Publica 20090524

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Pública

24.05.0

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Eduardo Serra O nosso homem nos filmes Harry Potter Entrevista de Anabela Mota Ribeiro

EUA Green matou no Iraque e pode ser o primeiro condenado à morte Bimby Ela mudou a nossa vida Mais Inquérito criado por MEC, Pedro Mexia e José Diogo Quintela



Editorial Não quero o Eremita

A

agferreira@publico.pt mvaza@publico.pt

FOTOGRAFIA DE CAPA CLARA AZEVEDO

Director

José Manuel Fernandes Editores

Ana Gomes Ferreira e Marco Vaza Produtora

Maria Antónia Ascensão Copydesk

Rita Pimenta Directora de Arte

Sónia Matos Designers

Ana Carvalho, Carla Noronha, Jorge Guimarães, Mariana Soares Email

publica@ publico.pt

Escreva-nos para Rua Viriato, 13 1069-315 Lisboa publica@publico.pt ou para os emails dos nossos jornalistas

Maya que me desculpe, mas não aceito a previsão dela. Acho que atingi o meu limite de semanas que podem correr mal. É que este ano foram quase todas. Se não era a carta que auspiciava uma semana turbulenta, eram os nervos que iam dar cabo de mim ou os problemas gastrointestinais. Se não eram as finanças a andar de rastos, eram os colegas que não iam entender os meus projectos. Se não era eu que ia fazer o meu amor sentirse abandonado, era o meu amor que me ia fazer sentir abandonada. A Maya não tem culpa de eu ter este signo. Esta semana calhou-me o Eremita. E o estupor do Eremita não quer facilitar os meus passos. Pelo que, esta semana, tenho de ser muito prudente, muito calma, respirar fundo perante as dificuldades. Vou esgotar as minhas energias a refrear-me, portanto. E ainda a previsão vai a meio. O plano afectivo é uma desgraça, o plano material é ainda pior — diz que posso ser obrigada a fazer uma pausa. Mal li a frase fiquei a tremer. Na actual conjuntura do país, que poderá significar “uma pausa”? Espero que sejam férias. Devem ser férias. Só podem ser férias. Até porque o Eremita diz que tenho de descansar, recompor as energias. Lamento, mas tirando a parte do descanso, não quero o Eremita. Quero uma semana enérgica e cheia de influências positivas. No plano afectivo, quero uma Bimby (toda a gente com quem falámos na reportagem que publicamos esta semana diz que, com a maquineta, tem mais tempo livre — isto quer dizer tudo: mais tempo para namorar, mais tempo para estar com os filhos, mais tempo para ir ao cinema, mais tempo...). Na vida material, quero outra vez energia e muitas influências positivas. E na saúde aceito as férias, mas quero deixar de usar óculos. Não sei qual é a carta que me pode dar isto. Talvez o Papa? a Ana Gomes Ferreira

Sumário 04 Porque sim

46 Manias

Famílias e doença mental Daniel Sampaio

A sua mala pode estar na Internet Joana Amaral Cardoso

06 É muito isto Apresentação Pública José Diogo Quintela

08 Aconteceu Mortos, demitidos e reunidos

10 A Pública recomenda Jazz em Paris e o poeta de Cacela-a-Velha

12 O mundo visto daqui Frases, números e o dress code

14 Entrevista Eduardo Serra, o nosso homem nos filmes Harry Potter Anabela Mota Ribeiro e Clara Azevedo

24 Bimby A máquina que mudou as nossas vidas Ana Rita Faria

30 EUA O soldado Green matou no Iraque e pode ser condenado à morte Rita Siza, Washington

34 Máquinas

Porquês Por que é que os homens perdem cabelo e ficam carecas? Joana Amaral Cardoso

49 Receita Hambúrgueres de cogumelos e mozzarella Mafalda Pinto Leite

50 O que eu sei sobre as mulheres Fernando Nobre, presidente da AMI Ana Sousa Dias e Nuno Ferreira Santos

52 Objectos As peças favoritas da actriz Alexandra Lencastre Mariana Guedes de Sousa e Hélder Olino

54 Famílias Arte: pintar e brincar como os romanos Maria Lopes

55 A mamã desleixada Lucy Sweeney

Os jogos virtuais podem acabar com as consolas Nicolau Ferreira

56 Tarot

39 A nuvem de calças

57 Coffee-break

Falar com as nossas vozes Rui Cardoso Martins

A amante oficial Bárbara Reis

40 Estilo

58 Inquérito

David Filipe Rodrigues, doutorando em Psicologia Social Mariana Guedes de Sousa e Luísa Ferreira

Jorge Silva Melo, encenador M.E.C., Mexia e Quintela

Boa semana para Caranguejo Maya

42 Shopping Biquínis e fatos-de-banho Maria Antónia Ascensão

ESTE SUPLEMENTO É PARTE INTEGRANTE DO PÚBLICO DO DIA 24/05/09 E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

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crónica porque sim

Famílias e doença mental Daniel Sampaio

A

É preciso dar voz a estas famílias, em vez de as ignorar, como infelizmente tantas vezes acontece nos nossos serviços de saúde

s famílias dos doentes psiquiátricos têm pouca força no nosso país. Ao contrário de outras afecções, em que os representantes dos pacientes são interlocutores do Governo e fazem ouvir a sua voz em muitas circunstâncias — como é o caso dos diabéticos e dos insuficientes renais, por exemplo —, na doença mental o silêncio predomina. Quem se interessa sobre o que pensam as famílias dos esquizofrénicos ou dos depressivos graves? E, no entanto, a sobrecarga familiar é significativa. As doenças mentais são muito frequentes, calcula-se que atingem cerca de 20 por cento da população e não é fácil lidar com o problema. Existe uma sobrecarga visível, que se traduz pelo absentismo, pelas rupturas familiares e pelo sofrimento que resulta do convívio quotidiano com uma pessoa com uma doença mental grave. Mas que dizer da sobrecarga invisível que afecta a vida daqueles que cuidam? Por exemplo, quando vemos um doente com esquizofrenia grave aparecer “com bom aspecto”, saberemos o esforço que os familiares tiveram de fazer para que ele se levante, cuide da sua higiene, tome o pequenoalmoço e utilize um transporte para chegar até nós? E estaremos conscientes dos complexos de sentimentos de culpa, vergonha e hostilidade que lhes inundam a consciência, motivados pelas dificuldades de convívio com os doentes e pelo estigma social que a doença mental continua a provocar? Já pensaram na angústia que sente uma mãe de um doente psiquiátrico grave perante o seu próprio envelhecimento, porque sabe que depois da sua morte ninguém cuidará do filho do mesmo modo? Por isso é urgente mudar. Começar por lutar diariamente contra a discriminação de que são alvo os doentes mentais, considerados muitas vezes preguiçosos ou desinteressados em melhorar. Para aqueles que conhecem o problema, é urgente que saiam dos seus gabinetes de consulta ou do silêncio das suas actividades e comecem por informar: as

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doenças mentais têm tratamento e a evolução da Psiquiatria nos últimos 30 anos deve deixarnos cheios de esperança! Depois, precisamos de ouvir essas famílias e estimular o seu convívio com outros agregados familiares com problemas semelhantes: o isolamento sempre piora a situação e, sobretudo, a troca de testemunhos leva à descoberta de soluções, porque todas as famílias têm competências que a interacção vai fazer descobrir. A seguir temos de lutar, junto de quem de direito, para que haja mais intervenções destinadas a estas famílias. Num primeiro nível, importa compreender que a informação, a referenciação para o local apropriado ou a educação sobre os aspectos principais da doença não é difícil de fazer e pode estar ao alcance de um técnico dos cuidados de saúde primários, não exigindo a intervenção da Saúde Mental. O que interessa é garantir à família o conhecimento mínimo sobre o problema e facilitar o acesso a um serviço especializado, se for o caso (em muitos casos, as pessoas não sabem onde se dirigir). Num nível mais diferenciado, é importante garantir para estas famílias a possibilidade de recuperação da sua capacidade de resolução de problemas, bem como a oportunidade para serem escutadas de forma activa, mobilizandoas para novas competências de reorganização das suas vidas: este objectivo requer a intervenção de um técnico de saúde com algum treino de trabalho com as famílias. O último nível é o da terapia familiar, a ser utilizado em determinadas situações, mas a que é fundamental recorrer quando necessário. Acima de tudo, é preciso dar voz a estas famílias, em vez de as ignorar, como infelizmente tantas vezes acontece nos nossos serviços de saúde. a Psiquiatra d.sampaio@netcabo.pt P.S. — A minha crónica sobre a homofobia de alguns psiquiatras portugueses teve muitos ecos. Ainda bem que há uma consciência crítica face a posições tão retrógradas, em médicos com responsabilidades.



crónica é muito isto

Apresentação Pública José Diogo Quintela

É

Preparavame para todas as semanas apresentar uma explicação para o 4.º segredo de Fátima. Mas depois percebi que era parvo e, pior, corria o risco de acertar

a primeira vez que tenho uma página só para mim. É angustiante. No P2, onde escrevi até à semana passada, estava bem protegido, entalado entre a coluna das citações e a imagem que ilustrava a efeméride daquele dia. Partilhava um T1 em papel de jornal. Passava bem despercebido. Quando alguém que me estava a ler começava a ficar entediado, os seus olhos podiam deslizar, sem esforço, para um dito espirituoso do dia anterior, normalmente sobre o estado lastimável do país. Davam uma risada com a argúcia da citação e esqueciam a crónica ao lado. Era mais reconfortante estar ali entre a coluna de citações e a imagem que ilustrava a efeméride daquele dia. Por outro lado, nunca se ouve alguém dizer “gosto imenso de ler o tipo que escreve aquela crónica entre a coluna das citações e a imagem que ilustra a efeméride!” Acabou-se o T1. Agora tenho um duplex em papel couché. É por isso que estou nervoso. Calculo que o leitor também esteja. “Que é isto, pá?”, pensou quando me viu aqui. “Quem é este tipo novo? É bem bonito e tem um ar interessante, ainda que algo altivo. Sensível e, ao mesmo tempo, masculino. Mas o que é que está aqui a fazer?”, desconfia o habitual leitor da Pública. E com razão. Estou um bocadinho às aranhas. O sítio é novo. A letra é nova. A cor é diferente. Ainda não conheço os cantos à página. Preciso de me familiarizar com o espaço. A melhor maneira de começar é dar-lhe um nome. Nomear é torná-lo nosso. Passar um bocado da minha personalidade para esta página. Como o nosso Presidente, quando escolheu “Mariani” para a casa de Verão. De Maria e Aníbal. O problema de a passar para a página é que a minha personalidade é fraca. Daí ter pensado em vários nomes. O primeiro de que gostei foi “O 4.º segredo”. Para uma crónica temática. Explico: eu tenho grandes desconfianças sobre o milagre de Fátima. Não acredito que Fátima tenha contado

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três segredos aos pastorinhos. Acho que Nossa Senhora contou um 4.º, mas só ao Jacinto. Queria mesmo que esse não se soubesse e é por isso que não o revelou às meninas, que, como meninas, iam logo fofocar. Preparava-me para todas as semanas apresentar uma explicação para o 4.º segredo. Mas depois percebi que era parvo e, pior, corria o risco de acertar. Depois pensei num nome retirado de um provérbio. Há muita gente a fazê-lo, de maneira que estive quase a escolher “Um olho no burro”. Não o fiz, por ser muito auto-referencial. Estou sempre a falar da minha visão. Outro reservatório de nomes para crónicas são os jogos de palavras. O melhor que surgiu foi “Obviamente, depilo-o!”, mas deixei cair. É muito político e isso afasta os leitores. Neste caso, os peludos. E “Grande espingarda” também foi rejeitado, pela falta de gosto do innuendo sexual, ainda que irónico. Cheguei a um impasse. É difícil baptizar uma crónica que não tem um objectivo definido, que não se propõe a nada. Uma crónica onde se vão abordar várias questões, nenhuma delas com propósito, mas todas com convicção. Posso não saber do que estou a falar, mas isso não me impede de o fazer. Abordo vários temas sem certezas, mas com assertividade. E gosto sempre de ter a última palavra. O que acaba por acontecer, porque ninguém está interessado em contrariar um parvo. Foi por isso que cheguei a este nome. “É muito isto”. Quando acabo uma crónica, presumo que já não haja nada a dizer sobre a temática. Que seja muito isto. A opinião definitiva. É a versão conversa de tasca do QED. Quando um matemático (ou qualquer outro tipo de inteligente) conclui uma dedução, acrescenta QED, a abreviatura da expressão latina que quer dizer “como ficou demonstrado”. Eu, que não pretendo demonstrar nada de intelectualmente complexo, mas que levo a sério a validade da minha argumentação sobre inanidades, uso EMI. É muito isto.

Humorista zdquintela@hotmail.com


Espinafres em folhas estaladiças com queijo fresco 5 pessoas fácil económico tempo 50 minutos 3 embalagens espinafres 250 g da Vitacress 200 g de queijo fresco cortado em cubos 100 g de manteiga 10 folhas de massa filo 1 dl de natas 1 pitada de noz-moscada sal e pimenta q.b. Coza os espinafres em água a ferver, temperada de sal durante 3 minutos. De seguida escorra os espinafres e deixe arrefecer. Aqueça o forno a 180ºc. Derreta a manteiga numa frigideira. Coloque os espinafres numa tigela e junte metade da manteiga derretida, o queijo, as natas e tempere de sal, pimenta e noz-moscada. Misture delicadamente. Pincele os dois lados das 5 folhas filo com o resto da manteiga derretida e coloque-as umas em cima das outras no tabuleiro do forno. Espalhe por cima a mistura dos espinafres e cubra-os com o resto das folhas também pinceladas com manteiga. Feche bem os bordos da massa e leve ao forno durante 30 minutos. Quando ficarem douradinhos, retire-os do forno e sirva-os acompanhados de uma salada Vitacress a gosto.

Receita elaborada por


aconteceu em 3 minutos revelaram Franco só tinha um testículo Um novo livro sobre Francisco Franco revela que o ditador espanhol só tinha um testículo — tal como Hitler. Na pesquisa para uma nova biografia de Franco, o historiador Jose Maria Zavala conversou com descendentes do urologista do generalíssimo, que confirmaram que este perdeu o testículo na sequência de um ferimento na batalha de El Biutz, perto de Ceuta, em 1916. Hitler também perdeu o seu testículo numa batalha e a primeira pergunta que fez foi: “Posso ter filhos?” Nunca teve, ao contrário de Franco, que teve uma filha.

morreram

Bénard da Costa tinha 74 anos

Bénard da Costa O director da Cinemateca Portuguesa, João Bénard da Costa, morreu de cancro aos 74 anos.Licenciado em Ciências HistóricoFilosóficas, foi um dos fundadores da revista O Tempo e o Modo, dirigiu o Sector de Cinema do Serviço de Belas-Artes da Fundação Gulbenkian. Dedicou-se à crítica e ao ensaio e foi cronista do PÚBLICO — a última crónica que escreveu data de 7 de Dezembro de 2008. Mario Benedetti O escritor uruguaio Mario Benedetti morreu em Montevideu, aos 88 anos, devido a problemas respiratórios e intestinais. Os seus livros relatam a vida da classe média do Uruguai. De pensamento (e activismo) de esquerda, Benedetti viveu no exílio durante a ditadura militar, entre 1973 e 1983. Alguns dos seus poemas foram musicados pelo espanhol Juan Manuel Serrat. Susanna Agnelli Susanna, a terceira dos sete irmãos Agnelli — Gianni, que era um ano mais velho do que Susanna, foi o homemforte da Fiat —, morreu na sequência de uma operação, aos 87 anos. Suni, como era conhecida, entrou muito jovem para a política e foi presidente de câmara, deputada, eurodeputada e ministra dos Negócios Estrangeiros (1996). Escreveu vários livros, o mais célebre uma autobiografia (em português qualquer coisa como Vestíamos Traje de Marinheiro) em que contou a rígida educação recebida pelos

instituições em todo o território da República da Irlanda.

Ao contrário de Hitler, Franco teve uma filha herdeiros da dinastia Agnelli. Wayman Tisdale Jogou basquetebol e, depois, tornou-se músico de jazz. Wayman Tisdale morreu aos 44 anos, de cancro nos ossos. Foi considerado um dos cinco melhores jogadores universitários em três épocas no Oklahoma, esteve nas olimpíadas de 1984 e, do campeonato universitário, passou para a NBA, onde jogou nos Sacramento Kings e nos Phoenix Suns. No jazz — tocava baixo —, editou 12 álbuns. Há anos que sofria de cancro nos ossos e em Agosto de 2008 tinha-lhe sido amputada uma perna.

suspenderam Professora falou em orgias Uma professora da Escola Básica 2,3 Sá Couto, de Espinho, foi suspensa e enfrenta um processo disciplinar por ter falado de orgias numa aula gravada por uma aluna. Duas encarregadas de educação queixaram-se da professora.

anunciaram Abusos sexuais na Irlanda Uma mega-investigação realizada em instituições geridas pelo Estado e pela Igreja deverá implicar “centenas de padres católicos” em abusos sexuais contra menores, anunciou o Mail online. Segundo este jornal, a Child Abuse Commission tem nas mãos provas recolhidas junto de mais de 2500 vítimas menores que foram abusadas sexualmente quando estavam em Brad e Angie acabaram com as especulações

Google procura insatisfeitos Conhecida como um dos melhores sítios para trabalhar em todo o mundo, a Google está preocupada com os funcionários insatisfeitos que se podem despedir e resolveu identificar o pessoal descontente e tentar antecipar eventuais demissões ou evitá-las. Recentemente, alguns funcionários de topo optaram por trocar de emprego, o que deixou a Google preocupada com a possibilidade de uma fuga de talentos. Alguns nomes importantes dentro da empresa têm preferido ir trabalhar para companhias mais pequenas e mais jovens, como o Facebook ou o Twitter.

demitiram-se Michael Martin O presidente da Câmara dos Comuns, uma das duas câmaras que constituem o Parlamento britânico, demitiu-se na sequência do escândalo sobre a utilização para fins privados de verbas públicas por parte de 18 deputados. A sua reacção ao caso tinha sido criticada — foi acusado de defender o “sistema e não a transparência”. Martin, que tem um passado de sindicalista, estava nos Comuns há 30 anos e desde 2000 que era speaker.

reuniram-se Brad e Angelina Há três meses que os fotógrafos não os viam juntos e circulavam notícias sobre uma possível separação. Mas Brad Pitt e Angelina Jolie reuniram-se em Cannes para jantar e acabar com as especulações. Tudo indica que o casal, que tem seis filhos, tem passado muito tempo separado mas devido ao trabalho de ambos. Angelina, por exemplo, tem estado em Haia a acompanhar o julgamento de Thomas Dylio (um senhor da guerra congolês), e está ocupada com o thriller Salt. Brad foi ajudar a promover o filme Inglorious Basterds. O casal deixou-se ver junto precisamente num almoço com o realizador deste filme, Quentin Tarantino, e o produtor da Miramax Harvey Weinstein.

Os leitores na Pública de Verão Envie-nos, até 13 de Junho, a fotografia das férias da sua vida e explique em 1000 caracteres por que razão foram tão boas. No dia 21 serão publicadas. Pública, Rua Viriato, 13, 1069-315, Lisboa; publica@ publico.pt



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agenda a pública recomenda

Jazz em Paris

Pop barroca

O poeta de Cacela

Uma cidade na montanha

A mística de Chico

Se for a Paris, não perca uma ida ao novo Museu do Quai Branly. Só o museu, assinado por Jean Nouvel, merece a visita. A razão imediata está numa extraordinária exposição sobre o jazz, de 1917 aos nossos dias, contada através da pintura, da fotografia, do cinema, da literatura e do grafismo. Na livraria do museu pode actualizar a sua discografia. Le Siècle du Jazz, Musée du Quai Branly, até 28 de Junho

Inglesa, de ascendência paquistanesa, a exótica Nastasha Khan — mais conhecida por Bat For Lashes — tem tudo para encantar. O novo álbum, Two Suns, vai-lhe granjear a merecida notoriedade. Faz uma intrigante pop barroca para voz de veludo com vestígios de orquestra de câmara e electrónica expressionista. Bat for Lashes, Two Suns, Echo, distribuição Universal

Cacela-a-Velha é um dos lugares onde o mundo mediterrâneo ainda se vê — e se deseja só pela beleza, como escreveu Sophia. No século X era Qastalla e aí nasceu Ibn Darraj. Agora, um livro conta essa Cacela e o seu poeta, incluindo uma antologia do que escreveu. Ibn Darraj al Qastalli, de Ahmed Tahiri, ed. Câmara de Vila Real de Santo António

Algures no Colorado, há uma cidade onde os passarinhos voam, onde há um cientista louco igual a Marlon Brando, onde uma criança morre em todos os episódios. Bem-vindos a South Park, onde nenhum tema é demasiado controverso, uma realidade alternativa em que Barack Obama é um ladrão de jóias. Os 188 episódios estão disponíveis online à borla. É no site oficial: www.southpar kstudios.com

Quem correu a ver Gota d’Água não perca, em disco, a reedição com faixas extra da obra-prima de Chico Buarque e Edu Lobo para ballet. Gravada em 1983, tem canções inesquecíveis como Beatriz ou A história de Lily Braum e vozes como as de Milton, Gal, Gil, Simone ou Zizi Possi. O Grande Circo Místico Chico Buarque & Outros, Biscoito Fino, distribuição JBJ

a não perder

Limites à Internet Aumentam os sinais (julgamento PirateBay, lei francesa Hanopi, directivas europeias) de que a discussão sobre o limite do acesso à Net veio para ficar. A filosofia da Rede é baseada na partilha cultural. Quem cria quer ser retribuído, mas há uma realidade nova, que exige adaptação. De contrário, a Internet deixará de servir como descoberta de talentos! Vítor Belanciano

próximos dias Gamaka Este espectáculo de kuchipudi, dança com origem no séc. XV, encerra o ciclo de dança indiana do CCB. Em palco, quatro músicos e a bailarina Shantala Shivalingappa. Hoje, 24 de Maio, às 17h, CCB — Sala Eduardo Prado Coelho Praça do Império, Lisboa Tel. 21 361 2444 Boris Godunov Uma montagem do grupo catalão La Fura dels Baus a partir de textos de Pushkin, Vladimir Putin e de separatistas tchetchenos. A pergunta subjacente anda à volta disto: há tragédia no terrorismo ou só terror? 5.ª e 6.ª feira, 28 e 29 de Maio, às 21h30, Coliseu do Porto Rua Passos Manuel, 137 Tel. 22 339 4940

Pinocchio O ponto de partida para esta exposição foi o rosto e as suas máscaras. O fotógrafo Jorge Molder usa o seu próprio corpo para construir mais uma ficção. Até 10 de Julho, entrada gratuita Espaço Fidelidade Mundial Chiado, Largo do Chiado, 8, Lisboa

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Here and Know O melhor dos anos de 1980 com as actuações de Rick Astley, Kim Wilde, Belinda Carlisle, ABC, Nik Kershaw e Curiosity Killed the Cat. 6.ª feira, 29 de Maio, às 21h, Pavilhão Atlântico Parque das Nações, Lisboa Tel. 21 891 8409



o mundo visto daqui dress code

palavras Maisena Não se trata de uma gralha. Maisena, com “s”, é uma substância farinácea constituída por amido de milho (do ameríndio mahis, “milho”). A marca Maizena é que se escreve com “z” (do inglês, maize) e foi registada em 1850 pela multinacional Unilever. De cor branca, esta farinha não tem glúten e pode ser usada na alimentação das crianças. Serve para engrossar muitos tipos de molhos. E alguns discursos. Rita Pimenta

Descontraído

Quente

Cúmplices

Rock&Roll

Pedro Almodóvar nunca será um velho gaiteiro com roupas esquisitas para parecer jovem. O seu filme em Cannes foi Los Abrazos Rotos.

Para a sua estreia em Cannes, Eva Longoria escolheu um vestido em organza e seda Versace Atelier. Elegante e sexy.

A entrada de Sophie Marceau e Monica Belluci na estreia do thriller francês Ne te retourne pas, em que uma toma posse do corpo da outra. Em Cannes, andaram de mão dada, criando um clima ambíguo que já começara com a capa da Paris- Match (apareceram nuas e abraçadas).

A roupa de Charlotte Gainsbourg (37 anos) em Cannes (protagoniza Eden) está in entre as adolescentes francesas.

frases Saber dar beijos faz mais falta do que ter telemóvel. Margarida Rebelo Pinto Sol, 16/5 Desejar um Bloco Central é como ser do Benfica e do Sporting. Ricardo Araújo Pereira Visão, 14/5 Vou ser paneleiro. Jim Carrey Público, 20/5

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Felicidade é abrir os jornais e não falarem de nós José Sócrates Notícias Magazine, 17/5

Meu, estes gajos islamistas querem cortar-me as mãos. Abshir Boyah (pirata somali) Time, 25/5 Esta vitória chegou no momento certo. Vai calar algumas pessoas. Roger Federer (vencedor do Open de Madrid) El País, 18/5

números

18 anos é a idade do carro do criador da Ikea, Ingvar Kamprad

6000 é o número de efectivos mobilizados para a operação Bravo de combate aos incêndios de Verão

460 mil homens do Botswana vão ser circuncidados por decisão do Governo para combater a sida



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Eduardo Serra Fazer Harry Potter é como ter um Ferrari por três meses O que faz um director de fotografia? Interpreta um texto com a luz. Produz sentido com imagens. Está no lote dos melhores do mundo. No começo, ele era um menino triste do bairro da Picheleira. Hoje está a rodar os dois últimos filmes da saga Harry Potter. Texto Anabela Mota Ribeiro Fotografia Clara Azevedo

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le é aquele com quem Helena Bonham Carter pratica o francês, quando estão a filmar. É o escolhido por Kevin Spacey para o seu segundo filme como realizador, Beyond the Sea (Bobby Darin — O Amor é Eterno). O que ri com as piadas de Robin Williams. O que deixa o telemóvel à entrada da festa da Demi Moore, como todos (“No pictures, please!”). É aquele que tem um relógio em cujo verso se pode ler: “Com admiração e gratidão, M. Night Shyamalan.” O que filma o par romântico Juliette BinocheEmir Kusturica no pólo norte (La veuve de SaintPierre). É o único português duas vezes nomeado para o Óscar. A primeira com As Asas do Amor, no ano em que tudo foi ganho por Titanic. A segunda com Rapariga com Brinco de Pérola (quando fez uma luz tão mágica quanto a de Vermeer e colou o rosto de Scarlett Johansson ao da rapariga do quadro do mestre holandês). Ele é também o que todos os anos faz um Chabrol e um Leconte com o conforto de quem está em casa — os franceses consideram-no um dos seus. E é aquele que filma em Lisboa, sobretudo, pelo prazer de ver a luz de Lisboa. O seu primeiro filme, enquanto director de fotografia, foi, justamente, o de um português: Sem Sombra de Pecado, de José Fonseca e Costa. Estava-se em 1982. Gostou tanto do que fez — ainda hoje o considera um dos seus melhores trabalhos — que organizou um visionamento em Paris, para o qual convidou todas as pessoas que conhecia; também apareceram outras que não conhecia. Nunca mais parou. Quis ser realizador. Mas a escola que o admitiu, a École Nationale de Photographie et Cinématographie, “em princípio é feita para directores de fotografia e engenheiros de som”. Foi director de fotografia. Eduardo Serra nasceu em Lisboa em 1943. É casado e tem um filho. Foi pai depois dos 50 anos. Em 2004, Jorge Sampaio atribui-lhe a Ordem do Infante Dom Henrique, por serviços prestados à cultura portuguesa. Quando saiu de Portugal, contou um dia, a ponte ainda não existia. A ponte era a 25 de Abril, na altura Ponte Salazar. Foi há muito tempo, portanto. Saiu para Paris, e Paris é a base. Mas, cada vez mais, a sua casa é o mundo. Nos próximos dois anos, vive em Londres para trabalhar nos dois últimos filmes da saga Harry Potter, Harry Potter e os Talismãs da Morte. Podemos começar pela sua obsessão com o tema da memória ou pela descrição que fez da Scarlett Johansson. O que é que eu disse? Não me lembro! Disse que era redondinha, pequenina, com um beiço saído e a pele translúcida! Provavelmente, só um artista notaria que a pele é translúcida. Uma pele translúcida é uma extraordinária matéria-prima. A relação luz-pele é fundamental para o meu trabalho. Entramos já na zona da fotogenia? A fotogenia é uma parte daquela coisa impossível de definir e que se resume nisto: ter 50 pessoas no campo de imagem, e toda a gente ver uma, e não ver as outras 49. Os americanos dizem: “The camera loves her.” Pode ser a intensidade do olhar, a cor da pe16 • 24 Maio 2009 • Pública

le, a maneira como se está? A primeira vez que me falou de fotogenia foi a propósito da Isabelle Adjani. Ficou-me para sempre. Deve ter sido em 1970, em Faustine et le bel été. Era um filme bonito, um look David Hamilton, mas vestido. Havia um coro de meninas, umas seis ou sete, vestidas de branco, com rendas. Visionávamos os rushes e comentávamos entre nós: “Já viste?, aquela está-se sempre a ver.” Num ecrã cheio de gente, era a primeira coisa que se via! Era a Isabelle Adjani. A Scarlett Johansson é, sobretudo, voluptuosa. Não fez um comentário lúbrico..., que era o que milhões de pessoas fariam. É raro um director de fotografia ter um filme sobre um rosto, uma imagem — aquele quadro do Vermeer. Se ela não tivesse uma pele tão transparente, o filme podia não ter ficado tão bem. As outras coisas não eram essenciais para mim. A Scarlett era muito nova, tinha 17 ou 18 anos. Só uma vez, num jantar, apareceu como a conhecemos hoje: com um decote, maquilhada. A maior parte das vezes, vi-a já no set ou como se fosse fazer jogging. Entra por uma porta isso e sai por outra uma vedeta! As pessoas têm Rapariga com Brinco de Pérola muito presente. A partir dele, pode explicar o que faz? É presunçoso dizê-lo, mas o que tento é criar sentido com as imagens. É importante compreender quais são os elementos dramáticos. O que vou iluminar, as imagens que vou criar (sobre o trabalho de outros) devem levar o público a entender o argumento. Não me interessa fazer uma coisa que seja bonita. Posso fazer uma coisa austera, feia, se me parece que é necessário. De um modo subtil, não manifesto. Dando intensidade? Provocando um sentimento, com o efeito da luz? Sim. E que seja o sentimento certo. O que é que leio no argumento? E como é que eu posso traduzir isso, apoiar isso, explicar isso? Como se interpretasse um texto com a luz? É uma boa definição. Para fazer o filme, foi ver os quadros do Vermeer, um a um. Fui. Evidentemente já os conhecia. O que me interessava era ver aquela camada de transparência que há nos quadros do Vermeer. A reprodução, quando é boa, anda lá muito perto; mas há uma parte que é própria da matéria, e isso não vem nos livros. Queria ter um contacto físico com o objecto. Na edição em DVD perdeu-se uma coisa que fiz: um efeito amarelo no epílogo. Um efeito amarelo? O verniz, nos quadros, vive melhor ou pior, e às vezes amarelece. Na película, dei esse efeito do tempo que passou, do verniz que muda de cor… É uma brincadeira! Só você sabe que está lá. Mas, quando é possível, é a minha marca. O quadro: uma coisa que eu não sabia e que praticamente ninguém sabe sem ver o original. O brinco não é uma pérola. É um brinco de metal, uma bola metálica. E o brilho é o reflexo da

janela. Não há pérola nenhuma. Isto é importante por convocar a sua relação com a pintura e a sua formação. Depois de estudar Cinema, foi para a Sorbonne estudar Arqueologia e História de Arte. A minha formação foi caótica. Comecei pela Matemática. Não era a minha vocação, mas não era uma coisa que odiasse — pelo contrário. Até reunir o que era importante para mim, levou um certo tempo. Matriculou-se em Engenharia por causa do interesse pela Matemática? Não. Não foi uma escolha racional... Temos de ir mais atrás. Quem é de Lisboa sabe que na Alameda Afonso Henriques há, de um lado, o Instituto Superior Técnico, e, do outro, a Fonte Luminosa. Depois da Fonte Luminosa, há um bairro criado no fim dos anos 30: a Picheleira. Foi aí que nasci, que vivi, de pais muito modestos. Há esta imagem: quando se chega da Picheleira à Alameda, desce-se a Fonte Luminosa, e depois sobe-se para uma coisa imensa, um shangri-la! O Técnico. Era o símbolo da ascensão social. Nunca me tinha contado isso. Não? Era simbólico. Era para ali que eu devia ir. E Engenharia era lá. Ver o Técnico ao fundo e querer fazer parte desse mundo: tem memória disso desde quando? Desde sempre. Quando entrei para o Técnico, já tinha as maiores dúvidas de que isso fosse a minha vida. Tentei. Andei lá três anos. No primeiro ano, não correu muito bem; só fiz uma cadeira. Já estava mergulhado nos cine-clubes. No segundo, foi a crise académica de 62. E no terceiro, não fiz nada, já só estava lá. Estava lá? O que predominava era um desejo de pertença e integração? Eu era outra pessoa. Era um facto que o que me interessava, já, era o cinema, e não a Engenharia. Mas, a par disso, havia a questão política. Que, para mim, não era um prazer. Era um dever. Muita gente tinha uma certa exaltação nas manifestações, nas discussões. Eu nunca tive. A participação nas lutas académicas e políticas não me excitava. Mas, como se sabe, não havia escolhas quanto a partidos. Era ou tudo ou nada. Era-se de esquerda ou era-se fascista. Era-se comunista ou era-se fascista. Quem é que o levou para o PC? Tinha uns conhecimentos, dos cine-clubes, do Diário de Lisboa Juvenil, da associação de estudantes. Cada vez se fica mais ligado. Não vimos do nada. Ao fim de meses ou anos de participação, vem uma proposta. Mas nunca fui um bom militante. Só mergulhei na política porque me parecia indispensável. Ensombrava-o o fantasma da guerra colonial? Sim. A minha célula caiu quatro ou cinco meses depois de eu sair. Foram presos todos os outros. A PIDE não estava interessada em prender gente como eu — de base, o peixe pequeno. Só quando a base da pirâmide os levasse a um líder do Comité Central. Não me admirava nada


que estivesse queimado. Evidentemente estávamos queimados. Oficialmente, eu só conhecia cinco pessoas que sabia que eram membros. Sempre calculei que muitos outros fossem, mas não era permitido fazer perguntas. O problema era: quando fôssemos presos, o que é que acontecia? Até onde resistimos? Quando é que soçobramos e falamos? Fico contente por não ter de saber como é que me teria comportado. No seu grupo, sobressaiu? Hoje, sobressai porque é extraordinário no que faz, mas, ao mesmo tempo, é o elemento mais discreto no plateau. Não tenta captar a atenção do Leonardo Di Caprio quando filma com ele. Há um ditado francês que diz: não se podem mudar as riscas da zebra. Eu sou assim. É vital ter o meu espaço. Todas as pessoas têm a sua zona intransponível. A minha é talvez maior do que a média. Mas não tenho problemas relacionais e não sofro com isto. É de nascença: não sou capaz de ir bater à porta de uma pessoa para falar com ela.

Se ela [Scarlett Johansson] não tivesse uma pele tão transparente, o filme podia não ter ficado tão bem. As outras coisas não eram essenciais para mim

Não tinham filhos? Não. Fui um filho adoptivo. E ao domingos íamos os cinco passear. O meu padrinho tinha um carro lindíssimo, um Riley. Os dois homens eram malucos pelo futebol, as mulheres seguiam, e eu também me interessava. Até a Coimbra íamos ver jogos de futebol. Era ir, almoçar, ver o jogo e voltar.

Com a Scarlett Johansson, como foi? Falámos. Ela falava mais.

Contou-me que a Kate Winslet, com quem filmou, e o Sam Mendes, com quem quase filmou, foram ao estúdio do Harry Potter. Estava contente com o reconhecimento profissional e a afectividade dela. São casos particulares. Com a Kate, trabalhei num dos filmes mais importantes para mim [Jude, 1996]. Fico contente que ela não tenha apagado esse filme. Ela é muito..., como é que se diz?, não é extemporânea; é expansiva. Faltam-lhe as palavras em português porque está cansado? Se calhar. É mais difícil saltitar entre as três línguas. Vai fazer 66 anos em Outubro. Sente que está a envelhecer? Capaz disso. Mas o cinema conserva. Quando o vi, depois da morte da sua mãe, pareceu-me acentuadamente mais velho.

A sua mãe foi a pessoa que mais o fez? É certo que o seu pai morreu cedo e que a marca da sua mãe é mais prolongada. A última vez que vi o meu pai foi quando me fui embora, em 63. A minha mãe vinha a Paris, mas ele não podia. O objectivo da vida deles foi passar-me para uma secção superior. Não faziam despesas, não tinham mais filhos. Tudo para eu fazer estudos superiores. O que me isolava de todos os rapazes do bairro. Os meus pais não me deixavam brincar na rua. Não queriam que fosse um gandulo? — que era a expressão que se usava. Não queriam que eu me perdesse. Era um bairro de pobres. Os meus pais eram muito pobres de origem, mas quando nasci já viviam melhor. Tanto um como outro trabalharam muito. É uma coisa linear: como é que se arranja dinheiro para viver decentemente? Trabalhando mais e melhor do que os outros. Tinha também uns padrinhos que ajudavam, não financeira mas materialmente. Toda a minha vida, até ir embora para Paris, almocei nos dias de semana em casa dos meus padrinhos, na Praça do Chile.

Quer dizer que quando você e o Di Caprio falaram na rodagem de Blood Diamond — Diamante de Sangue [2006], foi ele que falou consigo? Estávamos em conjunto, falámos. Já tinham passado uns meses desde o arranque da filmagem. Calhou termos uma conversa. Ele também fala pouco. Entre um plano e outro, ficava sozinho, pedia para ver o que tinha feito. Ele e eu podíamos ficar muito tempo, lado a lado, sem falar.

Falavam do seu trabalho sobre o rosto dela? O ano passado, já consagrada, convidou-o para fazer a fotografia de uma curta-metragem que realizou (ainda que a proposta não se tenha concretizado). No caso dela, havia a mãe, que é produtora. Como estava sempre por perto, falávamos muito. Estava por perto para proteger a imagem e os interesses da Scarlett. Mas não interferia.

Ou então, era tristeza. Não tenho essa percepção. Não que dizer que não seja pertinente. É sempre difícil, mas nos últimos dois anos de vida dela estávamos à espera que acontecesse. Para ela, foi uma libertação.

Conversavam? Perguntavam-lhe coisas? Ou as crianças eram “a catraiada” — como há pouco recordava? Eu era o reizinho. Filho único, com dois pais e dois padrinhos, não passava despercebido! Scarlett Johansson foi a Rapariga com Brinco de Pérola, mas, no quadro de Vermeer, o brinco não é uma pérola, é uma bola de metal

Como é que era tratado? Eduardo. Os meus padrinhos chamavam-me Eduardito. Ainda que tudo fosse em função do Eduardo, não lhe eram permitidas coisas de que gostava muito. Iam ao futebol até Coimbra, mas não o deixavam jogar futebol na rua. Um dia consegui ir um bocadinho. Ainda me lembro desse dia! Já não me lembro porque tive direito a isso. Os “rapazes da rua” era uma imagem terrível, a evitar a todo o preço. Foi a única vez que jogou futebol? Acho que sim. Ia sempre à ginástica na sede do Sporting. Porque era mais fino? Era por isso que o deixavam ir? Levavam-me! Quase de rastos. Mas, como se dizia, o menino não tem quereres. Aos três anos, dado o meu volume, acharam que eu precisava de fazer ginástica. Até ao terceiro ano do liceu, o meu pai levava-me, três vezes por semana. E ficava a ver. c Pública • 24 Maio 2009 • 17



A fotogenia é uma parte daquela coisa impossível de definir e que se resume nisto: ter 50 pessoas no campo de imagem, e toda a gente ver uma e não as outras 49


capa Por que é que menciona o facto de o seu pai ficar a ver? Porque era o único! Coisa que me embaraçava bastante. Depois dizia-me que não tinha feito bem, que não tinha vontade nenhuma de fazer aquilo… Tinham medo que eu chegasse atrasado, tinham medo que eu fosse sozinho… Uma flor de estufa. Completamente. Essas cenas, essas cenas do Sporting… Teve uma infância triste? Francamente triste. Completamente fechado. Dê-me uma recordação boa da sua infância. [pausa] Procuro, procuro... [nova pausa] Háde haver. Ah, quando era muito pequeno: no Natal levaram-me pela mão para outra sala, abriu-se a luz, e estava lá um comboio a andar. Tinha três, quatro anos. E também havia as idas ao cinema. A minha madrinha levava-me ao São Luiz. Tinha um combate dentro de si entre o amor pelos seus pais e pelos padrinhos? Não. Estava bem definido, regulado. Entendiam-se bem. A minha madrinha não podia ter filhos. Conhecia a minha mãe da praça; era cliente. Tudo se passava naquele quarteirão. O meu pai e a minha mãe vendiam no mercado de Arroios e os padrinhos eram comerciantes. Era um furo social acima. Era diferente ter uma loja ou vender carne e peixe no mercado. Sim. Eles tinham automóvel, a vidraria na esquina. O meu padrinho era um republicano feroz. Numa tentativa de derrubar a República, lá foi, como voluntário, para o combate. Era maçon. Mostrou-me uma vez o aventalzinho. Era anticlerical e anti-Salazar. Personagem estranho. Tinha piada. Todos os dias tinha em casa o Diário Notícias e semanalmente a Vida Mundial. A sua mania dos jornais vem daí? É capaz de fazer desvios consideráveis para comprar jornais. Aqui em Londres, todos os dias faço um desvio para comprar o Guardian, o Libération e o Le Monde. O PÚBLICO já não encontro no estrangeiro, mas tenho assinatura online. Em minha casa, o meu pai tinha o Diário de Notícias ao domingo. Eles matavam-se a trabalhar. Levantavam-se às cinco da manhã — a minha mãe, mais tarde. Para o vestir e mandar para a escola? Sim. Fiz a primária numa escola privada, em frente do cinema Império. Como nasci a 2 de Outubro, obrigavam-me a começar um ano mais tarde. O truque foi fazer a primeira classe em casa dos padrinhos. Fi-la sozinho. A professora era a menina Carlota. Depois, entrei para essa escola, directamente para a segunda classe. Os outros meninos da escola privada tinham mais dinheiro?

[Porquê Harry Potter?] Porque era irresistível. (...) Porque não queria ficar com o epíteto do director de fotografia que só brilha em filmes de época

Estamos sempre a falar de ascensão social, dessa mola. Sim, tinham mais dinheiro. Mas havia alguma mistura. As duas irmãs, proprietárias, instalavam uma igualdade. E pronto, levavam-me a pé, Alameda para baixo e para cima. No terceiro ano, já andava mais à solta, ia sozinho para o Liceu Camões. Nunca me rebelei. Nunca apanhei bebedeiras. Quando comecei a sair, foi para as coisas políticas e por via do cinema. A Maria Teresa Horta lembrava-me que eu era da direcção, mas que não podia ser porque não tinha idade para isso. Tenho de ver, na minha papelada, quando foi isso. Depois das cartas que trocava com o Adelino Amaro da Costa? Que cartas eram essas? Estava mergulhado na leitura. Líamos um livro por dia durante as férias e comunicávamos por carta, trocávamos opiniões. Uma carta por dia. Os meus pais não me deixavam ler durante o período escolar. Tinha direito a algumas coisas, ao Cavaleiro Andante, ao sábado… Já era imprensa, de certo modo. O resto lia nas férias. Devo ter começado aos 12, 13 anos a ler coisas sérias. E li tudo. A primeira foi a famosa colecção do [Emilio] Salgari. O Prado Coelho também era cliente disso. Por que é que fala nisso? Falou numa crónica no Sandokan. Pouco depois encontrei-o na [livraria] Barata e falámos; fiquei contente de não ser o único. Antes do quinto ano, li todos os Livros do Brasil. O [Cesare] Pavese, que me marcou, deve ter sido pelo quarto ano. Todos os livros desse tempo estão agora do corredor da minha casa de Lisboa. Cartas de amor, escreveu? Além das cartas em que expunha o que pensava dos livros, era capaz de expressar os seus sentimentos? Tudo o que expressava era do domínio do racional. É preciso lembrar que nada era misto; só no sexto e sétimo ano uma dezena de raparigas tiveram uma sala especial no primeiro andar. Quando é que comecei a ver raparigas de perto? Muito tarde. Ah, tive uma paixão por uma sobrinha dos meus padrinhos. Ela vinha como explicadora. E era muito mais velha, claro. Comecei a ver raparigas nos cine-clubes e nas acções políticas. Teria 13, 14 anos. Ainda fala como um tímido que leu muito. Para dentro. Como se as palavras ficassem dentro de si. Diziam-me isso: que eu falava para dentro. Em casa, coisa assim. Foi, se não uma perseguição, uma insistência. Por que é que nunca conseguiu falar para fora? Que é também uma manifestação de confiança em si mesmo. Se calhar levei muito tempo a… como é que disse? Confiança em mim mesmo? Não tinha. A pouco e pouco, acabei por ter, em certas coisas. Conquistei terreno após terreno. Tem as cartas trocadas com Amaro da Costa. Já nessa altura guardava tudo. Ah, sim! Tenho uma colecção dos comunicados do dia da crise académica de 62. As folhas dos cine-clubes. Cadernos da infância praticamente não tenho. Os meus pais tiveram c

Harry Potter e os Talismãs da Morte: um livro, dois filmes



capa

a excelente ideia de me obrigar a escrever um diário! Tinha medo que vissem e limitava-me a fazer um relatório do dia. Nunca exprimi nada de pessoal. Desistiram. Desde pequeno tem um mundo próprio, onde ninguém entra. Era uma maneira de escapar ao controlo? Sim. Tenho uma grande capacidade de resistência passiva. Aprendi-a aí. Ou por natureza, não sei. Ou seja, faz o que lhe mandam, mas na verdade faz o que quer. É isso. Guardar? Sempre! Lembro-me da minha mãe a rasgar-me coisas. Do liceu, da escola. Por vontade dela, deitava-se tudo fora. A casa era pequenina, pequeníssima.

[Os meus olhos eram] castanhos. Agora são entre o verde e o cinzento, o verde e o castanho

Quando está entre filmes, ou em dias de folga, está invariavelmente a arrumar coisas. É uma tarefa ciclópica, e sem fim. 22 • 24 Maio 2009 • Pública

Em 1962, passou o Agosto em Paris, antes de se mudar no ano seguinte. Nesse mês viu quantos filmes? Na minha memória eram 103, mas tenho a lista e não coincide. São 80 e tal. Onde eu queria chegar era ao registo disso. Tenho a lista dos filmes que vi e o guia semanal com a programação. Não guardei os bilhetes. Não sou capaz de deitar fora um livro. Parece-me uma coisa odienta — odienta?, odiosa? Preciso de tempo para perceber se as coisas me interessam ou não.

Acumular e catalogar são traços fundamentais em si. Como se tivesse de existir uma prova material de tudo. Não sinto isso como uma coisa ilógica. É como na arqueologia: não se deita nada fora, fazemse escavações. É poder ir, reconstituir tudo. Está integrado, faz parte, existiu. Não gosto de apagar as coisas. E a memória apaga. A memória apaga-se? Ela apaga. A ausência das memórias é um dos mitos da memória. Gosto de saber ao certo. Saber como eram as pessoas, como era a relação, o que fiz, o que não fiz.

[risos] Estou sempre atrasado em relação a isso. Tenho sempre fotografias para digitalizar, filmes para passar de um suporte para outro, cartas para catalogar. Faz-me estar ocupado. Não sei se é possível existir de outra maneira. Há sempre tanta coisa para fazer... Tenho dificuldade em não me interessar. Há pouca coisa que não me interesse.

A pergunta do leitor

Essa lista dos filmes vistos em Paris: guarda para, mais tarde, saber o impacto que lhe causaram?, que pessoa era então? A lista é uma curiosidade. Fui a Paris ver cinema; foi por causa desse mês que mudei a minha vida. Passei pela lista há pouco tempo. É curioso ver o que se podia ver em Paris nessa altura. Como se guardam “traços” de passaportes e viagens.

Vou entrevistar o actor António Feio. Que pergunta gostaria de lhe fazer? Será escolhida uma entre as recebidas. anabela.mota.ribeiro@publico.pt

Por traços quer dizer vestígios? Sim. Tenho um calendário, de há 20, 30 anos, que me diz onde é que eu estava naquele dia. É útil, para não estar perdido nas coisas.


Há nisso uma pulsão narcísica? Está à espera que alguém possa reconstituir o seu caminho a partir dos vestígios que deixa? Não! É-me indiferente. Quando acabar, acabou. A minha tendência seria a contrária: a de apagar tudo. [pausa] Também seria excessivo apagar tudo. Mas não é por isso. É uma obsessão por saber o que fiz, o que poderia ter feito. Depois há as coisas em relação às quais tenho afecto — é uma segunda categoria. E há as que acumulo porque ainda não tive tempo de as ler — terceira categoria. Quando fotografou e filmou a casa da sua mãe depois da morte dela, era um desejo de cristalizar aquilo? Annie Leibovitz fotografou Susan Sontag no leito da morte. São apenas auxiliares de memórias. De coisas que viveram comigo, gosto de ter registo. Esse gesto, fotografar as gavetas, ver o que estava nelas, resulta também de a máquina fotográfica fazer uma intermediação? Parece-me evidente que tinha de fazer isso. Não o fazer, deixar as coisas desaparecerem? É o momento em que qualquer coisa acabou. O sítio onde nasci. Deixá-lo sem nenhuma confirmação?, sabendo que tudo na memória é apagado e transformado? Não. Não sei se conseguiria fazê-lo antes [da morte da minha mãe]. Voltemos ao cinema. Como começou a trabalhar? Tive a sorte de a minha classe ser excepcional. Como nos vinhos, que têm anos excepcionais. Um tem um Óscar e outra tem uma nomeação. Alguns alunos começaram rapidamente a trabalhar. Comecei substituindo alguns deles, ou recomendado por outros. Comecei como segundo assistente, depois primeiro assistente… O normal. Até trabalhar, vivia da mesada dos meus pais. Como é que foi para Paris? Tinha a sorte de ter um passaporte — talvez da ida em Agosto no ano anterior —, ao contrário de muitos outros, que foram a salto. Fui por Madrid, para não dar nas vistas. Saí com bilhete de avião, ida e volta. De Madrid fui para Paris. Estava documentado, matriculei-me sem dificuldade e fiquei em Paris, legalmente. No primeiro ano em Paris, perdeu 30 kg. E há o dado poético de os seus olhos terem mudado de cor… [risos] Ter perdido 30 kg mudou a minha vida. Eu não nadava, não andava de bicicleta, não ia a bailes, não fazia nada que fosse físico. Passei à normalidade — e foi exactamente assim que o senti. Em miúdo, tinha as humilhações de ser “o gordo”. Passei a comer no restaurante universitário. Fui emagrecendo. De que cor eram os seus olhos? Castanhos. Desde essa altura são entre o verde e o cinzento, o verde e o castanho. E têm aquele círculo branco, típico de quem tem colesterol. Ora, eu não tinha, e praticamente não tenho, colesterol. A sua formação foi muito completa. Mas o que é que fez de si o grande director de fotografia que é hoje?

Trabalhei com operadores clássicos e bons. Fui assistente de um colega de escola e, fora do plateau, quando voltávamos a casa, falávamos muito do que ele tinha feito. Outro, de quem fui assistente muito tempo, era muito original e fazia coisas arriscadas; também falava muito com ele. Foram uns 30 filmes enquanto assistente, ao longo de dez anos. Aprendi muito.

Como explicar? Se eu tivesse uma paixão por automóveis e alguém me propusesse um Ferrari por três meses, não ia dizer que não.

Quando passa a director de fotografia, procura criar uma marca que seja sua. Como? Quando estava a preparar um dos meus primeiros filmes, a Hélène [a mulher] foi muito importante. Os directores de fotografia modernos tinham tendência a desprezar a fotogenia. O importante era o ambiente. Tratar da cara dos actores e das actrizes, pôr tudo bonito, sem pregas nem rugas, era degradante!, era uma coisa americana, insuportável. A Hélène diziame que isso era um grande disparate!, que era preciso trabalhar os rostos como os espaços. Algumas pessoas com quem tinha trabalhado faziam de propósito para a imagem não parecer bonita...

Quando fez o Blood Diamond, que era um filme orçamentado em 120 milhões de dólares, foi preciso fazer uma estrada para filmar de determinado ângulo, e fez-se a estrada. Ah, não tem nada a ver! É muito mais do que isso! É outro nível, outra escala. Da qualidade técnica à loucura artística. É um trabalho em que todos os materiais, todas as competências, estão disponíveis. Tudo se experimenta e tudo se faz. Por exemplo, chego lá de manhã e tenho uma sala de cinema para corrigir imediatamente os rushes que vão ser vistos na hora de almoço.

Uma vez, disse-me que a fotografia do Morte em Veneza do Visconti era horrível, que era tudo “uma grande borra”! A fotografia é péssima, caras, ambientes, tudo! [risos] A Hélène convenceu-me. Como é lógico comigo, fui a correr à livraria e regressei com cinco livros sobre o assunto. Comecei a analisar como é que se iluminavam os rostos. Com o material que temos actualmente, é fácil fazer uma luz simples. A minha luz, normalmente, é de uma enorme simplicidade. Há 50 anos, fazer isso não era evidente. Ainda hoje, muitos livros sobre “como iluminar”, utilizam uma receita dos anos 30 e 40, e contestada já nessa altura. No Rapariga com Brinco de Pérola, disse nas entrevistas que fez tudo com luz natural. Era, em estúdio, o equivalente à luz natural. Era a luz indirecta, do Norte, que vem pela janela. Não é luz natural, mas é igual à luz natural. Perguntam-me muitas vezes como fiz aquilo. É do mais fácil que fiz até hoje. É evidente que a facilidade e a simplicidade dão muito trabalho. É importante saber o que queremos atingir e conhecer os instrumentos. Os instrumentos evoluíram imenso, entre os anos 70, quando comecei, e o material que se usa agora. Projectores, por exemplo, já não uso. Tem a reputação de ser um clássico. Com arrojo, deixando a sua marca — o seu verniz — mas um clássico. Harry Potter parece uma contradição com o que construiu para trás. Há também o Blood Diamond e o Defiance [com Daniel Craig, 2008], que não são filmes clássicos. Ou Unbreakable, de Shyamalan [O Protegido, 2000]. Mesmo quando é Hollywood, não é uma Hollywood qualquer. Harry Potter: porquê? Porque era irresistível. Porque financeiramente era compensador. Porque não queria ficar com o epíteto do director de fotografia que só brilha em filmes de época. Todas estas razões e mais algumas. Ter uma máquina à disposição que é diferente daquilo a que estava habituado.

O que é que significa ter uma máquina à disposição? Tudo é possível. Não se esbanja, mas para tudo o que é preciso não há limites.

Foi nomeado duas vezes para o Óscar com filmes clássicos. Mais dificilmente será nomeado com um filme como o Harry Potter. Já não é isso que lhe importa? Importa. A saga Harry Potter não teve muitos prémios, mas O Senhor do Anéis teve. Até me roubou um! [risos]. Qual? O Óscar pela melhor fotografia no Rapariga com Brinco de Pérola. a anabela.mota.ribeiro@publico.pt

A pergunta do leitor Já alguma vez teve a tentação de ter o seu nome na parte dos créditos em que diz “realizado por”? Já alguma vez teve propostas para o fazer? Eduardo Lima Castanheira, Lisboa Fui para a escola do cinema com a ideia de ser realizador. É verdade que era uma escola mais técnica, mas de lá saíram realizadores como o Jean-Jacques Annaud e o Jacques Demy. Comecei a trabalhar, como assistente do director de fotografia, e a pensar que mais tarde passaria para a realização. O meu espírito era: logo se vê. Foi há cerca de 15 anos que me surgiu como uma evidência esta ideia: eu nunca conseguiria ser realizador. Não tenho essa capacidade, vital num realizador, de convencer toda a gente! Um realizador passa a vida a procurar financiamento, a convencer actores, a equipa, o público, os críticos. A negociação e a gestão de relações são parte essencial da função. É tudo o que eu não tenho. Por isso, tive sorte. A sorte de fazer aquilo que me convém, que me corresponde, e não aquilo que eu pensava que ia fazer e com que sonhava. Realizei alguns documentários, apenas. Entre eles, Cinema Português: Un Mode d’Emploi.

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cozinha

A vida depois da Bimby Jovens casais, solteiros, reformados, homens, mulheres. Desde que o robô de cozinha entrou nas suas casas, têm mais tempo para os filhos, alimentam-se melhor e vão menos vezes ao restaurante, dizem. Os grandes chefes também já se renderam. E nem a crise afectou o negócio. Já há 80 mil Bimby nas casas portuguesas. É normal, dizem os investigadores universitários: desde que se inventou a electricidade que há sempre revoluções tecnológicas a acontecer nas cozinhas. Texto Ana Rita Faria

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Caipirinhas Tempo 20 seg. Ingredientes 70 gr. de açúcar; 100 gr. de cachaça; 900 gr. de gelo; 3 limas Preparação Coloque no copo o açúcar e pulverize 15 seg/ Vel.9. Adicione a cachaça, as limas partidas em quartos e pressione o botão Turbo 2 a 3 vezes. Deite num jarro e reserve. De seguida, pique o gelo de 300 em 300 gr. na Vel. 5 e vá deitando para um jarro. Envolva com a ajuda da espátula.

ANA BANHA

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o frigorífico de Rosário Barreto, uma das mais antigas utilizadoras da Bimby em Portugal, estão colados papéis com a lista das refeições para essa semana e a próxima. A família — composta por Rosário, o marido e dois filhos adolescentes — almoça e janta em casa todos os dias, mas está tudo sob controlo. Se não é a dona da casa a cozinhar, é a empregada e, nesse caso, a lista das refeições indica sempre em que volume e página da infindável colecção de livros de receitas da Bimby está o prato daquele dia. Para esta professora de 49 anos que vive em Lisboa, o robô de cozinha da moda tornou-se “o melhor amigo”. Foi das primeiras em Portugal a adquiri-lo, em 2000, na altura em que poucos tinham ouvido falar de uma máquina que pica, rala, corta, bate, amassa, mói, tritura, pesa, emulsiona e cozinha. E, no final, até se lava praticamente sozinha. Já há cerca de 80 mil em Portugal e só nos primeiros três meses deste ano já se venderam quase 2500, mais 46 por cento do que no mesmo período de 2008. É a prova de que nem mesmo o preço — 940 euros — tem sido dissuasor. Olhando para os nove anos de Bimby na sua cozinha, Rosário Barreto vê quanta coisa mudou. Deixou de comer tantas vezes no restaurante e de encomendar comida fora, até quando está de férias, pois leva a Bimby. Passou a receber mais amigos em casa e a fazer pratos que nunca tinha experimentado, ganhou mais tempo para estar com os filhos e passou a ter uma alimentação mais variada e saudável. “Antes tinha preguiça de fazer sopa e, hoje,

ções. Hoje, dá para fazer tudo, excepto fritos e grelhados. Os tradicionais equipamentos da cozinha, como a varinha mágica, a trituradora 1,2,3 e a balança tiveram reforma antecipada. E até o fogão perdeu protagonismo.

Em casa, o fogão já não faz falta

Marta Florêncio, 30 anos, deixou de queimar a comida e até já gosta de cozinhar

há sopa todos os dias”, explica. Rosário Barreto diz que a Bimby faz as melhores sopas do mundo, e a história da máquina parece proválo. Inventada por um grupo de engenheiros da empresa alemã Vorwerk, nasceu como uma misturadora e batedeira à qual se acrescentou uma função de aquecimento (fogão), por sugestão de chefes de cozinha franceses, que queriam usá-la para confeccionar um dos pratos preferidos da culinária francesa: a sopa. Ao longe de mais de 30 anos, a Bimby foi-se aperfeiçoando até se converter numa multifun-

Na casa da educadora de infância Marta Florêncio, na Charneca da Caparica, o fogão está tapado por uma placa de vidro e, no cimo desta, está a Bimby. O robô de cozinha foi, mais do que um luxo, uma necessidade. O marido trabalha todos os dias até às 22h ou 23h e, quando a filha nasceu há três anos, Marta (de 30 anos) nunca conseguia chegar a casa antes das 20h. Com três jantares para fazer, Marta estava “desesperada”. “Tinha de arranjar uma solução para deixar de queimar a comida e para conseguir ter mão em tudo”, conta. Comprou a Bimby por indicação de uma amiga e passou a “andar muito mais bem-disposta e menos stressada”. Já conseguia dar banho à filha, brincar com ela ou arrumar a casa enquanto o jantar estava a fazer. Deixou de passar pelo café, de onde trazia comida para casa três vezes por semana. Além disso, aprendeu a gostar de cozinhar. Hoje faz um bolo todas as semanas e adora cozinhar açorda com peixe grelhado, bacalhau à Brás e com natas, arroz doce e leite-creme. Já não compra pão integral ou iogurtes líquidos. Faz em casa. O mesmo acontece com Susana Amiguinho, que foi influenciada pela colega Marta a comprar a Bimby há um ano e meio. O fogão foi posto a um canto e, desde que tem a máquina, esta educadora de infância de 33 anos só c

Os tradicionais equipamentos da cozinha tiveram reforma antecipada. Até o fogão perdeu protagonismo Pão Integral com Sementes Tempo 3,30 min N.pax 10-12 pães Ingredientes 280g leite; 25g margarina culinária; 5g sal; 10g açúcar amarelo ou mel; 30g fermento de padeiro fresco; 20g sementes de linhaça; 20g sementes de sésamo; 20g sementes de girassol; 290g farinha integral; 150g farinha (tipo 65) Preparação Coloque o leite, a margarina, o sal, o açúcar, o fermento e programe 1,30 min/ 37º/ Vel 2. Junte as sementes, as farinhas e amasse 3 min/ Vel espiga (botão espiga). Retire e modele o pão, poderá fazer um só pão ou pães individuais com 85g cada. Coloque num tabuleiro polvilhado com farinha, aguarde que dobre de volume num local morno. Leve ao forno préaquecido a 180º cerca de 20 minutos. Pública • 24 Maio 2009 • 25


cozinha Gaspacho

o ligou uma vez, porque o filho queria ovos mexidos com salsichas. “Ainda não sabia que também podia fazer isso na Bimby.” Além do tempo que passou a ter para “lavar ou passar a roupa e dar apoio nos trabalhos de casa aos filhos”, Susana começou também a comer comida mais saudável. E até o refogado, que deixou de fazer depois de alguns problemas de saúde a terem arrastado para uma dieta rigorosa, voltou à ementa. “Como a Bimby tem temperaturas controladas até 100 graus, faço um refogado saudável, com muitos legumes”, explica. Susana Amiguinho — que optou por comprar a prestações — diz que, apesar de o investimento inicial na máquina ser alto, as poupanças que consegue fazer com a sua utilização pagam a despesa: “Só o que poupei em iogurtes e gás, sem contar com a água que gasto a menos por não lavar tachos, já dá para pagar a mensalidade da Bimby.” Uma pesquisa realizada recentemente pela empresa que tem o exclusivo da comercialização da máquina em Portugal, a Worwerk Portugal, parece confirmar esta ideia. Entre Novembro e Dezembro de 2008, uma equipa da empresa correu várias grandes superfícies comerciais na região de Lisboa e observou quanto custavam três produtos (pão, iogurte de fruta e sumo natural) e quanto custava comprar apenas os ingredientes necessários à sua confecção. A conclusão foi a de que, se uma pessoa fizer estes alimentos na Bimby em vez de os comprar, poderá poupar até 1356 euros num ano. “A máquina tem um grande potencial de op-

Tempo 3 a 5 min. Para 6 pessoas Ingredientes 1kg tomates muito maduros (com pele); 1 pimento vermelho pequeno; 1 dente de alho; 1 pedaço pequeno de cebola; 1 pepino pequeno parcialmente descascado; 1 limão descascado sem casca branca, nem caroços ou vinagre; sal; 50gr. azeite; água ou gelo a seu gosto. Preparação Coloque no copo todos os ingredientes, excepto o azeite, e programa de 3 a 5 min., dependendo da qualidade do tomate, Vel.9. Incorpore o azeite e mexa bem com a espátula. Adicione água ou gelo a seu gosto. Sirva com verduras picadas e pão cortado em cubos.

Arroz de pato Tempo 50 min. Para 5 pessoas Ingredientes 1 pato pequeno partido; ½ chouriço de carne; 100gr. de bacon; 1 l água 2 caldos de galinha; 30gr. molho de soja 200gr. vinho branco; 50gr. óleo; 50gr. azeite; 500gr. arroz; 1 cebola; 1 dente de alho Preparação Coloque no copo a cebola e o alho e pique 8 seg., Vel.5. Junte o azeite e programe 7 min., Temp. Varoma, Vel. 1. Adicione o vinho, o óleo, o molho de soja, os caldos, o pato, o chouriço e o bacon e programe 30 min, Temp. Varoma, Vel. Colher Inversa. Retira e desfie a carne, corte o chouriço em rodelas. Reserve. Pese o molho do refogado e acrescente a diferença em água até 800gr. e coza o arroz no cesto durante 20 min, Temp. 100º, Vel.4. Coloque o arroz num tabuleiro de barro ou pirex, misture com a carne e enfeite com chouriço. Leve ao forno para corar.

José Avillez, chefe do restaurante Tavares Rico, tem três Bimby, mas nenhuma delas em casa 26 • 24 Maio 2009 • Pública

“Facilita a vida aos cozinheiros. Quase só a uso para triturar porque tem o motor mais forte do mercado”


Henrique Pereira, 65 anos, tem mais convidados para jantar e usa a Bimby para dar festas temáticas

timização e é isso que tem levado cada vez mais pessoas a comprar”, explica Isabel Padinha, directora-geral da Vorwerk Portugal. No ano passado, a empresa (que vende Bimby exclusivamente no território nacional) facturou 25 milhões de euros, o que representa um crescimento de 36 por cento em relação a 2007.

Mudanças também na cozinha gourmet Quando Maria Paula Vilhena Mascarenhas começou a fazer a sua tese de doutoramento sobre A cultura alimentar nos grupos domésticos: Cascais 1960-2005, a Bimby estava ainda a nascer. Como muitos dos primeiros agentes de venda da máquina eram da zona de Cascais, a socióloga de 54 anos esteve presente nas primeiras reuniões de vendedores e, embora não tenha estudado o produto, foi acompanhando o seu crescimento. Consciente de todas as “revoluções” por que a cozinha já passou até aos dias de hoje, a docente da Universidade do Minho considera que a Bimby é apenas mais um passo na “cres-

cente tecnificação da cozinha doméstica”. “Tudo começou com as ‘novas’ fontes de energia (gás e electricidade), seguiuse o frigorífico e a arca, que permitiram conservar os alimentos e espaçar as compras, e culminou com o micro-ondas”, explica Paula Mascarenhas. Agora, adianta a socióloga, é a vez de a Bimby dar o seu contributo para agilizar e aliviar as tarefas domésticas, além de responder ao “novo paradigma de uma alimentação saudável.” Não é apenas nos lares que a Bimby marca presença. O robô de cozinha já entrou em algumas das mais conceituadas cozinhas nacionais. O chefe José Avillez, de 29 anos, tornou-se fã da máquina por causa da limonada, que é feita aproveitando também a casca dos limões. Praticamente todos os seus outros colegas de profissão usam a máquina, adianta José Avillez, explicando que “a Bimby e os seus pares só vieram facilitar a vida aos cozinheiros, permitindo que estes não tenham de estar sempre lá e possam ter mais tempo para pensar”. Hoje, tem três máquinas: uma no restaurante de luxo Tavares Rico e as restantes na sua empresa de catering. Em casa, nenhuma. “Quase só uso a Bimby para triturar porque tem o mo-

tor mais forte do mercado”, explica. Por causa disso, consegue molhos, purés e gelados mais leves e cremosos. Foi também a capacidade da Bimby para emulsionar molhos e triturar que atraiu o chefe Vítor Sobral, de 42 anos. “Os meus molhos misturam vários sabores e, por isso, necessitava de um bom liquidificador”, explica. Além disso, usa geralmente a máquina para triturar frutos secos, para fazer massa de pão torrado, moer a pimenta ou o pão para as migas. Tem várias Bimby e também uma das suas concorrentes, a Taurus, e, apesar de não as usar para cozinhar, reconhece as vantagens que podem ter para a maioria das pessoas. “A Bimby trouxe uma grande vantagem às pessoas que não sabiam cozinhar, porque se arriscam mais a fazê-lo em casa e isso melhora a qualidade da sua alimentação e da sua vida”, explica Vítor Sobral. Por outro lado, “quem c

Alda Alves do Rio, 59 anos, a maior vendedora da Bimby em Portugal: 1180 unidades


cozinha Salmão com Legumes ao vapor

Rosário Barreto, 49 anos, leva a Bimby para férias e passou a fazer sopa todos os dias

Tempo 27 min. Para 2 pessoas Ingredientes 2 lombos/postas de salmão fresco; sal q.b.; 1 ramo de alecrim; 200 gr. cenoura descascada; 200 gr. courgettes com casca; 800 gr. água Molho 1 chalota 2 c. sopa de cebolinho 2 iogurtes naturais 1 c. sopa de mostarda Dijon Sal e pimenta q.b. Preparação Coloque os lombos de salmão sobre uma folha de alumínio e tempere com sal e alecrim. Feche bem as pontas da folha de alumínio para formar um embrulho e coloque-o no tabuleiro superior da Varoma. Com a ajuda de um descascador de legumes, corte as cenouras e as courgettes longitudinalmente, em tiras de 0,5 cm, como massa tagliatelle. Coloque os legumes na Varoma e introduza o tabuleiro com o salmão. Deite a água no copo, coloque a Varoma e programe 25 min, Varoma, Vel.1. Retire e reserve. Retire a água do copo. Molho Sem lavar o copo, coloque a chalota, o cebolinho e programe 5 seg., Vel.5. Adicione o resto dos ingredientes e programe 2 min., 60º, Vel.2 Sirva o salmão com os legumes e regue com o molho.

já sabe cozinhar consegue tirar mais partido da máquina e poupar tempo na tarefa”, conclui.

As Bimbólicas Apesar de sempre ter adorado cozinhar, Carolina Dengucho tardou a conseguir adaptar-se à Bimby. Ou, melhor dizendo, a que a Bimby se adaptasse a ela. É que, há três anos, quando a máquina lhe foi oferecida pela mãe por vir a caminho mais um neto, esta professora de 37 anos não encontrava o que cozinha . “O livro de receitas que existia tinha sido adaptado do espanhol e não tinha nada a ver com a cozinha portuguesa, pelo que a única coisa que fazia eram as sopas”, explica Carolina. E assim teria continuado se não tivesse surgido o Fórum das Bimbólicas, um dos muitos espaços na Internet destinados à partilha de receitas e dicas entre as utilizadoras do robô da Vorwerk. Hoje, é moderadora e a participante que mais receitas colocou no site: 288. E, já se disse, exis-

Mousse de chocolate “light” com nozes torradas Tempo 7 min. Para 4 pessoas Ingredientes 250gr. natas de soja; 200 gr. chocolate para culinária; 2 gemas; 40gr. vinho do Porto; 20gr. manteiga; 50gr. nozes torradas. Preparação Coloque no copo todos os ingredientes, excepto as nozes, e programa 7 min, 70º, Vel.2. Quando terminar, bata 15 seg, Vel.6. Envolva a mousse com 40gr. de nozes e deite em taças pequenas. Leve ao frigorífico até ficar firme. Enfeite com as nozes restantes.

Vítor Sobral não usa a Bimby para cozinhar, mas reconhece as suas capacidades de triturar e liquidificar 28 • 24 Maio 2009 • Pública

“Trouxe uma grande vantagem a quem não sabia cozinhar, porque se arriscam mais a fazê-lo em casa”


tem inúmeros livros em português. A partir do momento em que começou a fazer tudo na Bimby, diz Carolina, muita coisa mudou. Quando casou, disse ao marido que nunca cozinharia cozido à portuguesa e feijoada. Também explicou que detestava bater claras para fazer os bolos. Com a Bimby, a família regala-se com pratos típicos portugueses e os filhos conseguem comer doces feitos em casa. A morar em Coimbra mas a dar aulas em Viseu, esta professora andava sempre numa correria para fazer o jantar, cuidar dos filhos e arrumar a casa. Agora, “põe o jantar a fazer e, em 20 ou 30 minutos, tem o prato na mesa. E sem deixar de brincar com os meus filhos, que é mais importante”. A mais velha, de sete anos, já cozinha sozinha na Bimby desde o ano passado. Mesmo pertencendo a uma geração mais velha, Henrique Pereira, de 65 anos, aderiu à nova tecnologia de cozinha. Sempre gostou de cozinhar e o “horário maluco” da mulher, que é professora, transformou esse gosto numa necessidade. Hoje, cozinha todos os dias na Bimby — até porque é “avô a tempo inteiro” de duas meninas —, tem mais convidados para comer na sua casa (no aniversário da filha usou a máquina para cozinhar para 105 pessoas) e usa o robô para dar festas temáticas (Brasil, Cabo Verde, jantar de S. Martinho).

Henrique acabou por entrar também no mundo das vendas. Por pouco tempo, é certo, mas o suficiente para vender 18 máquinas. A maior vendedora nacional de Bimby chamase Alda Alves do Rio, tem 59 anos e, em nove anos já vai nas 1180 unidades. Para vender a máquina, deixou o emprego como secretária de seguros e integrou a pequena equipa da Worwerk, que, na altura, tinha apenas quatro vendedoras. Hoje, são mais de 1400 — a Bimby não é vendida em lojas, os vendedores vão a casa dos potenciais clientes e fazem demonstrações. O Centro e Norte do país são zonas que, no final de 2008, tinham quase 16 mil Bimby, segundo a Worwerk Portugal. O grosso das vendas concentra-se na região de Lisboa e Vale do Tejo (mais de 45 mil) mas o Alentejo assume também destaque, com quase 14 mil máquinas. O Algarve fica-se pelas 3100. Responsável por um grupo de 24 vendedo-

Quando se casou, Carolina Dengucho, 37 anos, disse ao marido que nunca faria cozido à portuguesa

Susana Amiguinho, 33 anos, está a pagar a Bimby a prestações, mas diz que vale a pena

res, Alda Alves consegue ganhar entre quatro mil a cinco mil euros por mês. Apesar de já ter feito milhares de demonstrações, não gosta de cozinhar. Quem usa a Bimby do seu apartamento em Cascais é o marido, Salvador, de 62 anos. É ele que, por estar já reformado, organiza a agenda da mulher, trata da contabilidade e a acompanha nas visitas a clientes por todo o país, e não só. É que Alda já vendeu também no estrangeiro, enquanto passava férias na Austrália, Bélgica, Londres e Brasil — e conseguiu clientes em Angola. Alda Alves está sempre atenta. Um dia, enquanto fazia compras no supermercado, viu uma senhora com um carro cheio de iogurtes. Perguntou-lhe por que é que levava tantos iogurtes se existia no mercado uma máquina que, a partir de um, fazia dez. A senhora acedeu a ver uma demonstração. Mais uma Bimby vendida. a ana.faria@publico.pt

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crime no iraque

Vocês pensam que eu sou um monstro Em Março de 2006, Steven Dale Green despiu o uniforme militar e, com mais quatro soldados, assassinou uma família inteira numa vila isolada perto de Bagdad. Quatro meses depois, foi capturado nos EUA quando ia jantar com a avó e enfrenta agora a pena de morte. Texto Rita Siza, Washington 30 • 24 Maio 2009 • Pública


AFP PHOTO/ODD ANDERSEN

A família alJabani vivia nuns barracos na aldeia de Mahmudiyah

S

teven Dale Green poderá tornar-se no primeiro soldado dos Estados Unidos da América condenado à morte num processo civil por crimes cometidos no estrangeiro e como militar dos EUA. O jovem, destacado para a guerra do Iraque menos de um ano depois de se ter alistado no exército, foi julgado num tribunal do Kentucky por 17 crimes, entre eles, conspiração para violar e matar, violação agravada, homicídio qualificado, fogo posto e obstrução da justiça. Depois de declarado culpado em todas as acusações, aguarda a decisão sobre a aplicação da pena capital. A alternativa é prisão perpétua, sem hipótese de liberdade condicional. Um júri de nove mulheres e três homens deve apresentar o seu veredicto esta semana. A 12 de Março de 2006, Green, natural do Texas, então com 21 anos, trocou o seu uniforme camuflado e vestiu o fato negro dos “ninjas” antes de abandonar o seu posto de Yusufiyah, uma vila a sudoeste de Bagdad. Com outros quatro soldados da Companhia Bravo, Regimento 502 da 101.ª Divisão de Infantaria, um sargento e três cabos, aproximou-se da casa da família al-Jabani, uns cubículos insalubres que também poderiam ser descritos como barracos, na aldeia de Mahmudiyah. Enquanto um dos soldados montava guarda à porta, Green e os outros entraram

para atacar a família. O pai, mãe e uma menina de seis anos, Hadeed, foram atirados para um dos quartos e mantidos sob a mira da arma de Green enquanto, ao lado, os seus companheiros tratavam de repetidamente violar Abeer, a irmã mais velha, de 14 anos. Aparentemente, tinham combinado entre eles quem seria o primeiro a ter o “privilégio”. Steven “só queria matar”, contaram depois os soldados.

Pena de morte ou prisão perpétua, uma destas sentenças será a do soldado Green

Estava armado com uma metralhadora AK-47 e uma espingarda de canos. O pai Qassim Hamsa Rabeem, de 45 anos, foi o primeiro a ser abatido, depois a mãe, Fakhryia Taha Mubasen, de 34 anos. Para matar a pequena Hadeed, Steve atirou à sua cara. Depois, juntou-se aos outros. Foi o último a violar Abeer, uma adolescente que vivia de burqa. Quando terminou, deu-lhe sucessivos tiros na cara, como fizera à irmã. Depois, pegou fogo ao seu corpo. Ateadas as chamas, os soldados foram atirando o que encontraram para a fogueira, certificando-se de que o cadáver ficava reduzido a cinzas. Também tentaram incendiar o resto da casa, e assim destruir qualquer vestígio do seu crime, mas o fogo não durou. Eles não tinham esperado para ver. Abandonaram o lugar; trocaram de roupa de novo para o uniforme militar e regressaram aos respectivos lugares no checkpoint norte-americano. Pouco depois a vizinhança reportava o incêndio e o crime. Um dos participantes foi enviado em patrulha ao local: no relatório que seguiu para os seus superiores, escreveu que foram os “insurrectos”, provavelmente operacionais da Al-Qaeda, os responsáveis pela atrocidade. Até hoje Green não explicou o que lhe passou pela cabeça, como se lembrou de planear um crime tão medonho, se foi realmente ele quem sugeriu, durante um jogo de cartas, que o c Pública • 24 Maio 2009 • 31


AFP PHOTO/ODD ANDERSEN

crime

Os soldados tentaram queimar tudo para não deixar vestígios, mas a casa não ardeu até ao fim

fizessem. Só se sabe que, quando voltou à caserna, contou casualmente a alguns soldados o que tinha acontecido, comentou como tinha sido “espectacular”. “It was awesome”, confessou ele a um amigo, o sargento Anthony Yribe. Este tinha lido o relatório do horrível ataque dos terroristas — Steven Green garantiu-lhe que a ideia fora dele e que tinha feito tudo sozinho. Yribe não denunciou o jovem soldado. Deu-lhe um conselho: deixa o Iraque, sai do exército. A conversa foi mantida em segredo. A prova de que os “insurrectos” não tinham nada a ver com o assunto não tardou. Num acto de retaliação e vingança tribal, os agentes da Al-Qaeda raptaram dois soldados americanos na vila de Mahmoudyia, torturaram-nos, decapitaram-nos e usaram as suas cabeças como bolas num jogo de futebol de rua, filmado em vídeo e divulgado na Internet. “Vocês pensam que eu sou um monstro”, disse Green aos agentes do FBI que o foram prender, a 30 de Junho de 2006, quando saía com de casa da avó, na Carolina do Norte, para a levar a jantar fora e ao cinema. “Queres que ela saiba porquê?”, limitaram-se a responder os polícias, que depois respeitaram as suas instruções e omitiram a causa da detenção, para não perturbar a senhora. Mais. Os agentes deixaram Steven fumar alguns cigarros e dizer adeus à avó, antes de o levarem. Quando entrou no carro, Green confessou que já esperava que o fossem buscar. A justiça militar tinha sido rápida a agir contra os seus antigos companheiros de armas. Assim que a terrível história foi conhecida, os soldados envolvidos foram detidos, julgados e condenados: os três envolvidos receberam penas de 110, 100 e 90 anos em prisões militares; o que ficou no exterior foi penalizado com 27 meses de cadeia. O amigo de Green que encobriu o crime foi demitido do exército, com uma nota de “exoneração por desonra”. Todos eles testemunharam contra o jovem texano, que responsabilizaram pela autoria moral do crime. Steven Green tinha deixado a vida militar um 32 • 24 Maio 2009 • Pública

Em 2006: “Matei um tipo que não parou no ‘checkpoint’ e foi como se nada fosse. Fi-lo e pronto” mês e meio antes. Em Abril de 2006, semanas depois do crime, tinha sido repatriado para a sua base de Fort Campbell, no estado do Kentucky, para uma reavaliação psiquiátrica que o declarou “inapto” por causa de uma desordem de personalidade. “Alistar-me no exército foi a pior decisão da minha vida”, revelou o jovem enquanto era conduzido para a prisão. Em 2005, quando se voluntariou, parecera-lhe uma boa ideia. Tinha desistido da escola e não tinha emprego. Já fora preso três vezes, por crimes menores de consumo de álcool e drogas. A vida militar eliminava as queixas, dava-lhe disciplina e um salário. “Mandaram-me logo para o Iraque. Quando cheguei lá, as pessoas morriam como moscas. Eu vi a cara do tenente do meu regimento rebentar com um tiro à minha frente. Quem devia ir para a cadeia por crimes de guerra era Bush e Cheney”, foi contando (está tudo no relatório do FBI). Os investigadores militares não tinham jurisdição para investigar e acusar Steven Green depois da sua exoneração, mas decidiram, numa atitude algo inédita, cooperar com as autoridades civis para que o antigo soldado não deixasse de responder pelos seus crimes em uniforme, embora sem as salvaguardas e protecções atribuídas pelos tribunais marciais àqueles que são acusados de “crimes de guerra”. Quando foi preso, Green começou por declarar-se inocente. Mas, à medida que a acusação foi produzindo prova, a defesa deixou de discutir os factos. Durante o julgamento, dezenas de soldados passaram pelo banco de testemunhas,

chamados pela defesa e pela acusação, para falar sobre o estado emocional das tropas destacadas em teatros de guerra, e especialmente sobre aquilo que observaram aqueles que, como Steven Green, viveram no “triângulo da morte” no auge da insurreição sunita. Numa entrevista a um jornalista do The Washington Post que temporariamente acompanhou a sua unidade em Fevereiro de 2006, Green tinha dito: “Matar alguém não é uma experiência tão terrível como certas pessoas gostam de fazer crer. Eu matei um tipo que não parou no checkpoint e foi como se nada fosse. Fi-lo e pronto. Não é nada de especial”, relatou. O repórter, Andrew Tilghman, até escrevera como ficara impressionado com a sua brutal honestidade e indiferença. Algum tempo antes, Steven Green procurara o apoio dos conselheiros que lidam com o stress das tropas e falara-lhes do seu desejo de matar iraquianos — foram eles que recomendaram a consulta psiquiátrica, que só aconteceu um ano mais tarde. Na altura, só fora visto por uma enfermeira, que lhe receitou comprimidos para dormir. Mas a defesa descartou a hipótese de usar a guerra como um motivo de “insanidade temporária”: o crime não se enquadrava na categoria dos actos horrendos e inexplicáveis cometidos no calor do combate. A acusação descrevera os actos de Green e companheiros como “planeados, premeditados, celebrados, encobertos e cometidos a sangue-frio”. Na sala do tribunal, Steven Green quase nunca olha as pessoas de frente. Usa uma camisa abotoada nos punhos e colarinhos, não enverga o macacão cor de laranja com que é fotografado quando sai da prisão. Como descreve o repórter da CNN Dave Aslup, que está a acompanhar o julgamento, está magro e parece desajeitado; não é um rapaz mas também não é um adulto. Só se manifesta quando entra algum familiar seu ou um amigo que reconhece. Aí, olha-os de relance. a rita.siza@publico.pt


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tecnologia

Estão as consolas perto do fim? Sete anos de trabalho viram nascer o sistema que já traz patentes no mealheiro. Promete videojogos de última geração apenas por ligação à Internet. Há quem diga que as consolas estão ameaçadas, mas a maioria dos especialistas com quem falámos continua céptica. Texto Nicolau Ferreira

O

mundo virtual vai varrendo um a um a necessidade de suportes físicos para cada actividade de lazer. Temos acesso a filmes, séries, documentários on demand, podemos fazer o download dos mp3 das nossas músicas favoritas e construímos uma rede social capaz de chegar ao Japão com direito a tomarmos café numa esplanada do Second Life, mesmo que esteja a chover lá fora. As grandes empresas de videojogos pareciam até agora pouco afectadas por esta expansão da Internet. Os interessados viam-se obrigados a ter pelo menos uma boa consola ou um computador artilhado para experimentar os desafios dos melhores jogos — “no hardware, no fun” —, mesmo que depois cada empresa tenha desenvolvido serviços para aproveitar todas as potencialidades da Internet. Mas a próxima geração de consolas poderá ter um concorrente chamado OnLive com o poder de tornar obsoletas as filas de espera nas lojas para comprar a PlayStation 4, Xbox 720 ou Wii 2, que os ventos tecnológicos anunciam estar no mercado no início da próxima década. A nova plataforma de jogos criada pelo guru da tecnologia Steve Perlman está pronta para ser consumida nos EUA no final deste ano e tor-

na possível entrar no mundo dos jogos de alta definição, como é o caso de Tomb Raider: Underworld, com um computador que já era velho no Verão passado. Basta uma ligação decente à Internet num PC ou num Mac ou, para quem gosta de jogar na televisão, um aparelho que se liga à rede e que cabe literalmente no bolso de umas calças, e qualquer jogador estará pronto para viver as aventuras mais sofisticadas, pelo menos segundo Perlman. “Temos a assinatura de nove das maiores editoras de jogos do mundo. Algumas delas passaram vários anos a analisar e a criticar a nossa tecnologia antes de nos deixarem associar às suas empresas e permitirem-nos ter acesso às franchises de primeira liga”, disse à BBC News Steve Perlman, director da Readern Companies, uma incubadora de empresas fundada pelo norte-americano em 2000. A companhia viu nascer o OnLive e a MOVA, que produz animação facial e foi responsável pelos efeitos especiais de filmes como O Incrível Hulk (2008) ou O Estranho Caso de Benjamin Button e de vários videojogos.

Sem downloads O OnLive é mais uma aposta de Perlman, director executivo da empresa. O norte-americano, que terminou a licenciatura em 1983 na

Universidade de Columbia, tem juntado no seu currículo de três décadas sucessos tecnológicos como a WebTV, um aparelho que em 1995 integrou pela primeira vez Internet e televisão interactiva, ou, mais recentemente, o DVR (Digital Video Recorder), que permite gravar em formato digital o que se está a passar na televisão para se ver mais tarde. Antes disso, o norte-americano de 48 anos passou a segunda metade da década de 1980 a criar a tecnologia de multimédia para os primeiros computadores a cores da Macintosh. Desde 2002 que já foram gastas “dezenas de milhares de horas” para desenvolver a tecnologia que torna a plataforma OnLive possível. Ao contrário do muito utilizado streaming, em que o utilizador faz o download da informação e quase em simultâneo ouve as música ou vê os vídeos, a empresa inventou um sistema de codificação e compressão a partir de um algoritmo pensado para jogos de vídeo na Internet, capaz de comprimir o jogo em informação digital em um milissegundo. Um chip de silicone especial no servidor faz os cálculos de compressão e outro no receptor faz a descompressão. A reacção do jogo a um comando de um participante é quase instantânea. O OnLive tem duas centrais de servidores neste momento nos EUA onde estão acumula-


Quando a nova geração de consolas sair para o retalho, ninguém sabe em que situação estará o OnLive

Lara Croft, cada vez menos “pixelizada” dos os jogos e que fazem a maioria do trabalho. Até a uma distância de 1600 quilómetros, Steve Perlman espera que os jogos nos computadores tenham um tempo de reacção no máximo de menos de um décimo de segundo, “normalmente vemos alguma coisa entre os 35 e 40 milissegundos [menos de um vigésimo de segundo]”, referiu. No final de Março em São Francisco, depois de anos de secretismo, o OnLive saiu da escuridão e foi apresentado por Perlman durante a Game Developers Conference, onde os produtores de material informático e de jogos mostram que novidades trazem na manga. A conferência, segundo vários especialistas, foi das mais excitantes dos últimos anos e a nova plataforma de jogos foi em parte responsável. Sid Shuman, editor sénior da revista de computadores GamePro, e Darren Gladstone, jornalista sénior na revista de informática PC World, assistiram à apresentação do OnLive e tiveram oportunidade de jogar demonstrações de jogos na plataforma antes de se juntarem para uma conversa que resultou no artigo da PC World “OnLive: será que vai bater a Xbox360, PS3 e Wii no seu próprio campo?”. “A promessa de um serviço como o OnLive é que tu

nunca terás de voltar a fazer um upgrade ao teu PC para jogares os jogos mais recentes. Desde que a tua banda larga seja suficientemente rápida [mais de 1,5 megabits por segundo para jogos menos exigentes, a mais de 5 megabits por segundo para jogos de alta definição]”, defendeu Sid Shuman. Tanto o editor como o jornalista eram da opinião de que as consolas estavam mais protegidas desta plataforma por oferecerem um pacote de jogos bom e já conhecido, proporcionarem uma experiência visual que o OnLive ainda não é capaz — ambos notaram que jogos como o Crysis, uma aventura de ficção científica, não tinham gráficos tão bons devido à compressão necessária — e já há muita gente que apostou nos últimos modelos da Sony, Microsoft e Nintendo, e está servida com a melhor tecnologia durante o próximo par de anos. Mas, quando a nova geração de consolas sair para o retalho, ninguém sabe em que situação estará o OnLive. A posição da empresa é clara. “Alguém que tenha uma consola vai continuar a jogar desta forma e o OnLive não irá necessariamente fazer sentido. Mas para as pessoas que querem jogar jogos mas não compraram ainda uma consola, e tenham talvez um PC ou um Mac de baixa potência, o OnLive é fantástico. Isto é uma aposta a longo prazo, por isso também estaremos aqui para os jogadores que estão à procu- c


tecnologia

ra da sua próxima consola, daqui a quatro ou cinco anos”, disse ao Washington Post John Spinale, o vice-presidente da empresa. Nuno Catarino, director da revista oficial da PlayStation em Portugal, também defende que o OnLive vai ter pouco impacto nas consolas, mas adivinha uma mudança nos utilizadores de computadores pessoais. “Pode democratizar o acesso aos jogos, porque qualquer pessoa que tenha um PC e um ecrã apropriado pode aceder-lhes”, disse por telefone à Pública. Segundo Catarino, ao longo dos anos de 1990, os computadores pessoais deixaram de seduzir muitos jogadores por obrigarem a comprar novo hardware para tirar proveito dos jogos de última geração, o OnLive poderá repescar este público. Mas o mais interessante, alerta o director, é como as lojas vão reagir à plataforma: “Se isto resultar, põe em causa o retalho normal da venda de jogos, tudo o que seja placas gráficas e memórias deixam de ter de se comprar.” Nuno Catarino antevê vários “movimentos de bastidores”. Há um sentimento generalizado de que, se o OnLive sobreviver, uma fatia maior do dinheiro vai reverter a quem produziu e pôs no mercado os videojogos e não aos intermediários ou aos vendedores em segunda mão. “Eu, por mim, adoraria ver mais dinheiro a ir parar

às pessoas certas. E não aos abutres”, disse Darren Gladstone no artigo da PC World.

Os jogos é que vendem

Pode democratizar o acesso aos jogos. Qualquer pessoa que tenha um PC e um ecrã pode aceder-lhes

O custo necessário para aceder ao OnLive continua a ser tabu e é uma das razões para os especialistas se manterem cépticos. Quanto é que vai custar a assinatura? Mais as mensalidades? Há acessos a demos, mas e os jogos? Durante a apresentação do sistema em São Francisco, Steve Perlman garantiu que o serviço seria bastante mais barato do que uma consola normal e que o preço de produção do pequeno aparelho que liga a televisão à plataforma pela Internet é suficientemente baixo para poder vir com a assinatura. Mas pouco mais foi adiantado. “Estamos certos de que a indústria quer saber mais detalhes sobre os custos mensais e desempenho real do serviço, a forma de controlo dos videojogos e, mais importante, o número e qualidade dos jogos disponibilizados”, disse Nélson Calvinho, assessor de imprensa em Portugal da Nintendo, que criou a Wii. Para Calvinho, sem uma boa aposta de jogos que marquem a diferença, dificilmente um projecto destes terá pernas para andar, “a lei essencial da indústria dos videojogos é, e sempre foi, que o software vende o hardware, nunca o contrário”, disse. E acrescentou não


O futuro dos videojogos? Enquanto o OnLive não estiver a funcionar até ao final do ano, ninguém dá uma opinião definitiva

compreender como é que se cria um sistema que deixa de parte milhões de pessoas que não têm acesso à banda larga. Sofia Tenreiro, directora da área de retalho de consumo da Microsoft, acredita que o OnLive “vai ter impacto na pirataria”. Mas defende que a plataforma não oferece mais do que a experiência que se pode ter com a XboxLive — o serviço online que vem com a Xbox, onde já se fazem downloads de jogos, vídeos e que possibilita uma interactividade social digna da web 2.0. Em relação ao retalho, Sofia Tenreiro não está preocupada. “Hoje em dia as pessoas gostam da experiência da compra. Dentro das lojas temos um acompanhamento, uma experimentação. Há toda uma experiência que é diferente online”, sublinha. Bruno Madeira, que tem 30 anos e joga videojogos há cerca de 20, “na época em que uma moeda de 25 escudos dava para pôr uma arcade a funcionar”, tem sérias dúvidas de que o OnLive compense aos consumidores. “Tudo isto depende de preços, nomeadamente dos custos mínimos para aceder ao sistema e os custos de utilização (os jogos). Portanto, sem valores concretos, é difícil ter uma conclusão definitiva”, diz o engenheiro electrónico. Mas “a diferença entre este aparelho e uma consola convencional (que dura uns quatro anos pelo menos) não é razoável”, adverte.

A lei essencial da indústria dos videojogos é, e sempre foi, que o software vende o hardware

Também Francisco Abrunhosa, que tem a colecção de todas as consolas da Nintendo que já saíram em Portugal, acha pouco provável que a plataforma vingue. “Não acho que os jogos de que dispõem vão atrair as pessoas”, explica o engenheiro electrónico de 24 anos, acrescentando que as consolas actuais já exploram muitos conceitos que o OnLive assume. A Electronic Arts, Ubisoft, Take 2, Eidos, Atari, Codemasters, Epic e THQ foram algumas das empresas de jogos que já assumiram uma parceria com o OnLive de Steve Perlman. O Burnout, o Fear 2 e o Lego Batman são outros jogos que estão prontos para ser jogados na plataforma que, segundo o norte-americano, é uma ideia “out of the box” (fora da caixa). “Ajudem-me a pô-la fora da caixa”, disse no final da conferência de São Francisco, onde prometeu para além da experiência de jogabilidade em qualquer lugar, uma nova forma de interactividade entre os jogadores, nunca vista. As especulações sobre a sobrevivência do OnLive prometem continuar até ao final do ano, quando o sistema se tornar público nos EUA, e para lá de 2010. A empresa quer expandir-se além-fronteiras, porque, diz o site, o OnLive é “o futuro dos videojogos”. a nicolau.ferreira@publico.pt



crónica a nuvem de calças

Falar com as nossas vozes Rui Cardoso Martins

A

— Sabe, eu não tenho cérebro. — Não tem cérebro? — Não, está a ver, veja bem, está a ver? Não tenho cérebro. E punha os dedos na testa e estalava o maxilar

s obras duma empresa de “planificação e construção de interiores” estão a desalojar o sem-abrigo que dormia à sua porta, num banco de jardim. É uma curiosa luta interior/exterior, mas creio que o mendigo já começou a procurar outra casa na rua para as conversas intermináveis com as suas vozes. Há dias, antes de começarem subitamente as obras — a loja ameaçava ficar vazia para sempre, esventrada pela crise económica —, cheguei de madrugada ao prédio vizinho. Ele falava no banco de jardim com alguém, mas viume e — Tem um cigarro, amigo? — Não fumo, amigo, desculpe. (“desculpe”?!)... e quase entrei na conversa inútil, sabe, em tempos fumei muito, dois maços, pensava que precisava disso para trabalhar, mas acabei dum dia para o outro, ou quase, e foi o melhor que fiz porque faz muito mal... (vencemos o tabaco e a banalidade vence-nos)... o amigo devia experimentar... (e o que é que sobrava da vida, grande idiota, a um mendigo que deixasse de fumar?). O homem retomara o diálogo com o invisível, uma senhora que ele via à frente, numa dicção clara e expressiva como um advogado sentimental: “... pois, mas se eu lhe disser, se eu lhe explicar com toda a lógica que a senhora não tem razão e que eu de facto, quando há anos lhe comecei a explicar o alcance exacto da nossa situação, a sua e a minha, isto é, por assim dizer, da nossa situação mútua, a senhora já na altura não quis ouvir e até, para meu espanto, voltou costas e desculpe? como é que disse? eu é que...!? hum, hum... por favor não desvie a conversa, não deturpe as minhas palavras, deixe-me acabar, a senhora voltou costas aos argumentos que eu lhe apresentava com toda a clareza e mostrou, agora vai-me escutar até ao fim, se não se importa, uma falta de respeito por quem nunca lhe fez mal, antes pelo contrário, alguém que sempre, sempre, escute bem!, eu sempre lhe dei o melhor da minha alma, e porventura do meu

coração, e a senhora num gesto a todos os títulos incompreensível, veio agora...” Não conheço os mecanismos extremos da solidão, ou da doença, que podem levar-nos a isto, mas devemos ficar atentos. Há anos, fui com um grupo de internados do Hospital Miguel Bombarda numa visita ao Jardim Zoológico de Lisboa. Na altura, eu ainda fumava, mas não tanto como aqueles homens e mulheres, que os acendem uns nos outros, e depressa fiquei sem cigarros. Depois dos tigres, ao pé dos ursos, um velho ruivo de olhos claros pediu-me para sentar. Acendeu um cigarro. Ia contar-me a verdade. — Sabe, eu não tenho cérebro. — Não tem cérebro? — Não, está a ver, veja bem, está a ver? Não tenho cérebro. E punha os dedos na testa e estalava o maxilar inferior. — Fui primeiro ao Hospital Universitário de Boston, mas não correu bem e acabei por tirar o cérebro numa operação em Moscovo. — Em Moscovo? — Sim. Sou filho de José Estaline e de Maria Romanova. — Ah. Tudo tem uma explicação. Uma vez falei com vozes minhas. Nessa altura, por razões que não vale a pena aprofundar, chegara a um ponto em que, como dizem os narradores dos romances, receei entrar num estado de prostração próximo da loucura, ou coisa parecida, mas chegava o lusco-fusco e, pondo-me uma vez a pensar, naquela hora de vigília, vieram falar comigo. Era eu. Eu deitado na cama e eu sentado na cama a olhar para mim, a rir. Olha para ti, olha para ti. O que foi? Que desgraça, olha para ti. E eu olhava para mim a rir-se de mim. Não devemos perder a capacidade de nos rirmos de nós próprios, mas não exageremos. Como os cigarros, é melhor parar. a Escritor rui.cardoso.martins@publico.pt Pública • 24 Maio 2009 • 39


Acha que existe uma relação entre a idade e aquilo que podemos vestir? Todos temos o direito de nos expressarmos de uma forma livre e criativa.

E a mais absurda? Um pólo muito divertido BeaYukMui, com cerejas bordadas.

Qual foi a peça mais cara que já comprou? Um blazer em pele Fendi.

Uma palavra que defina a maneira como se veste, o seu estilo? A palavra preferida dos psicólogos: “Depende.”

Veste-se sempre no mesmo registo ou muda conforme as situações sociais ou as pessoas com quem está? Habitualmente visto jeans, T-shirts e pólos por serem mais práticos.

Por que é que se vestiu assim? Gosto de me vestir de uma forma descontraída no dia-a-dia.

O que é que tem hoje vestido? Pólo Fred Perry, jeans Diesel e ténis Adidas

Texto de Mariana Guedes de Sousa Fotografias de Luísa Ferreira

O meu estilo? Depende

estilo Pela loucura, despreocupação e genialidade admira Björk e Matthew Barney


marianagsousa@sapo.pt

A cor que nunca veste? Talvez peças de roupa brancas. a

A cor que mais veste? Não tenho problemas com cor, desde que de uma forma regrada.

O que é que nunca usaria? Qualquer peça que me ridicularizasse a mim próprio perante o espelho em casa!

Quem é a pessoa cujo estilo mais admira? Pela loucura, despreocupação e genialidade em diversas áreas criativas, o casal BjörkMatthew Barney.

Qual foi o dia ou situação da sua vida em que se sentiu mais bem vestido? Raramente me sinto mal vestido, até porque a roupa que tenho é toda conjugável.

Faz ou já fez terapia de retalho? Já tive os meus momentos de terapia de retalho, mas vão sendo cada vez menos.

Há alguma peça (relógio, brincos, anéis) sem a qual não consegue sair de casa? Relógio, óculos de sol e iPod.

O que é que dita aquilo que veste de manhã? Sobretudo o tempo, porque na maioria das vezes visto a primeira coisa que apanho.

O seu estilo é uma atitude consciente ou algo que apenas acontece? O estilo mais informal tende a ser mais fluido e não muito pensado. Em ocasiões mais específicas, costuma ser mais estudado.

Nome David Filipe Rodrigues Idade 28 anos Profissão Doutorando em Psicologia Social


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42 • 24 Maio 2009 • Pública

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Verão não tarda e está na hora de pensar em actualizar a roupa com que entramos no mar. Mas como escolher a peça ideal se no momento de comprar biquínis e fatos-de-banho eles surgem nas mais variadas cores, padrões e modelos? Como adequar o traje de praia às curvas do corpo? Escolhendo aqueles que valorizam os pontos fortes do corpo e que disfarcem os fracos. Quem tem pernas compridas e o tronco curto deve escolher uma cueca de biquíni de cintura baixa porque alonga o corpo. Já quem não praticou exercício suficiente e ainda exibe uma barriguinha deve usar uma cueca de cintura alta ou optar pela alternativa mais segura: o fatode-banho (muitas marcas têm modelos redutores). Mas a primeira exigência a ter em conta é o conforto, porque estamos a falar de roupas que expõem o corpo e devem funcionar como uma segunda pele. E depois há o tamanho: não devem apertar, pois quando são demasiado justos deformamnos; se são largos, dão-nos um ar flácido. As cores fortes estão na moda, mas reflectem muita luz e por isso destacam e ampliam a superfície (só para magras, portanto). Ao contrário, as cores escuras ou sóbrias tendem a disfarçar o peso a mais. A evitar mesmo são os tons da família da pele, os estampados demasiado grandes e os contornos de cores vibrantes e fluorescentes. a Maria Antónia Ascensão

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Pública • 24 Maio 2009 • 43

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44 • 24 Maio 2009 • Pública

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tratamento ENRIC VIVES-RUBIO

Um quadrado criado por Samuel

D

uas vezes na vida mudei de corte de cabelo. Na época em que era muito magra — e o meu pai e a minha mãe diziam que parecia “um arame” — achei que podia usar o cabelo curtinho, curtinho. Foi uma má experiência que não repeti. Mais recentemente arrisquei uma “tigelinha” — foi feita por um profissional e ficou muito bem. O resto da vida, o cabelo andou sempre igual: mais pelos ombros ou mais pelas orelhas, mas sempre cortado a direito. Pesado e desinteressante, terá decidido Samuel Rocher, o homem que conseguiu dar uma nova dimensão ao quadrado que me emoldura o rosto. E que Samuel, depois de olhar bem para mim, achou que era o formato ideal para a minha cara ovalada. Só precisava de estrutura, de leveza, de “corte”, coisa que não tinha. Samuel olhou-me para o rosto, apalpou o cabelo, fez o seu diagnóstico e perguntou: “Tem tempo para corte e cor?” Sim, sim, respondi, hoje faço tudo o que quiser. A colorista foi chamada e seguiu-se o debate: o tom deveria ser natural e não muito claro, para não interferir com o tom da pele. Enquanto a colorista trabalha e a cor se agarra aos cabelos brancos, dá para olhar à volta. O espaço de Samuel Rocher é um primeiro andar no Chiado (Lisboa) e tem vista para a Igreja dos Ingleses. As paredes estão pintadas de cinza e verde-lima, e como o edifício é pombalino algumas das suas estruturas originais de madeira foram deixadas a descoberto. A intenção de Samuel era criar um espaço que se assemelhasse a um atelier, e conseguiu: há um lado industrial no ambiente e um lado de sofisticação. Está-se ali bem, enquanto nos tratam o cabelo — ainda cheira a tinta

fresca, o espaço inaugurou há pouco (a 2 de Abril). Samuel Rocher já “morava” ali há algum tempo, mas no andar de baixo — foi o responsável pelo espaço Dessange no Chiado, o que fechou, mas Samuel, que gostou de Lisboa e de Portugal, decidiu ficar e lançar a sua própria marca — Samuel Rocher; Atelier de Coiffure. Em França trabalhou com dois nomes famosos, Bruno Pittini e Alexandre. No momento do corte, e quando percebi que não me ia ver livre do cabelo quadrado, confesso que fiquei desapontada. Mas a progressão — das tesouradas e da conversa — convenceram-me. Sim, o cabelo está para o quadrado, mas está todo escadeado, o escadeado não é linear e nem é preciso grande trabalho de secador para ficar interessante — nunca mais teve aquele ar de cabelo colado à cara, nunca mais precisei de usar o elástico para me livrar do ar aborrecido do meu cabelo. Quase no fim do corte, Samuel Rocher fez outra coisa acertada: mandou-me ao médico. O cabelo, explicou, não está bom, deve haver qualquer problema; recomendou que fizesse análises (não lhe contei, mas já estavam feitas e por isso é que sei que acertou no diagnóstico). O cabelo, que cresce 1,5 centímetros por mês, deve ser cortado de dois em dois meses; se deixamos passar mais tempo, o corte morre e o cabelo tornase uma massa disforme. O meu foi cortado no início de Maio, vou lá voltar nos primeiros dias de Julho. Porque o grande truque quando se vivem épocas de grande crise é consumir menos, mas melhor. Não vale a pena ir todas as semanas dar um jeito no cabelo, vale a pena investir num grande corte. a Ana Gomes Ferreira

Samuel Rocher Largo do Chiado, n.º15, 1.º Lisboa Tel. 21 342 1030 Preços a Corte com Samuel Rocher €70 a Corte com outro profissional €60 a Coloração Musk Davines €46 a Champô Alchimia Chocolate €12 a Máscara Alchimia Chocolate €8

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Pública • 24 Maio 2009 • 45


manias A sua mala perdida pode estar na Internet

L

una Laboo avisa logo: “É um bocadinho estranho, mas não tão estranho quanto coleccionar selos. É só um bocadinho mais difícil de encontrar sítio para a guardar.” Aquilo que Luna Laboo tem de guardar e que tanto espaço exige (e que faz com que ela olhe com sobranceria para a filatelia) são malas. Não, ela não faz colecção de malas, carteirinhas ou clutches. Colecciona (e se calhar era mesmo melhor dizer que colige) malas de viagens alheias. Ela não é um dos misteriosos duendes que fazem com que todos os anos desapareçam, se estraguem ou se percam 32,8 milhões de malas nos aeroportos. Nem sequer é uma viajante frequente cujas malas se tenham trocado com as de outros turistas. É simplesmente uma curiosa que transformou uma experiência que deveria ter sido única numa mania. Luna Laboo é a anfitriã do site que nos pergunta Is This Your Luggage? “Quando uma mala se perde, o aeroporto ou a companhia aérea armazenam-na e tentam encontrar o seu dono. Mas se não conseguem identificar o dono, ela é leiloada e o lucro vai para organizações de beneficência”, explica Laboo no seu site. O papel de Luna é simples. Começou por ir a um desses leilões “por curiosidade”, como explicou à CNN, mas agora é quase obcecada pelas malas. É que não só se dedicou a espiolhar o seu conteúdo, mas deu o passo seguinte no mundo do “sempre ligado”. Comprou mais malas e fotografou o seu conteúdo, publicando as imagens na Internet e convidando aqueles que perderam malas há muito a reclamar os seus pertences. Luna tenta oferecer um final feliz a quem já sofreu pior do que ver a sua mala emergir das profundezas dos tapetes

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rolantes da zona de recolha de bagagem com o fecho rebentado e a roupa interior a transbordar, numa vergonha partilhada com todos os passageiros daquele voo infernal e — transcontinental. Tenta devolver o seu a seu dono e espera atingir esse fim através de truques para identificar se as pessoas que a contactam são as verdadeiras proprietárias do espólio itinerante. Como? Através de “pequenas coisas, como a marca das roupas”, explica à CNN, mas também outros expedientes que preferiu não revelar. Na altura em que falou com a CNN, tinha onze malas na sua posse. Quando esta edição fechou, já eram só seis — portanto, cinco delas podem ter encontrado o seu dono. Também contou à CNN os itens que achou mais estranhos nas malas que obteve: uma bagagem composta exclusivamente de meias e peúgas cuidadosamente enroladas umas nas outras, mas todas desirmanadas; uma outra com roupa interior masculina muito desgastada e usada, quase a parecer suja; ou uma com uma farda de enfermeira — mas das marotinhas, mais adequadas a jogos de interpretação de personagens em contextos... cálidos. Agora, e porque a sua mania não só dá um bom tema mas também um momento de escape

www.isthisyourluggage.com

Você tem a mania de quê? Partilhe as suas manias publica@publico.pt

vouyeurista, restam seis malas muito diferentes mas com conteúdos sempre interessantes — para quem gosta de bisbilhotar a roupa alheia. Há uma mala de um passageiro cheia de roupa comum, mas que depois contém uma vestimenta cor-de-vinho bordada a amarelo e com corte árabe. Há outra de uma rapariga (imaginamos nós) com amor ao surf ou pelo menos ao surfwear, que ia equipadíssima para uma


estadia balnear. E a de alguém com uma obsessão por lenços (contámos 16) de pescoço e de assoar e que, depreendemos, é o tal viajante com roupa interior em mau estado. A quem comprovar ser o dono das malas em Web-exposição, Luna Laboo só cobrará os portes de envio para as devolver. Mas a ela (e a quem visitar o seu site) ninguém tira a alegria de ter feito algo que equipara a “saquear a mala ou o roupeiro de outrem se tivéssemos entrado em suas casas. É fazer algo que não estamos autorizados a fazer”, remata. Depois disso, apercebeu-se de que ficou a conhecer melhor, de certa forma, os anónimos proprietários das malas que comprou. “Quanto mais vasculhamos nas malas e mais vemos as personalidades destas pessoas, pensamos: ‘Estas coisas são delas e não tenho muito direito de as ter.’ E foi aí que comecei a tentar devolver-lhas.” Perdeu alguma mala? a Joana Amaral Cardoso

Nós no mundo Ricardo Garcia

C

jcardoso@publico.pt

Porquê Por que é que os homens perdem cabelo... e ficam carecas? A alopécia (a perda de cabelo) é mais comum nos homens, mas também acontece a algumas mulheres. No caso dos homens, a culpa é da hormona masculina DHT, uma espécie de subproduto da testosterona. Depois, entra a genética. Não há propriamente uma regra, já que a calvície tanto pode vir do pai ou da mãe e do que eles transmitem. A certa altura, às vezes antes dos 30, o ciclo de crescimento do cabelo começa a tornar-se mais curto. Eles crescem e caem mais rapidamente, não ficam tão compridos e começam a tornar-se mais finos. A certa altura, o ciclo de crescimento extinguese e não nascem novos cabelos. a Joana Amaral Cardoso

Faça chichi no duche. Cada descarga de autoclismo consome 12 litros de água

onselhos de medidas para salvar o planeta é o que não falta por aí. Mas aqui está um que escapa à normalidade: fazer chichi no duche. É isso mesmo o que sugere a organização ecologista brasileira SOS Mata Atlântica, numa campanha lançada no princípio do mês. O raciocínio é simples. Cada descarga do autoclismo consome até 12 litros de água. Ao fim de um ano, somam-se 4380 litros. E essa poupança está ao alcance de cada um, bastando para isso valer-se do momento do duche para aliviar a bexiga. Como a água está a correr de qualquer jeito, não há desperdício. A campanha fez correr tinta. A organização diz que foi uma forma divertida de chamar a atenção para atitudes simples que contribuem para a protecção dos recursos naturais. Neste caso, menos consumo de água e menos esgotos ajudam a preservar os rios e reservas de água. E a Mata Atlântica — floresta tropical considerada como um dos ecossistemas com maior biodiversidade do mundo — agradece. A campanha, convenhamos, introduz como novidade algo bastante usual — quem nunca fez que se acuse. Mas, como a memória não é o forte da sociedade, pulularam dúvidas. É perigoso? É sujo? Não polui? A empresa que trata dos esgotos do estado de São Paulo teve de emitir um comunicado para informar que, do ponto de vista da poluição, é indiferente se a origem é a sanita ou o banho. E houve jornais que, alarmados por vocação, foram ouvir a abalizada opinião de dermatologistas. Todos ficaram descansados: a urina, afinal, é praticamente inócua — 95 por cento é água. E a ureia que compõe os cinco por cento restantes até opera como hidradante da pele. Se a medida vai mesmo salvar o mundo, é motivo de controvérsia. Mesmo porque o ser humano não é bicho de se contentar com uma por dia. A própria bexiga não foi feita para isso, de modo que guardar-se para a hora do duche é um atroz convite ao sofrimento. Por isso, a campanha até pode estimular o efeito contrário: em vez de um chichi por banho, um banho por chichi. a rgarcia@publico.pt

Pública • 24 Maio 2009 • 47



receita

Receita retirada do livro Cozinha para quem Quer Poupar, de Mafalda Pinto Leite, A Esfera dos Livros, €27

Hambúrgueres de cogumelos e mozzarella €1,22 por dose

Ingredientes (4 pessoas) 2 dentes de alho picados 2 colheres de sopa de azeite 4 cogumelos grandes portobello, sem talo 120g de queijo mozzarella fatiado 4 pães de hambúrguer 1/3 chávena de pesto 50 g de espinafres 1/3 chávena de tomate seco e picado

Preparação Aqueça uma grelha em lume médio-alto. Misture o alho e o azeite numa tigela. Pincele o azeite de alho em ambos os lados dos cogumelos. Grelhe, com o talo para baixo, por 6 minutos ou até estarem quase tenros. Vire e recheie a parte de cima com queijo. Tape com uma assadeira virada para baixo. Cozinhe por 3 minutos ou até o queijo derreter. Transfira para um prato. Corte os pães ao meio e pincele a parte cortada dos pães com azeite. Grelhe por 2 minutos ou até estarem torrados. Barre o pesto por cima das bases do pão. Cubra com os espinafres os cogumelos e os tomates. Tempere a gosto com sal e pimenta. Coloque a parte de cima do pão e sirva. (Preço por dose calculado tendo na despensa alho, azeite, pesto e tomate seco)

Experimentou algumas destas receitas? E resultou? publica@publico.pt

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NUNO FERREIRA SANTOS

o que sei sobre as mulheres

Fernando Nobre, 57 anos, médico e presidente da AMI (Assistência Médica Internacional)

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por Ana Sousa Dias

Fernando Nobre

T

enho a grande sorte de ter três grandes mulheres na minha vida: a minha mãe, a minha mulher e a minha irmã, que me apoiou na AMI desde a primeira hora. Com funções diferentes — mãe, irmã, mulher —, o ponto comum que tiveram foi um amor, uma fidelidade e uma disponibilidade sem falhas. O bom senso, o realismo, o pragmatismo delas impediram-me de fazer asneiras porque eu sou um sonhador e elas chamaram-me à terra, moderaram a minha “loucura”. Sempre souberam que o meu trabalho é essencial para mim, nunca tentaram impedir-me de partir, pese embora o receio que sei que sentiram. Quando começou a guerra do Iraque, a minha mãe estava muito doente e essa foi a única vez que o que ela disse me levou a não ir. No dia da partida, fui despedir-me dela e perguntei: acha que posso ir? Eu sabia que não podia e queria que ela me dissesse: “Vai em paz, hás-de voltar a tempo de me veres viva.” Mas respondeu: “Meu filho, tu és médico, tu é que sabes.” Naquele segundo, decidi que ia ficar com ela. E ainda bem que fiquei, ela veio a falecer pouco tempo depois. Há anos, disse à minha mulher que gostaria de passar um Inverno na rua para saber o que sente um sem-abrigo. Ela imediatamente desmontou a

ideia: tu nunca serás um semabrigo, no dia em que estiveres farto ou doente basta que me ligues e eu vou buscar-te. Eu não tinha pensado que a profundidade do drama do semabrigo é não ter esperança. Eu teria sempre o meu ninho. A mulher é mais corajosa, vai à luta, não por ela mas por aqueles que ama. Nos campos de refugiados, elas, as crianças e os idosos são mais violentados, e basta ver o que está a acontecer no Darfur com as violações repetitivas das mulheres. É o ponto fraco da mulher, perante a besta que é o homem, com pouca ética da cintura para baixo. Ai da mulher que não tenha um pau, uma catana ou uma faca para se defender porque, quando as pessoas estão com fome e chega um camião com a ajuda alimentar ou com água, os piores instintos vêm à cabeça, vale tudo. Na AMI, há uma esmagadora maioria de mulheres, talvez 70 por cento. As mulheres têm mais disponibilidade para causas sociais, humanitárias, sobretudo quando envolvem crianças. Acredito que as mulheres, porque são possíveis mães ou irmãs daqueles que vão ter de morrer, encontrariam maneira de chegar a consensos evitando conflitos sangrentos. Nós temos nos genes a caça, a guerra, o conflito, a afirmação, a força bruta, o guerreiro. A mulher anda com o filho nove meses

na barriga, cria uma relação de afectividade com os outros seres que o homem não sente. Em países onde vou com frequência, as mulheres têm um papel essencial — vão buscar a água, cultivam o campo, ocupam-se da alimentação da família, tratam das crianças e dos doentes. São elas o verdadeiro agente do desenvolvimento. A questão do género introduziuse no léxico da política do desenvolvimento, há projectos de apoio às mulheres. Se quiserem comprar um lenço, vão pensar dez vezes se aquele dinheirinho não vai pôr em risco o orçamento vital da família. O homem é capaz de chegar a casa sem salário porque rebentou tudo no café com os amigos. Nas instituições de microcrédito, as mulheres são a grande maioria dos beneficiários. Os políticos julgam que têm

No Darfur, ai da mulher que não tenha um pau, uma catana ou uma faca para se defender

poder e apercebem-se mais tarde de que andaram a correr atrás de uma ilusão. As mulheres são mais sábias e lúcidas, sabem que esse poder não é verdadeiro. Não querem participar em jogos efémeros porque dão a verdadeira essência das coisas, elas dão a vida. Sabem o que é uma vida. Sou um ser humano, um homem com as qualidades e defeitos de todos os homens. A primeira abordagem perante uma mulher é física, olhamos e agrada-nos ou não. Não tenho um alvo específico, nem mãos, nem pés, nem olhos, nem nariz, é uma visão global da pessoa. Mas depois tem de ser alguém com bagagem ética e intelectual, com quem possa dialogar, comungar de ideais, viajar. Há uma expressão francesa muito gira que fala em atomes crochus entre duas pessoas. Há pessoas com as quais não temos empatia. Pode ser uma beleza física perfeita, mas fria e arrogante. A primeira vez que vi a minha mulher, quando comecei a vir de Bruxelas a Portugal para dinamizar a AMI, pensei: “Que mulher bonita…” Só passados anos de convívio dentro da AMI aprendi a conhecer o valor humano daquele ser e fomo-nos aproximando. a anasdias@netcabo.pt A partir de uma conversa com o médico

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objectos 4 1

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Texto Mariana Guedes de Sousa Fotografia Hélder Olino 1 Chapéus Sempre andei de chapéu. Não para me esconder debaixo dele, mas para me proteger, do frio ou do sol. Quando comecei a trabalhar, usava-o para me proteger do frio, quando lavava a cabeça de manhã e tinha de sair de casa com o cabelo molhado. 2 Flores A minha filha Margarida está sempre a dar-me flores, para me ver mais feliz ou simplesmente para dizer que gosta de mim. Gosto deste nosso ritual. Gosto

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de receber as flores dela. 3 Chave Gosto de chaves. A chave do enigma. A chave do meu coração. A chave dos meus segredos. A chave da felicidade! 4 Bússola Faz parte de uma pequena colecção. A primeira foime dada por um colega de trabalho. Gosto da metáfora da bússola. Um objecto que nos ajuda a não perder o Norte…! 5 Jeans São a minha imagem de marca! A não ser quando o dress code

obriga, ando de jeans. Tenho muitos, muitos pares. São assim uma espécie de farda. 6 Perfumes Adoro perfumes, de todos os géneros e feitios. Pode dizer-se que os tenho aos montes, por todo o lado, assim em jeito de colecção. 7 Colher de prata É a minha colher de bebé. É provavelmente o meu objecto mais antigo. Foime oferecido por alguém da minha família, com a minha data de nascimento gravada e tudo!


Alexandra Lencastre é uma das mais aclamadas e premiada actrizes da sua geração. Semanalmente, conduz o programa de entrevista Conversa Indiscreta, na TVI 24.

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8 Caneta Quem gosta escrever precisa de boas canetas. Esta é pesada e bonita como eu gosto. 9 Óculos De sol, para me proteger da luz. Não consigo andar na rua sem uns. De ver, porque infelizmente já preciso deles para ler e ver televisão. 10 1.º desenho Um dos primeiros desenhos da minha filha Catarina. Guardo-o até hoje. É especial para mim. 11 Apaga-velas Adoro velas, grandes, pequenas, com e sem cheiro... Gosto

particularmente deste objecto para as apagar.

Livros porque, como qualquer actriz, preciso e gosto de ler. Livros cheios de histórias que já li às minhas filhas. Livros que me alimentam a alma. Revistas e jornais que me mantêm informada e atenta ao que de novo se diz e faz por esse mundo.

12 Tia Mana A fotografia da minha tia Mana. Irmã da minha avó, tomou conta das três gerações. Da minha avó, da minha mãe e da minha. Foi uma pessoa muito importante na minha vida. 13 Cahier Ulisses Tenho a mania dos cadernos. Para escrever, anotar, apontar… Enfim, gosto de escrever e sempre tive cadernos. Este é especialmente bonito, com a sua capa em pele. 14 Para ler

Qual é o objecto da sua vida? Envie-nos uma imagem e a sua história. publica@publico.pt

15 Matraquilho Tenho uns em casa, sou uma craque a jogar. Jogo com as minhas filhas e com alguns amigos. Faço-o desde os tempos do liceu. a marianagsousa@sapo.pt

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famílias arte Pintar e brincar como os romanos

C

om cuidado, Ana pincela o cubinho vermelho da tessela com cola e vira-o sobre o desenho do papel, que forma o quadrifólio, um trevo de quatro folhas, motivo que os romanos usavam na decoração do chão e paredes. Meia hora depois, ele será apenas um quadradinho vermelho encaixado no meio do gesso e no dia seguinte servirá para expor na sala de aula. O Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas, em Sintra, criou um conjunto de ateliers em que as crianças podem viajar no tempo até à era romana, para fazer mosaicos e brinquedos de antanho e aprender a escrita daquele tempo. Até podem lanchar por ali, com alimentos servidos à maneira da época. Os vários ateliers têm uma duração de duas horas e meia e estão à disposição das famílias, por marcação. Incluem sempre uma visita guiada aos diversos espaços do museu. Será difícil escolher o atelier que tem mais sucesso entre a miudagem. Marta

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Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas Av. Prof. Dr. Fernando de Almeida Odrinhas, Sintra 21 961 3574 geral.masmo@gmail.com Próximos ateliers Ludus aetatis, os prazeres da juventude: jogos e brinquedos 6 e 20 de Junho, 14h30 Preço: €4 por pessoa (os objectos que as crianças constroem são levados para casa) Festas de aniversário: €10

Ribeiro, uma das arqueólogas que acompanham os visitantes, diz que todos têm o seu atractivo especial. Em Opera Musiva, desenhar pedrinha a pedrinha a arte dos mosaicos, as crianças (dos seis aos 12 anos) aprendem a fazer pequenas réplicas de mosaicos vistos durante a visita guiada ao museu e ruínas. As crianças entre os 8 e os 14 anos podem aprender a escrever como os romanos no atelier Litterarum Ductus: imaginando que estão no seu primeiro dia de aulas numa escola romana, e a partir das letras das inscrições nas pedras espalhadas pelo museu, os pequenos escrevem o seu nome e apelido, escolhem uma alcunha e a sua idade. No atelier Pueriles Deliciae (dos cinco aos nove), constroemse brinquedos da época, como bonecos de pano e barquinhos de casca de noz (depois, num alguidar de barro cheio de água, fazem-se corridas), e pintam-se piões e animais em madeira. E os que quiserem brincar nos pátios vestem-se com uma túnica branca com cordão à cintura, penduram uma bula ao pescoço (um saquinho de pele oferecido pelos pais ao sétimo dia de vida, com objectos para lhes dar protecção) e vão jogar ao pião, ao berlinde, aos ossos (lançam ossinhos das patas de carneiro ao ar e têm de os apanhar). No final, há o prandium (o lanche): pão saloio com queijo e manteiga, uvas, maçãs, tâmaras, figos, nozes e leite servido em tacinhas de barro. a Maria Lopes maria.lopes@publico.pt

As suas crianças gostaram de fazer o quê? Conte-nos uma actividade que fez em família. publica@publico.pt

Para os miúdos

a Mochila Eastpak guarda tudo o que eles precisam, €45. Tel. 21 483 7739 a Espreguiçadeira Dreams Baby Sketching, Chicco, €86,90. www.chicco.pt a Dragões Preço: €15 Autor: Judy Tatchell Editor: Editorial Estampa a Relógio Speeding Dial, Flik Flak, para saberem sempre as horas, €35. www.flikflak.com a Crocodilo FlisFlus da linha Acquasand, Imaginarium, €10,95. Tel. 21 716 5991 mito@ publico.pt


A mamã desleixada Lucy Sweeney

P — Decidiste ter aulas de dança folclórica para encheres as longas horas que antes ocupavas a tomar galões comigo?

ela primeira vez desde o início do período, embarco numa tentativa de conversa com o Papá Sexy Domesticado à porta da escola. — Como é que tens passado, Lucy? — pergunta ele. — Optimamente — respondo. Olho fixamente para os meus pés e saltito de um para o outro de forma a evitar o olhar dele. — Decidiste ter aulas de dança folclórica para encheres as longas horas que antes ocupavas a tomar galões comigo? — pica-me ele. Dou um passo para trás e ele dá um passo para a frente em direcção a mim. — Danças folclóricas estão fora do programa desde a Peste Negra — replico. Dou um passo para o lado. Ele segue-me. — Olha, acho que já provámos que conseguimos resistir à tentação — diz ele bruscamente, com a sua cara tão perto da minha que consigo ver o meu reflexo nos seus olhos. Estou quase a render-me ao que quer que seja que ele me ofereça quando a Mamã Dominadora emerge das portas da escola segurando um lenço de mão todo sujo e molhado. — Está tudo bem? – pergunto-lhe, pensando se o marido dela terá anunciado que vai casar com a nova namorada, ou o seu empregado/namorado vai voltar para a Polónia, ou o seu dinheiro estará congelado numa conta daqueles bancos islandeses. — Muito pior do que isso — uiva ela. — A escola recusou passar-nos para a primeira equipa de vólei. — Mas a tua filha não vale nada a jogar vólei — diz o Papá Sexy Domesticado. — Isso não interessa nada — balbucia ela, com um olhar feroz. — Preciso de entrar para a escola de St. Paul’s e para isso preciso de ser uma jogadora polivalente de primeira categoria, e para ser uma polivalente de primeira categoria preciso de estar na primeira equipa de pelo menos uma modalidade, e não na defesa, porque aí ia parecer que sou o tipo de pessoa que fica lá atrás e espera que as coisas venham ter comigo. — Não és um bocado velha de mais para andares na escola? — pergunta o Papá Sexy Domesticado, com um olhar espantado. — Não sou eu, é a minha filha — responde ela impacientemente. — Mas disseste “eu” — insiste o Papá Sexy Domesticado. — E não me vou limitar a subornar a escola com promessas de novas bibliotecas ou equipamento desportivo como faz a Mamãioska Boazonavski. Uso

apenas métodos de persuasão comprovados — continua ela. — Tais como? — pergunto, assombrada. — Litígio judicial. — Queres dizer que ameaçaste tomar medidas legais se eles não passarem a tua filha para a primeira equipa de vólei? — pergunta o Papá Sexy Domesticado pasmado. — Ao contrário da Rússia, vivemos numa verdadeira democracia — proclama a Mamã Dominadora imperiosamente. — Tenho total confiança em que o sistema judicial britânico resolve os problemas. Vocês vão tomar um café? — Hã, não, íamos para a dança folclórica — respondo, batendo rapidamente em retirada na direcção contrária, no que sou seguida de muito perto pelo Papá Sexy Domesticado. a


tarot da maya NUNO SARAIVA

24 a 30 de Maio

Caranguejo 22 de Junho a 23 de Julho XVII A ESTRELA Carta a marcar uma conjuntura muito benéfica e privilegiada a Caranguejo. No plano afectivo, a vida colhe boas influências. A semana é de bons afectos e desenvolvimentos favoráveis. No plano material, possibilidade de modificações positivas. Vai sentir-se mais seguro. Na saúde, está em boa fase.

Virgem

Capricórnio

24 de Agosto a 23 de Setembro XIII A MORTE Dará passos decisivos para o seu futuro. No plano afectivo, pode passar por algumas rupturas que serão dolorosas mas vão abrir-se boas perspectivas. Um novo amor pode surgir na sua vida, trazendo novo alento. No plano material, deixe todos os assuntos arrumados. Na saúde, tendência a alergias.

22 de Dezembro a 20 de Janeiro XVIII A LUA A conjuntura marca um período de intensidade emocional para os nativos de Capricórnio. No plano afectivo, todo o tempo passado com o seu parceiro será muito prazeiroso. No plano material, à sua volta o ambiente é de competição saudável. Na saúde, nenhum acontecimento o deixará indiferente.

Balança

Aquário

24 Setembro a 22 de Outubro VI O AMOROSO Nada o deixará indiferente, tudo viverá com emoção. No plano afectivo, a sua vida está em fase de avaliação, quer esta situação seja criada por si, seja por quem lhe é próximo. No plano material, tente manter-se atento e disciplinado. Na saúde, o seu sistema nervoso apresenta alguma instabilidade.

21 de Janeiro a 19 de Fevereiro II A PAPISA Poderá ficar surpreendido com revelações importantes que serão decisivas para formular juízos. No plano afectivo, esteja mais atento aos comportamentos de quem está consigo. Terá de se esforçar muito esta semana no que diz respeito ao plano material. Na saúde, esteja atento a todos os sinais do seu corpo.

Escorpião Carneiro

Gémeos

21 de Março a 20 de Abril IV O IMPERADOR Está muito lúcido, objectivo e eficaz, marcando pontos em todas as situações que se envolver. No plano afectivo, esta semana não aceite opiniões ou que se metam demasiado na sua vida. No plano material, todos os negócios darão bons resultados. Na saúde, revela tendência para aumentar de peso.

22 de Maio a 21 de Junho VIII A JUSTIÇA A Justiça requer que seja muito cumpridor. Seja muito sério e sensato a lidar com sentimentos. No plano material, poderá obter algumas respostas que o ajudem a clarificar a sua situação profissional. Na saúde, uma alimentação pouco cuidada pode trazer-lhe transtornos.

Touro 21 de Abril a 21 de Maio XIIII A TEMPERANÇA Aceite novas ideias e projectos e não se feche a novas perspectivas de actuação. No plano afectivo, não faça esforço algum para conter emoções, pois não irá aguentar eternamente. No plano material, embora esta semana corra riscos, não tenha receios. Na saúde, sensações súbitas de mal-estar.

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Leão 24 de Julho a 23 de Agosto XX O JULGAMENTO Esta semana traz momentos decisivos para estes nativos. No plano afectivo, a semana inicia-se sem grandes motivos de interesse ou entusiasmo. No plano material, a semana é de muito trabalho. Na saúde, a sua conjuntura é radiosa. Situações de doença terão convalescenças rápidas.

23 de Outubro a 22 de Novembro XII O DEPENDURADO Esta carta não define uma conjuntura brilhante, mas trazlhe, esta semana, meios de superação. No plano afectivo, terá de enfrentar um período algo morno e desmotivado, o que lhe trará insatisfação. No plano material, pode contar com muito trabalho. Na saúde, vai sentir-se muito cansado.

Sagitário 23 de Novembro a 21 de Dezembro VII O CARRO Aceite e desfrute aquilo que lhe é oferecido sem qualquer tipo de reserva. No plano afectivo, as relações com o círculo habitual podem ser bruscamente alteradas. No plano material, maior harmonia nas relações profissionais, com melhor entendimento de grupo. Esta semana não se preocupe com este sector.

Peixes 20 de Fevereiro a 20 Março IX O EREMITA O Eremita não facilita os seus passos, pelo que se aconselha prudência e que reaja com calma a dificuldades. No plano afectivo, não é boa altura para pedir definições de sentimentos. No plano material, pode ser obrigado a fazer uma pausa. Na saúde, descanse mais e reponha as suas energias.


Coffee-break Bárbara Reis A amante oficial

N É impossível viver com um retrato de alguém numa parede sem pensar nessa pessoa sempre que a vemos, ainda por cima morta

o fim do Inverno, comprei um retrato de Louise de la Vallière, uma cópia feita no século XIX a partir de um original que eu nunca vi, e dei por mim a pensar nela todos os dias. Atrás, o quadro tem uma inscrição semiapagada que diz “Madame La Vallière, a preferida de Luís XIV” e o nome de um famoso pintor da corte do Rei-Sol — Pierre Mignard. Um Mignard não é de certeza. Se fosse, estaria em Versalhes e não na minha casa. Não sei quem é o autor, nem quem é esta mulher e por isso chamámos-lhe apenas “a amante” e passámos a dizer “a sala da amante” (tipo: “Viste as chaves?”, “estão na sala da amante”). É impossível viver com um retrato de alguém numa parede sem pensar nessa pessoa sempre que a vemos, ainda por cima morta. Com o tempo, conseguimos descrever de olhos fechados os pormenores menos óbvios — a forma das orelhas, a dimensão da testa ou o caracol que cai do lado direito. E acabamos à procura da história. Luís XIV foi uma criança tão precoce que, para mal das suas amas-de-leite, nasceu já com dois dentes. Aos cinco anos tornou-se rei e pouco depois casou com a sua prima Maria Teresa, a sonolenta infanta espanhola com quem nunca foi feliz. Em 1661, quando foi apresentado a Louise de la Vallière, os dois apaixonaram-se. Por tudo o que se escreveu nos últimos 350 anos, pode dizer-se que foi um amor improvável. Ele tinha 23 anos, era “alto, livre, amplo e robusto”, tinha uns “lindos e longos cabelos encaracolados” e era considerado o homem mais belo de França, na descrição da escritora Antonia Fraser, viúva de Harold Pinter. Ela tinha 17 anos, era pequena e demasiado magra para o gosto da época, tinha “uma pele rara, cabelo loiro, olhos azuis”

e “uma expressão carinhosa e modesta”. Não era propriamente bonita, tinha uma perna mais curta do que a outra e coxeava ligeiramente, mesmo com sapatos especiais feitos com saltos de alturas diferentes. Louise era virgem, muitíssimo religiosa e tudo o que se escreveu dela espanta quando pensamos que era dama de companhia de uma princesa exuberante e viveu em palácios sumptuosos: era maria-rapaz, uma incrível cavaleira, não era um pingo coquete e não se impressionava com o poder. Dumas, que se inspirou na sua vida para uma parte da trilogia que iniciou com Os Três Mosqueteiros, diz que “olhava as jóias com indiferença”. Num gesto que só o amor puro pode explicar, Luís e Louise tornaram-se amantes. No século XVII, ser a amante oficial do rei obrigava uma mulher a esconder-se no fim da gravidez (e Louise teve seis filhos do rei), a regressar à corte horas após o parto para despistar más-línguas e a abandonar os filhos. Por causa da sua devoção religiosa, ser amante foi-lhe particularmente difícil, com fugas para conventos e dramas ainda maiores. Tudo isto para, ao fim de cinco anos, o rei se apaixonar pela marquesa de Montespan. Como presente de despedida, Luís XIV tornou Louise duquesa e ofereceu-lhe uma propriedade, mas durante os sete anos seguintes obrigou-a a cuidar da sua nova amante. Só em 1674 a deixou ir para um convento, onde Louise morreu 36 anos depois. Ao contrário do que diz a velha nota colada nas costas do meu novo retrato, a amante preferida de Luís XIV foi a marquesa de Montespan, não Louise. Mas não me sinto enganada. Um amigo historiador de arte diz que só pela moldura já valeu a compra e as minhas filhas acham que Louise de la Vallière “parece a mãe num quadro dourado”. Além disso, tenho agora um bom pretexto para ir ao Castle Howard, o palácio onde foi filmado Reviver o Passado em Brideshead. É lá que está o retrato original que Pierre Mignard pintou da senhora La Vallière. a Jornalista breis@publico.pt

Pública • 24 Maio 2009 • 57


inquérito Criado por Miguel Esteves Cardoso, Pedro Mexia e José Diogo Quintela

LUÍS RAMOS/ARQUIVO

Com que idade percebeu que falhou na vida? Só para o ano que vem. Qual é a diferença entre um alfacinha e um tripeiro? Ultimamente, os tripeiros têm sido ministros da Cultura (já lá vão três, senhora incluída).

Já fingiu que não viu um amigo de há 20 anos? Não, não, não.

Qual o defeito que mais os enternece? A imensa vaidade.

Quando votou nulo, o que escreveu? Não brinco com coisas sérias.

Trata de forma diferente as pessoas feias e as bonitas? Sou míope.

Qual é a música mais foleira que canta no duche? Nunca tomo duche, só banho de imersão. E canto sempre Verdi. Foleiramente.

Quando está com uma pessoa deficiente exagera no ignorar da deficiência? Mas as pessoas não são todas deficientes?

Quando foi a última vez que teve medo de um médico? Na PIDE, em Caxias, 1968. E nos filmes com dentistas e Laurences Oliviers.

Com que figura pública se acha fisicamente parecido? Eu bem gostava de ser como o Gary Cooper a fumar Chesterfield. Mas calhou-me o Woody Allen.

Com que regularidade se googla? De dez em dez minutos. Ou de seis em seis? Que jornal ou revista usaria para matar um insecto? Não tenho comprado jornais, deixei de gostar de propaganda. Se fosse jantar com Woody Allen, onde o levaria? Ao Tavares Rico, para ele não perceber que eu sou mais um espelho ou mesmo o Zelig. O que almoçou hoje? Uma empada feita de restos de cozido à portuguesa, deliciosa. Com arroz de coentros, coisa arabizante. E o que deveria ter pedido? Não me engano nos pedidos.

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Já teve problemas com um vizinho? Que ideia! Quantas vezes já fez amor a uma terça-feira? Nunca ao domingo, dizia a Melina Mercouri.

Qual a sua qualidade que mais irrita os seus amigos? Não tenho qualquer qualidade e nunca irritei ninguém, nem mesmo os inimigos.

Tem números que memorizou no telemóvel só para não atender? Nunca atendo o telemóvel, ando surdo.

Qual o luxo pré-crise de que tem saudades? O sexo.

Numa luta entre um tubarão e um tigre, quem ganha? Sandokan sempre. O tigre da Malásia.

Jorge Silva Melo

60 anos, encenador e director dos Artistas Unidos

Qual o segundo momento mais marcante da sua vida? O daqui-a-nada mesmo. Sem ser essa mariquice de morrer a dormir, como é que preferia morrer? Muito tarde, na caminha. Qual o seu pintor favorito da Escola Flamenga? Não gosto de escolas. Gosto de todos os pintores. Agora a sério, alguma vez encolheu a barriga? Todas as manhãs, para apertar o cinto. Num incêndio em sua casa, que objecto faria tudo para salvar? Os óculos.

Quando quer impressionar, que escritor cita? Eu próprio, talvez comprem um livrito. O que é que realmente pensa dos homens que choram? Bastante bem. Alguma vez teve vergonha dos seus pais? Que pergunta mais reles! Onde é que estava quando Sampaio despediu Santana? Em casa, a tremer (“ai se ele não despede o gajo”, era o que eu pensava, alternando com “é desta, é desta”) e ao telefone. Este é um dos três melhores inquéritos a que já respondeu na vida? Não, não, não é. a


50 99 99 65

CD

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