Gasolina

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Eduardo Rosa

Jo達o Pinheiro


Benditos dias de Indiferença História e desenhos: João Pinheiro

“Nas mãos está minha cidade, minha lira E em minhas mãos está a pira E minha mãe ouve Corelli enquanto minhas mãos estão em chamas” - Gregory Corso

“Gasolina” Publicação independente de Eduardo Rosa e João Pinheiro. 1° edição - Julho de 2007. Os trabalhos não podem ser copiados, publicados ou distribuídos sem a autorização do autor. Rua Figueira da Barbária 277 A, CEP 03583-090 São Paulo/SP Tel. (11) 6742-6118 - Cel. 9407-8022<joaocpp@yahoo.com.br> <ossubterraneos.blogspot.com.br>


Jo達o Pinheiro


BENDITOS DIASDE INDIFERENÇA Por João Pinheiro



O dia inteiro não vejo, não escuto e não falo.

Às 18 h desliguei a máquina. Antes de sair dei uma olhada para trás.


Já na rua, onde o fogueira terrena queima e as sombras tristes caminham, de olhos fechados eu ouvia a velha sinfonia familiar: os barulhos dos carros rasgando a avenida, o latido dos cães, risos, conversadores exaltados, os passos... A vida é engraçada: fumamos nossos cigarros, damos gargalhadas, praguejamos, cuspimos, transamos, amamos, odiamos, somos filhos, pais, avós, seremos defuntos, caveiras e finalmente seremos pó. Isso é tudo o que precisamos saber: a vida e a morte de todos nós serão monótonas nessa estúpida comédia sem fim. Eu saúdo a terra maculada com o olhar de quem não tem nada. Nada de especial convém falar aqui, mas há sempre algo a ser dito. Sábado, depois de mais um dia de trabalho na fábrica de infelizes decidi não voltar para casa. Andando pela rua de bar em bar, acabei encontrando meu grande amigo de infância, Eduardo.


Decidimos ir para o bar Renascer, onde descem do ceú e sobem do inferno todos os tipos, comuns e incomuns. Sobre a face dos muros enegrecidos estavam as dores de todas as vidas, mas alÊm daquela fachada obscura, havia uma camada de esperança, como uma semente guardada para o futuro.

tĂĄ a fim de tomar uma?

Demoro!


Os neons agora eram nossos guias espirituais. Os bares estão abertos, as bebidas estão engarrafadas, os cigarros querem queimar, os sapatos esperam ser gastos, o sono sempre pode esperar, tudo tem que ser extingüido, assim como nossas próprias vidas que se esvaem segundo após segundo. Eduardo falava sobre como o tempo é curto, tinha um ar melancólico que logo desapareceria por completo.

o que eu estou dizendo é:

queime logo seu fogo antes que ele se apague.

Ele gosta de fazer citações. Essa foi do Neil Yong, se eu não me engano.

tudo corre no fluxo do rio da vida para um dia despencar no esquecimento.

A verdade é essa. Porque quando voce percebe que um dia vai desaparecer e ser esquecido de qualquer maneira, voce comeca a entender o lance.


eu estou precisando relaxar, velho e principalmente conhecer uma garota nova.

malandro essa noite eu quero despirocar. a noite promete velho, vamos nessa!

eu gosto de voce Joao, porque voce tem um tipo de alegria inesgotĂĄvel sabe? ĂŠ claro... eu digo isso no sentido de nunca cair numas de melancolia e tal.

Voce acredita em DEUS?


em deus, eu nao acredito, mas rezo todas as noites.

Eduardo acercava-se de todas as possibilidades, enquanto eu só queria ficar louco bebento tudo quanto conseguisse. Essa foi minha última lembrança da noite. Depois eu acordei no sofá da minha casa às 14 h e 30 min do dia seguinte, de roupa e tudo.


A CIDADE Eu continuo por aqui; Observo os boeiros sujos, As bocas de lobo cancerosas, Os barracos são como doentes Que insistem em sobreviver, Quase sem sangue nas veias. As paredes esverdeadas e descascadas São como a própria existência nossa. Vejo-as como a pele de um septuagenário Que fica áspera com cada esperança perdida, Lágrima caída, passo dado... Só creio no que meus olhos vêem, No que meu corpo sente. Sentir na pele foi minha única maneira De aprender. Sou aquela parede que descasca, Aquela árvore debruçada sobre o muro, Sou como um poste brotando do concreto, Aquele bueiro que transborda Carregado de existência.


Eduardo Rosa Jo達o Pinheiro


Leveza Insustentável História e desenhos: Eduardo Rosa

“Nas mãos está minha cidade, minha lira E em minhas mãos está a pira E minha mãe ouve Corelli enquanto minhas mãos estão em chamas” - Gregory Corso

“Gasolina” Publicação independente de Eduardo Rosa e João Pinheiro. 1° edição - Julho de 2007. Os trabalhos não podem ser copiados, publicados ou distribuídos sem a autorização do autor. Rua Figueira da Barbária 277 A, CEP 03583-090 São Paulo/SP Tel. (11) 6742-6118 - Cel. 9407-8022<joaocpp@yahoo.com.br> <ossubterraneos.blogspot.com.br>


Eduardo Rosa


Penso em como a gente se torna o que a gente é, e pra quê tudo isso? Sinto que nesse caminho para o fim, sou apenas um homem, um homem particular, que deseja, que mente, que necessita de mais amor do que pode oferecer, que caminha e que se alimenta da vida. Ser incompreendido e melancólico não me deixa insatisfeito, pelo contrário me dá forças pra continuar existindo. Me sinto sozinho nesta cidade, e assim sendo, coloco nos bolsos meus desejos e continuo me movendo. Certo de que é o desejo que me move, me pergunto: Mas o desejo de quê? O desejo de existir entre outras coisas, é um deles. Existir não pra mim mesmo, mas para o outro. O desejo de sentir-se vivo e de que o outro veja em você, alguém. O desejo de dizer sim à vida e até as suas estranhezas, é o que me perfura, existir e ter vontade de viver de um jeito simples. As vezes tudo me parece estar de cabeça para baixo, não vejo nada de substancioso, e me sinto cada vez mais subversivo, por não me enquadrar no mundo de hoje. Não concordo com o tipo de homens, que se julgam elevados, por possuir uma espécie de moral que alcançou a vigência de domínio sobre o mais fraco. Por isso tenho a necessidade de propor para mim mesmo o desafio, o desafio de percorrer este mundo com um olhar mais niilista perante as coisas. Eu posso não saber direito o que desejo, mas tenho certeza do que eu não quero! É pelo desejo de existir, que lhes conto agora uma de minhas estórias.




Este sonho me persegue à dias, e quando acordo carrego a sensação de que morri. Ainda bem que a luz do dia me tráz de volta.

Mas mesmo assim me sinto triste. Por ter que continuar, esta rotina que me cansa.


Leveza Insustentรกvel


São oito e meia da manhã, tomo meu café, e saio. Porque não agüento ficar sozinho em casa.

Preciso procurar o que fazer, já faz um mês que não trabalho.

Também, não suportava mais aquele serviço.

E mesmo quando penso no que fiz, ainda não me arrependo, de ter pedido as contas!


Por sorte, encontrei o João. O único cara, que entende minhas aflições.

Talvez porque sejamos parecidos, ou amigos. Ou possivelmente, por estarmos na mesma situação.

Decidimos ir até o centro, pra conversarmos um pouco.


E aí João! Como você está, o que tem feito da vida?

Não muito, no trabalho sempre a mesma coisa! Você sabe, a gente precisa sobreviver.

Tirando isso, estou bem!

Esse é o João, meu amigo.

Ele sempre tentou levar sua vida, assim, de um jeito simples.

E isso me faz bem!


Sabe, estou tentando levar a vida de um jeito descomplicado, mas às vezes é díficil.

Edu, não fica pensando muito! Principalmente, em como resolver as coisas, um dia elas se ajeitam.


Entendo, mas é que eu ando sempre angustiado. Parece que tem sempre uma coisa inacabada.

É que a gente anda por aí. Procura fazer nossas coisas de um jeito honesto, mas nem sempre dá certo!

O importante é continuar tentando, não é?


É sim.Tenho certeza, porquê não tem outro jeito!

Outro dia estive pensando, em uma lista com dez coisas, que desejo fazer antes de morrer.

Dez coisas?

Isso, e eu não cheguei nem na metade ainda .

Edu, se você conseguir cinco ou seis destas coisas, sinta-se um homem realizado.


Pois ĂŠ, o pesadelo um dia acaba!


De cotovelos dobrados em cima da mesa de um bar. Vejo a sombra de um velho poste debruçar-se na carroça amarela. Sinto o cheiro do homem que come ao meu lado. E peço o mesmo fedor, pra comer. A chuva lá fora, começa. E não quer que eu volte ao trabalho. Tomo o café com gosto da cidade, e saio, com meus sapatos molhados. Está na hora! mas um dia enconttro a liberdade. Mesmo que ela venha de carroça. Que também carrega, as sombras da cidade.


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