremos que a linguagem é um vírus, uma forma maligna e letal.
interzona antonio eder - pg 15 antonioeder.blogspot.com.br
batata - pg 36
A crença de que combinações de algumas palavras e imagens podem produzir doenças e perturbações mentais graves é partilhada não apenas no campo da magia mas também no campo da psicolinguística e da pragmática. O efeito chamado perlocutivo é o efeito somático provocado pela proferição (elocução) da palavra /imagem que tem uma força (ilocucionária) particular. E o que é um vírus? Um vírus é uma unidade muito pequena de palavra e imagem.
batatasemumbigo.blogspot.com.br
Propomos a transformação das palavras e imagens, implodi-las, reduzi-las ao pó e caos para depois renascer como instrumentos de fuga ao controle, pois a comunicação é um dos principais instrumentos de controle institucional.
mariana waechter - pg 3
carol sakura - pg 30
vermelhocitrico.blogspot.com.br
daniel gise - pg 8 danielgise.com
diego aguiar - pg 15 aramesdacerca.com.br
joao pinheiro - pg 41 jpinheiro.com.br
jose salvador - pg 34
salvadorgravuras.blogspot.com.br marianawaechter.tumblr.com
PEDRO MANCINI - pg 7 pedromancini.blogspot.com.br
ricardo H. rodrigues - pg 12 interzona.com.br
Ao vírus que nos limita e censura investimos em uma prática de criação que lembra o crime, o roubo, a deformação coerente. Fundamos a máquina de produzir criaturas alucinantes.
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wagner rocha - pg 21 artwagnerrocha.blogspot.com.br
walkir fernandes - pg 30 walkirfernandes.com
CAPA E EDIÇÃO: João Pinheiro + Peter Maloney (O fundo da ilustração da capa foi composto por uma obra do artista australiano Peter Maloney, gentilmente cedida pelo autor.) São Paulo - 2015 contato: joaocpp@yahoo.com.br 4
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Ilustração: Pedro Mancini
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Ilustração: João Pinheiro
por Ricardo Rodrigues
Satori Narcótico
A América boa. Sem a espada de Kafka. Rock’n’roll. Underground. Contracultura. Subempregos rentáveis. Eu devia aceitar logo esta febre e acabar de vez com isso. Um bom método estando cheio: socar o dedo e deixar a merda descer, avassaladoramente. Vivendo às custas de uma pensão deixada pelo avô. Procurando rabos e veias ativas. Armado de mitos e dentes e pequenas máquinas de seis tiros. Cadavérico com ares aristocráticos. América central. Corpo nutrido por elixires sintéticos. Paregóricos. Yage. Marijuana. Princípios ativos. Engravidando garotos pelo mundo. 42o de febre no México. Tiras caipiras no Panamá. Contorções na relva, em torno da palhoça do pajé, no centro
da floresta. Indígenas sacantes se desmanchando de rir. Orgasmo hemorrágico. Regiões aduaneiras do puro gozar. O elixir de quando em quando correndo nas veias fissuradas. Nicarágua. Panamá. Honduras. Peru. Tanger. Coca mastigada nas montanhas glaciais. O sangue envenenado fluindo no nervoso sistema. Cut-up!. Quando rapaz me intrigava a boa resistência dos adultos. Hoje sei a quantas andavam: álcool e cocaína. Anfetaminas e cobiça. Um pouco de maconha como recreativo. Um ácido como ressurreição de Cristo. O olhar chispa, clarividente. Ele entra no bar. Vê insetos servindo bebidas de suas próprias veias azuis. Alienígenas ao lado de terráqueos
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se. O bar estava cheio de cangurus australianos. Africanos alinhados. Escandinavos angelicais. Old Bull abriu sua reserva de suprimentos para impressionar o garoto beatífico. É´ coca? Heroína? Marijuana? Tequila? Papoula da Índia? Haxixe do quintal do além? Não, na verdade tratava-se de um pico dantesco, possibilitador de uma fuga sideral, de um fluxo interminável em um corpo inerte em pura intensidade. No centro da proeminência do jovem caribenho a seringa espocou. Os olhos de Old Bull iluminaramse: satori narcótico.
obsedados pela música onipresente dos tilintares de moedas no balcão. Um jovem de traseiro proeminente se insinua. Um drogado reconhece outro instintivamente. A razão é . Mas não há limites nesse jogo. Bar morfinômano. O velho junky e a cidade intergaláctica. Punks empunhando instrumentos sanguinários. Provos. Desconstrutivismo. Dada. Selvageria da melhor qualidade. A evolução da espécie alcançando ápices inimagináveis. Na verdade ele chegou com olhos medonhos. O jovem de rabo proeminente assanhou-
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o método CUT-UP POR WILLIAM BURROUGHS Resumo do texto “The Cut Up Method” de William S. Burroughs.
O método é simples. Eis um jeito. Pegue uma página. Como esta por exemplo. Agora corte ao meio e depois de novo. Você tem 4 partes: 1, 2, 3, 4 .
Agora rearranje os pedaços coloncando o último com o primeiro e o segundo com o terceiro. E tem-se uma nova página.
Às vezes diz quase a mesma coisa. Às vezes algo totalmente diferente — (recortar um discurso político é um exercício interessante).
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Cut-ups são para todos. Qualquer um pode fazer cut-ups. É experimental, no sentido de ser algo pra se fazer. Right here write now. Não uma coisa de que se fale ou investigue. Recorte as palavras e veja como caem. Todo texto é na verdade cut-up. Colagem de palavras lidas ouvidas encabeçadas. Que mais? Usar a tesoura torna o processo aberto e matéria de expansão e variações. A prosa clássica, clara, pode ser toda composta pelo rearranjo de cutups. Cortar e rearranjar uma página traz uma nova dimensão pra escrita, deixa o escritor tranformar imagens em variação cineramica . Os cut-ups podem ser aplicados a outros lugares além de textos. O método cut-up pode ser usado com vantagem no campo cientifico. Quantas descobertas não foram meros acidentes? Não se pode produzir acidentes pela ordem. Os cut-ups trazem uma nova dimensão para os filmes. Recortar ao azar milhares de cenas ao azar dos lugares e tempos. Cortar pra trás. Cortar ruas do mundo todo. Cortar e rearranjar o mundo e as imagens nos filmes. Não tem porque aceitar o recauchutado quando se pode ter o melhor em primeira mão. E o melhor está ai, pra todos. “Poesia é pra todo mundo”…
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