Jornal Contexto - n° 38 - Agosto 2008

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Jornal laboratório do curso de Jornalismo da Unesp _ ano 24 n° 38 _ agosto de 2008

Contextoo Solidão.

Em especial: Ela é fera, ela devora, é amiga das horas. Foro privilegiado:

saiba até onde vai a democracia. As histórias de quem enfrenta o de peito aberto.

frio

Bullying: a violência, o trauma e suas conseqüências. E ainda: Economia, Cultura, Ecologia, Ciência,

Comportamento e muito mais.


V i t r i n e

C o n t e x t oo

Agosto de 2008

Um barco que veleje ........................................................... João Guilherme D’Arcadia

Já ouvi de tudo. Mas o mais grotesco, talvez o mais inimaginável veio uma vez, em um Desencontro de Comunicação em São Paulo, recentemente. “- Projeto de extensão digital não rola muito, porque o pessoal não tem acesso, né?”. Não me lembro ao certo se quem disse tal fundamentação era um professor ou um aluno, que assistia às apresentações dos projetos de extensão veiculados pela internet. Mas isso não vem ao caso. O problema é verificar que ainda existe quem pense na lógica do “quem não tem vez também não deve ter voz”. E vejamos que a julgar até pelos números de usuários da internet no Brasil, esse pensamento se mostra anacrônico: somos o país que fica mais tempo conectado à rede, segundo o Ibope, com cerca de 41 milhões de pessoas online. Mas quantidade também não significa muita coisa, já que o uso que se faz da rede continua superficial, naquelas da comunicação instantânea e do mundo-vastomundo Google.

É nessas duas frentes que um projeto de jornalismo digital, voltado para a extensão, deve atuar: nos outros 140 milhões de usuários que nunca acessaram a rede, mostrando suas potencialidades e lhes permitindo ter “voz”, muito mais que “vez”; e nos atuais 41 milhões, que precisam conhecer muito além do www ponto qualquer coisa. Não sei se a Livrevista cumpre esses dois papéis, nem tenho a pretensão de já afirmar que cumpre. Mas essa tem sido nossa intenção, ao longo desses cinco anos de existência. Criada numa sala de jornalismo em 2003, o site passou por várias reformulações, e hoje conta com uma equipe de 60 estudantes, entre editores, repórteres e colaboradores. São nove canais, que tentam fechar o cerco nas questões que envolvem a atualidade. Não tem essa de culpar a instantaneidade do meio pelo conteúdo raso que vemos nos jornais online. A internet pode ser densa e dinâmica, por mais paradoxal que isso possa parecer. Os textos são divididos em fragmentos, tomando o cuidado para não compartimentalizar o conteúdo. Fo-

Contextoo

tos, links, videocasts, podcasts e espaços para discussão aumentam as possibilidades da revista. A abordagem é preferencialmente voltada para Bauru, o que além de facilitar a produção para nossos repórteres, devolvem à nossa cidade o mínimo que se espera de um projeto de extensão alocado aqui. Passamos por muitas dificuldades, claro. Ainda engatinhamos em alguns aspectos, principalmente naqueles que dizem respeito à lógica da produção digital, que ainda é muito nova. Tais percalços tendem a ser superados, e muitos, sem dúvida, já o foram. Vale conferir: www.livrevista. com. Foi Gilberto Gil que certa vez perguntou “com quantos gigabytes se faz uma jangada, um barco que veleje?”. Não sei precisar em bytes. Mas creio dizer que essa jangada veleja às custas de uma vontade irrefreável de dar voz aos que, por enquanto, ainda não têm vez.

Jornal-laboratório produzido pelos alunos do 6º termo do curso de Comunicação Social - Jornalismo período diurno da Unesp. Editora geral Priscila Medina Chefe de redação Denise Aielo Secretário de Expedição Henrique Souza Editor de arte Murillo Ferrari Diagramação Fernanda Silva Natasha Bin Editora de Fotografia Karen Ferraz Editora de Política Karen Terossi Repórteres Carina Brunialti Vinicius Borges Editora de Economia Lilian Guarnieri Repórteres Lidiane Orestes Stefhanie Piovezan Editor de Social Jota Mendonça Repórteres Fábio Alvarez Maya Pauliez

João Guilherme D’Arcadia é o atual capitão deste barco que veleja.

Lo alize-se! 4 32 5 6 7 8 9 10 16 11 15 12 14 13

Editora de Educação Ana Cláudia Lima Repórteres Luli Teixeira Paula Rodrigues Editora de Ciência Érica Nering Repórter Megui Donadoni

A justiça que vê

Quem paga a conta?

Frio e preguiça pesam no bolso

Um barco que veleje

Reportagem Especial Bianca Camargo Marcos Paulo Mendes Editor de Ecologia Renan de Oliveira Repórteres Aline Naoe Cristiane Sommer

É preciso mais que cobertor

Reitor Marcos Macari Diretor da FAAC Antônio Carlos de Jesus Coordenador do Curso de Comunicação Social Marcos Américo Chefe do Departamento de Comunicação Social Luiz Augusto Teixeira Ribeiro Professores orientadores Ângelo Sottovia Aranha Luciano Guimarães Luiz Augusto Teixeira Ribeiro Mauro de Souza Ventura Endereço Contexto Departamento de Comunicação Social FAAC - Unesp Av. Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01 CEP: 17033-360 Bauru/SP Telefone (14) 3103 - 6000 E-mail jornalcontexto@faac.unesp.br Fotolito e impressão Fullgraphics

Por entre galpões e garagens, novos caminhos

Brincadeira tem limite...

Em Julho também tem Vestibular Muito mais que frio Pegando na primeira

Editora de Comportamento Paula Rodrigues Repórteres Gabriela Nascimento Natasha Bin Editora de Cultura Laís Barros Repórteres João Guilherme D´Arcadia Layla Tavares

Ela é fera, ela devora, é amiga das horas

Editor de Esportes Tiago Pereira Repórteres Mayara Tolotti Murillo Ferrari

Solidão tem cura

Consciência ambiental: a chave para o novo século

O perigo está no ar

Perfil Michelle Braz dos Santos

Internet: passos e tropeços

Os limites entre o velho e o novo mundo

Reticências

Editorial

Encenando esbarrões

Entre cervejas e turistas...

Aquecimento físico. Por que é tão importante?

A quadrilha que não acabou

Jogos Olímpicos: a maior festa mundial do esporte

Reticências Henrique Souza Marcos Andrade Foto da capa Karen Ferraz

Jornalistas Responsáveis Ângelo Sottovia Aranha MTB 12.870 Luciano Guimarães MTB 28.132 Luiz Augusto Teixeira Ribeiro MTB 10.796 Mauro de Souza Ventura MTB 6235


C ont e x t o

Agosto de 2008

Política

A justiça que vê

Foro privilegiado: o que é e como funciona ............................................................... Carina Brunialti Vinícius Borges

O foro privilegiado é salvaguardo do mandato, não de seus titulares.

dições privilegiadas, enquanto outros estão em situação distinta. Isto fere a noção de Democracia, no âmbito jurídico”. José Carlos Cosenzo, presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) apoiou a Proposta de Emenda Constitucional que coloca fim ao foro privilegiado, mas recomendou cautela no tratamento da questão: “O que a CONAMP sustenta é que, como todos são iguais perante a lei, nós devemos ter um foro comum para todos os cidadãos. Agora tem que ser criado um mecanismo para que, com o fim da prerrogativa de foro, não se instale a insegurança jurídica. Por exemplo, com a aprovação dessa Proposta de Emenda à Constituição [que acabaria com o foro privilegiado], o presidente da República vai poder ser processado por qualquer juiz do país ou um promotor de Justiça vai poder denunciar o Procurador-Geral. Há uma inversão perigosa de valores aí. Além disso, efetivamente, o que vai ser ampliado é o poder investigatório da autoridade policial, pois o

delegado de polícia poderá instaurar inquérito contra qualquer alta autoridade desse país”, argumentou Cosenzo, em audiência pública na Câmara. Na contramão desses argumentos, o ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, justificou, durante uma entrevista coletiva na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), a existência do foro. Para isso, o ministro citou o exemplo do Mensalão: “Dificilmente teria o desfecho que teve se não fosse proposto no STF. Se fosse em um tribunal qualquer, haveria habeas corpus de toda índole e até hoje estaríamos perplexos. O foro é que propiciou essa sensação de cidadania”. Luiz Gonzaga Belluzzo, professor titular de economia da Unicamp, compartilha da opinião do ministro. Belluzzo acredita que a concessão de prerrogativa de julgamento em foro especial às autoridades eleitas não é uma violação do princípio de igualdade perante a lei, e sim uma salvaguarda de mandato, o que garante aos políticos a prática do exercício dos cargos aos quais foram eleitos pelo “princípio inviolável da soberania popular”.

Em que instância está a justiça? Em março deste ano, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou a Proposta de Emenda à Constituição 130/07, do deputado Marcelo Itagiba (PMDB – RJ), que acaba com o foro privilegiado para autoridades processadas por crimes comuns. Nos casos de processos por improbidade administrativa, o foro é mantido para determinadas autoridades (Presidente, Vice, membros do Congresso, Ministros do STF, Procurador Geral da República, governadores e desembargadores). Além disso, o substitutivo da proposta de Itagiba, do também deputado Régis Oliveira (PSC – SP), que foi aprovado pela CCJ da Câmara em junho, estabelece

© Fernanda Silva / CONTEXTO

Não é sempre que a Justiça mantém a venda preta sobre os olhos. Ocupantes de cargos públicos de alto escalão contam com o chamado foro por prerrogativa de função, no caso de enfrentarem um julgamento. O também chamado foro privilegiado consiste na garantia de julgamento pelos tribunais superiores, o Superior Tribunal Federal e o Tribunal de Justiça, de processos contra membros do Executivo, Legislativo e Judiciário. É uma garantia voltada, portanto, para determinados cargos públicos e não para seus titulares. Apesar de o instrumento ganhar uma conotação negativa na boca do povo, não há uma unanimidade com relação ao assunto. Enquanto se discute no Congresso uma Proposta de Emenda Constitucional que coloca fim ao foro privilegiado, especialistas, membros do Judiciário e a sociedade se digladiam na defesa ou no ataque desse instrumento, previsto na Constituição brasileira. Segundo o procurador e ex-presidente da Associação Paulista do Ministério Público, João Antônio Garreta Prats, “o foro visa conferir maior segurança àqueles que representam a vontade popular. É que, ao menos em tese, os órgãos do Judiciário de grau superior [Tribunais] são menos suscetíveis a ingerências externas.”. Garreta Prats defende a manutenção do dispositivo “especialmente porque não é - como se diz normalmente sem uma análise mais séria – ‘privilégio’”. Ele acrescenta que “todos, sem exceção, têm direito ao duplo grau de jurisdição (julgados em primeiro grau, podem pedir a revisão a um órgão superior). Assim, o detentor do ‘foro privilegiado’ será julgado, desde logo, pela última instância. Veja que ele não terá o direito a esse duplo grau de jurisdição.”. A professora e pesquisadora da Unesp, Rita Biason, que é espe-

cialista em estudos sobre corrupção, discorda desta visão. Biason acredita em uma diminuição da impunidade com o fim do foro: “Isso traria mais transparência no controle dos gastos públicos, pois abre possibilidade para a punição dos agentes envolvidos na usurpação de recursos públicos. O foro privilegiado é a antítese dos princípios de igualdade, pois coloca alguns indivíduos em con-

Os detentores do “foro privilegiado” são julgados logo em última instância da justiça: o Supremo Tribunal Federal.

a criação de varas especializadas para julgar somente crimes de corrupção. Segundo Dagoberto Nogueira Filho (PDT – MS), presidente da Comissão Especial sobre o Fim do Foro Privilegiado da Câmara dos Deputados, o substitutivo serve para ajustar algumas situações: as denúncias serão recebidas pelos Supremos e, se procederem, as autoridades responderão em juízo de primeiro grau. Assim, o presidente da República responderia aos processos judiciais em Brasília, enquanto as autoridades estaduais seriam processadas na capital do estado de seu domicílio, em juízo de primeiro grau. A proposta de emenda de Oliveira seguirá para votação no plenário da Câmara e em seguida, será encaminhada ao Senado.

A demora que provoca a impunidade Um levantamento de 2006 divulgado pela Associação dos Magistrados Brasileiros, a AMB, informou que desde a Constituição de 1988, nenhuma autoridade foi condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e apenas cinco foram condenadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O estudo mostrou que das 130 ações que entraram no STF entre 1988 e 2006, apenas seis foram julgadas, 13 prescreveram e 46 foram remetidas a instâncias inferiores. Já no STJ, das 483 ações penais que entraram na corte, 71 prescreveram e 126 foram remetidas a instâncias inferiores. Diante dos dados, Rodrigo Collaço, ex-presidente da AMB, defendeu a idéia de que o foro privilegiado é um dos fatores para o acúmulo de processos e para a ausência de condenações. Em entrevista ao Contexto, o senador Eduardo Suplicy arremata: “Se todos são iguais perante a lei, é injustificável que deputados ou senadores sejam afastados do juízo competente para julgar os casos semelhantes àqueles praticados por particulares”. Existem hoje, cerca de 450 processos contra políticos tramitando nos tribunais superiores de Brasília. No entanto, não houve ainda um único caso de condenação, o que levanta hipóteses sobre a incapacidade da Justiça de corresponder à demanda e provoca nos cidadãos brasileiros uma sensação de impunidade. São cerca de 700 autoridades nos Três Poderes que só podem ser julgadas penalmente pelo STF, composto por não mais de 11 ministros que acumulam anualmente mais de 10 mil casos para julgar. Esses são números que tem feito o Supremo levar de 12 a 14 anos para decidir um caso, des-

contando o período em que ele circula nas instâncias inferiores do judiciário.

A parte que te cabe No embalo dessa importante polêmica, o que mais faz falta é a voz do cidadão, que, com algumas exceções, se mantém apático ou na superficialidade do tema debatido. Informações sobre a atuação dos parlamentares são encontradas no site da Câmara (www.camara.gov.br) ou por meio da TV Câmara, além dos sites pessoais mantidos por alguns parlamentares. Se a Justiça brasileira ainda precisa ser aperfeiçoada, cabe ao cidadão se manter informado da atuação parlamentar e mesmo dos processos ainda não julgados contra seus representantes.

Da prescrição de crimes políticos Só para dar um exemplo da lentidão no Judiciário, ainda não se sabe se a denúncia do caso do Mensalão será aceita ou arquivada. Se aceita, o STF pode não ser capaz de produzir sentenças em tempo de evitar prescrição. Acredita-se que por esse e muitos outros exemplos, a CCJ do Senado aprovou, em 2007, um Projeto de Lei que obriga o estabelecimento de prazos para o julgamento de ações originárias do STF e do STJ. A finalidade é acabar com a prescrição de crimes cometidos por autoridades com foro privilegiado. Segundo o senador Eduardo Suplicy (PT – SP), autor do projeto, os tribunais superiores terão 180 dias para julgar uma ação. O substitutivo do projeto, também aprovado pela CCJ do Senado, coloca ainda que o julgamento de ações para autoridades com foro privilegiado terá prioridade sobre outras, para que não ocorra excesso injustificado de prazos.


Agosto de 2008

Economia

C o n t e x t oo

Quem paga a conta?

.............................................................. Lidiane Orestes

No primeiro dia do mês de agosto, o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) divulgou, em seu último relatório, uma nova alta no preço médio dos alimentos essenciais em 14 das 16 capitais brasileiras pesquisadas. A capital gaúcha, Porto Alegre, pela terceira vez consecutiva, apresentou o maior preço da cesta básica (R$ 259,29) e, embora Salvador tenha apresentado o menor preço nas cidades pesquisadas (R$ 195,65), o estudo apontou que nos últimos 12 meses todas as 16 capitais acumularam altas expressivas nos alimentos. A cidade, atualmente, com a cesta mais cara, foi a que teve o menor percentual de aumento (29,02%), enquanto os maiores percentuais foram observados em Fortaleza (52,48%), Belo Horizonte (52,13%) e Curitiba (45,55%) no acumulado de julho de 2007 para julho de 2008. E o que esses aumentos representam para os brasileiros? Ainda segundo o DIEESE, o trabalhador que, há um ano atrás, trabalhava pouco mais de 92h para aquisição da cesta básica teve que trabalhar mais de 117h neste ano - 25 horas a mais. Aumento de demanda, mudanças climáticas, e incentivos governamentais aos biocombustíveis - esses são alguns dos principais

fatores apontados por pesquisadores, economistas e especialistas como responsáveis pelos constantes aumentos na conta do supermercado. Países como a China e o Brasil estão consumindo mais alimentos. Com o aquecimento da economia dos emergentes, que incluem 30% da população mundial, a mudança de hábitos alimentares é um dos principais agravantes para a crise mundial. No Brasil, programas de assistência do governo às classes mais baixas mudam o quadro. A fome, que antes ocorria por falta de demanda, passa a ser encarada pela alta nos preços estimulada pela falta de oferta. As pessoas não só passaram a comer mais, como também deixaram de produzir seu próprio alimento para adquiri-lo em supermercados. Forçando o aumento na demanda de produtos industrializados para suprir os centros urbanos. O incentivo aos biocombustíveis também é apontado como fator agravante da alta dos preços. Nos EUA, por exemplo, o uso do milho para a produção do etanol encareceu o grão e, em efeito dominó, as rações animais e o preço das carnes. No Brasil, o incentivo ao plantio da cana-de-açúcar gera polêmica: o governo defende afirmando que, dos mais de 350 milhões de hectares disponíveis para

© Natasha Bin / CONTEXTO

Entenda o aumento no preço dos alimentos que assusta consumidores na hora de acertar as compras

Criatividade e habilidade culinária fazem o consumidor gastar menos no inverno.

o plantio no país, apenas pouco mais de 2% são dedicados à cana. Na Organização das Nações Unidas, o relator Jean Ziegler acusa o incentivo brasileiro como “crime contra a humanidade”. Mesmo na ONU, há quem não veja o caso brasileiro com tão maus olhos assim, mas, de fato, em outras economias o impacto está muito mais perceptível. Não bastante, as mudanças climáticas também têm causado prejuízos aos agricultores que, para recuperar as perdas e garantir o lucro nas próximas safras, mexem nos preços após cada seca ou geada e lutam contra novas pragas cada vez mais resistentes. E a alta dos combustíveis? Com a ação desenfreada dos especuladores, queda do dólar e alta constante dos barris de petróleo, os fertilizantes e adubos também são afetados pela variação no preço

final devido aos crescentes gastos com transportes. Mas, o que fazer enquanto soluções imediatas não são apontadas pelos governos e órgãos internacionais competentes? Existe uma forma para economizar na conta do mercado e continuar tendo uma alimentação saudável? Segundo a nutricionista e pesquisadora Rita Chaim - da Universidade do Sagrado Coração – a resposta é sim: “Quando o hábito alimentar é variado, vamos ao mercado e adquirimos o que está mais barato. Conseguimos ter habilidade culinária suficiente para preparações muito criativas - que tal um creme com chuchu, tipo um suflê? Já pensou em uma “pizza” de berinjela?”. Mas, ter um hábito alimentar variado é uma realidade distante da maioria. Além de ser a combinação preferida e mais presente

na mesa dos brasileiros, o preço do arroz com feijão tem sofrido reajustes constantes. A nutricionista explica e aponta alguns fatores que prejudicam uma busca por alternativas mais baratas: “O que se percebe na alimentação do brasileiro é uma cultura que valoriza o consumo de carne. Uma preocupação nutricional é o hábito alimentar que vem se formando nos mais jovens, com pouca variedade de alimentos oferecidos (frutas, legumes, verduras). Um outro ponto que trabalhamos é pela própria estrutura da sociedade atual: famílias trabalhando, pouco tempo para cuidar da educação alimentar das crianças, indústria oferecendo muitas oportunidades alimentares nem sempre nutritivas”. Para mudar essa situação Rita Chaim sugere muita disciplina, consciência e educação alimentar desde cedo para as crianças, e garante que, com um pouquinho de atenção e dedicação podemos encontrar substituições eficientes: “Em nutrição trabalhamos muito com grupos de alimentos. Dentro de cada grupo temos alimentos com características bem próximas. Um exemplo é quando trabalhamos com a Pirâmide Alimentar - ela mostra os grupos, quais alimentos os compõem e qual a porção devemos consumir deles para que tenhamos suprida nossa necessidade energética”.

Frio e preguiça pesam no bolso Queda da temperatura diminui oferta, procura e qualidade de frutas, verduras e legumes. .............................................................. Stefhanie Piovezan

© Karen Ferraz / CONTEXTO

Inverno é época de cobertor, chocolate quente, mas também de abacate, banana prata, caqui, laranja, maçã, morango e tangerina. Inverno também é tempo de preguiça e, segundo os feirantes, ela pode aumentar o preço dos alimentos. O aumento do preço de fru-

tas e verduras após 21 de junho, data em que tem início o inverno no Hemisfério Sul, geralmente está ligado às geadas e mesmo às chuvas que, esse ano, não ocorreram na maioria das cidades. São Paulo, por exemplo, registrou 0mm de chuva durante quase todo o mês de julho. Sem geadas e chuvas, o principal vilão para o aumento dos preços pode ser a

No inverno, produtos alimentícios como o tomate perdem em qualidade e ganham no preço.

preguiça. De acordo com Kelly Araújo Costa, feirante há 16 anos, com o frio, as vendas chegam a cair 50% ou mais. Isso porque, em dias frios, as pessoas começam a chegar à feira por volta das 12h. Em dias quentes o movimento começa às 10h. O frio, além de desestimular a compra, dificulta a plantação: “O segredo é diminuir, só não pode ficar sem”, explica o agricultor e feirante Pedro Teixeira Alves. Durante o inverno, sua plantação em Jundiapeba, no Cinturão Verde de São Paulo, tem menor colheita: “abaixa no frio porque tem menos saída”. Acompanhando a mudança de hábitos alimentares, no inverno, o agricultor diminui a plantação de folhas para saladas, como alface e rúcula, e dá preferência para “refogados”, como couve-manteiga. A preferência por refogados também é das donas de casa, como Lourdes Ferreira que, para aproveitar melhor a couve-flor, sugere o consumo não apenas das “flores”, mas também das folhas que, refogadas, “ficam uma delícia”. A couve-flor foi um dos produtos que mais sofreram variação de preços devido ao frio, chegan-

do a custar R$2,50 a unidade. Outro produto que sofreu aumento devido ao frio foi o tomate, apontado, juntamente com o chuchu, como um dos alimentos que mais se danificam com as baixas temperaturas. Para evitar o prejuízo, os agricultores antecipam a colheita: “com medo do frio, os agricultores tiram o tomate verde do pé”, afirma Eliésio Kelvin Faria. Trabalhando há dois meses no Mercado Municipal de Brasópolis, cidade localizada 453 quilômetros ao sul de Belo Horizonte, o mineiro explica que “a mercadoria fica feia, machucada. As vendas caem uns 50%”. Do início de julho ao início de agosto, o quilo do tomate registrou preços que variaram de R$2,00 em feiras e mercados de São Paulo a R$3,69 no interior de Minas. Não são apenas frutas, verduras e legumes que aumentam devido ao frio. Até o preço do ovo muda, já que a diminuição de luminosidade afeta a produção. As variações de preços relacionam-se também com o lugar de origem da mercadoria. Em Minas Gerais, estado de onde vêm as cenouras que Kelly vende, o quilo do produto no varejo, em julho,

chegava a R$ 2,20. Na barraca de Kelly, em São Paulo, a bacia com menos de 500g de cenoura valia R$1,00. Para a feirante, a explicação está ligada à presença ou não de atravessadores, uma vez que o produto vem da Bahia: “os atravessadores ganham mais”. Pedro concorda com Kelly: “O rendimento aumentou uns 100% desde que eu comecei a plantar”. Com as chuvas que abriram o mês de agosto produtos como beterraba, espinafre e coentro tendem a ter seus preços elevados, assim como abobrinha e limão, que só devem abaixar em novembro. Para fugir da alta, além de aproveitar folhas e talos, o consumidor pode deixar a preguiça embaixo do cobertor e realizar pesquisas de preço. Com uma pequena comparação, descobrirá que o mesmo abacaxi em um hipermercado está R$2,98 enquanto em um mercado de bairro sai por R$1,56; ou a batata-doce, de R$1,18 o quilo, pode ser comprada por R$ 0,86. Para os feirantes a comparação vale mais do que o famoso fim de feira: “algumas mercadorias já vêm feias por causa do frio; no fim da feira só ficam as mais machucadas”.


C ont e x t o

Agosto de 2008

Social

É preciso mais que cobertor

Frieza nas relações sociais atinge projetos beneficentes

Baixas temperaturas pedem mais calor humano. Esse cenário, porém, é possível somente para alguns poucos privilegiados. Grande parcela da população enfrenta o frio (às vezes literalmente) de peito aberto. Porém, mais chocante que a quantidade de brasileiros que sofrem com as baixas temperaturas é a frieza que anda pautando as relações humanas. A solidariedade com o próximo se tornou uma obrigação cumprida apenas em tempos difíceis, como o inverno. Ou nem isso. Andréa Túbero Silva, presidente do Fundo Social de Solidariedade da cidade de Araraquara (SP) e Doutora em Sociologia pela Unesp, deixou claro essa frieza. Em seu discurso de abertura da Campanha do Agasalho de 2008, disse esperar uma maior participação de pessoas de classes sociais mais “abastadas” este ano. De acordo com ela, “os pobres se mostram muito mais solidários”. Por exemplo, a campanha de 2007 foi marcada pela grande participação de moradores dos bairros mais carentes. Para mudar esse cenário, o Fundo Social resolveu investir pesado na Campanha Publicitária cujo lema foi “Não seja indiferente” procurando atingir aquelas pessoas que deixam de doar roupas

sem uso, que ficam muito mais tempo dentro do armário do que no corpo. O resultado da investida foi satisfatório já que o Fundo bateu seu recorde, com mais de 59 mil agasalhos arrecadados. “A cidade abraçou a Campanha”, declarou Andréa na cerimônia de encerramento da arrecadação, no dia 28 de julho de 2008. Satisfatória também foi a participação dos mais ricos. O exemplo foi o número de doações vindas de um dos colégios com a maior mensalidade da cidade: 6.300 peças. Mas Andréa conclui seu discurso deixando claro que somente o trabalho de doação não é suficiente. “Eu desafiaria todos aqui a dar um pouco mais que agasalhos, trabalho assistencial, tempo... Porque, como disse Madre Tereza: ‘a mais terrível pobreza é a solidão e o sentimento de não ser amado’”. A distribuição das peças arrecadadas contribuirá para aquecer o inverno de 3 mil famílias, assistidas pelo Fundo Social de Solidariedade e por 29 das 146 entidades sociais cadastradas na cidade.

Não é uma questão sazonal A situação dos moradores de rua não é fácil em nenhuma estação do ano. Sofrem com o desprezo da população, a falta de comida, a carência afetiva e o abandono. Na realidade o que essas pessoas pre-

cisam é de um acompanhamento especial para que possam, então, sair das ruas. E é esse o trabalho realizado pela Casa Transitória da Cidade de Araraquara. “Nós oferecemos, às pessoas assistidas, programas de terapia ocupacional, trabalhos com psicólogos, aulas de artesanato... Nossa intenção é colocar de volta essas pessoas no convívio de suas famílias e sociedade”, conta Angélica Campaneri, assistente social da Casa, comida e roupa lavada. Quem sai das ruas precisa mais do que bens materiais para instituição. A Casa tam- voltar ao convívio social. estão passando frio na rua, sabem Mas esse ano não”. bém oferece um serviço Ao final da entrevista, a assisde albergue, oferecendo pernoite, onde procurar abrigo.” Campaneri revela que nem tente social chama a atenção para banho e alimentação. Com cerca de 70 leitos, a Casa todos os moradores de rua são a Política Nacional da População Transitória de Araraquara tra- atendidos. “Nas rondas noturnas, de Rua. O projeto está sendo disbalha com um orçamento anual algumas pessoas se negam a nos cutido e promete gerar diretrizes de R$ 324 mil em repasse de re- acompanhar. São os que necessi- sobre como pensar no atendicursos municipais e estaduais. “A tam de um atendimento psicoló- mento à população de rua. “Eu gente faz um atendimento mensal gico, que sofrem de algum tipo estive em uma reunião referente a mais ou menos 500 pessoas en- de distúrbio. Infelizmente, a gen- à Política na semana passada e tre aqueles que residem na cidade te ainda não dispõe desse tipo de o objetivo é muito interessante. Pesquisas estaduais vão ser come aqueles que são população itine- atendimento para essas horas”. Quanto à população itinerante, paradas para se montar um prorante”, conta Campaneri. A busca pelo serviço da Casa Campaneri relata que o movi- grama nacional”. Trabalhos como Transitória é espontânea, por isso mento varia muito mais de acordo o realizado na Casa Transitória de a maioria dos atendimentos rea- com épocas de colheita e festas do Araraquara servirão para se pensar lizados tanto no inverno quanto que em decorrência da mudança em um programa que abranja traem outras estações é feito por pes- climática. “Ano passado, como o balho, saúde, educação, cultura e soas da própria cidade de Arara- inverno foi mais rigoroso, a gente assistência social no atendimento quara. “Então essas pessoas, que até percebeu uma leve mudança. à população de rua.

© Fábio Alvarez / CONTEXTO

.............................................................. Maya Pauliez

Por entre galpões e garagens, novos caminhos

.............................................................. Fábio Alvarez

Terça-feira de uma madrugada qualquer. O silêncio frio da noite é quebrado por uma van, que cruza lentamente as ruas da cidade de Piracicaba, interior de São Paulo. A cena acima é repetida todas as terças e quintas-feiras por funcionários do Núcleo de Apoio Social Novos Caminhos. Eles percorrem as ruas da cidade em busca de moradores de rua. Seu objetivo é levá-los ao núcleo ou ao albergue da cidade. Escondido entre galpões e garagens de caminhões do bairro Jd. Califórnia, periferia da cidade, encontra-se o Novos Caminhos, instituição ligada à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social. O Núcleo acolhe mais de 60 moradores.

O núcleo Novos Caminhos oferece arte e lazer aos assistidos.

José Estevão Forti, 59 anos, assistente social, explica que o núcleo é como uma casa de família, fornecendo alimentação, banho, local para lavar a roupa e um quarto coletivo. Além disso, os usuários dispõem de atendimento ambulatorial, fora o acompanhamento de psicólogos e educadores, que auxiliam os moradores de rua em uma nova vida. Segundo pesquisa realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome, em 2008 as causas da “situação de rua” são muitas, mas geralmente estão relacionadas ao alcoolismo, uso de drogas pesadas, dívidas, desemprego e brigas familiares. Ou, pior, tudo isso junto. Com o frio, a freqüência no núcleo e nos albergues aumenta. Além de não possuírem um lar, os moradores de rua não possuem agasalhos e cobertores adequados

para enfrentar o frio. Antonio Ramalho de Souza, 51 anos, morador de rua. Com respostas breves e ar constrangido ao falar de sua condição, diz que foi para a rua depois de brigar com a família. Natural de Novo Cruzeiro (MG) está em Piracicaba desde 1975. Sobre as dificuldades de enfrentar o inverno na rua ele diz: “Eu já passei muito frio nessa vida”. Mesmo assim Antonio não possui grandes ambições: “O que eu mais quero é que Deus me dê saúde para viver, arrumar um emprego e ter uma casa.”. Outro freqüentador do núcleo é Eduardo Jorge Esteves, 65 anos. Sentado em uma cadeira, num canto do pátio, lia Os Miseráveis, de Vitor Hugo. Argentino, nascido em Buenos Aires, veio para o Brasil na década de 70, para trabalhar numa fazenda em Nova Friburgo (RJ). Sua ex-esposa era médica e ele, operador de Raio-X. Viveram juntos por 20 anos e tiveram uma filha. Após a separação, para não pagar pensão, abriu mão de todos os seus bens, e foi para a rua. Quando perguntado sobre como é enfrentar o frio das ruas ele é irônico: “você nunca passou? É a mesma coisa. Você procura um lugar longe do vento e da chuva e tenta arranjar um cobertor”.

Brasileiros Dez da noite. Hora de bater o cartão e pegar no batente. O serviço só pára às seis da manhã. Até lá, são oito horas de solidão numa guarita de dois metros quadrados. Essa é a rotina de Geraldo Alves de Moura, 33 anos. Pai de família, ele trabalha há dois anos como porteiro de um prédio na cidade de Piracicaba (SP). Nasceu em São Sebastião do Maranhão (MG), filho de agricultores. Como ajudava os pais na roça parou os estudos na quinta série. Em 1994, chegou à Piracicaba. Nesses 14 anos retornou a Minas duas vezes. Só o telefone o aproxima dos pais. Para driblar a monotonia da madrugada, Geraldo apela ao seu radinho de pilha. Às vezes, lê jornal ou livros. Isso, quando não está de olho nas câmeras de vigilância ou no alarme do prédio. Qualquer cochilo pode se tornar um enorme problema. A cada 10 minutos ele usa um cartão magnético para impedir que o alarme do prédio dispare.

© Fábio Alvarez / CONTEXTO

© Fábio Alvarez / CONTEXTO

A vida dos que sofrem com frio térmico e social

Caso não o faça, um vigilante será acionado e averiguará o motivo do acionamento. Se não for coisa séria, Geraldo pode ser demitido. Nas madrugadas frias, ele afirma sofrer bastante. Fecha todos os vidros da guarita e a sua jaqueta na tentativa de manter o corpo o mais quente possível. Após a longa madrugada de trabalho, ele chega em casa e dorme até meio-dia. Como sua esposa trabalha, é ele quem leva e busca o filho na escola. Mesmo assim, Geraldo diz gostar de seu emprego. Com a tarde livre, ele pode cuidar da sua família.


Agosto de 2008

Educação

C o n t e x t oo

Brincadeira tem limite... ... e quando ultrapassa é Bullying! Atitudes agressivas dificultam o processo educacional e causam prejuízos para a saúde psicológica de vítimas, agressores e testemunhas

.............................................................. Paula Rodrigues

O bullying é uma das formas de violência que mais cresce no mundo e, quando praticada no ambiente escolar, pode ocasionar graves conseqüências para o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Esse termo, sem tradução em português, refere-se a atos de violência praticados por um bully (valentão, em inglês). O cientista norueguês Dan Owelus define o bullying como um comportamento agressivo e negativo, executado repetidamente em um relacionamento onde ocorre desequilíbrio de poder. Ele pode existir em diversos cenários como escola, ambiente de trabalho, vizinhança, presídios e até mesmo entre países. Segundo o psicólogo José Car-

los Rodrigues, não é a hierarquia que determina o bullying e sim a desigualdade de poder. “A hierarquia pode favorecer, mas, no caso de dois estudantes, o que faz com que um se sinta superior ou inferior ao outro é o poder econômico, social ou mesmo o porte físico que tem”, esclarece.

Bullying escolar A prática não se refere às brincadeiras inocentes - próprias da infância -, mas a casos de intimidação e violência velada que trarão conseqüências futuras, tanto para vítimas, quanto para seus agressores. As agressões estimulam a delinqüência e podem ocorrer em escolas públicas e privadas. Casos já foram identificados do Ensino Infantil ao Médio, e estima-se

que 45% dos alunos do Ensino Fundamental sofrem ou praticam essa ação. O fenômeno relaciona-se a atitudes agressivas e intencionais entre os próprios alunos. As agressões são freqüentes, podem ser físicas ou psicológicas e têm o objetivo de excluir, ridicularizar e constranger aqueles que não têm condições de se defender. As ofensas podem ainda abordar aspectos culturais, étnicos e religiosos.

Fernanda Silva / CONTEXTO

Vítimas e agressores Geralmente, as vítimas são crianças inseguras, introspectivas, com baixa auto-estima ou que possuem alguma característica física marcante. “São presas fáceis, submissas e vulneráveis aos valentões da escola”, explica a pedagoga Cleo Fante. Já os agressores são crianças populares e atrevidas que não respeitam as diferenças individuais e que se valem de apelidos pejorativos ou da superioridade física para maltratar, humilhar e intimidar não somente as vítimas como outras crianças que presenciam a situação. As crianças e adolescentes, vítimas de bullying, podem apresentar queda do rendimento escolar e sofrer traumas psicológicos que interfiram na personalidade. “As vítimas apresentam alterações de comportamento O bullying pode afetar o desenvolvimento educacional e a auto-estima da criança. e tendem a se isolar quando

estão no ambiente escolar”, explica Rodrigues. Os agressores, se não tratados, podem se tornar adultos violentos e com atitudes delinqüentes ou criminosas. “A causa das agressões é a necessidade de reproduzir contra outros os maus-tratos sofridos em casa ou na escola”, revela Cleo.

O papel do educador Segundo a psicóloga Regina Célia Simões, o professor tende a se omitir por não saber como lidar com a situação. “Eles devem ficar atentos para identificar as situações de agressões e intervir o quanto antes, visto que as crianças - vítimas ou testemunhas - se calam, por medo, de represálias por parte dos agressores”, aconselha. O fato de a criança não dedurar seu agressor por medo torna ainda mais importante o papel do educador no diagnóstico de casos de bullying. Conseqüências Entre as conseqüências do bullying escolar estão: a ruptura do processo educacional, o comprometimento das relações interpessoais e o prejuízo da saúde emocional dos envolvidos. Educadores apontam o bullying como uma das causas dos elevados índices de falta e de evasão escolar no país. A violência interfere na construção da cidadania e pode ter desfe-

chos mais trágicos como mortes e suicídios. Uma pesquisa realizada pelo Jornal Internacional de Medicina e Saúde do Adolescente constatou que estudantes que já sofreram ou praticaram bullying apresentam maiores riscos de problemas físicos, tanto acidentais como provocados por outras pessoas ou por eles mesmos. Nesse sentido podemos citar as recentes tragédias ocorridas em escolas, como por exemplo, Columbine e de Red Lake (EUA); Carmen de Patagones (ARG); Taiuva (SP) e Remanso (BA).

Educar para a Paz Para evitar a prática do bullying é preciso incentivar as atividades em grupos, estimular a tolerância e a solidariedade, o respeito ao próximo e às diferenças individuais. A escola deve proporcionar um ambiente favorável à comunicação entre os alunos. O fortalecimento da relação pais/aluno/ escola também é essencial para a solução do problema. Os pais precisam estar cientes que, tanto vítimas como agressores precisam de acompanhamento psicológico para que consigam lidar com o problema. O ambiente familiar deve reforçar os sentimentos de segurança e confiança da criança ou adolescente e, ao mesmo tempo, estabelecer limites na educação, sempre através do diálogo.

Em Julho também tem Vestibular Vestibulandos aproveitam as férias de julho para testar seus conhecimentos nos exames de meio de ano

.............................................................. Luli Teixeira

no final do ano. “Foi ótimo para eu ter uma noção real de quanto tempo eu posso gastar com cada questão, assim vou administrar melhor meu tempo nas provas do fim do ano, quando for pra valer”, garante a estudante.

Vestibular como treino Mesmo quem já tem experiência no assunto aproveita a oportunidade para estar mais preparado no final do ano. Marina Dias, 18, está no seu primeiro ano de cursinho e, no mês de julho, prestou a prova para o curso de Zootecnia da Unesp, mas o que

ela quer mesmo é cursar Biotecnologia. “Fiz as provas para saber como eu estava, e foi bom porque descobri que, se quiser passar no curso que eu quero no final do ano, preciso estudar muito mais nesse segundo semestre”, conclui a estudante, que não foi aprovada no exame. Enquanto o vestibular de inverno é visto como um treino para alguns estudantes, outros o encaram como uma chance real de ingressar na faculdade. André Santus, 19, apostou nessa chance e passou no vestibular da Unesp para Engenharia de Controle e © Luli Teixeira / CONTEXTO

As férias de julho terminaram e, para muitos estudantes, o segundo semestre é a reta final na maratona do vestibular, depois de um mês de descanso e revisão de matérias. Para alguns, entretanto, o mês de julho também veio acompanhado das provas do vestibular de inverno. Os exames vestibulares realizados no meio do ano podem ser uma boa oportunidade para quem não passou no vestibular de verão e quer poupar seis meses de estudo. Para outros, é a chance de treinar o controle do tempo e, principalmente, do nervosismo na hora das provas. “Muitos alunos prestam o vestibular em julho para se sentirem mais seguros no fim do ano”, afirma a professora Sônia Brandão, que dá aula de História em um curso pré-vestibular. “É como um teste psicológico para os estudantes, além de ser uma chance para o aluno descobrir algum conteúdo em que está mais defasado e colocá-lo em dia até o final do ano”, conclui a professora.

Vestibular de Inverno da Unesp No estado de São Paulo, um dos vestibulares mais concorridos no meio do ano é o da Unesp (Universidade Estadual Paulista). No último mês de julho, a universidade abriu 630 vagas em 15 cursos diferentes, nas três áreas do conhecimento (biológicas, exatas e humanas). O formato do processo seletivo e o nível de dificuldade das provas é o mesmo do vestibular realizado no final do ano. A diferença está na concorrência: por ser encarado como um treino por grande parte dos vestibulandos, a porcentagem de treineiros no vestibular de inverno é muito maior quando comparada à do vestibular de final de ano. Nos processos seletivos da Unesp, a média de treineiros inscritos no vestibular de verão é de 3%, contra cerca de 15% nas provas de julho. É o caso da estudante Julia Cavalcante, 17, que prestou vestibular para o curso de Administração oferecido em julho na Unesp. Como ela ainda está no 3º ano do Ensino Médio, o exame foi como um ensaio geral para a maratona de provas

Alunos se preparam para o vestibular de inverno.

Automação, ministrado no campus de Sorocaba. “Não passei no vestibular no fim do ano passado e resolvi aproveitar a oportunidade no meio do ano. Fiquei feliz com o resultado, estudei muito durante o primeiro semestre”, comemora o estudante. Mais vestibulares de inverno Seja pra valer ou apenas como treino, o vestibular de inverno vem ganhando adeptos entre as universidades federais do país. A UFPR (Universidade Federal do Paraná) abriu vagas no meio do ano para os cursos ministrados no campus Litoral, na cidade de Matinhos, onde o vestibular acontece exclusivamente no mês de julho. Em Minas Gerais, das onze instituições federais de ensino superior presentes no estado, oito oferecem vagas no meio do ano. É o caso da UFTM (Universidade Federal do Triângulo Mineiro), onde a oferta de vagas é dividida igualmente entre os vestibulares de julho e do final do ano, para todos os cursos da instituição. Bom para os estudantes, que aumentam suas chances de entrar para a faculdade.


C ont e x t o

^ Ciencia

Agosto de 2008

© Karen Ferraz / CONTEXTO

Muito mais que frio

O estudo de átomos ultrafrios no Brasil ainda é pouco conhecido. Mas a área é bastante promissora. .............................................................. Érica Nering

Se você pensava que o lugar mais frio do mundo estava na Antártica, está na hora de você se atualizar. Há tempos que, em alguns lugares do Brasil, é possível encontrar os lugares mais frios, não do mundo, mas do universo! Eles estão localizados nas cidades com forte desenvolvimento em ciência, como Campinas e São Carlos, mais precisamente dentro dos laboratórios. Por meio de uma combinação de lasers e campos magnéticos, que formam uma armadilha magnetoótica, pesquisadores chegaram ao que chamamos de átomos ultrafrios. Mas, frio quanto? Estamos falando de temperaturas próximas ao zero absoluto (ou, zero kelvin), a menor temperatura que qualquer átomo pode chegar. Os átomos ultrafrios estão na grandeza dos nanokelvin (0,000000001 kelvin). Para efeito de comparação, um kelvin representa 273 graus Celsius negativos. “A grande vantagem de se obter temperatura tão baixa é que, nelas, os átomos ficam praticamente estáticos o que facilita o seu estudo, pois, todas as partículas movem-se coordenadamente, na mesma direção e em velocidade idêntica.”, explica Ricardo Reis, do departamento de física da Unicamp. Essa é uma área de pesquisa bastante intensa que vem sendo estudada há algumas décadas, e que já foi reconhecida com dois prêmios Nobel: Bill Phillips, Steve Chu e Claude Cohen-Tannoudji em 1997 e Carl Wieman, Eric Cornell e Wolfgang Ketterle em 2001.

Para quê tanto frio? Os átomos ultrafrios são utilizados em diversas áreas do conhecimento, como a física, a química e a biologia. São ferramentas para investigação de aspectos fundamentais da ciência e para verificar teorias, principalmente da física quântica. “Átomos frios servem de modelo para nos ajudar a entender outros sistemas quânticos porque suas interações podem ser calculadas e controladas com alta precisão”, explica o professor Luís Eduardo de Araújo, do departamento de física quântica da Unicamp. Segundo ele, a maioria dos fenômenos quânticos pode ser estudada com átomos frios. O estudo com átomos ultrafrios surgiu quando Einstein previu a existência de outro estado da matéria. Esse fenômeno foi chamado de condensado de Bose-Einstein e ocorre quando os átomos chegam a uma temperatura nanokelvin tão baixa que eles tendem a perder suas características individuais e tornem-se indistingüíveis. Luís Eduardo explica que “Para resfriar ainda mais os átomos e atingir a

condensação de Bose-Einstein, usa-se uma técnica conhecida por resfriamento evaporativo na qual os átomos mais quentes são gradualmente removidos”. O resfriamento evaporativo funciona como uma xícara quente de café. Quando a sopramos, removemos as moléculas mais quentes e, portanto, as mais energéticas. Para atingirem um novo equilíbrio, as moléculas restantes ficarão mais frias. “No laboratório, a ‘xícara’ é formada por campos magnéticos. Os átomos mais quentes são removidos, diminuindo a intensidade dos campos magnéticos, facilitando a fuga dos átomos mais quentes.”, diz Luiz Eduardo.

Para fora do Laboratório Muitas pesquisas não possuem aplicação prática direta, principalmente na área quântica, que trabalha com objetos microscópicos, como os átomos. A pesquisa com átomos ultrafrios não é diferente, mas já podemos encontrar alguns exemplos como o desenvolvimento de acelerômetros (usados na detecção de petróleo) e na construção de giroscópios. Talvez o que afete mais diretamente em nosso cotidiano seja a forma c o m o

ajustamos o nosso relógio. Os relógios atômicos são os mais precisos do mundo e eles também são desenvolvidos a partir do estudo com átomos ultrafrios. Desde 1967, a definição internacional do tempo baseia-se em relógios atômicos que podem atrasar apenas um segundo a cada 65 mil anos, por utilizarem um padrão de freqüência como contador. Portanto, eles são utilizados para determinar as horas oficiais. Esses relógios podem ser feitos de materiais como o Césio, Hidrogênio e Rubídio. O professor Luís Eduardo de Araújo trabalha em um grupo que pesquisa átomos ultrafrios de Cálcio. “Um dos nossos objetivos é a construção de um relógio atômico ótico com esses átomos, cujos similares atrasam apenas um segundo a cada 200 milhões de anos”, diz Luís Eduardo. Ele explica que isso permite que se calculem medidas precisas de constantes da física e façam testes ultraprecisos de teorias da física, além de fornecerem o potencial de melhores sistemas de posicionamento (GPS) e comunicação via satélite.

Com a tecnologia da injeção a frio os motores a álcool ficam mais eficientes.

Pegando na primeira As inovações tecnológicas para o carro a álcool não deixá-lo na mão em épocas de frio .............................................................. Megui Donadoni

Não é só o corpo humano que fica mais vulnerável ao frio do inverno. O carro também pode sofrer com os termômetros lá embaixo. Quem sente mais é a bateria, mas a partida a frio dos carros bicombustíveis e o ar-condicionado também exigem cuidados nessa época do ano. A baixa temperatura faz com que as peças do motor apresentem menor folga entre si e, com isso, o óleo lubrificante fica mais viscoso, o que exige maior esforço para dar a partida e, con-

seqüentemente, maior consumo de energia da bateria. “Isso pode levar ao esgotamento mais rápido da carga e se a bateria já estiver desgastada, ela acabará arriando, ou seja, não terá força para girar o motor de arranque”, salienta Aljor Ramos, que atua na assistência técnica da Avic, empresa distribuidora de baterias em Curitiba. Ele recomenda não insistir em dar a partida caso o carro não ligue de imediato. “Após três tentativas, desista, porque não irá pegar mais”. O correto é chamar o socorro e levar a bateria para uma recarga ou efetuar a troca. O motorista também precisa ficar atento ao dar a partida no carro. O motor a álcool brasileiro apresenta dificuldades para entrar em funcionamento nos dias frios. O combustível vegetal só consegue atingir o ponto de combustão necessário para fazer o motor funcionar em temperaturas mais elevadas Pouca coisa tem mudado na solução encontrada para contornar o problema: um mini-tanque de gasolina

para ajudar na partida tem sido a melhor saída até agora. A diferença é que na década de 1980 era o motorista que apertava um botão para injetar gasolina durante as manhãs de inverno. Hoje, um software faz isso automaticamente - trata-se de um reservatório a gasolina que leva combustível aos bicos injetores quando a temperatura ambiente é inferior a 15º – o produto derivado de petróleo tem facilidade de queima em baixa temperatura. Além disso, novas tecnologias estão sendo testadas quanto ao funcionamento do motor em dias mais frios.

Soluções tecnológicas O novo sistema de partida a frio dosa a quantidade exata de calor necessário para aquecer o combustível antes de ele ser injetado. “Com isso, obtemos uma melhor queima do álcool, gasolina ou qualquer mistura dos dois e reduzimos as emissões de poluentes em torno de 18%”, revela Fábio Ferreira, gerente de desenvolvimento de produto da unidade de sistemas à gasolina da Robert Bosch da América Latina, uma das empresas que está desenvolvendo a tecnologia. Prevista para equipar os carros brasileiros a partir do próximo ano, a nova partida a frio é uma das promessas de carros menos poluidores. Em simulações de laboratório, os técnicos da empresa chegaram a obter uma redução de até 40% nas emissões de poluentes, segundo Ferreira. Além disso, ela trará mais segurança ao eliminar o tanquinho de gasolina. Em paralelo com as pesquisas de otimização de consumo estão as de desenvolvimento de motores que usam combustíveis mais limpos. É no que aposta a unidade brasileira do grupo francês PSA Peugeot Citroën. Desde junho, a empresa exporta motores bicombustíveis para o mercado europeu. A fábrica de Porto Real (RJ) é a primeira do Brasil a fornecer motores flex para outros países e atualmente equipa

veículos vendidos na França e na Suécia.

Contextualizando O Brasil é o maior produtor mundial de álcool, com 12,7 bilhões de litros por ano, de acordo com estatísticas do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). São, segundo a entidade, 284 usinas fabricando o produto atualmente. O País é considerado o líder internacional em matéria de biocombustíveis e a primeira economia a ter atingido um uso sustentável dos biocombustíveis. O primeiro carro a álcool lançado foi o Fiat 147 em 1978. Ganhou o gosto popular dos brasileiros até 1986. Depois, o consumo de álcool apresentou queda gradual por conta da alta no preço internacional do açúcar, o que desestimulou a fabricação de álcool Já no início do século XXI, na certeza de escassez e crescente elevação no preço dos combustíveis fósseis, prioriza-se novamente os investimentos na produção de etanol e um amplo investimento na pesquisa e criação de novos biocombustíveis. Assim, houve aumento significativo na fabricação de veículos a álcool. O aumento retoma a discussão sobre a viabilidade do combustível, seja quanto às suas vantagens econômicas e tecnológicas ou quanto aos benefícios ambientais. Para o diretor de Pesquisa e Desenvolvimento de Motores da Magneti Marelli, Gino Montanari, a tecnologia usada atualmente é muito diferente da usada há alguns anos, no primeiro auge do álcool combustível. “Eram motores bem diferentes. Na verdade, eles eram movidos a gasolina adaptados para rodarem com álcool, o que, em curto prazo, poderia comprometer componentes, que são preparados somente para a utilização da gasolina”, esclarece Montanari.


Agosto de 2008

Especial

C o n t e x t oo

Ela é fera, ela devora, é amiga das horas A solidão enfrenta o homem. O homem pune com solidão. O confronto é histórico, mas o diálogo inexiste.

© Marcos Paulo Mendes / CONTEXTO

Compartilhar sentimentos, dividir angústias e decepções, amar e ser amado, sentir-se festejado, saber que há, ao menos, um outro alguém que o entenda, que saiba compreender o que o afeta, através de um simples olhar ou de um sorriso lacônico seu e, com apenas uma palavra ou um gesto de carinho, faça brotar novamente o sentido de existir são necessidades vitais de todo e qualquer ser humano. O homem é dotado de sociabilidade desde o instante em que passa a fazer parte do mundo que conhecemos (relacionamento primário mãe-filho), quando o primeiro contato carrega uma carga de satisfação, pois a mãe ampara, acolhe e personifica a segurança que inexiste naquele momento. O ser humano, por ser naturalmente um ser social, mantém suas relações calcadas na convivência e na reciprocidade e, sozinho, a sua sobrevivência torna-se fragilizada e ameaçada. Ele necessita do outro em todas as esferas e fases de sua vida, especialmente na infância e na terceira idade, sendo que em cada uma delas tal precisão é

mente são similares ao de outro, que dirá de uma comunidade inteira, o que provoca conflitos e desentendimentos originando, exponencialmente, batalhas e guerras. A complexidade da convivência é algo profundo, algo em que a psicanálise tem concentrado seus estudos há muitos anos para tentar desvendar. Sabe-se que o homem é um ser que busca a fuga do sofrimento, a felicidade e, quando percebe que algo o afasta deste objetivo central, a sua atitude é oposta: é ele quem busca se afastar deste empecilho. Quando este empecilho é uma pessoa, o ser humano também se afasta dela, isola-a ou se isola na busca do que é conceituado por Freud de a “felicidade da quietude”. Do isolamento voluntário ou constrangido surge o sentimento de solidão. Segundo Jorge Forbes, psicanalista e diretor do Instituto de Psicanálise Lacaniana no Brasil, “a solidão é a parcela de desencontro existente em todo amor”. Para ele, “toda pessoa possui um ponto de solidão estrutural, sendo que algumas pessoas não suportam tal ponto e se fazem

Prisão? A solidão enclausura aqueles que não conseguem inventar soluções para este mal que acomete a todos.

distinta, porém indispensável a sua condição de ser inserido em uma comunidade. Sem o grupo, o homem não agride, não fere, não sorri, não cria, não se notabiliza. Não existe. Porém, o fato de se caracterizar por viver em sociedade e fazer uso desta para sobreviver não garantem ao ser humano que a convivência seja sempre algo perene, simples e prazeroso. Muito pelo contrário. A convivência, segundo Freud afirmou em “O malestar na civilização”, é um dos três males, juntamente com as doenças degenerativas da velhice e os fenômenos da natureza, que acometem a nossa civilização. Os interesses de um homem dificil-

solitárias para terem a chance de reclamar, enquanto que as outras inventam soluções para suportar estes desencontros”. Se a solidão já se encontra em cada ser humano, se é algo pertencente à estrutura de cada um de nós, em algum momento de nossas vidas ela se torna um obstáculo a ser superado. Deparados com ela, o enfrentamento deve ocorrer, como abordado, certa vez, em uma frase pela escritora Rachel de Queiroz: “... ter alguém a nosso lado chega a ser vital. A solidão chega a ser desesperante. Tudo depende de como encaramos a vida”. A solidão não tem um alvo específico e determinado. Anderson

Fidélis, 23 anos, é jornalista e esteve na casa de parentes na Itália no ano passado. Sua idéia inicial era ficar durante um ano naquele país e aproveitar a oportunidade de conhecer uma nova cultura. Contudo, após três meses, Anderson estava de volta. “Eu sentia falta de alguém para falar o que eu sentia, de um amigo do peito. Eu não conhecia ninguém, não tinha referências”. Apesar de preencher seu tempo com inúmeras atividades, ele ainda ressaltou que a solidão chegou a preocupar: “durante o dia eu não parava em casa, mas à noite batia solidão. Voltei também para não ficar muito tempo longe de quem eu gosto e parecer um estranho para a minha família”. Em todo o mundo, milhões de pessoas sofrem de solidão e das conseqüências que ela acarreta: depressão, alcoolismo, delinqüên­ cia, estresse etc. Cerca de 30% das pessoas que possuem telefone celular moram sozinhas, um indicativo da falta que o ser humano sente de alguém para conversar, trocar palavras. Uma alternativa para pessoas extremamente solitárias que não têm ao menos um lugar para morar ou alguém para recorrer são instituições como albergues e asilos. Irmã Catarina Ana Alflen administra um asilo em Varginha – MG (Lar São Vicente de Paulo), o qual conta atualmente com 80 abrigados, desde pessoas abandonadas pela família até os que vagam solitários sem destino certo, sem uma estrada principal que conduza a sua vida (andarilhos). “Aqui dentro, não há isolamento, mas os asilados são muito carentes... Eles precisam de um abraço, um aperto de mão, um acolhimento. Há um carinho recíproco entre nós. Eles nos proporcionam muita alegria também”, declarou a Irmã. Paulo Maselli, 67, é morador do asilo há 12 anos e diz gostar do lugar. Sua família nunca o visita nem procura notícias suas, mas Paulo afirma não se preocupar muito com isso. “Eu não me sinto sozinho. Desde 1979, quando meu pai faleceu, eu me acostumei a ser sozinho”. Embalado pela música diária de seu teclado, Paulo “vai tocando para frente”, como ele mesmo assinalou, apesar da dificuldade que tem para andar e da saudade que sente do pai. Assim como Paulo utiliza a música como objeto de sua atenção, de amor substitutivo na tentativa de preencher a lacuna que a falta de vínculos essenciais proporciona, as pessoas têm a necessidade de buscar alternativas para o que

© Marcos Paulo Mendes / CONTEXTO

.............................................................. Marcos Paulo Mendes

Muitos idosos são internados em asilos por suas próprias famílias. No fim da vida, a solidão bate à porta.

Jorge Forbes chama de “desencontro em todo amor”. A psicóloga e psicanalista Luciana de Rezende Teixeira acredita que “pela via da arte encontramos uma resposta. É preciso inventar um sentido onde não há, tal qual um pintor que inventa um quadro, um compositor que cria uma música ou um jardineiro que inventa um canteiro de flores. Em cada um de nós habita um artista”. Elis Regina cantou Canto Tr i s t e , Álvares de Azevedo poetizou Solidão, Alceu Valença tratou a solidão como fera devoradora. Todos eles fizeram uso da arte para enfrentá-la, para expô-la ao invés de guardá-la em seu íntimo. Eles permitiram, evidentemente, que se aflorasse o artista que neles vivia, atitude oposta à realizada por andarilhos, por exemplo. Os vagantes sem destino representam uma recusa completa à busca de novos vínculos, são assolados pela solidão crônica. O seu grau de introspecção é tamanho que buscam cotidianamente algo para sempre perdido, diferentemente dos outros homens também vítimas da solidão, porém casual. Alguns dos sintomas verificados em andarilhos, como depressão, melancolia, estresse contínuo e delinqüência advêm, muitas vezes, do sentimento de solidão mal trabalhado. Luciana faz uma reflexão sobre tais casos: “não seriam estes tentativas de recuperar a satisfação plena encontrada no momento do parto? Não seriam estes uma recusa de aceitar a parcialidade dos prazeres que a vida oferece?” A resposta ainda é uma incógnita, porém aqueles que ultrapassam os limites da convivência entre os homens e realizam atos impensados, muitas vezes motivados por se sentirem solitários, acabam sendo punidos. É um ciclo: o homem sofre de solidão e pune com a solidão. Prisão, desterro, castigos que os pais criam para os filhos. O ciclo se dá em torno da solidão, da fera citada por Alceu Valença. Sentir solidão não está relacionado com o fato de estar sozinho. Friedrich Nietzsche afirmou certa vez: “minha solidão não tem nada

É um ciclo, o homem sofre de solidão e pune com a solidão

a ver com a presença ou ausência de pessoas. Detesto quem me rouba a solidão, sem em troca me oferecer verdadeiramente companhia.” Talvez o ditado que diz antes só do que mal acompanhado faça algum sentido, mas em inúmeras situações, uma simples companhia ao nosso lado faz toda a diferença. Em Náufrago, filme de Robert Zemeckis, Chuck Noland (Tom Hanks) ficou preso em uma ilha deserta por mais de quatro anos. Solitário, fez de uma bola de vôlei uma pessoa, um alguém que não o isolava completamente do mundo. Assim como a solução encontrada por Chuck Noland foi humanizar um objeto, a solução de cada um é individual, específica. Resta inventar e reinventar, fazendo da vida um constante processo de criação. Terezinha Toledo, 72 anos, também é moradora do Lar São Vicente de Paulo. Ela diz não gostar do asilo, mas, segundo ela, não tem lugar para morar, foi deixada pela família há quatro meses. Antes de eu partir, após conversar com ela pela manhã e pela tarde do mesmo dia, Terezinha me fez um pedido difícil de ser rejeitado: “fica mais um pouco, já me acostumei com você”. Aqueles dez minutos a mais gastos no asilo não me fizeram falta alguma, mas talvez, trouxeram algum acalento para a solidão que sente aquela senhora. © Marcos Paulo Mendes / CONTEXTO


C ont e x t o

Agosto de 2008

Especial

Solidão tem cura

A solidão enfrenta o homem. O homem pune com solidão. O confronto é histórico, mas o diálogo inexiste. .............................................................. Bianca Camargo

Não me peguem no braço! Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho. Já disse que sou sozinho! Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia! Ó céu azul o mesmo da minha infância, Eterna verdade vazia e perfeita! Ó macio Tejo ancestral e mudo, pequena verdade onde o céu se reflecte!

Á l v a r o d e C a m p o s

são ótimos para esvaziar a mente, mas preciso me sentir parte do ambiente para me concentrar. Só no meu quarto é que isso acontece, é onde consigo juntar as boas energias de lugares que visitei e transformá-las em acordes”. A música também está presente em outra forma de encarar a solidão: a dança. É raro encontrar alguém que não se contagie com o ritmo, seja ele qual for o preferido de cada um. Quando em meio a outras pessoas, dançar pode ser uma forma de se expressar, pode fazer parte de um jogo de conquista, ou servir para identificar as diferentes tribos da vida urbana. E, se praticada solitariamente, a dança cabe muito bem a uma das conseqüências da solidão: o auto-conhecimento. Foi assim com Gabriela Plata, que começou a praticar Dança do Ventre quando ingressou no colegial. “A partir do momento em que minha rotina era apenas estudar, a dança se tornou o que me fazia encontrar comigo mesma. A mísera hora que eu tinha uma vez por semana para a dança do ventre era o momento em que eu esquecia de tudo e me concentrava naquilo. Por maiores que fossem os problemas, eu deixava tudo de lado e simplesmente aproveitava a situação para relaxar. É assim que acontece até hoje”. Gabriela, que é Chef de cozinha, encontra em sua profissão outra oportunidade para tirar proveito de estar só. Tal como muitos artistas, ela precisa de concentração para criar – no caso, pratos novos. “O processo de criação é muito profundo e isso, definitivamente, é algo que sozinho acontece melhor, apesar de as idéias vindas de outros colaborarem”. E não é preciso ser um grande chef para concordar com a necessidade de trabalho individual quando se trata de cozinhar, como comentou Gabriela: “as pessoas têm ritmos diferentes, isto é fato. Cozinhar por vezes é algo muito complexo, que exige uma certa sincronia e considerável habilidade, o que complica quando esta atividade passa ser realizada por mais de uma pessoa. Acredito que a parte mais ‘grossa’ do trabalho pode ser Estar sozinho ajuda a refletir. O problema é quando o ato estar sozinho não é mais uma escolha sua, natural.

feita dividindo-se tarefas para um grupo, mas o toque final, o acabamento, estes sim prefiro realizar sozinha”. Várias pessoas afirmam preferir treinar suas habilidades em um ambiente solitário. Isso tem uma razão psicológica de ser. O medo de errar é causado pela cobrança que existe na vida de praticamente todos os indivíduos, desde a mais tenra idade. O mundo competitivo de hoje tornou o ‘primeiro lugar’ uma necessidade, não podemos condenar pais e educadores por exigir de seus jovens e crianças

faz diferença e enfraquece a tristeza”, comenta Thaís. E ela também confirma o que mais provoca a solidão nas pessoas: o amor. Ou melhor, a ausência da pessoa amada. “Talvez nunca consigamos entender o porquê, mas temos séculos de registros que comprovam que o amor apaixonado é a maior causa para o desalento dos corações. Aqueles que estão comprometidos, mas distantes, sentem a falta do contato físico, e talvez sofram menos do que aqueles que tiveram um relacionamento que chegou ao fim. Acabam todos so© Bianca Camargo / CONTEXTO

O ser humano, assim como outras espécies, vive em grupo. Cada um faz parte de uma família, tem um parceiro a quem dedica afeto, amigos com quem compartilha emoções. Mas ainda precisamos aceitar que somos um. A solidão, portanto, é um sentimento do qual é impossível fugir. A solidão pode ser mesmo motivo de desespero. Muitas vezes, estar sozinho é o bastante para a mente viajar por lugares da memória que queremos esquecer, para trazer tristeza, a necessidade de conversar com alguém que tenha opiniões e pontos de vistas diferentes - ou mesmo alguém que concorde conosco - de receber um abraço ou um gesto de carinho – e não há ninguém por

perto. Solidão dói, deixa carente, deprime. Porém, em diversos momentos da vida, as pessoas optam pela solidão, e têm outros pontos de vista sobre essa inconveniente companhia. A música, por exemplo, é uma das poucas participantes assíduas dos momentos solitários. Uma lista para quem está na fossa, contendo hits que colaboram com a angústia de se estar sozinho está disponível em um dos maiores sites brasileiro de letras de música da Internet. Isso tem fácil explicação: a música mexe com os sentimentos, traz lembranças de momentos passados com as pessoas que nos fazem falta. A psicóloga Thaís Ribeiro acredita que escutar músicas significativas nas horas de fraqueza é uma tortura desnecessária. “As pessoas não precisam tornar esse período ainda mais difícil de suportar. Certas músicas que podem abalar o emocional deveriam ser ouvidas quando se está equilibrado. Para as horas de tristeza, deveríamos escutar músicas que levantem o astral, dêem ânimo para aproveitar um momento nosso, em benefício próprio”. Da própria música, os caminhos para fugir da solidão começam a aparecer. Ângelo de Souza, músico e compositor, aproveita sua solidão para criar. “A inspiração não tem hora para aparecer, mas com certeza é quando estou sozinho que consigo o tempo e a sensibilidade para transformar em música aquilo que sinto. O processo criativo é algo que demanda muito esforço, pois nem sempre o que está claro em nossas mentes fica bom no papel. O caminho até um resultado satisfatório é árduo, cheio de falhas, e, por isso, prefiro percorrê-lo sozinho: ninguém gosta realmente de escancarar os defeitos do que faz”. Ele disse que seu lugar preferido para compor é o próprio quarto. “Praia, cachoeiras, campos, lugares assim

Gabriela Plata enfrenta a solidão com a dança

o máximo que eles podem dar. É a velha história: competir é bom, ganhar é ainda melhor. Enquanto se ganha confiança no que se faz, a solidão se mostra uma saída para fugir de olhares exigentes. Depois de descobrir os benefícios que a solidão traz para a auto-estima, o auto-conhecimento, o equilíbrio da mente, as pessoas param de temê-la, e passam a aproveitá-la. Muitas pessoas encontram na religião uma solução para angústias, e quase sempre de graça. É o caso de Hervê Alves da Silva, comerciante, e diácono da Igreja Católica. Ele contou à nossa reportagem que busca sempre o silêncio antes de suas orações. “A solidão nesses momentos é importante, pois é um momento onde só há você e Deus. Em oração, há o encontro pessoal com Deus, e quando nos concentramos de forma adequada, somos capacitados a compreender melhor o ‘Eu’ que existe em cada um de nós”. Independentemente da religião seguida, a crença em uma entidade superior ameniza o que a solidão provoca. “Não importa quão amplo é o círculo social de uma pessoa, ela não vai escapar da sensação de se estar sozinha. E é nessas horas que acreditar em um plano maior para a vida, em um sentido para todas as coisas,

frendo, em várias intensidades”. Até mesmo para esta insuportável faceta da solidão existem alternativas, e pessoas que superaram a necessidade de ter alguém por perto sempre. Salete Zucareli, bancária, passou por um casamento relâmpago, e hoje está solteira e sem preocupações relacionadas a um novo pretendente. “Já tenho mais de 40 anos, tive tempo e experiência suficiente para aprender com meus erros e não desejar mais sofrimento à toa. A falta que um parceiro poderia fazer eu driblo curtindo meus sobrinhos, que são muitos, alguns até com a minha idade. Se aparecer alguém que me faça ter vontade de tentar de novo, quem sabe eu mude de opinião... Mas, por enquanto, ela é essa: existem muitas formas de encontrar a plenitude que não precisam de amante”. São muitos os exemplos de pessoas que conseguem tirar da solidão um bom aprendizado, transformando tristeza em felicidade, destempero em moderação. Não é fácil, mas todos podem encontrar o meio para a liberdade da alma. E esta reportagem termina pegando emprestada uma frase de Wayne Dier: “você não estará só se gostar da pessoa com quem fica quando está sozinho”.


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Ecologia

C o n t e x t oo

O perigo está no ar A poluição atmosférica é um problema que atinge milhares de pessoas e se agrava no inverno

.............................................................. Cristiane Sommer

Responsabilidade de todos No relatório “Qualidade do ar no Estado de São Paulo – 2007” o diretor presidente da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB), Fernando Rei, ressalta que o crescimento

populacional, em todos os aspectos, é responsável pelos maiores impactos negativos causados ao meio ambiente. No caso da qualidade do ar, ele só não é maior devido ao avanço tecnológico no controle das emissões atmosfé-

ricas seja de fonte industrial ou veicular. De acordo com números da CETESB, apesar do aumento da frota na cidade da São Paulo, os índices de poluição diminuíram se forem comparados aos níveis dos anos 70 e 80, em relação ao monóxido de carbono, enxofre ou chumbo. Mesmo assim, ainda existem muitos desafios a serem enfrentados. O professor de Arquitetura e Urbanismo da USP e ex-vereador de São Paulo, Nabil Bonduki, acredita que o poder público faz muito menos do que deveria. Em sua opinião, é preciso pensar a questão atmosférica a médio e longo prazo, privilegiar os meios de locomoção movidos a energia elétrica e a gás, ampliar e melhorar o transporte público, tornando-o mais ágil, barato e com integração intermodal. O professor ArAvenida Faria Lima. Em cem anos, a participação dos ônibus nas viagens caiu de 54% para 30%. taxo reitera dizendo © Cristiane Sommer / CONTEXTO

As visitas ao hospital já viraram rotina na vida do porteiro Juarez José de Araújo. Com uma filha de oito anos com bronquite e um filho de seis anos, basta o inverno chegar que começam as reclamações de falta de ar e tosse. “Dificulta para respirar. Este tempo seco e a fumaça dos carros são um veneno”, desabafa o pai. Além do tempo seco, a qualidade do ar nos dias frios piora devido à inversão térmica. Esse fenômeno pode acontecer em qualquer época do ano, mas ocorre, sobretudo, no inverno. Trata-se de uma condição meteorológica em que uma camada quente de ar se sobrepõe a uma camada fria, impedindo a circulação das massas de ar e fazendo com que os poluentes se mantenham próximos à superfície. O médico pneumologista Waldomiro Giacomini Filho alerta que a poluição atmosférica atinge principalmente os idosos e as crianças. Entre as pessoas que sofrem de algum problema pulmonar ou cardíaco, nota-se um agravamento do quadro clínico. Aquelas que são saudáveis também sentem um incômodo devido à qualidade precária do ar. Dados do Laboratório de Poluição de Medicina da USP mos-

tram que - nos dias mais poluídos - o número de internações por problemas cardiovasculares aumenta em 10%, as ocorrências de problemas respiratórios em crianças crescem 30% e a morte de idosos tem uma elevação de 15%. Segundo o professor do Instituto de Física da USP, Paulo Artaxo, a poluição atmosférica afeta o meio ambiente e a saúde das pessoas de muitas formas, dependendo do grau de poluição. No ambiente, causa a deposição ácida, o efeito no balanço de radiação terrestre, que altera o clima, provoca efeitos danosos na vegetação, etc.

que “o uso do transporte coletivo é sempre muito importante e o cidadão tem que exigir um transporte público de qualidade em todos os níveis. A pressão política neste caso é essencial. Nas grandes cidades o uso do transporte coletivo auxilia em muito na diminuição das emissões atmosféricas e na melhoria do tráfego.” Os veículos automotores são os grandes responsáveis pela poluição atmosférica, assim, é importante que o motor sempre esteja bem regulado. Entretanto, existem outras fontes de poluição, como a industrial. “O controle sobre as emissões industriais nunca pode ser relaxado, pois em algumas cidades paulistas, como Osasco, Diadema, São Caetano do Sul, Paulínia e outras, a poluição industrial é significativa”, enfatiza o professor Artaxo. O porteiro Juarez de Araújo é sintético em sua solução para o problema: “O ar poluído prejudica todo mundo: homem, mulher, criança, velho, rico e pobre. O Governo precisa fazer sua parte, melhorando os ônibus, metrô, trens; as pessoas também podem ajudar, usando menos o carro, deixando o motor sempre regulado. Para resolver nós precisamos da ajuda de todo mundo.”

Consciência ambiental: a chave para o novo século População, Universidade e empresariado na luta para não deixar o mundo descer pelo ralo

.............................................................. Aline Naoe

tem feito da natureza. O reitor da Universidade de Coimbra, Fernando Seabra Santos, reforça o importante papel da Universidade de aliar-se ao desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia para a sustentabilidade. Isso se dá por meio da formação de recursos humanos, que influenciarão as decisões de um país. A educação, para Santos, é fator essencial para que as medidas que vêm sendo tomadas para preservar o meio ambiente sejam efetivas. “O investimento em educação não pode ser um

luxo dos países ricos – até chegar aonde chegaram, eles investiram muito em educação, é um fator estratégico”, diz o professor. Santos ainda atenta para o papel da comunicação no processo de conscientização popular. Para ele, a comunicação pública da ciência de modo eficaz e sem radicalismos ou previsões sem fundamento, é vital para que as pessoas desenvolvam senso crítico e possam agir em defesa do ambiente. E a educação que se fala não é só a formal, mas também aquela que vem do próprio lar. Na casa

da universitária Bruna Cury de Barros, 19 anos, a família faz de tudo – e isso com economia de recursos e praticidade – para que o impacto de seu consumo seja o menor possível na natureza. “Separamos o lixo, compramos sempre que possível produtos em embalagens retornáveis, levamos sacola de feira no supermercado e economizamos água, entre outras coisas. É super fácil, já pegamos o hábito, não dá mais para misturar lixo útil com o orgânico, por exemplo”. © Karen Ferraz / CONTEXTO

Economize água. Não demore no banho. Separe o lixo. Desligue as luzes. São as palavras de ordem na onda de ambientalismo que promete estar presente em todo o século XXI. As mudanças climáticas e as recentes tragédias naturais – de furacões inesperados a tsunamis – provocaram, se não a conscientização, ao menos a preocupação das pessoas e das entidades políticas a respeito do presente e, principalmente, do futuro do planeta. Recentemente, o Brasil comemorou a descoberta de novas reservas de petróleo, prometendo a independência do país em relação a outros países produtores. O celebrado ouro negro, no entanto, não só é um combustível não-renovável, portanto agressor ao ambiente a longo prazo, como também provoca destruição e conflitos nos lugares em que mantém as maiores reservas. Tome-se como exemplo a Venezuela e alguns países do Oriente Médio, como o Iraque. Há diversos agentes trabalhando para que, num futuro não muito distante, possamos utilizar – de preferência unicamente – fontes renováveis de energia. Em Ribeirão Preto, a Universidade de São Paulo desenvolve pesquisas com biocombustíveis, fontes de ener-

gia com origem em produtos naturais, ou seja, renováveis, como a cana-de-açúcar, o milho ou a soja. O Laboratório de Desenvolvimento de Tecnologias Limpas (LADETEL), do Departamento de Química, realiza pesquisas para a empresa Biodiesel Brasil, além de promover campanhas de conscientização popular. Ao que parece, as empresas, apontadas geralmente como as principais vilãs da destruição do meio ambiente, estão cada vez mais empenhadas em aliar seus interesses aos de toda a população. Prova disso é a crescente quantidade de empresas que procuram consultoria para tornar suas atividades menos prejudiciais ao meio ambiente e difundir a preocupação ambiental entre os funcionários. As soluções para um mundo mais saudável e sustentável a longo prazo dependem de uma série de fatores e agentes sociais. Na última reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em Campinas, o tema escolhido foi “Energia, Ambiente e Tecnologia”, reflexo da preocupação geral com os assuntos que envolvem o cuidado com o Planeta Terra. Biólogos, físicos, químicos, engenheiros, todos os tipos de cientistas, inclusive os das ciências humanas, discutiam alternativas ao uso indiscriminado que o homem

A coleta seletiva é uma medida prática e eficiente na preservação do meio ambiente.


C ont e x t o

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Comportamento

Internet: passos e tropeços

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Os convidativos e perigosos caminhos traçados pelas novas tecnologias .............................................................. natasha Bin

© Natasha Bin / CONTEXTO

modernidade depende das tecnologias. Atualmente, a internet No último dia 3 de julho, uma é a peça fundamental dessa depane no sistema de dados da Te- pendência, não só nos setores de lefonica paralisou todo o Estado serviços, mas também na vida das de São Paulo. O Poupatempo, co- pessoas. De acordo com pesquisa realimércio, delegacias, bancos, entre outros estabelecimentos ficaram zada pelo Ibope/NetRatings, mais sem internet e, conseqüentemen- de 41 milhões de pessoas têm acesso à internet no Brasil. Desse te, sem serviço. Há cerca de 20 anos, nada disso total, quase 83% acessa a rede na teria acontecido. Cada vez mais a própria residência. Apesar de ser um povo quente e ativo, o brasileiro é o que tem a maior média de tempo conectado: 23h51 por mês, marca que coloca os tupiniquins em primeiro lugar entre os mais plugados, deixando para trás franceses, americanos e japoneses. Para o professor de Medicina Tela do computador: janela para o mundo? Compor-

tamental da Unifesp, o psicoterapeuta Geraldo Possendoro, a internet pode proporcionar novos aprendizados, hábitos e uma nova visão do mundo. Isso, se for usada com discernimento. “A internet tem coisas maravilhosas, mas tem muita lixeira”, alerta Geraldo. É por esse motivo que muitos pais regulam o acesso dos filhos ao mundo virtual. “Não deixo que minha filha fique de madrugada no computador”, diz Simone Daga Libretti, professora de educação infantil e mãe de uma adolescente de 13 anos. Mas não é só o horário de acesso e o conteúdo que deixam pais e especialistas preocupados: a preferência pelo mundo online altera a rotina e o funcionamento do convívio familiar. “Sem dúvida alguma, após iniciar o uso da internet, minha filha passou a ficar mais tempo sozinha no seu quarto”, comprova Simone.

Tendência perigosa “O computador aumenta as possibilidades de contato”, defende Possendoro. E, por isso, parece tão atrativo. O uso da internet permite interação entre inúmeras pessoas ao mesmo tempo, a custo relativamente baixo, e sem limites geográficos. A partir daí, a rede mundial de computadores pode servir como

um meio para desinibir os tímidos. Com o contato inicial facilitado pela web, as pessoas tendem a ficar mais a vontade no caso de um encontro pessoal. O agravante é quando o contato físico é deixado em segundo plano em virtude da preferência pela tela de um computador. Apesar de ainda não diagnosticada, a compulsão pela internet é uma tendência e vem sendo discutida pelos estudiosos do comportamento humano.

Instrumento capitalista Segundo o sociólogo e professor do curso de Ciências Sociais da USP, Ruy Braga, a internet tende a ser a principal forma de comunicação entre funcionários de grandes corporações. Usadas como ferramenta de controle, as novas tecnologias alteram profundamente as relações de trabalho. “Há uma intensificação dos ritmos para otimizar o tempo”, revela Braga, relacionando a rede às tendências capitalistas. Apesar de benéfica ao sistema, na opinião do sociólogo, a comunicação virtual não é confortável aos usuários. “Ela elimina a liberdade dos funcionários inibindo o ponto de vista deles, e impondo uma linguagem corporativa”, completa.

Rede de laços Iniciar relacionamentos pela internet é um exemplo de como a rede pode mediar as interações humanas. “Encontrei meu namorado no Orkut”, confessa a estudante Paloma Cruz, de 24 anos. Há quase três anos, ela reencontrou um colega de escola pelo site de relacionamentos e, após alguns bate-papos, marcaram um encontro e logo começaram a namorar. A relação dura até hoje e a internet só facilita o namoro do casal. “A gente mora em cidades diferentes e através da internet podemos conversar o tempo todo”, revela Paloma. Feijão com arroz A comunicação virtual “não tem o tom de voz, não traz emoção, intenção, não tem a expressão dos gestos, da face, do corpo”, enfatiza Possendoro. Essas características fazem com que a internet exclua a comunicação nãoverbal, esfriando as relações. Por esses fatores que o mundo online não deve ser uma ameaça ao real, mas apenas um complemento. “Nada vai substituir o contato pessoal, é ele que forma os laços de amizade; o virtual é um elo intermediário para se chegar ao encontro real”, conclui.

Os limites entre o velho e o novo mundo O processo de colonização e a miscigenação racial influenciaram nas características expansivas do povo brasileiro

Brasil: terra de sol e povo hospitaleiro. Terra do contato, da emoção e da alegria. Europa: temperaturas mais baixas, povo mais reservado e cordial. Há quem acredite que os europeus se relacionem com maior frieza em comparação aos brasileiros. Seria apenas um mito ou um comportamento característico da cultura desses povos? A brasileira Juliette Zambelli mora na França com o marido e os filhos e já conheceu grande parte dos países da Europa. Para ela, em geral, os europeus são, de fato, mais distantes e formais que os brasileiros, mas o lado positivo disso é a maior privacidade, que faz com que se respeite o espaço do outro. “Além disso, as pessoas por aqui são mal humoradas, mas se luta por tudo, a população é muito forte e muito respeitada”, declara. Entretanto, Juliette confessa que, por vezes, esse excesso de frieza cansa e que não há solidariedade igual a dos brasileiros. “Um dia meu marido (que é sueco) foi a Londres assistir ao jogo de futebol do Brasil com a Suécia. Estava frio e ele notou que os brasileiros estavam com gorro. De-

cidiu perguntar a um deles onde poderia obter um gorro também. O homem deu o próprio gorro ao meu marido e disse que arrumaria outro pra ele. Incrível. Só brasileiro faz isso”, conta Juliette. Mário Mendes Júnior, de Manhuacu/MG, vive em Londres há quatro anos e trabalha como moto boy. Tendo como experiência o lugar onde vive, acredita que os londrinos são mais frios que os brasileiros, porém mais educados. “A relação no trabalho é melhor que no Brasil. Eles são mais flexíveis e tratam o trabalhador com mais respeito”, revela. João Carlos Siqueira, que está na Europa há dois anos, acredita que isso tudo é puro rótulo. Ele já viveu na Inglaterra e atualmente mora em Cardiff, capital do País de Gales. “É uma questão apenas de diferenças culturais. O povo aqui é acolhedor, pensa muito no próximo e está sempre pronto a ajudar. Pessoas mal educadas e rudes você encontra em todo lugar. Isso é normal, somos seres humanos”, opina Siqueira. O dinamarquês Jonas Helding, já viveu em muitos lugares da Europa e do Brasil e atualmente mora em São Paulo. Ele explica que o povo europeu pode ser mais reservado em um contato inicial, entretanto, depois de con-

quistada uma amizade, ela será mais duradoura do que no Brasil. “Se você tem um amigo na Dinamarca, tem um amigo de verdade e para sempre. Aqui no Brasil muita gente troca de amigos com facilidade e existe muita falsidade”, confessa Helding. Com um pé na história O antropólogo Alexandre Correa explica que generalizar as idéias de ‘europeus’ e de ‘brasileiros’ e seus comportamentos é um equívoco. Os latino-americanos são tão diversos e plurais quanto os europeus. Existem latinos na Europa e Amigos de diversas nacionalidades em Amsterdam descendentes de europeus na América Latina. Assim fica diQuanto à valorização da corAlém disso, para os brasileiros, fícil dizer que os brasileiros são dialidade na Europa, Correa existe um mito forte de miscigeuma unidade cultural homogênea confirma que isso se deve a uma nação e trocas culturais necessáe que os europeus também o são. herança histórica. Segundo ele, a rias para povoar um vasto terriEssas idéias formam estereótipos, hospitalidade sempre foi impor- tório. Dessa maneira, a polidez que se referem a uma antiga cren- tante para os povos de navegação e a formalidade serão sempre ça, na qual os povos latinos e tro- e colonização de povoamento. obstáculos para a mestiçagem e, picais são mais quentes e os povos “Os latinos são povos de contato portanto, considerados traços dede regiões temperadas são mais e mistura cultural, mais inten- sagradáveis. Correa afirma que a frios. “São idéias do determinis- so que os povos de origem an- herança de uma maior facilidade mo ambiental sobre os compor- glo-saxã. É possível dizer que os de contato com o diferente vem tamentos humanos. Nada mais portugueses e espanhóis têm uma dos indígenas, que transformaram preconceituoso e ingênuo. Para ‘cordialidade’ mais desenvolvida o outro, o estrangeiro, em um paos comportamentos humanos de- do que os germanos e suecos, mas rente. “Entre os povos europeus vemos considerar uma série de fe- isso tem a ver com o processo de colonizadores, dito ‘civilizados’, o nômenos e os ambientais devem colonização que, nesses povos, distanciamento social e cultural é ser apenas mais um deles”, com- teve impactos muito diferentes”, mais cultivado”, esclarece Correa. pleta Correa. pondera.

© Reprodução

.............................................................. Gabriela Nascimento


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Cultura

C o n t e x t oo

Encenando esbarrões

............................................................... Layla Tavares

O teatro faz parte da vida. Nós interpretamos o tempo todo.

não houve reciprocidade alguma nesse hipotético esbarrão. Em que esbarrão um ser humano se relacionaria com outro? Perceberia seu colega de bando? Reconheceria, no outro, seus próprios medos e suas coragens? A resposta parece fácil: um esbarrão no teatro. Pelo menos, foi lá que uma jovem turma de corajosos se esbarrou com mais de 400 outras pessoas e conseguiu transpor a indiferença das relações não concretizadas. Com 3 meses de ensaio e, possivelmente, sem a leitura dos aclamados Magaldi e Rosenfeld, 11 alunos (até então não-atores) da oficina de espetáculos, oferecida pela Oficina Cultural de Uberlândia (MG), conseguiram fazer o que a dramaturga e diretora da peça, Letícia Teixeira, considera “o bom teatro”: “aquele que pega a pessoa, que entra e tira o fôlego. Que toca, comove, aquece. Que a faz sair viva do teatro”. Na última apresentação, dia 22 de julho, um teatro lotado de pessoas “vivas” aplaudiu de pé os novatos. “Histórias de Medo e Cora-

gem” contou com um ingrediente a mais: as histórias representadas foram vividas pelos próprios atores. “No começo eu fiquei meio com medo. Demorou um pouco para eu me acostumar com a idéia. É muito difícil se expor, mas estar ali no palco e ver que a minha experiência emocionou ou fez rir foi um grande prêmio, valorizou o que eu vivi”, revelou o ator Wellington Reis. zz“O teatro faz parte da vida. Nós interpretamos o tempo todo. Quando abraçamos alguém, quando dançamos uma música. Não significa que agimos falsamente, apenas representamos sentimentos e razões que, em essência, nos fazem agir de determinada maneira”, explicou Lucas Nascimento, diretor da divisão de Artes Cênicas da Oficina Cultural. Fora do teatro, as personagens interpretadas ainda carregavam a mancha da banalidade pelas calçadas onde esbarravam com desconhecidos quaisquer. Afinal, o que há demais em ter medo de escuro? Quem é que tem medo de pombo? Quem é que não pulou um muro alguma vez na vida? Quem? Quão banal pode ser algo que de alguma forma atormenta ou envaidece tantas pessoas? “A atuação no palco quebra o gelo. A partir do momento em que eu passo uma história para a platéia e que nós estabelecemos uma co-

municação completa em entendimento e em reconhecimento, essa história e esse ato não são banais”, disse Danilo Mota, estreante no teatro. E é realmente difícil enxergar banalidade em uma história como a de Eduardo Dantas, por exemplo. Ele, que até a montagem do espetáculo achava que qualquer um teria a sua coragem, só percebeu o valor do seu ato quando o validou ali, perante os olhos da platéia. Eduardo salvou a vida de um desconhecido que se afogava num rio. “Acho que a minha

Os aplausos me tocaram muito, foi emocionante”, revelou Eduardo, que estuda para ser jornalista, mas pretende manter o teatro como um hobby. Uns descobriram uma profissão, outros a importância de suas experiências. E, talvez, a mais intensa descoberta tenha sido mesmo o calor do aplauso. A oficina, segundo Letícia Teixeira, tinha começo, meio e fim. Mas as relações estabelecidas não seguirão, necessariamente, o mesmo caminho. Cerca de 400 esbarrões poderão não ser indiferentes.

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Ao que tudo indica, o ser humano é mesmo um animal de bando. Difícil imaginar o contrário quando se considera a sociedade complexa em que vive essa espécie. O custo dessa escolha – se é que os humanos de fato escolheram viver assim – há tempos é objeto de estudo de teóricos das mais variadas linhas de pensamento. De filósofos contratualistas a sociólogos filhos da Revolução Industrial. Para os mais desavisados, viver em sociedade pode parecer algo confortável, seguro. Talvez para os habitantes de pequenas cidades, onde tudo é muito familiar, essa noção ainda faça algum sentido. Para aqueles que correm contra o tempo nas calçadas das grandes metrópoles, trombando em inúmeros desconhecidos, a idéia de conforto, provavelmente, passa longe. É estranho constatar que as relações sociais não se concretizam com tanta facilidade. Que relação existe entre o estudante atrasado que no percurso para a escola esbarra no vendedor de balas? Que relação existe entre o desejo do aluno de ser um advogado de sucesso e o medo do vendedor de não conseguir pagar as contas no final do mês? Ainda estranhamente, nenhuma. Ambos vivem em uma mesma sociedade, mas

O teatro de não atores e a sociedade das não relações

história foi bem recebida e isso mudou o meu jeito de encará-la.

A Oficina de Montagem de Espetáculos e seus quase 400 esbarrões

A quadrilha que não acabou Na altura em que a estrada “vira de terra”, ganha forma uma trama de causos, fé e afeto ............................................................... João D´Arcadia

© Reprodução

Fazia 17ºC no centro de Poços de Caldas (MG) quando começava, a 10km dali, uma festa junina na roça. Na Fazenda do Osório, em um bairro rural encravado na Serra de São Domingos, certamente estaria mais frio. De fato, a temperatura na região é mais baixa, o que não parecia incomodar quem limpava o terreiro para a festa começar. A festa junina, já no primeiro fim de semana de julho, pretendia arrecadar fundos para as obras de uma igreja da Paróquia de São Sebastião. Aos poucos, o fogão à lenha era aceso, as prendas eram alocadas,

os convidados iam se acomodando. Quando o padre chegou, deu início à quadrilha. Não a tradicional, de danças e brincadeiras, mas a quadrilha de histórias, que em algum momento se amarrava e esquentava o povo da roça. Começava a festa.

O individualismo e a prece Ademir Ribeiro é seminarista e vai à cidade todos os fins de semana “levar o pensamento de Deus”. Era sua celebração que daria início à festa. “Uma oportunidade de conscientizar as pessoas sobre a importância desses momentos, sobretudo em uma época de tanto individualismo”. Como na Fazenda também funciona um restaurante, as mesas e bancos de madeira viraram uma capelinha, cujo altar também era improvisado. Ao fim da ceri“festa na roça”, aquarela de Maria Helena Andrés, que retrata mônia, as comemorações juninas no interior do país era a vez

de Fabiana liberar o início do bingo.

A porta-voz e as raízes Fabiana Costa não é proprietária da Fazenda. “Sou porta-voz”. Assim, todos recorriam a ela para resolver qualquer problema que a festa apresentasse. E foi também ela quem contou as raízes da família e da comunidade. O seu Osório começou a tocar a fazenda em 1905. A sucessão natural que daria posse à fazenda aconteceu, mas os rumos que a propriedade tomou foram diferentes. “Tudo aqui acabou. Acabou o gado, acabou tudo. Só não acabou a terra. Aí minha sogra começou a trabalhar e a fazer comida por encomenda. A comida da roça ficou famosa e só aí abrimos o restaurante”. A intenção da festa era integrar a comunidade. “A gente convida no boca-a-boca, nos cartazinhos do computador...”. Entretanto, os cartazes do salão eram todos feitos à mão. Naquela noite, seriam servidos quentão de vinho, cachorro quente, canjiquinha e canjicada. O “pessoal mais antigo” até sabe diferenciar esses pratos. Canjiquinha é um prato salgado, amarelo, feito com milho moído, costelinha de porco e couve. Canjicada é doce, feita

de canjica, leite condensado e amendoim. Apesar da culinária mineira aceitar essas diferenças com naturalidade, há entre os mais jovens quem escorregue no cardápio: - Mãe, canjiquinha é o amarelo ou branco? – indagava uma garota. Todos deram risada e a mãe, disfarçadamente, explicou a diferença. Era a hora da quadrilha conhecer a cozinha.

O tempo e a carne de porco “Meu bisavô tinha 96 anos e só comia carne de porco”. A frase enche de orgulho Renato, um dos donos do restaurante, que àquela altura já estava terminando os pratos para a festa junina. A carne de porco é básica na alimentação da roça. Os pratos mineiros, embora criticados pelo excesso de gordura, são pilar da alimentação dos quase centenários que ainda preservam essa cultura. “São pratos fortes, que esquentam bastante”. Sobre a vida na fazenda, ele e sua esposa, a porta-voz Fabiana, são categóricos: “a vida na fazenda é difícil, mas é mais tranqüila. Vamos à cidade só por causa do banco e de algumas coisas que não temos aqui”.

A festa ontem e hoje O bingo já começava quando três amigas exercitavam o saudosismo sobre as festas de antigamente. “A tradição junina não tem mais. O terço pros três santos, erguer o santo, tudo isso não tem mais”, conta Lourdes, que também tem saudade de um frio que só esquentava na fogueira. Num fogo perto dali, Antônio Carlos pelejava para manter o forno à lenha aceso. Primeiro, as ripas mais finas fazem o fogo pegar. As toras de madeira, a lenha mesmo, só entra no final, para que a chama se mantenha acesa. É Toninho quem comanda as bebidas e apura o caldo da canjiquinha, a amarela, que começava a sair enquanto o bingo fervia no salão. O forró e o calor Do lado de fora do salão, no alpendre, os jovens ouviam forró e o sertanejo mais recente. Dali a pouco, um sanfoneiro ia arrematar de vez a festa na roça. Fazia 13ºC no centro de Poços de Caldas quando a reportagem deixou a Fazenda. Mas, a julgar pela união exalada pela quadrilha, na roça, certamente estaria mais quente. A quadrilha, ali, não acabou.


Agosto de 2008

Jogos Olímpicos: a maior festa mundial do esporte Com altos investimentos e muitos preparativos, a China foi a anfitriã das Olimpíadas 2008. .............................................................. Mayara Tolotti

Importância Histórica Não é apenas pela grandiosidade do evento que os Jogos Olímpicos são tão valorizados, mas também pela importância que possuem na História da Humanidade. Eles representam a retomada das primeiras olimpíadas, que aconteciam na cidade de Olímpia, na Grécia, desde o século VIII a.C. Depois de 1500

© Mayara Tolotti / CONTEXTO

Uma preparação de alto nível para um evento memorável. Pequim foi o palco principal da maior festa esportiva do mundo e atletas de cerca de 200 países foram os grandes astros deste show. Em sua 26ª edição, os Jogos Olímpicos de 2008 tiveram início no dia 8 de agosto e se estenderam até o dia 24 do mesmo mês. Aproximadamente 10 mil atletas participaram das trinta e quatro modalidades esportivas que compunham os Jogos. Além da capital chinesa, Hong Kong, Qingdao, Qinhuangdao, Shenyang, Tianjin e Xangai também sediaram as Olimpíadas. Diante da importância do evento, os investimentos também não poderiam ser baixos: foram cerca de 40 bilhões de dólares em obras de infra-estrutura, instalações esportivas e meio ambiente. Somente o Estádio Nacional de Pequim, popularmente conhecido como Ninho de Pássaros, teve um gasto de mais de 422 milhões de dólares para ser construído. O local, com capacidade para 91 mil pessoas, abrigou as competições de futebol e atletismo e foi sede das cerimônias de abertura e encerramento dos Jogos. Porém, muito além de valores monetários e conquistas materiais, as Olimpíadas mantêm sua grandiosidade devido a um feito quase inédito, a união da diversidade mundial e, principalmente, a uma paixão: o esporte. “É um acontecimento único, em que você tem a possibilidade de conviver com as mais diferentes culturas. É um ambiente de confraternização amplo em que o esporte predomina, conseguindo dissipar qualquer segregação social, religiosa, qualquer questão política. Nós temos a possibilidade de ver o convívio de muçulmano com cristão, a união de toda a diversidade. Isso tudo é muito bonito, é meio mágico. O outro ponto é que as pessoas se doam ao máximo, lutam, dedicam uma vida para fazer parte dessa seleta

comunidade. Para mim, o que mais conta é isso”, diz o treinador de atletismo Jayme Netto Júnior, que já está na sua quinta olimpíada e, este ano, levou os atletas brasileiros que participaram das provas de velocidade masculinas, do revezamento 4x100 masculino e do heptatlo. E é justamente a dedicação ao esporte e a concentração em um determinado objetivo que caracterizam a postura que os esportistas precisam manter. Participar de um evento como a Olimpíada é um marco na carreira de qualquer atleta e, por isso, tanta atenção e olhares dirigidos aos participantes. Para o velocista André Domingos, que já foi a quatro olimpíadas e, neste ano, participou como comentarista, o deslumbramento com a Vila Olímpica e a apreensão dos competidores mais jovens são extremamente comuns, mas não podem ser primordiais. “trata-se de um medo que a gente sente devido ao peso e à importância do nome: Jogos Olímpicos. O mundo inteiro acompanhando, principalmente o Brasil com 180 milhões de telespectadores e a sua família torcendo. O peso é grande, mas existe uma ansiedade muito bacana também. Eu diria que é uma fase de descobrimento: quando o atleta jovem chega a uma olimpíada, ele quer descobrir tudo lá. Mas eu acho que a concentração tem que ser voltada mesmo para o objetivo maior, a competição. Se você for desviar sua atenção, você acaba se perdendo e fica no meio do caminho, porque a Vila Olímpica é verdadeiramente um parque de diversões.”

Esportes Menos que o esperado O desempenho dos atletas brasileiros este ano, nas Olimpíadas de Pequim, não satisfez completamente o desejo dos brasileiros expectadores. A esperança e a expectativa eram muito grandes e, talvez por isso, uma certa decepção. Porém, mesmo assim, toda a delegação brasileira merece destaque e admiração pela força de vontade e garra na hora dos confrontos. Ao todo foram quinze medalhas, três de ouro, quatro de prata e oito de bronze. Destaque para o nadador César Ciello, maior medalhista brasileiro em Pequim, com um ouro e um bronze.

.............................................................. Murillo Ferrari

Quem nunca realizou uma atividade física sem fazer aquecimento muscular prévio, seja nas “peladas” de final de semana ou em outras atividades “informais” e sem acompanhamento profissional? Apesar de muito comum, esta é uma prática arriscada e que coloca em risco a integridade física dos que a adotam. A função do aquecimento é preparar o organismo para o de-

sempenho das atividades físicas que serão realizadas, sejam elas práticas profissionais, de lazer ou apenas de treinamento, visando a obter o estado psíquico e físico ideais. Além disso, os tipos de aquecimento podem ser divididos em Aquecimento Geral e Aquecimento Específico. O Aquecimento Geral é aquele que visa ativar o nosso organismo como um todo, por isso, são utilizados exercícios que necessitam de grandes grupos musculares. A corrida é um bom exemplo. Já o aquecimento específico é aquele voltado para determinada prática e os movimentos devem simular a atividade que será realizada, utilizando os músculos relacionados a este exercício. “O aquecimento é utilizado como prevenção da lesão e como

aumento da performance durante o exercício” afirma Diogo Henrique Coledam, formado em Educação Física pela Unesp de Bauru e atualmente se especializando na Influência do Aquecimento Ativo. Mas, é necessário saber que tipo de aquecimento se está fazendo e, o mais importante, como este aquecimento é feito. O professor Dr. Júlio Wilson dos Santos complementa a explicação de Coledam alertando que “o aquecimento muito intenso pode extrapolar a intensidade suportada pelo atleta e isto pode expor a uma lesão. Ou o oposto. Um aquecimento muito leve e não específico que não aqueça os músculos necessários também pode causar essa lesão”. As lesões mais comuns devido à falta de aquecimento ou o aquecimento de maneira incorreta são as distensões que podem variar na sua amplitude, proporcionalmente ao esforço físico realizado pelo atleta. De acordo com a ABESO (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica) cerca de 60% da população brasileira é sedentária. O professor Júlio afirma, ainda, que o ideal para qualquer pessoa que não está acostumada a praticar exercícios físicos com freqüência é, inicialmente, procurar um profissional capacitado para orientálo e, “se não houver essa possibilidade é importante que a pessoa comece realizando as atividades moderadamente, aliando uma corrida leve, a um alongamento dos músculos mais utilizados pela atividade”. Alguns exercícios de ginástica utilizando os braços e as pernas ajudam os que estão “sedentários” a se habituar à prática esportiva. Portanto, sempre antes de iniciar uma atividade física, lembrese de fazer um aquecimento junto com um alongamento adequado, para prevenir lesões e melhorar o seu desempenho esportivo.

Alguns fatores que influenciam no aquecimento Idade É preciso variar o tempo e a intensidade. Quanto maior a idade, mais cuidadoso, gradual e longo deve ser aquecimento. Disposição psíquica A falta de motivação reduz os efeitos do aquecimento.

André Domingos, velocista veterano, e Lucimara Silvestre, representante do Brasil no heptatlo em Pequim

A não realização ou a realização incorreta do aquecimento pode levar a sérias lesões.

Uma sequência básica de aquecimento pode prevenir lesões causadas por esforço.

anos sem a realização dos Jogos, a cidade de Atenas reviveu o evento e deu início, em 1896, à primeira Olimpíada da Modernidade. Naquele ano, houve catorze países participantes, apenas nove modalidades esportivas e 241 atletas, sendo todos eles homens. O Brasil teve sua primeira participação nas Olimpíadas em 1920, na Antuérpia (Bélgica) e, com uma equipe de 29 atletas, conquistou três medalhas (uma de ouro, uma de prata e uma de bronze) e ficou em 15º lugar na classificação. O primeiro brasileiro a ganhar uma medalha de ouro foi o tenente do Exército Guilherme Paraense que venceu a prova de pistola de velocidade. Em toda a história dos Jogos Olímpicos, o atleta brasileiro que mais conquistou medalhas foi Torben Grael, no iatismo.

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Aquecimento físico é importante?

© Reprodução

C ont e x t o

Estado de treinamento Quanto mais treinada é a pessoa, mais intenso deve ser seu aquecimento. Devendo ser ajustado para cada pessoa e para cada modalidade. Não é recomendado fazer atividades ou exercícios aos

quais não se está acostumado.

gado.

Momento do aquecimento O intervalo ideal entre o final do aquecimento e o início da atividade é de 5 a 10 minutos. O efeito do aquecimento dura de 20 a 30 minutos e, após 45 minutos, a temperatura corporal já retomou sua temperatura de repouso.

Período do dia Pela manhã, o aquecimento deve ser mais gradual e longo. Durante a tarde, o aquecimento pode ser mais curto. Já à noite, deve ter características similares aos da manhã.

Temperatura ambiente Em tempos quentes, o aquecimento deve ser reduzido. Em dias frios ou chuvosos o tempo do aquecimento deve ser alon-

Modalidade esportiva Deve ser realizado de acordo com a modalidade praticada, específico para determinada região. Neste ponto ainda devemos prestar atenção às características individuais do atleta e do esporte.


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C o n t e x t oo

Entre cervejas e turistas... Relato de Leonina Estevan, a hippie que agora vende pinhão

............................................................... Michelle Braz do Santos

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Cervejaria Baden-Baden: ponto turístico de Campos do Jordão, famosa por sua feira de apreciação de cervejas gourmet. O reduto da cevada jordanense encontra-se na Vila Santa Cruz - distante da fantasia de luxo da Praça do Capivari (ou como os gringos preferem chamar de Kãpvãri) e bem próxima das mansões do Alto da Boa Vista que inclui em sua high architecture o Palácio do Governador ao estilo Mary Tudor, com seus cem cômodos, onde se situa um rico acervo artístico de nomes como Alfredo Volpi, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, entre outros. Avenida Mateus da Costa Pinto: uma avenida que poderíamos identificar em qualquer lugar do Brasil, sem aquelas folhas da bandeira do Canadá, nem casas que são de madeira e, muito menos, ao estilo europeu. Incorporando o prosaico cenário, inúmeras crianças pequeninas contam suas moedinhas para comprar balas e salgadinhos nas mercearias das esquinas enquanto um festival de cachorros de grande porte passeiam livres, majestosos e abandonados. É julho e alta temporada. Um sábado qualquer em que o relógio indica meio-dia. O céu está azul e o clima está seco. A sede por cerveja promove seus indícios. Que comece o desfile! Carros importados, casacos, cachecóis e o toc-toc-toc-toc, também reconhecido como o barulho importuno de botas e sapatos. Turistas aglomeram-se numa fila na porta da Baden-Baden, todos a caráter para o frio rigoroso da verdejante Serra da Mantiqueira. Onde está o frio? Um gigante medidor de tempo próximo a cervejaria marcava 23º C. Resumindo: uma cervejaria como tantas outras, um bairro chamado Santa Cruz sem nenhuma cruz a vista, uma avenida destoante da utópica “Suíça brasileira” e... Um grito potente que de hora em hora se repetia: - Baden-Baden! A melhor cerveja de Campos do Jordão! Venha visitar a Baden-Baden! Ela gritava, talvez inutilmente, para os carros que subiam a serra em direção ao Bairro do Alto da Boa Vista. Mas quem é ela? O nome é Leonina Estevan – a garota propaganda da Baden-Baden! Ou a jovem hippie de 47

Leonina: ex-hippie, criou sua família na estrada e hoje é garota propaganda da Baden Baden.

anos que agora vende pinhão, ou a responsável pelo improvisado estacionamento em frente à cervejaria. Simultaneamente, ela assume os três cargos. Sentei-me ao lado de Leonina. Pedi uma entrevista. Sua primeira dúvida: - Qual seu signo? - Libra. Uma breve pausa e logo exclama: - É ar. Um signo bom. Pode perguntar o que quiser. Pergunta sem resposta: o que teria acontecido se tivesse respondido outro signo? Leonina, ou simplesmente Leo, nasceu em Cachoeira Paulista. Antes de mergulhar na “Era de Aquário”, isto é, virar hippie, trabalhou por seis anos como locutora da rádio Bandeirantes. As reminiscências dos seus anos no rádio são comprovadas por aquela voz que se impõe em meio ao rebuliço dos turistas. A explicação de como se tornou hippie é sucinta e até clichê: “Aí, eu conheci o hippie. Gostei dele. E fui embora com ele”. “O hippie” é seu esposo Alfredo de Amorim

que Leonina conheceu em 1978. Durante quatro anos seguidos, o casal viajou por 18 estados brasileiros graças à confecção e venda de artesanato. Feira de Artesanato em Santo Antônio do Pinhal, 1983. A rosa-dos-ventos do casal transpõe os sopros: nasce a primeira filha, Brisa. Esse brando vento faz com que Leonina queira um local para “construir sua família”. Onde ficar? Santo Antônio? “Mas lá não tinha condições nenhuma. Não tinha médico, nada!”. Começo da década de 90, Campos do Jordão transitava de “Meca dos tuberculosos”, ou o eufêmico título de “capital da cura”, para a cereja do turismo paulista: investimentos em infra-estrutura, ascensão hoteleira, ampla oferta de empregos, feiras gastronômicas, Festival de música erudita... Já são bons motivos para cessar a dúvida: o casal de hippies se fixa em Campos do Jordão. E como foram os primeiros anos no precoce pólo turísti- co? Leonina resume: “Quan- do cheguei era muito bom. Quem vinha para cá era elite mesmo. Hoje é mais público jovem, festa, essas baladas. Uma fantasia!”. Campos do Jordão é um devaneio de high society. Num microcosmo de aparências, qualquer pessoa pode se sentir numa fração de Europa ao percorrer a Praça do Capivari, comer um mini-fondue de chocolate com morango que custa 10 reais e, por último, andar de teleférico a fim de apreciar no Morro do Elefante a vista da cidade. Uma hora da tarde. O céu está azul e o clima continua seco. O desfile de turistas permanece em grande estilo. Outro grito surge em frente à BadenBaden: - Promoção do dia! Compre um saquinho de pinhão por cinco reais e não precisa pagar o estacionamento! De quem era aquela voz que agora se perdia na confusão de turistas? Leonina res-

ponde com um breve sorriso: - Minha filha. Uma de minhas ajudantes. “As crianças gostam de trabalhar comigo”. A eficiência nos três cargos de Leonina só é possível graças a seus “ajudantes”. Mas ela logo ressalta: “Essa semana teve um problema nas avenidas. Um vendedor de pinhão para ficar rico coloca 30 barracas de pinhão na rua e chega a colocar crian-

Amo Campos do Jordão (...) mesmo com todo o sufoco que estou passando

ça de 5 anos tomando conta da barraca. E não põe nem comida , não dá uma marmitex! Eu não faço os outros de escravo! Aqui não é um trabalho para as crianças. Eles brincam, vão no balanço, se divertem. É só um meio de ganhar dinheiro, só.” Naquele sábado de alta temporada, a menina que anunciava a promoção do dia era Paloma, sua filha caçula. Enquanto isso, Tâmara, um criança de mechas loiras que mora no bairro, organizava a esteira com vários saquinhos de pinhão. Já Elivelton, o filho do meio de Leonina, junto com uma criança menor, Alan, cuidam do estacionamento entre uma ida ou outra ao parquinho em frente à Baden-Baden. E onde está Brisa? “A Brisa é um vendaval! Ela casou com 17 anos. Ela sente vergonha de nós. Eu sei que agora ela é gerente de um hotel grã-fino na Vila Inglesa”. Ao perguntar qual é a média de dinheiro por dia para cada ajudante, ela supõe: “Quando é dia forte vai 10 reais para cada criança. Mas o que eu como aqui, eles comem junto. A gente almoça juntos, chupa sorvete, olha o refrigerante que compramos hoje. Aqui a gente não tem dó de dinheiro. É o que eu falo para os

meus filhos: infância e juventude, a gente só tem uma vez. Então, vamos aproveitar! Comer, beber e se divertir. Porque a velhice todo mundo já sabe que é só dor”. Qual dor? “Amo Campos do Jordão de todo o meu coração. Mesmo com todo o sufoco que estou passando”. Os bons ventos que levaram a hippie para a “Suíça brasileira” mudaram de índole. Nos tempos em que se deslumbrava pelo paraíso turístico, foi uma das fundadoras da Casa do Artesão, hoje uma ruela de várias lojinhas ao lado da Igreja São Benedito. Quando pergunto por que desistiu do artesanato, apenas responde: “Trabalhei cinco anos lá. Mas aqui em Campos, artesanato é ninho de cobras e eu não sou cobra!” Afirma que foi traída por amigos do mesmo ofício. Os ventos a levaram para vendedora ambulante. Do quê? De quase tudo que você possa imaginar: doces caseiros, sorvete, raspadinha, queijadinha e até da mega sena. Mas surgiu um sopro mais forte... “O governo com aquela lei ambiental tirou tudo o que prestava da rua: alimentação, caldo de cana, pastéis, o doce. Só quem está cadastrado poderia continuar como vendedor. Mas isso não aconteceu aqui! Vender droga eu não vou vender! E dizem ainda que as drogas são proibidas. Só nesse pedaço aqui têm... Um... Dois, três...Quatro, cinco, seis... Têm nove pontos de droga! Só nessa Avenida aqui! Eu falo da Mateus da Costa Pinto!” Por dois anos e meio, Leonina ficou desempregada e pediu esmola em frente à Igreja São Benedito: “Eu não sabia pedir esmola. Eu só deixava o chapéu largado e as minhas lágrimas desciam”. Ventou, ventou... E Leonina foi parar na porta da Baden-Baden. “Eu sou respeitada aqui. Os donos gostam do meu esquema de trabalho, falam que eu sou muito responsável. O pessoal percebe como eu trato as pessoas. Gostam mesmo, curtem!”. Ao perguntar se já foi desrespeitada por algum turista, ela sorri: “Aqui eles não me desrespeitam, porque quando começa com gracinha, eu brinco. Não sou de xingar ninguém! Eu só falo: Vai benção! Vai com Deus e some da minha frente!” E qual a coisa mais importante desse mundo? Leonina imediatamente responde: “É ter fé. Eu pensava na minha vida que uma pessoa não poderia viver sem dinheiro. Mas eu aprendi que uma pessoa consegue sim viver sem dinheiro. E outra coisa viu, existe anjo! Porque até agora eu não passei fome em nenhum momento da minha vida”. Duas horas da tarde. O céu esta azul e o clima continua seco. Agora chega dois ônibus lotados de turistas. Comprei meu saquinho de pinhão e me despedi daquele peculiar retrato de Campos do Jordão.


C ont e x t o

Agosto de 2008

E d i t o r i a l Um ciclo de grandes mudanças gráficas A responsabilidade criar uma nova identidade visual para um jornal cuja história é mais antiga que a minha própria é bem maior do que se imagina. Minha proposta inicial é dar ao Contexto um visual mais limpo (ainda um pouco careta, mas nas próximas edições vamos aprendendo a equilibrar seriedade e clareza) e de prático manuseio. Daí nossa opção para cores suaves e uma paleta bem definida de fontes e também para a adoção do formato tablóide. Vale ressaltar que, ao contrário de um jornal profissional, nós não tivemos a oportunidade de imprimir “provas” antes desta versão final – tornando, mesmo para nós, certa surpresa o resultado desta versão impressa. Para as próximas edições, além de corrigir os erros e inconsistências deste novo padrão Contexto buscará incorporar mais páginas coloridas e um novo (e melhor) papel – valorizando não só nossas fotos, mas também essa nova opção gráfica adotada pelo jornal.

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anos de história... ...refeitos em um mês

A história e a redação O Contexto é um projeto experimental, que existe há vinte e quatro anos e que, durante sua existência, sofreu muitas modificações. Seu formato anterior tinha um caráter bastante laboratorial. Ao assumir a redação do Contexto, no segundo semestre de 2008, os alunos do sexto período de Jornalismo diurno da Unesp – Bauru, auxiliados pelos professores Mauro de Souza Ventura, Ângelo Sottovia Aranha, Luciano Guimarães e Luiz Augusto Teixeira, decidiram mudar a cara do Contexto, transformando-o de jornal laboratório em um jornal portfólio, que, apesar de não ter perdido a liberdade de experimentação, visa cada vez mais ao profissionalismo. A redação do Contexto é formada por 34 alunos. A divisão de cargos e a linha editorial são definidas democraticamente e o produto final só sai quando aprovado por todos os envolvidos. O jornal é mensal, sendo que a responsabilidade sobre as edições é alternada entre as turmas do período diurno e noturno.

Renovando Coordenar um jornal, desde definição de projeto gráfico e linha editorial, até sua expedição; passando por reportagem, edição, fotografia e planejamento de verbas; não é tarefa fácil. Ainda mais quando a experiência profissional dos envolvidos é quase nula. Mas, com dedicação e criatividade, idéias boas e funcionais foram tomando forma e passaram a ser uma alternativa para complementar o “visto em sala de aula”. Uma das inovações desta edição é a Vitrine. A sessão pretende, na onda do Contexto, ajudar a promover outros projetos da Unesp, já que as oportunidades para se divulga-los são poucas. Uma editoria, a Reticências, foi acrescentada na última página, para abrir espaço e dar chances aos jornalistas-escritores, jornalistas-desenhistas, jornalistas-chargistas; enfim, jornalistas-artistas exporem seus trabalhos, já que dentro da Unesp, não há estímulos, ou antes, não existe espaço garantido para estes. Antigas sub-editorias foram fundidas com as editorias, dividin-

do o jornal em dez partes, como maneira de unir esforços e fazer funcionar o trabalho em equipe. A sessão Opinião foi enviada para a penúltima página e passou a ser o Editorial, em que o chefe de reportagem e o editor-chefe têm o espaço para explicar a linha editorial, detalhar o processo de criação do jornal e fazer críticas. Abrimos também espaço para o editor de arte e de fotografia esclarecerem o projeto gráfico e o conceito da foto de capa.

Temática. Ou o início da falta de. Esta é a edição que deve encerrar a temática do Contexto. Por isso foi feita de maneira sutil. A partir de uma deliberação da turma, surgiu o tema abstrato, relacionado ao frio. A partir disso, todas as editorias se comprometeram a abordar, em algum momento, qualquer aspecto do tema. Assim, Política tratou do foro privilegiado, que, por sua própria burocracia, atrasa e acaba por esfriar o julgamento de determinadas autoridades; em Economia, o foco foram os efeitos que os ventos gelados trazem ao bolso de agri-

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cultores e consumidores e Social viu o lado humano e escutou os que passam frio e os que tomam iniciativas para ajudar os moradores de rua. Dentro da Educação, o frio na barriga daqueles que ainda não ingressaram na faculdade; em Ciência, o zero Kelvin usado como ferramenta de pesquisa e a Ecologia, que traz o clima que muda e os efeitos do inverno. Em Comportamento, as novas gerações, que, desacostumadas com o calor humano, preferem manter relações virtuais; a Cultura dos que, ainda hoje, se aquecem na beira da fogueira e, em Esportes, os problemas de não aquecer os músculos antes dos exercícios. Encerrando, a editoria Reticências deu asas à imaginação dos cronistas que ambientaram suas obras de acordo com o tema. O novo Contexto, ainda experimental, não é o jornal que esperamos, mas é o jornal que está a caminho daquilo que queremos ser. Para as próximas edições, mais clareza, mais contato, mais fontes, mais fotojornalismo e mais experiências virão.

Nem tão frio assim... Como poderia ser uma foto que ilustrasse a capa de uma edição relacionada ao frio? Confesso que tive um pouco de dificuldade em pensar em algo que fugisse da caretice e da mesmice do inverno brasileiro. Procurei reinventar o frio. Algo que remetesse à idéia, mas que permitisse várias sensações, até mesmo a de calor.

E por que não colocar alguém dentro de uma geladeira abandonada num canto qualquer, e que fizesse dela um refúgio, um aconchego? Apenas a sutileza de uma criança poderia dissolver toda associação com o frio e com a frieza de uma geladeira, e lhe atribuir um pouco de calor humano e sensibilidade.

Então, convidamos a Giovana Mobi Gomes, de cinco anos, que, no início, não pareceu querer entrar no eletrodoméstico antigo. Nada que um pouco de tinta, formas de gelo, livros infantis e ursinhos de pelúcia não pudessem resolver. A Gi gostou tanto de brincar lá dentro que não queria ir embora quando as fotos terminaram.

E era exatamente esta a sensação que eu queria transmitir. E não poderia ser melhor representada do que pelo carisma e simpatia da Gi. Aproveito a oportunidade para agradecer à Giovana e sua mãe Andréia de Mobi e ao José Roberto Alves, do laboratório de fotografia, que me ajudou a tornar essa idéia possível!


...Reticências...

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Um dia de cão ............................................................... Marcos Andrade

Não adianta cachorro... Não adianta você correr de um lado pro outro... Hoje você não vai me animar. Não! Não quero jogar a bolinha pra você ir buscar... Não! Não adianta você mexer com seus brinquedos... Não to afim! Hoje eu só quero chorar... No céu nem a lua nem as estrelas aparecem... Talvez seja um sinal... Talvez seja algo maior do que nós tentando me dizer aquilo que eu não quero ouvir... Acabou... Acabou mais uma história pra você... Mais uma história que não teve nem princípio nem meio... Mas teve um fim... E o fim dói... E gela a alma... E gela tanto quanto o frio que eu sinto nesse momento... E gela tanto quanto a vodka cheia de gelo que eu bebi para me esquecer do quanto dói... Mas mesmo assim continua doendo... Você passou um mês inteiro gelando seus sentimentos... Gelando suas palavras... Quando o que você mais queria dizer estava quente... Estava fervendo dentro de você... Mas não... Você preferiu o gelo... Você preferiu esperar a noite chuvosa que finalmente chegou depois de meses... Assim como o sonho que você tivera... No qual você abraçava sua ama-

da... E dizia o quanto era bom beijar na chuva... Mas enfim... A chuva veio... E com a água da chuva que caia, também caiam suas lágrimas... E você ia chorando e se perguntando o porquê de mais uma vez não ter dado certo... O porquê de você ter investido suas férias inteiras em uma pessoa... Acreditando que ela seria madura o suficiente pra ver que você poderia ser o homem da vida dela... Tentando demonstrar que você era uma pessoa madura, consciente, racional e que poderia transformá-la de menina em mulher... Mas não foi o que ela quis... Ela prefere moleques anos mais novos que você... É compreensível... Afinal eles são mais bonitos, mais em forma, mais populares e alguns tocam violão... Coisa que você já tentou... Mas nunca vai conseguir... E você se embriagou... Com cada gota de álcool que você bebera pra disfarçar o que sentia e com os sentimentos que pulsavam, um a um, conforme as gotas de chuva que caiam sobre você... Não foi dessa vez... De novo... Que você conseguiu alguém que te fizesse sorrir, mesmo quando o sorriso fosse à última coisa que

você quisesse demonstrar... e assim foi... Mais uma pessoa com a qual você achou que poderia ser feliz... E assim acabou... Mais um sonho de inverno... E sobram para você as lembranças dos beijos que você não beijou... E sobram para você o calor dos abraços que você não abraçou... E sobram para você as caricias que você não acariciou... E principalmente... Sobram para você as palavras que você não pronunciou...

Mas pra sempre você vai guardar o gelo daqueles pés descalços que pisavam sobre o seu em uma noite gelada... Daquele sorriso, tímido e disperso que te levava aos céus... Daqueles lábios finos... Finos e ressecados pelo clima seco... Que você tanto desejou nos seus lábios... E sobram as lágrimas... Que escorrem agora no seu rosto... Ao mesmo ritmo das gotas de chu-

va... Lágrimas e gotas que você não esperava ver correr... E sobra um sentimento que você tentou evitar... Tentou bloquear... Mas que aos poucos... Sem você ao menos perceber... Entravam dentro de você... Assim como as suas lágrimas... Que você não quer ver escorrer... E assim... Termina mais um sonho... No qual você a beijava em meio à chuva... No qual você cantava... Em sua orelha pequena e macia... No qual você falava... Palavra por palavra o que você sentia... E termina... Sem ao menos você dizer o quanto você sentia... Sem ao menos você dizer o quanto você poderia mudá-la... Sem ao menos você dizer que você podia amá-la... Agora ela vai embora... Como o vento gelado que bate em você agora... Como a fumaça do seu cigarro que você fuma agora... Como as palavras que você queria ter dito agora... É cachorro... Não adianta me mostrar sua bolinha que hoje eu não quero brincar... E não me olhe com esse olhar de piedade... eu sei que você não me entende... E nunca vai chorar o quanto eu choro hoje... E a chuva aperta e dói... Assim como meu peito...

do lugar à lua. E quando menos se espera, percebe-se que, mesmo sendo difícil, não é impossível driblar esse sentimento. E, por mais que se queira trazer para perto todos os amigos, os amores, a família, os desejos e vontades; faltaria algo, ou alguém que, com certeza, traria saudade. Foi aí que fui para o quarto e encontrei dentro da escrivaninha um álbum com as melhores fotos. Ao rever, uma por uma (natal,

ano novo, as primeiras festas da faculdade na época de calouro, os amigos do ginásio, com os quais eu já nem tenho mais muito contato), a saudade esfriou definitivamente esse coração e senti escorrer uma lágrima dos meus olhos. Ela descia vagarosamente, passou pelos lábios e foi indo até umedecer a blusa. Cada detalhe daquelas imagens me trazia lembranças daqueles momentos. Lá fora caía uma chuvinha, que

fazia aquele barulho bem convidativo para uma soneca. Coloquei o pijama, deitei e, assim que apaguei a luz, percebi que a saudade não ia desistir tão cedo. Levantei as cobertas e disse em alto e bom som: “vai embora, hoje você já fez muita festa por aqui, amanhã o dia, assim como eu, será novo, e tenho certeza que esse apartamento ficará pequeno para nós dois”. E ela atendeu ao meu pedido...

Um dia de saudade ............................................................... Henrique Souza

Sábado, assim que acordei notei que meus pés ficavam cada vez mais gelados conforme ia caminhando até o banheiro. Depois de escovar os dentes, sai andando pelo apartamento tentando achar um par de meias para aquecer os pés. Vesti as meias e caminhei em direção à sacada procurando pelo sol para aquecer não só os pés, mas todo meu corpo. Da janela, naquela manhã gelada do mês de agosto, senti um vento frio que vinha numa velocidade que parecia me chamar a uma grande aventura. Talvez eu precisasse mesmo voar alto, sair da rotina do dia-a-dia, ir tão longe e me esquecer de um sentimento que está tão presente aqui, dentro de mim. Mas hoje não. Hoje, não só o ar e os meus pés estão congelando. Há algo aqui dentro que insiste em esfriar o meu dia. Mesmo que tome banho quente, me enfie debaixo das cobertas, ou pare na beira do fogo, acredito que não conseguirei me aquecer. Sempre pensei que um dos sentimentos mais difíceis de lidar era a saudade. Hoje só estou mais certo disso. Existem vários tipos de saudades. Aquelas de uma viagem, de um lugar, de um momento, de uma pessoa. Saudades de um

abraço, um beijo, um aperto de mão, uma boa conversa. Há também aquelas do colo da mãe, daquele café bem quentinho feito pela avó... Saudades de passar o ano todo como se fosse o dia de natal com a família toda reunida em volta da mesa, de ver e ouvir a voz de alguém muito especial... Nesses dias nublados de inverno, a saudade insiste em aparecer por aqui para congelar meu ânimo. Porque até tem dias em que levantamos com o pé direito e nada nem ninguém consegue baixar a adrenalina de fazer tudo ao mesmo tempo agora e estar em todos os lugares do mundo. Mas, hoje, não. Em poucos segundos aqui, parado nessa sacada, me peguei num turbilhão de lembranças que agora deixam grandes marcas de saudade. Enfim... Em dias assim, é preciso sair, ligar a tevê, ler um livro, limpar a casa, fazer os deveres da faculdade, caminhar e levantar a cabeça. Sentir o passar das horas, tentando brincar de esconde-esconde com a saudade. Ora ela aparece, ora se esconde numa brincadeira, numa gargalhada, e até nos deveres do cotidiano. É preciso ocupar o tempo, colocar a mente para funcionar e esquecer que a saudade deu para assombrar. E assim o dia vai passando, as nuvens acinzentadas ganham um tom de preto, e o sol se vai, dan-


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