Jornal Contexto - n° 41 - Novembro 2008

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Jornal laboratório do curso de Jornalismo da Unesp _ ano 24 n° 41 _ novembro de 2008

Contextoo Pág. 8 e 9

Os pedaços da família

A família como a conhecemos passa por significativas mudanças. A questão permanece: ela está falindo? Pág. 14

Garoto de mil e uma utilidades O personagem mais famoso da propaganda brasileira sai dos anúncios para entrar em cena Pág. 12

E-books Os livros como os conhecemos estarão condenados? Pág. 10

Eco-vegetarianismo Um novo tipo de ativismo ecológico


Novembro de 2008

Um turbilhão de mudanças

Editorial

Estamos em meio a um turbilhão de mudanças. Comumente exaltada para tratar de temas espinhosos do comportamento humano, parece que a dita “era pós-moderna” veio mesmo para ficar. Temos liberdade de escolha, podemos mudar constantemente nossa trajetória, mas como já pregava Umberto Eco, todos nós somos um tanto estúpidos e malucos. Estúpidos talvez por achar que somos auto-suficientes, que não precisamos de ninguém, para fazer o que quer que seja. A insanidade seria o resultado de toda esta confusão de sentimentos. Tentar explicar o por quê de tanta confusão é tarefa árdua mesmo para psicólogos, filósofos e tantos outros profissionais que se arriscam na aventura de entender o comportamento humano. Por vezes, não compreendemos todos os valores que nos são impostos, mas acabamos por aceita-los, para que as outras pessoas também nos aceitem. Muitos sequer param para refletir sobre esses valores. Nesta edição faze-

mos um convite à reflexão: desde a construção do nosso “alicerce”, que é a família, até questões políticas e ideológicas. Em nossa reportagem especial, buscamos instigar o leitor a refletir sobre a base do seu modo de relacionamento: a família. Ela não conseguiu sair imune às mudanças desta conturbada era, e não são poucos os que já defendem sua falência. Mas as dúvidas não pairam apenas sobre nosso modo de relacionamento em família. Estamos mudando nosso modo de interferir na política? Ainda existem ideologias a serem seguidas, ou estamos apenas diante de imposições financeiras? Quem produz menos terá chances de se tornar mais competitivo? Como devemos interagir com o meio-ambiente? Estamos cada vez mais expostos a críticas, à medida em que fazemos uso de

nossa tão ostentada liberdade. Mas temos capacidade de autoavaliação ou de julgamento das atitudes alheias? Afinal, o individualismo não está funcionando tão bem quanto se imagina. Nas próximas páginas, você irá se defrontar com muitas possibilidades de mudanças, mudanças que de fato estão ocorrendo e formas de mudar o que a maioria das pessoas julga ser errado, mas se sentem incapazes de contestar – ou até mesmo mudar! – sozinhas. Não apontamos soluções, apenas caminhos. As escolhas, como todos bem defendem, são individuais. Boa leitura!

Lo alize-se! Política

3

Editorial

2 Economia

4

7

Social

5

9 8 Especial

Ciência

6

Educação

11

Comportamento

10

Ecologia

13

12

Esportes

Cultura

Perfil

14

Vitrine

15

Reticências

16

Rafael Pedroso

Contextoo


Contextoo

Política

Novembro de 2008

Casado, gay, maconheiro...

Eleições municipais foram repletas de ataques pessoais entre candidatos

___________________________ Rodrigo Azevedo

Quando uma multidão de brasileiros saiu às ruas em 1984 e promoveu a maior manifestação de rua de nossa história para lutar por eleições diretas, certamente não foi para, mais de 22 anos depois, assistir ao país ainda discutir problemas com as eleições que persistem em incomodar o bom funcionamento da democracia brasileira. As campanhas eleitorais para as eleições municipais de 2008 esquentaram o clima político das

cidades de todo o país. A importância estratégica para os partidos elegerem prefeitos aliados acirrou ainda mais a disputa. Com isso tudo, a discussão sobre os problemas e o futuro das nossas grandes cidades cedeu lugar a panfletos apócrifos e ofensas pessoais. Alguns dos exemplos vieram de duas grandes capitais do país, São Paulo e Rio de Janeiro. Na disputa paulistana, a candidata Marta Suplicy (PT), durante seu horário eleitoral, fez insinuações sobre a sexualidade do candidato à reeleição Gilberto Kassab (DEM), questionando se ele era casado ou teria

Essas acusações ferem o princípio da ética e transformam a política numa arena do vale-tudo

filhos. No Rio houve uma guerra de panfletos desqualificando o candidato Fernando Gabeira (PV), taxando-o de gay e maconheiro. O candidato oponente, Eduardo Paes (PMDB), negou a autoria. Para o cientista social José Renato Ferraz da Silveira essa situação revela um aspecto trágico da política contemporânea. “Essas acusações ferem o princípio da ética e transformam a política numa arena do vale-tudo”. Para Silveira, “a linha que separa o legítimo do intolerável é uma temática que será lembrada nessas eleições municipais de 2008.” O jornalista Xico Sá, em sua condição de eleitor, considera o nível médio das campanhas eleitorais como um dos melhores desde a redemocratização e vê nos casos de SP e RJ apenas uma pequena recaída moral. “A história vergonhosa do ‘é casado’ e das musiquinhas do Kassab tentando enquadrar a sexóloga Marta como uma perua histérica e tresloucada que vivia em Paris são exemplos disso”, constata Sá.

Em Bauru Nas eleições municipais em Bauru, a disputa entre Rodrigo Agostinho (PMDB) e Caio Coube (PSDB) também se fez de acusações. O candidato peemedebista foi acusado pelo tucano de almejar prefeitura apenas como

Divulgação

ENSAIO

No quintal do capitalismo floresce a esquerda Depois de explorações, golpes, ditaduras, crises e abandono, a América Latina vê uma alternativa para driblar o sistema capitalista

___________________________ Gabriel Duarte

Foi no ano de 1789, durante uma Assembléia Constituinte numa França revolucionária que surgiu a seguinte dúvida: deveria o Rei ter direito a veto na nova constituição? Os que eram favoráveis à concessão desse direito se posicionaram à direita e os contrários à esquerda. O primeiro grupo passou para história como aristocratas e o segundo como patriotas. De modo geral, ficouse entendido que os que a direita queria manter certa ordem, já a esquerda queria novos caminhos. Hoje é difícil defini-los e ainda despertam discussões inflamadas. Prova disso é a América Latina. A esquerda foi desmistificada e se adaptou aos novos tempos.

A onda dos governos de esquerda na AL é reflexo da falência das políticas neoliberais

Hoje temos Lula (Brasil), Rafael Correa (Equador), Fernando Lugo (Paraguai), Daniel Ortega (Nicarágua), Evo Morales (Bolívia), Bharrat Jagdeo (Guiana), Hugo Chavez (Venezuelana) e Raúl Castro (Cuba); sem contar os simpatizantes.

Raízes A exploração colonial da América Latina fez da região uma eterna dependente da ajuda exterior. Andréia Lúcia de Souza, formada em relações internacionais pelo Centro Universitário de Vila Velha, em seu trabalho de conclusão de curso constatou que o cenário em que se desenvolvem as lutas de classes na América Latina forjou-se ao longo de três séculos de exploração colonial e um período

menor, porém mais predatório, de dominação imperialista européia e, logo em seguida, de dominação norte-americana. “O latifúndio, a monocultura de exportação e as formas pré-capitalistas de exploração da mão-de-obra ainda constituem considerável parcela da realidade agrária de muitos países latino-americanos”, explica. Durante a Guerra Fria o componente ideológico se fez presente e diversos países passaram por golpes, contra-golpes e ditaduras militares. Com a abertura política na década de 80, o saldo era negativo. Desemprego, economias quebradas, inflações e etc. Muitos tentaram correr atrás do tempo perdido e se lançaram (em alguns casos sob a pressão do FMI) nas mãos do neolibe-

Eliane Catanhêde opina Colunista da Folha de S. Paulo comenta os principais acontecimentos das eleições municipais riam: ele se tornou definitivaAs campanhas mente a cara e o discurso de eleitorais atuais As campanhas eleitorais es- vanguarda no país. tão cada vez mais caras, sofisticadas e técnicas. Apesar disso, A participação da imprensa cada vez mais desandam para a nas eleições É uma pena que a imprensa baixaria. Isso vale para o Brasil, mas também para os EUA, nacional sempre se concentre onde McCain acusou Obama principalmente no eixo Rio-São de ser esquerdista e muçulma- Paulo, deixando de lado o resto deste imenso país. Caso contráno. rio, poderíamos ter sabido de quanta baixaria rolou. Eleição em São Paulo Passará para a história dessas eleições o “é casado, tem fi- Ganhadores e perdedores Marta perdeu feio em São lhos?” da Marta contra Kassab, Paulo. Gabeira, apesar da dernuma insinuação subliminar de rota é um dos vencedores da homossexualidade. As acusações da petista são abomináveis eleição, porque deixou uma boa para quem fez carreira política marca que lhe vai ser útil. comprometida com os direitos O nível das campanhas das minorias. No jogo sujo onde quem ataca é quem está perdendo, o eleitor Eleição no Rio Na eleição do Rio, os panfle- está cada vez mais escaldado. Há tos taxando Gabeira de gay e derrotas e derrotas. Eleições se maconheiro teve efeito oposto perdem e se ganham. O que não ao que seus adversários que- pode é perder a compostura. trampolim para ser deputado estadual nas eleições de 2010. Na opinião de José Renato Ferraz Silveira, esse tipo de acusação é um discurso retrógrado e obs-

curantista. Segundo ele, “muitos eleitores levam em conta essas acusações, por isso, uma reforma política exigiria leis mais rígidas nesse sentido”, opina Silveira.

ralismo. A situação desses países chamou a atenção dos grandes. Em 89, durante o Consenso de Washington, diversas instituições econômicas debateram o que deveria ser feito para promover o “ajustamento econômico” de países em dificuldade em se adequar ao sistema neoliberal.

“Isso se explica pelo fato de tais governos seguirem ou implementarem – cada um a seu modo e com intensidade díspar – políticas estatais anti-neoliberais, de re-estatização ou nacionalização, de recuperação da soberania do país, com forte intervenção do Estado”. Em política, erros e acertos do passado refletem implacavelmente no futuro. Ainda é cedo para dizer onde os políticos dessa “nova” esquerda da América Latina estão errando ou acertando. Certamente o futuro dirá. Para a professora Cristina, o ideal seria um futuro sem polarizações e continuidade da regra democrática, tanto à direita quanto à esquerda, que encontre um equilíbrio na sociedade e na economia, ao lado de uma política autônoma. “Alguns países como o Brasil encontram-se já neste caminho, mas ainda com problemas sociais a resolver, enquanto outros como Equador, Bolívia, Venezuela, demandam maiores ajustes na busca de consensos internos que impeçam estas polarizações”, afirma.

“Os desajustados” De fato, pouco melhorou depois do Consenso de Washington e, como resposta, houve uma onda de insatisfação. Segundo a cientista política e professora do curso de relações internacionais da Unesp, Cristina Soreanu Pecequilo, “esta onda é reflexo da falência das políticas neoliberais que foram implementadas no fim da Guerra Fria e que geraram, a partir da adesão ao Consenso de Wa s h i n g t o n , um aprofundamento da crise social e econômica já existente em vários países. Assim, surgem as alternativas de esquerda”. Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp e professor da Universidade Federal de Uberlândia, Aldo Duran Gil, considera que houve uma resposta ao neoliberalismo.

A adesão ao Consenso de Washington causou um aprofundamento da crise social e econômica já existente em vários países da América Latina


Economia

Novembro de 2008

Economia solar Lucas Scaliza

O aquecedor de água caseiro garante 50% de economia na conta de energia elétrica

Tucho instalou o sistema aquecedor caseiro em sua casa há 14 meses

___________________________ Lucas Scaliza

Crise energética, aquecimento global, derretimento das calotas polares, ativismo ecológico e desenvolvimento sustentável são expressões que incorporamos em nosso dia-a-dia nos últimos anos. Aliando essas idéias à redução de gastos domésticos, Álvaro Lourenço Lopes desenvolveu, junto de um amigo bauruense, um sistema de aquecedor de água caseiro. Ele é eficiente e consegue

aumentar a economia de energia elétrica em 50%. Álvaro, 43 anos, é pedreiro. Classifica o aquecedor como uma de suas melhores criações. O sistema teve como ponto de partida as mangueiras espirais que servem para gelar a cerveja. O seu invento é simples e funciona como uma estufa. Um barril cortado pela metade abriga 100 metros de uma mangueira em espiral cheia de água. Os barris ficam em seu telhado expostos ao sol, lacrados

por uma placa de vidro ou plástico de estufa que funcionam como placas que concentram o calor solar, absorvendo energia. Álvaro instalou em sua casa quatro desses barris (também chamados de reservatórios térmicos) ligados em série, o que soma 140 litros de água quente disponível para que ele a esposa tomem banho. Para cada litro de água aquecida naturalmente é necessário misturar outro de água fria, pois o aquecimento pode passar dos 46ºC e queimar a pele. Outra vantagem do sistema é que o banheiro não precisa passar por uma reforma completa. Uma mudança simples dá conta de ligar a água dos barris no chuveiro da residência. Quem quiser melhorar ainda mais o sistema, pode pintar os barris de preto (atualmente são azuis na casa de Álvaro) e acoplar caixinhas de leite – também pintadas de preto – ao redor do barril. O protótipo do aquecedor apresentou um único inconveniente até agora: como a borracha é reciclada, o chuveiro elimina um odor característico durante o banho, mas não fica impregnado no corpo, cabelo ou roupa. No entanto, o modelo montado com borracha nova não exala cheiro algum. O sistema completo fica em torno de R$ 250. Se a água da rua já

estiver ligada ao chuveiro residencial, o preço cai ainda mais. “Em dois ou três meses de uso do sistema, a economia de energia elétrica paga o investimento de instalação”, diz o inventor. “Antes, eu e minha mulher gastávamos cerca de R$ 40 com energia elétrica . Hoje, pago apenas R$ 12 ou R$ 13”. Seu amigo de Bauru e cocriador do aquecedor (que prefere não ter o nome revelado) gastava entre R$ 80 e R$ 100 com a conta de luz; hoje paga R$ 40. O protótipo do aquecedor está instalado há um ano em seu telhado. Ele pôde observar como

Dá para que todos em minha casa tomem banho e ainda sobra água quente

se comporta a invenção durante todas as estações do ano e garante a eficiência do invento. Segundo ele, a água continua quente às 23 horas. As chuvas da estação também não afetam o aquecimento, já que as mangueiras espirais de água ficam vedadas nos barris.

Contextoo

Uso familiar O pintor e gessista Gilberto Bispo de Carvalho, o Tucho, viu a engenhoca na casa de Álvaro e resolveu instalar um modelo idêntico em sua residência. Inês Tozzi de Carvalho, mulher de Tucho, disse que já chegaram a pagar R$ 150 de energia elétrica. Após instalarem o aquecedor de água caseiro, a conta de luz caiu para R$ 70. “O chuveiro e o ferro de passar são os maiores vilões de uma casa. Eliminamos o chuveiro pelo menos”, diz Tucho. Utilizando o sistema há 14 meses, contam que mesmo no inverno, duas horas de sol é suficiente para aquecer a água e deixá-la boa para o banho. Quando o dia não está ensolarado, apenas o mormaço garante o aquecimento da água nas mangueiras. “Preciso sempre misturar a água do aquecedor com a do depósito, senão fica impossível tomar banho. Esquenta muito”, ressalta o pintor. Tucho usa quatro barris com 100 metros de mangueira em serpentina em cada um. Diz que o volume de água é suficiente para que os quatro residentes de sua casa tomem banho e ainda sobra água quente. “Estou até pensando em puxar uma extensão do aquecedor para o tanque na área de serviço ou na torneira da cozinha para aproveitar melhor o sistema”.

Alterações no Super Simples ampliam acesso de MPEs A nova regulamentação pode diminuir a informalidade e a sonegação de impostos, além de beneficiar cerca de 800 mil empresas

Desde julho deste ano está sendo discutido na Câmara dos Deputados e no Senado um projeto que prevê alterações na lei do Simples Nacional, conhecido como Super Simples. Entre as mudanças discutidas estão a inclusão do Micro Empreendedor Individual (MEI), empreendedores que têm receita bruta anual de até R$36 mil e apenas um empregado com renda de um salário mínimo. Com a lei, o micro empreendedor ficaria isento de quase todos os tributos incluídos no sistema fiscal e pagaria mensalmente R$ 45,65 para sua aposentadoria, além de R$ 1 de ICMS e R$ 5 de ISS.

A única coisa que o Simples Nacional não melhorou foi na diminuição de imposto

Outro tema discutido é a inclusão de novos setores, como clínicas médicas, veterinárias e odontológicas; psicologia e fisio-

terapia; escritórios de advocacia, arquitetura, engenharia; corretagem de seguros e de representação comercial, de jornalismo e publicidade. A inclusão destas categorias, no entanto, já enfrenta resistência por parte dos fiscos federal e estaduais. Agora, as alterações aguardam aprovação no Senado, para que possam valer a partir de julho de 2009.

Super Simples limita indefinições e sonegação O Super Simples é destinado às microempresas e empresas de pequeno porte. O sistema vigora desde julho de 2007 e unifica oito tributos: CSLL, PIS, Cofins, IRPJ, IPI, INSS patronal, ICMS e ISS. Antes do Super Simples, o governo já havia tentado unificar o recolhimento dos impostos, com a criação do Simples Federal, em 1997. Mas, na época, não houve acordo com os estados e municípios, e alguns impostos como ICMS, que é estadual, e o ISS, municipal, continuavam a ser recolhidos separadamente. O contabilista Rodrigo Claro explica que, na época, essa falta de acordo entre as esferas federal, estaduais e municipais criou alguns problemas para a contabilidade das empresas. Os limites de faturamento eram iguais tanto no sistema fe-

Aline Scaravelli

___________________________ Aline Scaravelli

Brasil poderá ter 8,8 milhões de pequenas empresas em 2015. Maior crescimento será no setor comercial

deral como no estadual, mas em alguns casos, quando eram feitas negociações com empresas do regime normal de tributação, o simples estadual desqualificava a empresa como micro, tornando-a mista, pois perante o código civil e o Simples Federal ela ainda era considerada micro. Rodrigo lembra ainda que o Simples Federal deixava a desejar na questão de esclarecimento da lei. Um dos artigos previa a vedação da participação de profissões regulamentadas no sistema. “Eu tive (um cliente de) uma loja de conserto de telefone excluído do Simples, sob a alegação de que

pra consertar telefones ele teria que ser engenheiro ou no mínimo um técnico em eletrônica, profissões que dependem de registro e são regulamentadas.” Rodrigo acredita que a lei do Super Simples foi melhorada, mas ressalva: “A única coisa que o Simples Nacional não melhorou foi na diminuição de imposto. Não houve diminuição de carga tributária.” Ele explica que o Super Simples traz cinco tabelas e várias regras de cálculo, diferente do antigo Simples, que só possuía uma tabela. Atualmente, as tabelas de comércio, indústria e bens de locação móveis são as que têm

as menores tributações. As outras duas tabelas acabam sendo desvantajosas em alguns casos, pois o imposto pode chegar a 15% do faturamento. Nessas tabelas, o cálculo do imposto é feito levando-se em consideração, entre outros fatores, a quantidade de funcionários que a empresa emprega: quem emprega mais reduz a tributação. Hoje, as empresas que participam do Super Simples precisam lançar seus faturamentos na página do governo mês a mês, medida que na opinião de Rodrigo Claro, tem por objetivo inibir a sonegação. “Existe muita sonegação no Brasil, mas acho que isso está com os dias contados. Não leva mais de quatro anos para que tudo esteja na era digital e o governo, num clicar de botão, consiga detectar sonegação fiscal, principalmente nas pequenas empresas.” Segundo levantamentos do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), as micro e pequenas empresas correspondem a 98% das firmas brasileiras. São cerca de cinco milhões de empresas que movimentam 20% do PIB nacional. E as projeções mais animadoras sugerem a existência de 8,8 milhões de pequenas empresas até 2015.


Contextoo

Educação Social

Novembro de 2008

Hoje é feriado! Você sabe de quê?

Em Bauru, o dia 20 de Novembro ainda não foi institucionalizado feriado

Mal começa o ano e uma das primeiras coisas que fazemos é olhar o novo calendário à procura dos tão bem-vindos feriados. Quase sempre ficamos aborrecidos quando um deles cai bem num domingo. Mas afinal, qual a função de um feriado? Tirar uns dias a mais de folga na semana? Acordar mais tarde em plena quinta-feira? Rememorar a pátria? Consagrar algum santo? Na década de 40 a.C., a cidade de Roma chegou a ter mais de cem feriados por ano. Na modernidade clássica, países da América Latina também institucionalizaram muitos feriados como forma de enaltecer os santos da igreja católica. Hoje, no Brasil, a Lei Federal nº. 9.093 restringe o número de feriados em âmbito municipal, estadual e federal. A lei impede que as cidades tenham mais de quatro feriados religiosos municipais. Algumas cidades, por não atingirem o limite de feriados, adotaram outras datas de ponto facultativo como feriados municipais oficiais. É o caso das cidades de São Paulo, Campinas e Piracicaba que tomaram o dia 20 de Novembro como feriado em favor da “Consciência Negra”.

dia a mais de fechamento das lojas”, ressalta Ademir. Independente da data se tornar ou não feriado na cidade, qual é a relação do brasileiro com o feriado? Será que damos o devido valor à data que ele representa? “O grande número de feriados, instituídos na época do Brasil póscolônia, fez com que se perdesse boa parte do seu sentido, servindo apenas para celebrações de grupos específicos”, comenta o professor e doutor em antropologia Cláudio O significado do feriado para os brasileiros, na maioria das vezes, é mais um dia para não ir trabalhar ou estudar. Bertolli em relação ao bol tem muito mais importância Zumbi (negro nascido livre e línúmero de feriados no Brasil. Alguns feriados, como o 1º de e significado do que o Estado”, der do Quilombo dos Palmares no Brasil do século 17) e o resgate Maio, perderam sua função. “A conclui o antropólogo. Para tentar mudar essa relação histórico da cultura e historiograredemocratização do Estado brasileiro (pós-1980) e a angústia do brasileiro com o feriado, o fia africana”, esclarece Ademir. Mesmo sem a institucionalipopular para com o Estado com- Conselho da Comunidade Nepletaram um esvaziamento geral gra de Bauru defende a seguinte zação do feriado, o Conselho da dos feriados, que se tornaram proposta: “uma vez instituído Comunidade Negra de Bauru, em mais do que nunca dias em que o feriado, os afro-descendentes parceria com a prefeitura, promonão se trabalha”, explica Bertolli. convocariam a população a não veu durante o mês de novembro “Comemora-se muito mais um ficar em casa, mas sim participar palestras, exposições artísticas, time de futebol quando ele con- de uma série de eventos artísticos missas e shows. Para saber inforquista um campeonato do que e culturais. Mais do que isso, le- mações sobre a Comunidade Neum feriado nacionalista de 7 de var a ‘massa’ a fazer uma grande gra de Bauru basta acessar o site: Setembro, por exemplo. O fute- reflexão sobre a imortalidade de www.ccnbauru.wordpress.com.

O Conselho Municipal da Comunidade Negra de Bauru tenta institucionalizar essa data como feriado no município. Segundo o jornalista e presidente do Conselho, Ademir Elias, “a questão não é apenas a criação de feriado, mas sim uma devida homenagem ao herói nacional Zumbi dos Palmares”. Aproximadamente 250 cidades de todo o Brasil consideram o dia 20 de novembro como feriado. Qual será o motivo de Bauru ain-

Gisela Bobato

___________________________ Luiz Guilherme Stifter

Comemora-se muito mais um time de futebol quando ele conquista um campeonato do que um feriado nacionalista

da não ter adotado? “Os vereadores alegam que há um excesso de feriados municipais. Mas a raiz do problema, a meu ver, é a intransigência de alguns empresários do comércio que entendem que vão perder receitas caso tenhamos um

Opinião

Luta por uma “nova Lei Áurea” Gisela Bobato

Para quem acha que escravidão não existe mais, ela está mais perto do que se imagina

Na escravidão contemporânea não há uma organização criminosa estratégica, mas ações dos próprios fazendeiros.

___________________________ Kelli Franco

Atualmente, trabalho escravo se caracteriza quando uma pessoa ou um grupo de pessoas é levado para trabalhar em locais distantes de seu lar em troca de moradia e salário. Mas essas promessas não são cumpridas. O trabalhador passa então a viver em situação degradante sem ter condições de deixar o local, uma vez que contraiu muitas dívidas e sofre ameaças. Desde 2001 a ONG Repórter Brasil atua para informar a sociedade sobre as práticas de trabalho escravo ainda existentes no país. A ONG ainda cria projetos visando

à erradicação dessa prática, além de ser uma das grandes incentivadoras da aprovação da PEC 438, a “PEC do trabalho escravo”. O coordenador da ONG e representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), Leonardo Sakamoto, ressaltou em visita a Unesp/Bauru a atuação da mídia. Segundo ele, existem bons jornalistas fazendo pequenas revoluções sociais no dia-a-dia. “Para isso existem também as pessoas que estão fora da grande mídia (pequena mídia, ONGs), que atuam num total utilizando a mídia contra o trabalho escravo”, afirma.

Notícias de trabalho escravo A ONG Repórter Brasil criou em 2006 a Agência de Notícias sobre trabalho escravo, o primeiro veículo voltado para o assunto no país. No último dia 10 de novembro, a agência noticiou que seis carvoarias no sudeste do Pará mantinham trabalhadores em situações de escravidão, ao todo 51 trabalhadores foram libertados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Três dias antes, em Riachão da Neves, na Bahia, 37 pessoas haviam sido encontradas por membros do Ibama em situação parecida também em uma carvoaria. E este não é um problema apenas de carvoarias do Norte e Nordeste do país. No mês de outubro a Agência Brasil informou a existência de trabalhadores em situação de semi-escravidão em Pratânia e Laranjal Paulista, no interior de São Paulo. Os 21 trabalhadores encontrados numa empresa que embala frangos eram de Sergipe e deveriam receber R$ 900. Porém, só recebiam metade do valor e ti-

nham que pagar água, luz e comprar comida no estabelecimento do próprio empregador. Depois do flagrante da Gerência Regional do Trabalho e Emprego de Bauru, os trabalhadores voltaram para Sergipe.

O que é a PEC 438? A PEC 438 ou “PEC do trabalho escravo” é considerada por muitos uma segunda lei áurea e consiste numa proposta de emenda constitucional que prevê o confisco, sem direito a indenização, de terras onde forem encontrados trabalhadores em situação de escravidão. Segundo Leonardo Sakamoto, jornalista e um dos grandes articuladores do movimento pela aprovação da PEC, a emenda seria um duro golpe em quem insiste em usar a propriedade privada da terra como se fosse porte de arma. Sakamoto aponta ainda que a bancada ruralista na Câmara e no Senado são hoje os grandes empecilhos para a aprovação da PEC. Segundo ele, esses deputados e senadores são contra a criação de

Se for deixar a propriedade sem produzir ou para criar escravos, você merece perdê-la

Lista Suja A Organização Internacional do Trabalho, o Instituto Ethos e a ONG Repórter Brasil desenvolveram um sistema de busca para disponibilizar a chamada “lista suja”, divulgada pelo governo federal. A lista é atualizada com base em informações da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego e está disponível no site www.reporterbrasil.com. br. Atualmente 204 fazendas estão incluídas na lista, o que comprova o grande número de pessoas que hoje vivem em situação de escravidão. um instrumento que questione a inviolabilidade da propriedade privada no Brasil. Por fim, ele ressalta que para ter uma propriedade é necessário que se tenha uma função social. “Se for deixar a propriedade sem produzir ou para criar escravos, você merece perdê-la. A PEC vai criar um precedente importante e as pessoas têm medo que esse precedente seja aprovado”, afirma. O Movimento a Favor da Aprovação da PEC 438 já conta com o apoio da CNBB, entidade máxima da igreja católica no país, além de oito centrais sindicais entre outras organizações sociais. O abaixo assinado online (disponível no site www.reporterbrasil. org.br) já conta com mais de 30.500 assinaturas.


Social Educação

Novembro de 2008 Gisela Bobato

Aberta aos olhos da tecnologia e da sociedade

a apresentação de trabalhos de conclusão de curso.

Qualidade versus Delivery O principal questionamento dos especialistas à existência de cursos à distância é a qualidade do ensino concomitante com o O ensino a distância pretende oferecer oportunidade de formação grande aumento superior a quem mora em cidades longínquas ou em zonas rurais no número de Educação Aberta e a Distância vagas. A coordenadora do Progra(ABRAEAD) de 2008 confir- ma de Educação a Distância da Por muito tempo considerada uma modalidade desprestigiada, mam que o Brasil possui 257 Ins- FGV (GVnet), Marta de Campos a educação à distância cresce, mas ainda enfrenta desafios tituições de Ensino Superior cre- Maia, alerta que “o aprendizado ___________________________ denciadas com cerca de 970 mil depende mais da forma como a educação superior à distância em Fernanda Azzolini parceria com as universidades e alunos matriculados. Para partici- tecnologia é aplicada à metodoloNão é de se espantar que a evo- entidades públicas das três esferas parem do projeto, as instituições gia de ensino do que do tipo de lução dos meios tecnológicos atin- governamentais (municipal, esta- interessadas devem cumprir a tecnologia utilizada”. De acordo gisse a esfera educacional. O ensino dual e federal). legislação de acordo com o de- com o ABRAEAD 2008, o cresà distância, aquele que não exige a A supervisora do curso de pecimento no número de alunos presença dos estudantes em sala de dagogia da Universidade Aberda Educação à Distância foi de aula, ainda engatinha no Brasil. ta do Brasil da UnB e autora de 24,9%, inferior aos anos anterioNo entanto, dados comprovam uma pesquisa sobre gestão do enres, em que o índice de aumenque ele logo atingirá a maioridade sino superior à distância, Onília to era cerca de 50%. De acordo dentre os tipos de ensino. Cristina de Souza Almeida, explicom o coordenador do Anuário Não foi apenas com o advento ca como ocorrem os cursos: “O Estatístico, Fábio Sanches, o das novas tecnologias que essa estudante conta com a orientação desaquecimento explica-se pelo modalidade de ensino-aprendi- do tutor no pólo de apoio premaior controle do ensino à diszagem surgiu, já que também sencial em seu município. Além tância que inibe a criação de curcresceu a quantidade de projetos disso, dispõe de um ambiente sos sem qualidade. e ações públicas visando a am- virtual de aprendizagem Moodle Em junho deste ano o Consepliação da oferta do ensino supe- (um software livre, de apoio ao lho Federal de Biologia publicou rior, principalmente gratuito. Em ensino) para acessar o conteúdo, uma resolução que proíbe o re2005, o Ministério da Educação tirar dúvidas e interagir com os creto nº 5.622/2005 e também as gistro a profissionais que tenham regulamentou a Universidade colegas e tutores.” normas relacionadas à educação, diplomas de cursos de educação à Aberta do Brasil (UAB) para arOs dados mais recentes do tais como a titulação do corpo distância, mesmo que a instituiticular um sistema nacional de Anuário Brasileiro Estatístico de docente, os exames presenciais e ção seja reconhecida pelo MEC,

A tendência é de que falemos em educação na distância, ao invés de educação à distância

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justificando a proibição pela má qualidade de alguns cursos e baixa proporção de aulas práticas. Em nota, o MEC divulgou que concorda com o conselho em casos específicos, mas seria injusto punir todos os estudantes. O MEC decidiu, então, que irá avaliar todos os casos e, se as exigências legais não forem cumpridas, o curso será interrompido. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), no último Exame Nacional de Desempenho do Estudante (ENAD) os alunos de cursos à distância obtiveram nota superior a dos estudantes de cursos convencionais. Para Onília Cristina, no Brasil o preconceito com os cursos à distancia vem de experiências mal sucedidas do passado e falta de regulamentação. “Antes, quando alguém demonstrava incompetência no trabalho, costumava dizer: ‘esse tirou o diploma por correspondência’. Mas atualmente esse pensamento vem mudando”. Críticas e louvores à parte, o fato é que a educação à distância já está implantada e o necessário agora é criar mecanismos para a melhora da estrutura e manutenção, visando a boa qualificação do formando. “A tendência é de que, no futuro próximo, falemos em educação na distância, ao invés de educação à distância, pois a preocupação será com técnicas de aprendizagem e não somente com a tecnologia de acesso e distribuição dos cursos”, finaliza Marta.

Um diploma questionável Lucas Scaliza

Prova oferecida pelo governo dá direito a diplomas do 1º e 2º grau

Alguns educadores acreditam que o Encceja incentiva alunos a fazerem apenas um curso preparatório

___________________________ Bianca Banzato

Com o intuito de oferecer oportunidade àqueles que estão em busca de uma certificação escolar, o governo criou, há alguns anos, um exame para pessoas que “atrasaram” a vida escolar. Um jovem com mais de 15 anos que cursou apenas o ensino básico pode, por exemplo, prestar a prova e, se passar, receber o diploma de conclusão do ensino fundamental. O mesmo vale para adultos com mais de 18 anos que terminaram o primeiro grau, mas não concluíram o segundo. Com a criação do Encceja (Exame Nacional para Certificação de

Competências de Jovens e Adultos) surgiram discussões a respeito da validade dos diplomas. Alguns educadores acreditam que, com o exame, o governo abre mão das aulas presenciais e incentiva os alunos a fazerem apenas um curso preparatório. Para se obter um certificado de conclusão do ensino médio no ensino regular são necessários sete anos de estudos. A inclusão de adultos no ensino dá-se por meio do EJA (Educação de Jovens e Adultos) e leva metade do tempo normal. Para a agente de organização escolar Célia Donizete, a prova incentiva a evasão escolar, principalmente dos alunos que cursam o supletivo. “O diploma acaba

perdendo sua validade, já que não é necessário mais freqüentar as aulas para obtê-lo”, afirma Célia. “Muitos acreditam que quanto mais rápido conseguirem o diploma, mais rápido poderão prestar concursos. Mas o que ninguém questiona é se esses alunos realmente estão capacitados”. Há pouco mais de 30 anos trabalhando com educação, Célia é funcionária de uma escola pública de primeiro e segundo grau e acredita que medidas desse gênero devem ser encaradas com cautela, já que a qualidade do ensino público não pode ser afetada.

Sobre o exame Pouco divulgado pela mídia, o Encceja faz sua propaganda através do boca a boca nas ruas e praças e aparece como opção para jovens e adultos que fazem supletivo. O exame conta também com um site explicativo (encceja. inep.gov.br) que oferece material para estudo e realiza a inscrição dos interessados. A prova é dividida por disciplinas. Se o participante não obtiver êxito em todas as áreas, recebe um certificado correspondente nas que foi aprovado e pode, no ano seguinte, tentar as matérias em que não conseguiu nota mínima. Quando atinge a meta em

todas as áreas, recebe o certificado de conclusão. Criado em 2002, o exame tinha por objetivo inicial servir de instrumento para avaliar o conhecimento de jovens e adultos do ensino fundamental e médio que viviam fora do país, em especial os que estavam no Japão. Para isso, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), idealizador da prova, abriu inscrições no exterior com

O diploma acaba perdendo sua validade, já que não é necessário mais freqüentar as aulas para obtê-lo

o intuito de construir uma referência nacional de avaliação de competências e habilidades adquiridas no processo escolar ou nos processos formativos. Além, é claro, de estruturar uma avaliação direcionada aos alunos do EJA. Ainda em 2002 o Exame foi

aberto às Secretarias de Educação que quisessem aplicar a prova em seus alunos do EJA. As inscrições no primeiro ano atingiram a marca de 14.488 inscritos, com a participação de 56 municípios de 15 estados brasileiros. Em 2003 e 2004, o Encceja não foi realizado, mas voltou em 2005 quando pela primeira vez uma rede estadual aderiu ao exame e todos os municípios participaram.

Aqui e lá Consolidada e maior, a prova deste ano conta com a participação de 649 municípios e dos seguintes estados: São Paulo, Tocantins, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Mato Grosso do Sul, mais o Distrito Federal. A prova será realizada nos dias 13 e 14 de dezembro. No exterior o exame já aconteceu nos dias 27 e 28 de setembro, com um total de 2.373 inscritos no Japão e 65 na Suíça. O dois países não apresentaram problemas quanto à aceitação do exame, já que cabe à União a relação com outros países. Os brasileiros que moram no exterior e tiveram aprovação total na prova irão receber o histórico escolar com o certificado de conclusão na primeira metade de dezembro.


Contextoo

^ Ciencia

Novembro de 2008

Google e privacidade na rede: uma questão polêmica Há 10 anos, o Google era mais um buscador que concorria com os então carros-chefe da internet, Altavista e Yahoo. Hoje, essa marca é sinônimo de muito mais. “Googol” é uma expressão criada para definir o número 1 seguido de 100 zeros, demonstrando assim a imensidão da web. Agora, esse número pode explicar as funcionalidades e o quão poderoso se tornou esse jovem empreendimento de 10 anos de idade. O que muitos não sabem é que o Google, além de buscador, é responsável por grande parte dos grandes serviços da internet, como Youtube, Orkut, Gmail, Blogger e Picasa. Isso sem falar de aplicativos como Google Earth, o visualizador de imagens do globo terrestre por satélite, e o recém criado Chrome, o navegador que promete concorrer com o Internet Explorer e o Firefox. Com dados de inúmeros usuários circulando pelos servidores da Califórnia, não fica difícil questionar se eles podem ser usados de má fé. Um perfil no Orkut diz muito sobre as preferências de uma pessoa; os vídeos que um usuário assiste ou envia, também. O que dizer então das

Empresa preocupa usuários ao armazenar dados de internautas em seus servidores os usuários vejam ruas das cidades quando navegam pelas imagens por satélite do Google Earth ou Google Maps. Vans trafegam em cidades dos EUA com câmeras que aleatoriamente capturam imagens em 360 graus, com 100 megapixels de resolução. Muitas Tela do serviço Street View. O casal Aaron e Christine Boring processou o Google e exigiu delas acabam mosuma indenização de US$ 25 mil por serem flagrados “namorando” na janela de sua casa trando pessoas que fotos de satélite do mundo todo exibir o conteúdo, o usuário con- circulam pelas ruas no momento. que circulam pelo Google Earth? cede ao Google uma licença irre- Mas nem todos gostaram dessa Apesar de tantas funcionalidades, vogável, perpétua, mundial, isen- idéia. O casal Aaron e Christine muita gente diz que o Google ta de royalties e não exclusiva para Boring, da Pensilvânia, processou contribui para a extinção da pri- reproduzir, adaptar, modificar, o Google e exigiu uma indenivacidade na internet. O lema da traduzir, publicar, distribuir pu- zação de US$ 25 mil por serem empresa, “Don’t be Evil”, ainda é blicamente, exibir publicamente e flagrados “namorando” na janela respeitado? distribuir qualquer conteúdo que de sua casa. Essa polêmica se acentuou nos o usuário enviar, postar ou exibir O colunista do site MeioBit últimos meses, no lançamento nos serviços ou através deles.” e ex-estagiário do Google nos do navegador Google Chrome. Ou seja, as pessoas continuariam EUA, Felipe Albrecht, afirma que Alguns parágrafos do termo de tendo direitos sobre tudo aquilo a empresa não está invadindo a compromisso do software po- que visualizam e enviam (como e- vida das pessoas: “Não conheço o deriam se mostrar prejudiciais à mails e fotos) através dos serviços processo em que as informações privacidade: “O usuário retém da empresa, mas esses arquivos do Chrome são armazenadas, mas direitos autorais e quaisquer ou- podem ser usados pelo Google tenho certeza que a privacidade tros direitos que já tiver posse em quando a empresa quiser. é mantida e muito bem preserOutro caso ocorreu com outro vada. No lançamento do Gmail relação ao conteúdo que enviar, postar ou exibir nos serviços ou serviço novo da empresa, o Street também houve discussões sobre através deles. Ao enviar, postar ou View. A ferramenta permite que a privacidade do usuário. Isto faz Divulgação

___________________________ Francisco Trento

parte quando se lança produtos novos e inovadores. O Chrome é um projeto de código aberto e já existem modificações em que a opção de armazenar os resultados é removida. Em relação ao Street View, a rua é um espaço públi-

A rua é um espaço público, você pode tirar fotos nela. O carro que tira as fotos não invade nenhuma propriedade privada

co, você pode tirar fotos nela. O carro que tira as fotos não invade nenhuma propriedade privada. Os americanos não gostam de se deixarem fotografar, é cultural. Está sendo utilizado um algoritmo que borra o rosto das pessoas no Street View. Acredito que isto é uma boa solução e irá resolver este problema.”

BR-1: caminho para o futuro Cientista da USP obtém primeira linhagem de células-tronco embrionárias humanas e coloca o Brasil no seleto nível internacional de pesquisas genéticas

A comunidade científica brasileira acaba de atingir um respeitado patamar no cenário internacional em pesquisas com células-tronco. Após dois anos de trabalho e incansáveis tentativas, finalmente foi obtida a primeira linhagem de células-tronco embrionárias do país e da América Latina. Com essas células, o Brasil passa a ter autonomia nas pesquisas e não mais dependerá da importação para ter controle na geração de células-tronco embrionárias. Essas células são importantes principalmente na aplicação terapêutica, sendo potencialmente úteis no combate a doenças cardiovasculares, neurodegenerativas, diabetes tipo-1, acidentes vasculares cerebrais, doenças hematológicas e traumas na medula espinhal. As linhagens embrionárias são de células classificadas como indiferenciadas e totipotentes, ou seja, possuem capacidade de se diferenciar e dar origem a células de todos os tecidos do organismo. Por isso, elas são capazes também de regenerar órgãos e tecidos lesionados, promovendo a recuperação dos mesmos. Todos os embriões utilizados no procedimento devem ser ne-

cessariamente inviáveis de reprodução e estarem congelados há mais de três meses. A partir de 2005, ano em que foi aprovada a lei da biossegurança (que além de outras medidas, permitia o uso de células-tronco embrionárias humanas), o grupo de pesquisa

Uma coisa relevante de termos feito essa linhagem é mostrar que a nossa comunidade científica é muito competente

genética da Universidade de São Paulo (USP) iniciou seu trabalho. Os pesquisadores usaram 250 embriões, congelados há mais de três anos, doados por casais que não pretendiam ter mais filhos. Desses embriões, apenas 35 chegaram ao estágio de desenvolvimento, no qual há uma multipli-

cação celular que culmina na fase de blastocisto (um acúmulo de cerca de 100 células). Após esse procedimento as células foram multiplicadas sem que pudessem se diferenciar. Desses 35 embriões, apenas um gerou a tão comemorada primeira linhagem brasileira, composta de um bilhão de células-tronco embrionárias. A linhagem recebeu o nome de BR-1. Para a pesquisadora do Instituto de Biociências da USP, Lygia da Veiga Pereira, coordenadora do estudo, o ganho que a ciência médica brasileira obteve com a linhagem nacional é de fundamental importância. “Uma coisa relevante de termos feito essa linhagem é mostrar que a nossa comunidade científica é muito competente. Dadas as condições de infra-estrutura, financiamento e uma legislação que permita, nós somos capazes de acompanhar o desenvolvimento científico no mundo”, afirmou. Mesmo otimista, Lygia acredita que os incentivos do governo federal são fundamentais para acelerar os procedimentos. “Precisamos de mais pesquisas para transformar essas células num agente de terapia de fato”. Outro ponto que a pesquisadora ressalta

é a necessidade de um financiamento consistente para a evolução e consolidação dessas pesquisas. “É preciso que facilitem, por exemplo, a importação de todos os reagentes usados, pelos quais eventualmente os pesquisadores esperam de 30 a 60 dias”. Em um exemplo de pioneirismo, nos Estados Unidos algumas empresas já solicitaram permissão aos órgãos responsáveis para iniciar testes em pacientes humanos. No entanto, ainda De 35 embriões, apenas um gerou a primeira linhagem não obtiveram apro- BR-1, composta de um bilhão de células-tronco vação. Como os testes feitos em Unidos, mas levará muito tempo animais são animadores, gene- até que a terapia seja receitada ticistas se entusiasmam com os pelo médico devido à necessidade possíveis resultados em humanos. de averiguar todos os benefícios e Porém, essa transição exige certos possíveis reações do método. Até cuidados. Lygia salienta que “a lá, as pesquisas seguem com seus pesquisa séria é feita com muita testes, cujos pequenos avanços ousadia, mas também com muita alimentam a esperança da comucautela, para não expor os pacien- nidade científica, além daqueles tes a algum mal”, diz. que sofrem com as doenças passíÉ possível que dentro de um ano veis de cura e aguardam ansiosos esses testes comecem nos Estados por essas novas terapias.

Chris Issis

___________________________ Hermes Ribeiro


Especial

Novembro de 2008

Contextoo

Família, rumo à falência A dissolução da figura paterna, o deslocamento da mãe para o mercado de trabalho e o crescente número de divórcios são só algumas mudanças que as famílias enfrentam atualmente. A questão permanece: a família está falindo? Lars Rasmussen

___________________________ Lucas Scaliza

A

O psicanalista Charles Melman observa que a família está mesmo se diluindo e questiona o caminho que ela segue e quem seria seu guia

do, esse cenário provoca mudanças. Para a psicóloga e escritora Maria Regina Canhos Vicentim a família enfrenta transformações principalmente quanto à sua composição. O modelo clássico seria pai-mãe-filhos, mas hoje há famílias compostas exclusivamente pela mãe e filhos; por avós e netos; pai e filhos; casais homossexuais e filhos (adotivos ou do primeiro relacionamento de um deles), entre outros arranjos. Outra pesquisa do IBGE apontou que nos últimos anos a chefia feminina na família aumentou, passando de 22,9%, em 1995, para 30,6% em 2005. Mesmo com relação às mulheres que tiAbeinetti

família passa por mudanças significativas – e elas não começaram ontem. A dissolução do núcleo familiar é, talvez, um fenômeno sem precedentes na história do Ocidente. A tese é defendida pelo psicanalista francês Charles Melman, 76 anos, íntimo colaborador de Jacques Lacan, o principal discípulo de Sigmund Freud. Acontece que vários psicólogos, antropólogos e sociólogos concordam com sua visão. Até pouco tempo, as mulheres gozavam de um lugar fundamental no seio familiar, mas sem prestígio social. Ela era a mãe, a esposa dedicada responsável por fazer o almoço do marido e educar os filhos. No Brasil elas só puderam votar a partir de 1933. Após várias batalhas travadas ao redor do mundo pela liberação sexual e pelos direitos da mulher, elas conseguiram a emancipação. Outro fator que alavancou mudanças importantes foi o surgimento da pílula anticoncepcional, que possibilitou à mulher (e ao casal) poderem planejar se teriam ou não filhos e quando tê-los. Hoje muitas mulheres trabalham fora e tem seu próprio dinheiro, além de continuarem sendo mães e esposas. “Acabou aquela história da mulher ficar dentro de casa, cozinhando, esperando o marido chegar e cuidando dos filhos. Além da questão financeira, há a realização pessoal da mulher

A chefia feminina na família passou de 22,9%, em 1995, para 30,6% em 2005. Esse número também cresceu com relação às mulheres casadas

no trabalho”, diz a comerciante Ana Lúcia Blazizza Alasmar, que divide seu tempo entre cuidar da casa, dos filhos Caio (10) e Gabriel (4), de suas duas lojas e ainda sobra tempo para que ela borde, vá à academia e cuide das unhas e dos cabelos. Não há nada de errado com a vontade da mãe-mulher de se realizar profissionalmente e deixar de ser submissa ao homem. Contu-

nham marido, esse número também cresceu. Do total das famílias com parentesco em 2005, 28,3% da chefia era feminina. O indicador aponta não somente para mudanças culturais e de papéis no âmbito da família, como reflete a idéia de chefia “compartilhada”, isto é, uma maior responsabilidade do casal com a família. Tudo isso levou a um esvaziamento da figura paterna. Segun-

do Charles Melman, o pai não é mais a referência dos filhos e sua imagem se tornou anacrônica. “Nas famílias, o pai e a mãe passaram a ter as mesmas atribuições, o que dificulta a identificação dos filhos com a figura masculina e com a feminina”, ele afirma. Já Maria Regina Vicentim acredita que o homem se acovardou, foi intimidado pela agressividade feminina, que antes era pura submissão. “Passado o susto inicial o homem se acomodou, pois a mulher revelou-se polivalente. Ela cuida da casa, dos filhos, trabalha fora e, cada vez mais, é a responsável pela manutenção financeira da família. Ou seja, hoje em dia e cada vez mais a mulher é o chefe da casa, a dona do dinheiro. O ‘pai’ virou ‘garotão’ e se preocupa apenas com a sua performance sexual”, explica. Para ela, o lar carece da razão do homem contracenando com a emoção da mulher, conferindo equilíbrio à família.

Banalização do amor ou busca do prazer? A instituição do divórcio no país em 1977 promoveu uma verdadeira revolução na família brasileira. Prova disso é que, a partir daquele ano, o número de divórcios concedidos no Brasil só cresceu. Estimativas feitas pelo IBGE na virada do milênio previam que de cada cinco bebês nascidos em 2000, um viveria em família de pais separados antes de atingir a idade adulta. Entre 1997 e 2007 o número de divórcios no Brasil aumentou 52%. Até 2010 estima-se que a família nuclear, constituída de pais e filhos de um primeiro casamento, será minoria no país. Psicólogos apontam um conjunto de fatores como causas dos divórcios: a imaturidade, a baixa tolerância à frustração, o exíguo tempo de namoro, a falta de preparo para o casamento e o egocentrismo. “Ocorre que a maioria dos casais não está preparada para os desafios inerentes à vida conjugal e familiar”, diz Maria Regina, autora do livro Superdicas para ser feliz no amor (Celebris, 2007),

em que explica as diferenças entre homens e mulheres e apresenta os sete princípios do relacionamento duradouro. E como ficam os filhos com separação dos pais? Segundo a psicóloga Celi de Souza, especialista em terapia de casais, pesquisas constataram que não é o divórcio em si que é traumatizante para a criança, mas sim os conflitos gerados pelas constantes brigas entre os pais. Como causa desses casamentos ou relacionamentos “mancos” está também uma busca sem freio e restrições pelo prazer. O hedonismo (prazer individual, egoísta)

A função da família continua sendo a defesa e o desenvolvimento da vida, a transmissão de seu código de valores, a sensação de pertencimento a um grupo ligado pelo afeto, independente da forma como ela se apresente

tem conferido um caráter superficial aos relacionamentos. Em princípio, se o outro me dá prazer isso é o suficiente. Com o tempo, esse prazer necessita ser intensificado para trazer a mesma satisfação anterior. “Assim, quando não existe afetividade, as pessoas passam a ser vistas como meros objetos de prazer. Quando cansamos deles, trocamo-nos rapidamente por outro que pareça oferecer maiores vantagens. Assim como

se troca de carro ou de roupa, troca-se de parceiro, cônjuge ou companheiro”, assinala Celi. A comerciante e cabeleireira Daniela Blazissa Stroppa conta que seu salão é como um confessionário. Ela descreve histórias de clientes que admitem namorar rapazes que não consideram bonitos e até confessam que não gostam deles. Dizem que a razão de estarem juntos é o “enorme prazer sexual” que eles proporcionam. “Isso é um absurdo”, diz Daniela. “Desse modo, você só gosta da pessoa por 30 minutos ou nem isso. É a mesma coisa com quem namora um cara que não gosta e o considera ele um chato, mas diz que o dinheiro compensa. E o que acontece quando você precisar do carinho? Vai abrir a carteira dele?”, questiona. Parece um consenso entre sociólogos e psicólogos que o sexo tornou-se banal, e isso está subvertendo valores da sociedade que atingem diretamente a família. Melman diz que o sexo é encarado como uma necessidade, já que caiu por terra o limite que o tornava sagrado (lembra que, antigamente, sexo era coisa para gente casada?). “Quando se fala em liberação sexual, não se fala mais no desejo. O homem contemporâneo trata o desejo sexual como simples atividade corporal. Tratam o sexo como uma mercadoria entre outras”.

Futuro da família Charles Melman observa que a família está mesmo se diluindo. Mas nem todo mundo concorda com essa bancarrota. Maria Regina Vicentim acredita que a família jamais vai se desfazer. “O que ocorre é que novos modelos de família estão surgindo”. Para ela, a dureza de nossos corações continuará a deixar que mais separações ocorram; a permissividade sexual e moral acarretaram uma crise familiar. “Mas, diante dessas conseqüências, nos sentiremos motivados a resgatar tudo de bom que se perdeu”. Celi de Souza diz que a função da família continua sendo a defesa e o desenvolvimento da vida, a transmissão de seu código de valores, a sensação de pertencimento a um grupo ligado pelo afeto, independente da forma como ela se apresente. “Quando essas funções não são desempenhadas, assistimos o que se tem chamado de falência da instituição familiar”. Falida ou não, a família passa por mudanças. Em 50 anos, os valores do casamento, do sexo, do afeto, da educação dos filhos, da moral e da ética mudaram bastante. Alguns foram até subvertidos. Aos poucos, esses novos valores foram sendo agregados aos costumes enquanto outros foram consumidos pela população. Depois, foram levados para dentro dos lares. Talvez precisemos de mais 50 anos para saber onde é que vamos parar.


___________________________ Isaac Pipano

O

Especial

Novembro de 2008

ideário da família constituída pela tríade (advinda da apropriação da tríade cristã) pai-mãe-filho está cada vez mais deslocado. O núcleo familiar, que a partir da sacralização do amor e da cumplicidade eterna jura fidelidade exclusiva, é gradativamente substituído por relações difusas e pela efemeridade dos amores expressos. Assim, definha a necessidade matrimonial para a existência de uma vida sexual plena, ativa e que possa gerar herdeiros. Pois a lógica do matrimônio, como foi sustentado na história do Ocidente, determina-se através da procriação; esta, fundamental para uma vida ordeira e honesta. Um homem e uma mulher, legitimamente reconhecidos como filhos de Deus, devem gerar descendentes num ciclo reprodutivo infindável. Porém, na contemporaneidade, a base familiar deixa de se sustentar na procriação para substituirse pelo afeto, pelo amor entre os pares e pelo privilégio das relações interpessoais. A heterogenia determina a nova família num mundo onde se inicia uma proliferação de organizações familiares motivadas segundo o envolvimento emocional entre os indivíduos. * “Não lhe parece óbvio?”, questiona Cássio, com a voz grave decidida. A sessão passa de uma hora e meia desde que se encontraram, logo após o almoço, no escritório de Eunice. Sentados à mesa numa sala abafada, o encontro ainda trata de discutir o método de adoção o qual o casal recorrerá. Segundo Eunice, a advogada contratada, a questão (que para Cássio parece absolutamente óbvia) se consiste em definir se partirão para um processo de adoção individual, mais rápido e com maior chance de êxito, ou homossexual - burocrático, desgastante e preconceituoso. “A decisão é arbitrária e cabe somente ao juiz”, afirma Eunice, “se for um rapaz inexperiente que se atenha à interpretação da lei com medo de errar, é pouco provável que conceda a guarda”. “Como também é mais provável que um juiz reconheça um de vocês, por já terem filhos e estabilidade financeira, como família monoparental”, encerrando um discurso proferido dezenas de outras vezes nos últimos anos. Cássio, 43, pai de três filhos, engenheiro químico, e Marcelo, 39, divorciado, pai de uma menina de 6, ambos profissionais bem-sucedidos, conheceram-se no trabalho. Na época, os dois haviam acabado de pedir o divórcio com as respectivas esposas, enfrentaram términos difíceis e em pouco menos de seis meses estavam namorando. Inicialmente, concentraram seus esforços na exposição dos filhos através da cumplicidade e transparência nas relações internas. “Sempre prezei por uma criação sedimentada na honestidade entre as partes, ba-

Direito de família seada no respeito e no carinho. Meus filhos contam a mim seus problemas, da mesma forma que exponho minhas opções a eles”, afirma Marcelo. Eunice os acompanha até a porta de saída, onde o filho mais velho de Cássio, Augusto, está aguardando. “Como foram?”, pergunta o garoto descendo do carro e se aproximando dos dois. “Não muito bem”, diz o pai. No caminho até a casa, num condomínio de luxo em Paulínia, os dois contam ao menino que a advogada os desaconselhou a tentar o pedido de adoção através do reconhecimento de uma união estável. “Então, é mais fácil adotar um filho se você for solteiro do que sendo um casal gay?”, pergunta Augusto * A vaidade, o prazer e o sexo, como formas de expressão numa escala individual, reforçam o esvaziamento dos valores familiares tradicionais, resvalando num paradoxo intrínseco à existência social: ao passo que os paradigmas da família são despossados, a hipocrisia de uma falsa moral persiste como entrave substancial para que grupos minoritários deixem de subexistir à margem para coexistir harmoniosamente. * Gabriela e Vanessa conhece-

ram-se no verão de 85. Ficaram juntas até 2003, quando Vanessa, três anos mais velha que a parceira, faleceu vítima de um acidente automobilístico. Ao longo dos 18 anos que viveram juntas, as duas construíram um patrimônio familiar. O acordo pré-estabelecido, no dia em que Gabriela deixou sua casa para viver com a dentista, foi o de cuidar dos afazeres domésticos, enquanto a outra manteria as despesas do lar. Após o acidente, Gabriela passou a lidar com uma perspectiva em que a condição sexual infringe os direitos básicos do cidadão; os bens da companheira foram transferidos para sua mãe, herdeira legal, e ela foi obrigada a deixar o apartamento onde viviam juntas para voltar a morar com os pais. Isto porque, conforme a lei concebe, as uniões homoafetivas no país são reconhecidas como “sociedades de fato”, isto é, uma sociedade que não foi firmada através da formalidade exigida pelo Código Civil. Os concubinos, como são chamados os parceiros nesse tipo de sociedade, obrigamse no exercício das atividades econômicas em prol comum. Neste caso, os sujeitos são considerados sócios, e como tal, devem demonstrar legalmente o esforço dedicado à construção do patrimônio. Como Gabriela não participou financeiramente na

aquisição dos bens familiares, não há como provar à justiça – através de recibos, notas ou outros documentos – que tem, por direito, parte dos bens que foram transferidos à mãe de Vanessa. No Brasil, poucas foram as sentenças favoráveis à união estável – analogamente à união estável heterossexual –, na qual os sujei-

A vaidade, o prazer e o sexo, como formas de expressão numa escala individual, reforçam o esvaziamento dos valores familiares tradicionais, resvalando num paradoxo intrínseco à existência social

tos da relação são considerados parceiros, visto que há entre eles uma relação afetiva que transpassa o envolvimento comercial. Portanto, a separação parcial de bens Divulgação

Contextoo

O núcleo familiar é gradativamente substituído por relações difusas e pela efemeridade dos amores. Assim, definha a necessidade matrimonial para a existência de uma vida sexual plena

ocorre sem que haja a necessidade de provar a contribuição para a formação do patrimônio. * Cabe dizer que o principal regramento sobre o direito de família encontra-se no Código Civil, e este simplesmente desconsidera a existência da união homossexual para fins de direito de família. Diante do caráter positivo do nosso direito, infelizmente não há como se promover uma mudança substancial que elimine ou mesmo reduza expressivamente este prejuízo social que acarreta a exclusão dos homossexuais do nosso ordenamento jurídico. Esta nova concepção de família, que advém da dinâmica social, demandará todo um novo regramento às relações familiares, o que pressupõe muito mais do que a simples inclusão dos homossexuais nas atuais disposições legais, mas sim uma revisão total de todos esses dispositivos para a adequação devida à nova realidade. Essa alteração substancial não poderá ser levada a cabo pela atuação dos tribunais, devendo necessariamente encontrar sua absorção no teor dos diplomas legais. No entanto, é no dia a dia do judiciário que as demandas aparecem com maior urgência, e a este não cabe se eximir de apreciá-las e julgá-las, observados os limites impostos na lei. É neste sentido que considero muito válido o esforço da magistratura de transpor tais relações para o campo do direito comercial, promovendo assim um mínimo de tutela patrimonial aos interesses dos cidadãos homossexuais. Apesar disso, ainda estamos muitíssimo distantes do ideal, e o esforço interpretativo do direito não será, por si só, suficiente para atingirmos este ideal. A própria interpretação societária da união homossexual considera exclusivamente o aspecto patrimonial, de modo que ainda carecemos de uma tutela para os demais aspectos do direito de família, como os advindos do poder familiar, do direito previdenciário, entre outros muitos dos quais estamos privados enquanto cidadão ao exercermos determinados aspectos de nossa liberdade sexual. (colaboração de Alexandre Baroni, advogado). * No limite, formam-se duas partições estanques: volatiliza-se o conceito da família tradicional para uma conjuntura heterogênea, sedimentada nos relacionamentos homossexuais e no combate massivo com a lei. Nesse sentido, o Direito torna-se censor da transformação social, por ilegitimar as filiações homoafetivas e desamparar os indivíduos de acordo com sua opção sexual. À nova família, portanto, resta aguardar até que se afrouxem os laços que limitam a condição civil segundo as mesmas e tão somente normas advindas de uma moral cristã perseguida pela família tradicional, que há muito deixou de ser exemplo de boa conduta.


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Ecologia

Novembro de 2008

Contextoo Ellien Saccaro

Comer ou não comer? A preocupação com o meio ambiente dá luz a um novo tipo de ativismo ecológico: o eco-vegetarianismo

___________________________ Ellien Saccaro

“Um imenso animal leiteiro aproximou-se da mesa de Zaphod Beeblebrox. Era um enorme e gordo quadrúpede do tipo bovino, com grandes olhos protuberantes, chifres pequenos e um sorriso nos lábios que era quase simpático. - Boa noite - abaixou-se e sentou-se pesadamente sobre suas ancas -, sou o Prato do Dia. Posso sugerir-lhes algumas partes do meu corpo? (...) - Eu simplesmente não quero comer um animal que está na minha frente se oferecendo para ser morto - disse Arthur. - É cruel! - Melhor do que comer um animal que não deseja ser comido - disse Zaphod.” Apesar da ironia, o trecho do livro O restaurante no fim do Universo, de Douglas Adams, suscita uma discussão: a criação de animais exclusivamente para o consumo e as conseqüências da produção de carne em larga escala. Nesse contexto, o que vem conquistando cada vez mais adeptos é a onda dos vegetarianos por ativismo ambiental, ou eco-vegetarianos.

O médico e nutrólogo Eric Slywitch conta, com irreverência, o que os vegetarianos comem: “Costumo dizer que o vegetariano não come nada que fuja, ou esboce reação de fuga, quando está vivo. Logo, carne de qualquer tipo, inclusive de frango, peixe, scargot.” Existem também as pessoas que não consomem ovo, leite

Não basta fechar a torneira. É preciso escolher alimentos com pouca água na fabricação

e não utilizam nada que seja de origem animal, como couro e lã. Estes são chamados de veganos. De acordo com o sociólogo e pesquisador Maurício Waldman, em entrevista para o site Seja Vegetariano, para cada quilo de carne bovina são gastos cerca de 15 mil litros de água, incluindo rega

de plantas e higiene do animal; enquanto que para 1 um quilo de soja são gastos 1,3 mil litros de água. Waldman acredita que uma atitude ambiental consciente deve considerar a preparação e o descarte de todo produto consumido. “Não basta fechar a torneira. É preciso escolher alimentos com pouca água na fabricação. Um quilo de carne vermelha consome o suficiente para se tomar banho por quatro anos e meio”, afirma. Além do gasto com água, 25% da safra mundial de grãos é destinada a alimentar o gado de corte. De acordo com Seja Vegetariano, nos Estados Unidos, por exemplo, 80% do milho é destinado aos animais. No mundo, o gado consome a quantidade de alimento equivalente às necessidades calóricas de 8,7 bilhões de pessoas. A produção de animais para consumo humano implica também em pastos. E pastos implicam em desmatamento de florestas. Além disso, o processo digestivo do boi libera gás metano, 21 vezes mais prejudicial do que o CO2. Segundo a edição de nº421 da revista Época, a produção de grãos de uma fazenda com 100 hectares pode alimentar 2,5 mil

Cardápio de um restaurante vegetariano de Piracicaba. Nem ovos e nem leite são servidos

pessoas com milho. Se a produção dessa área for usada para ração bovina ou pasto, a carne produzida alimenta o equivalente a oito pessoas. O estudante Bruno Martins se tornou vegetariano há quatro anos, mas há dois anos e meio deixou de consumir ovos e leite, contra a exploração de animais. “Acredito que a única dieta compatível com uma vida ambiental e consciente é o veganismo. Não existe muito progresso entre ser onívoro (comer todos os tipos de alimento) e ser vegetariano. Leite e ovos são subprodutos da indústria de carne. Vacas leiteiras sofrem mais do que vacas de corte, idem para as galinhas poedeiras”, aponta. Como ele, milhares de pessoas pelo mundo estão escolhendo essa forma de ativismo, embora não

existam dados confiáveis sobre a quantidade de vegetarianos no planeta. Além de abolir o consumo de carne, os eco-vegetarianos costumam tomar atitudes como separar o lixo para reciclagem e não utilizar sacolas plásticas. A universitária Laísa Amaral Queiroz explica que se tornou vegetariana por razões ideológicas. Ela separa o lixo reciclável, o óleo de cozinha e procura economizar energia elétrica. Para ela, o vegetarianismo diminui a cadeia de aquecimento global. “Sem o consumo de carne haveria menos desmatamento destinado a pastos e menos gasto com alimento vegetal para nutrir o grande número de animais de corte. Deixando de comer carne diminuímos o problema da fome no mundo”, pontua Laísa.

Tratamento de esgoto gera energia e fertilizante natural Em escola do interior de São Paulo, projeto de biodigestor é pioneiro em produzir biogás e biofertilizante a partir de dejetos humanos e animais

Em uma escola agrícola localizada em Cabrália Paulista, a 350 km de São Paulo, todo o esgoto proveniente do homem e da criação de porcos é transformado em biogás e biofertilizantes. “Hoje a humanidade busca caminhos alternativos para a questão energética, uma matriz que substitua o petróleo com eficiência”, afirma Lourenço Magnoni, diretor da escola ETEC Astor de Mattos Carvalho. A escola é pioneira no Brasil em transformar, por meio de um biodigestor, esgoto humano em energia elétrica. E embora se encontre em fase experimental, já produz uma grande quantidade de biofertilizantes e biogases desde julho deste ano. O projeto é fruto de uma parceria entre a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Centro Paula Souza, as empresas Firestone Building e Ecosys (representante da Firestone em Bauru), a prefeitura de Cabrália e mais duas equipes da escola, que desenvolvem as atividades nos campos experimentais. Todo o esgoto proveniente dos cerca de 340 alojamentos e da granja com 50 suínos são armazenados no sistema biodigestor. Dentro dele ocorre um processo de digestão por bactérias anaeróbicas. O biodigestor é tubular,

Camila Putti

___________________________ CAMILA PUTTI

Biodigestor com capacidade de produzir até 13 metros cúbicos de biogás e 6 de biofertilizante

tem 50 metros de comprimento por quatro de largura e 250 metros cúbicos de capacidade de armazenamento de líquidos. Essa quantidade é o suficiente para produzir, diariamente, pelo menos 13 metros cúbicos de biogás e seis metros cúbicos de biofertilizante. “A tecnologia foi desenvolvida com a proposta de realizar o tratamento básico de resíduos orgânicos numa pequena comunidade rural e, assim, promover a sua sustentabilidade social, econômica e ambiental”, explica o coordenador da área de agropecuária da escola, Eduardo Anconcini Teixeira Mendes. Segundo os dados informados

pela Embrapa, esse equipamento pode tratar o esgoto de até 500 pessoas. O objetivo de dar tratamento ao esgoto humano da pequena comunidade rural para, mais tarde, ser incorporado em sistemas maiores, torna o projeto pioneiro e diferente dos demais biodigestores já instalados no Brasil. Para Lourenço Magnoni esse projeto é muito importante porque insere o aluno num contexto mundial de busca por energias renováveis. “O aluno que se forma aqui está em contato direto com tecnologia de ponta para desenvolver alternativas de produção energética”, explica Magnoni.

A estimativa é que o projeto consiga economizar por volta de 40% da energia elétrica consumida na escola. O biogás será utilizado para abastecer os fogões da cozinha do refeitório, para o aquecimento de granjas, motores e geradores elétricos. E o biofertilizante para adubar a cultura de produtos agrícolas. O valor total do investimento passa de 500 mil reais. O projeto está submetido a quatro linhas de pesquisa importantes: o aproveitamento do biogás, os parâmetros agronômicos da utilização do biofertilizante, custos de operação de construção do biodigestor e a própria questão sanitária, para saber, por exemplo, qual está sendo a eficiência do processo de tratamento do esgoto. No caso específico da pequena cidade de Cabrália Paulista, esse sistema contribui com o meio ambiente evitando o lançamento diário de 14 mil litros de esgoto. “O primeiro ganho ambiental é a eliminação de lançamento de material poluente”, complementa Eduardo Anconcini. Outra linha que está sendo desenvolvida na pesquisa é a eficiência deste projeto de biodigestor dentro do chamado mercado de crédito de carbono. “Porque”, como explica ele, “quando se transforma dejetos humanos em biogases

ou em biofertilizantes estamos evitando o lançamento de mais metano na atmosfera”. Além destes benefícios, prevêse ainda que ocorra uma redução no consumo de fertilizantes químicos. “A substituição dos fertilizantes químicos pelo biofertilizante diminui a contaminação

Quando se transforma dejetos humanos em biogás ou em biofertilizantes estamos evitando o lançamento de mais metano para a atmosfera

do lençol freático pelos elementos derivados do nitrogênio. Com o biofertilizante, a gente consegue preservar o solo e o lençol freático, reduzindo, assim, a poluição subterrânea”, conclui Eduardo.


Contextoo

Comportamento

Novembro de 2008 Gisela Bobato

Casamentos aumentam a cada ano, revela IBGE Mesmo com o grande número de divórcios, o casamento não foi deixado para trás ___________________________ MARISA SEI

“Quero me casar porque quero ter um filho e, portanto, uma família”, diz Pedro Victor, estudante de engenharia, 21 anos. Assim como muitos jovens, Pedro pretende se casar algum dia, mesmo pensando na possibilidade de se divorciar. “Não acredito que a instituição do casamento seja algo tão forte assim”, diz ele. Pedro afirma que mesmo as pessoas que não crêem no romantismo de ficar juntos para sempre acabam acreditando que o casamento precisa permanecer, seja por contrato, obrigação ou mesmo pela religião. Para a antropóloga Christina Rubim, as pessoas ainda acre-

A modernidade da “união estável” não acabou com os casamentos formais

ditam no ideal do “juntos para sempre”, principalmente a mulher. “Somos criadas para cuidar da família e manter os seus laços, apesar de que, cada vez mais, a mulher suporte menos as intempéries dos homens”, diz. Está muito mais fácil se divorciar no aspecto cultural. Segundo o Conselho Regional de Psicologia (CRP) de São Paulo, “nenhum casal hoje em dia mantém uma relação desarmonizada apenas como fim de manter as aparências, como ocorria no passado”. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a quantidade de separações judiciais é signifi-

cativa. Em 2006, foram mais de 150 mil divórcios. Mesmo assim, o número de casamentos por ano vem aumentando desde 2003 e passou de 748.981 para 889.828 em 2006. Os casais procuraram formalizar suas uniões consensuais, incentivados pelas mudanças no código civil em 2002 e pelas ofertas de casamentos coletivos. O novo código civil estabeleceu direitos e deveres iguais para os cônjuges e casamento gratuito para as pessoas que se declararem pobres. Essas iniciativas facilitam o casamento tanto no aspecto burocrático quanto no econômico. A psicóloga Silvana Martani,

em entrevista ao site Bolsa de Mulher, explica que precisamos do casamento para nos sentir seguros, tanto afetiva quanto emocionalmente. “O ser humano bolou o casamento para simbolizar a união. É a formalização de um compromisso emocional, um marco”, explica. As pessoas também estão se casando mais tarde. Até 1997, a tendência era se casar até os 24 anos de idade. Dados de 2006 do IBGE mostram que o número de casamentos diminuiu nessa faixa de idade e aumentou para pessoas entre 25 e 29 anos. Laura Hasegawa, 21, bióloga, quer se casar antes dos 30 anos, para poder construir uma vida financeira ao lado do parceiro. Laura acredita que o amor pode durar a vida toda e diz: “Acho que a vida tem as suas fases e o casamento é uma delas. E eu quero passar por todas essas fases”, frisa. Mesmo com as facilidades para casar, há quem ainda queira preservar sua privacidade e liberdade. Taísa Manginelli, 23, estudante de farmácia, diz que não quer se casar porque não acredita mais no casamento. “Não tenho paciência com os outros, também quero ter uma vida financeira decente e independente”. Quem quer passar longe do contrato do casamento tem a alternativa de “juntar”, termo que virou moda. Porém, manter uma relação estável e duradoura e morar junto com o parceiro é considerado uma “união estável” pelo novo código

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civil. O código propõe a esses casais praticamente os mesmos direitos e deveres do casamento. A união estável passou a ser reconhecida como entidade familiar. Os bens de cada parceiro “são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito”, segundo o artigo 5º da lei 9.278/96. Por isso, a estudante Taísa também não pensa em morar junto

Não quero depender de ninguém para nada e também não quero ninguém para sujar meus pratos e toalhas

com alguém, e ri: “Não quero depender de ninguém para nada e também não quero ninguém para sujar meus pratos e toalhas”. Muitos jovens ainda sonham em se casar, mesmo com a possibilidade do divórcio. Formalizar a união, seja pelo casamento em papel ou simplesmente juntando as escovas de dente, é um modo de tentar fazer o amor permanecer.

Quando crescer quero ser... bailarino! Júlia Matravolgyi

O balé é dança para homem também. Quem acredita, vai atrás Natália Alleoni, 22 anos, acredita que “a arte em si já é algo complicado num país como o Brasil, porque é uma profissão mal remunerada. Numa sociedade machista isso ainda pesa muito, porque se subentende que o homem sustenta a família e, portanto, deve se formar e se especializar em profissões que tenham um maior retorno financeiro”. Mesmo tendo que superar o preconceito e muitas vezes enfrentar a própria família para irem atrás de seus ideais, muitos bailarinos seguem carreira, fazendo da arte a sua profissão. Sérgio Gonçalves, 43 anos, bailarino e cirurgião-dentista, começou a dançar apenas aos 22 anos, quando era “responsável por seus caprichos”. “Para que eu pudesse estudar piano aos 8 anos de idade, tive de brigar com meu pai e bater o pé. Consegui o piano, mas com a dança nem me atrevi a sonhar. Enquanto os russos dançam desde os 6 ou 7 anos e seus

O palco também é dos homens: preconceito e falta de apoio não são obstáculos para quem ama a dança de homens e mulheres

___________________________ Natália gatto

É noite de balé. As cortinas se abrem. Espera-se que as saias e o rosa entrem em palco. Mas hoje é a noite deles. É a noite de tentarem acabar com o preconceito que ainda persiste: de que homens não dançam balé. Ainda hoje, em um país onde o machismo predomina, homens bailarinos são associados ao homossexualismo. E esse preconceito está em casa, na rua, na academia de dança e até mesmo no palco. “Em desenhos animados você já pode observar que os meninos que fazem balé são motivo de chacota perante os que não fazem”, aponta Guilherme Nullius, ator

e bailarino de Bauru. “Eu mesmo tinha um grande preconceito quando decidi fazer balé, mas estou adorando”. Esse preconceito provoca perdas, já que inibe possíveis talentos e gera uma carência de bailarinos. Por causa disso, academias têm procurado alternativas. Karen Teixeira, proprietária de uma academia, revela que os alunos recebem bolsas integrais, mas devem manter a freqüência nas aulas. Para ela, dar aulas aos meninos é muito gratificante porque eles estão ali com um objetivo a cumprir, não porque os pais simplesmente os matricularam na escola. Já a bailarina e estudante de graduação em dança da Unicamp,

corpos já se adaptam à dança, nós ainda sonhamos em ter a coragem para começar”. São poucos, mas alguns têm esta coragem de enfrentar a sociedade. Marcos Menha iniciou a dança cedo e atualmente trabalha como primeiro bailarino no teatro da cidade de Karlsruhe, na Alemanha. Segundo ele, no Brasil as pessoas não têm o costume de ir a teatros assistir a espetáculos de balé, não há muitas oportunidades para quem opta por essa profissão e existem poucas companhias de dança. “É uma profissão muito pouco valorizada”. Na Europa, existem mais de 100 companhias de dança com um número equilibrado de homens e mulheres, incluindo a companhia da qual Menha faz parte: dos 34 dançarinos, 12 são do sexo masculino. “Todos deveriam acreditar que dançar é uma profissão como qualquer outra. Talvez seja uma das mais difíceis e uma das mais prazerosas”, acredita Menha.

O preconceito provoca perdas, como a inibição de grandes talentos, criando uma verdadeira carência de bailarinos na dança

Legado russo ao Brasil O Teatro Bolshoi de Moscou foi criado em 1776 e é um dos maiores legados culturais da humanidade. Joinville, em Santa Catarina, foi a primeira cidade do mundo a ter uma filial da Escola Coreográfica de Moscou, fundada no ano 2000, e que conta hoje com aproximadamente 250 alunos, sendo 90 homens. Henrique Beling, 39 anos, bailarino e diretor da Bolshoi, explica que há “muita disciplina, um trabalho constante, equilibrado e contínuo, num currículo de 8 anos com mais de 20 disciplinas que contribuem para o desenvolvimento artístico e cognitivo dos jovens bailarinos.” O aluno da Bolshoi, Endrigo Martin, 17 anos, conta que não foi fácil fazer parte da Escola. Depois de mandar uma filmagem contendo movimentos na barra, no centro e saltos, ele passou uma semana em Joinville fazendo testes. “Primeiro você passa por um teste fisioterápico, onde conta postura e alongamento, depois fiz uma aula de balé clássico e outra de balé contemporâneo para mostrar as possibilidades do aluno em sala de aula”, explica Endrigo.


Cultura

Novembro de 2008

Contextoo

O futuro dos livros

Gisela Bobato

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Com a evolução da tecnologia e dos livros digitais, estarão condenados os livros como os conhecemos? ___________________________ NATÁLIA MARTINELI

No mês de outubro, aconteceu a 60ª Feira do Livro de Frankfurt, o maior evento editorial do mundo. O grande destaque deste ano foi a retomada da discussão sobre a relação das mídias digitais e os livros impressos. O assunto já foi levantado nos últimos anos do evento, mas em 2008 os números impressionaram: mais da metade dos 400 eventos que aconteceram na feira foram dedicados à digitalização do mercado livreiro. As opiniões sobre o assunto são divergentes. Uma pesquisa realizada durante a feira apontou que 40% dos expositores consultados acreditam que em 2018 as vendas de conteúdos digitais irão superar as vendas de livros convencionais. Já 43% afirmaram que isso nunca irá acontecer. Os restantes asseguraram que, em cinco anos, os chamados e-books já serão os responsáveis pela maior parte dos lucros do mercado editorial. Independente das projeções futuras, a presença da digitalização editorial é inegável. Este ano, 5% dos exibidores da feira incluíram oficialmente e-books em seu mostruário. Apesar de ainda ser um número de pouca expressão, representa um crescimento con-

siderável em relação ao ano anterior, quando apenas 2% trabalharam com livros digitais.

Pode ser que em 2018 estejamos bebendo livros. Sucos com sabor Bridget Jones, vinhos com sabor Montaigne. Por via das dúvidas, continuo comprando livros de papel

Apesar de toda a polêmica levantada pelas editoras, o mercado de livros digitais ainda é pequeno fora dos Estados Unidos e da China. Rosely Boschini, presidente da Câmara Brasileira do Livro, disse em entrevista a BBC Brasil que, apesar de as edi-

toras brasileiras acompanharem de perto o crescimento dos livros eletrônicos, essa tecnologia ainda deve demorar a chegar aqui. Um dos principais empecilhos é o preço dos aparelhos de armazenamento dos arquivos, os e-book readers, em torno de US$ 300 a US$ 400. Mesmo assim, uma rápida pesquisa na internet por “e-books” mostra uma quantidade considerável de material disponível. Entre estes sites está http://gropius.org/, do arquiteto Christian Rocha. Ele disponibiliza para download obras de mais de 30 autores diferentes, em um acervo construído com arquivos de outros sites. Para Christian, os e-books funcionam como um complemento dos livros de papel, não como um substituto. “O que mais me atrai nos e-books é a possibilidade de acessar o conteúdo com mais facilidade e objetividade. Gosto de tê-los porque eles facilitam encontrar num livro que já li aquele trecho especial e memorável”. Outro ponto positivo dos livros digitais é a facilidade oferecida aos escritores pouco conhecidos, como é o caso da psicanalista Edna Cassiano. Edna publica seus livros na rede desde 2002 e atualmente disponibiliza nove obras

de sua autoria em seu site (www.ednacassiano.com), algumas para download gratuito, outras mediante o pagamento de um valor simbólico. Para ela, os ebooks estimulam o aparecimento de novos escritores, que não ficariam mais presos aos empecilhos das Previsões apontam que em 2018 as vendas de publicações im- e-books irão superar as vendas impressas pressas. Mesmo assim, ela acredita que é cedo Frankfurt estava bastante deslumpara decretarmos o fim dos li- brada com a tecnologia dos CDvros impressos. “Há uma rela- ROMs e abriu um grande espaço ção sensorial e afetiva entre o para empresas especializadas na livro impresso e o leitor de que área. Na ocasião, muitas editoras passaram a desenvolver livros em muitos não abrem mão”. Entre as editoras brasileiras, a formato de CD-ROM e pessoas Conrad Editora, segundo o di- importantes do meio editorial retor editorial, Rogério de Cam- decretaram o fim dos livros de pos, há dez anos disponibiliza em papel. “Um ano depois, aquelas seu site o download gratuito de alas da Feira da Frankfurt estavam algumas obras de seu catálogo. abandonadas”. Rogério também Apesar do posicionamento pouco lembra que a tecnologia não pára, conservador, Rogério é bastante evoluindo constantemente. “Pode cauteloso com afirmações apoca- ser que em 2018 estejamos bebenlípticas sobre o futuro dos livros do livros. Sucos com sabor Bridget impressos. Ele cita como exemplo Jones, vinhos com sabor Montaigum caso que aconteceu há alguns ne. Por via das dúvidas, continuo anos, quando a Feira do Livro de comprando livros de papel.”

Muito além da partitura

A galera faz pose com os instrumentos cedidos pelo projeto

___________________________ Luana Ibelli

Qualquer um que observe o Automóvel Clube de Bauru talvez não imagine o que ocorre lá dentro. O local, ao contrário do que o nome indica, nada tem a ver com carros. O que vemos e ouvimos são jovens tocando instrumentos de música erudita. Ensaiam uma parte difícil de alguma composição de Mozart, quem sabe. Soa um pouco desafinado. “É que estes são iniciantes ainda” explica Leandro, 17, da tuba. “Os que ficam aqui do lado de fora acabaram de entrar no projeto e estão aprendendo a tocar os instrumentos”. O projeto a que Leandro se refere começou há sete anos, com

o início da Banda Sinfônica Municipal de Bauru, que cresceu e originou a Orquestra Sinfônica Municipal. O pré-requisito para entrar no projeto é estar regularmente matriculado em escola pública ou particular. Depois, o candidato faz uma prova de conhecimentos musicais. Quem passa na prova escolhe os instrumentos de acordo com a classificação. Isso não quer dizer que o projeto exclua alguém ou não seja democrático. Para quem nunca estudou música na vida, um curso preparatório gratuito é oferecido. No curso são ensinados conceitos básicos de teoria musical. O benefício não é só crescimento cultural: os jovens ganham

bolsas que variam de R$ 100 a R$ 120. “Eu fiz o curso e a prova para entrar. É muito concorrido por causa da bolsa, sabe?”, disse Juliana, 14, do fagote. Ana, 16, do violino, complementa: “Aqui a gente conhece um monte de gente, aprende coisas novas que os outros não sabem”. “Damos a esses jovens, através do ensino da música, oportunidade de conhecer pessoas e lugares. A música contribui até na melhora do desempenho escolar,

O benefício não é só crescimento cultural: os jovens ganham bolsas que variam de R$ 100 a R$ 120

porque desenvolve a expressividade, a criatividade...”, explica o pedagogo e regente Roberto Vergílio Soares, que lidera os cinqüenta jovens músicos que fazem parte da banda. Os outros setenta músicos da orquestra ficam sob o comando

do regente Paulo Marcos Soares. “Eles aprendem muito aqui, não é só música. Aprendem a conviver em grupo”, destaca. Mesmo considerando a profissionalização um sonho distante, todos concordam que é uma oportunidade rara. Como diria Roberto, “o projeto oferece a democratização da música”. E arremata: “Não é só ensinar música. É humanizar, socializar, e formar caráter”.

A algumas quadras dali O Teatro Municipal de Bauru também reserva um lugar para jovens que queiram aprender música. Há cinco anos, o local

abriga o Projeto Guri, programa da Secretaria de Cultura do Estado de inclusão sociocultural para jovens. O projeto tem diversos pólos espalhados pelo Estado. O estudante de saxofone André, 18, conta como conheceu o projeto: “Eu não gostava muito da idéia, vim mesmo por causa dos meus amigos. Mas hoje nenhum deles continua aqui, todos saíram e eu fiquei”. Já Mariana, 17, acrescenta os benefícios que a música trouxe à sua vida escolar: “Eu melhorei bastante. Matemática então...”. O futuro é incerto, porém ambos dizem quase em coro “eu queria tocar de verdade, ser profissional”. Luana Ibeli

Aline Scaravelli

Banda, Orquestra Municipal e Projeto Guri promovem democratização da música em Bauru e o sonho de ser profissional

Mariana e André, do projeto Guri: o sonho de ser profissional


Contextoo

Esportes

Novembro de 2008

Capoeira busca integração e regulamentação

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Quando se fala em capoeira, logo vem à mente a imagem de dança e música misturadas com luta. A capoeira exerce um forte papel sócio-cultural e é uma arte que representa o Brasil, assim como o kung fu representa a China, o muay thai a Tailândia ou o judô o Japão. Originária das senzalas brasileiras, a capoeira difundiu-se pelo mundo todo. É praticada em mais de 170 países e está classificada no ranking do World Martial Arts Festival (Festival Mundial Entre Todas as Artes Marciais) da Coréia do Sul como a segunda modalidade de luta mais completa. O Festival, que tem apoio da UNESCO, reúne apresentações de diversas artes marciais “nacionais” para avaliar o desempenho de seus lutadores. Entre eles está o Brasil com a capoeira. Foram

provas de agilidade, resistência, força, criatividade e flexibilidade. Quem representou o Brasil foi Dieison Fernando Custódio, capoeirista há mais de 10 anos. Batizado como Furacão pelos movimentos rápidos, ele participou e venceu diversas provas: quebrar tijolos, fazer o maior número de abdominais em menor tempo, chutar mais alto, entre outras. “Teve uma altura que ninguém conseguia atingir. Então eu dei um mortal e acertei o alvo”, relata Dieison. Devido a mudanças na organização do evento, o título de vice-campeão foi conquistado pelo lutador no ano passado e mantido em 2008. Este ano, Dieison voltou à Coréia do Sul e reuniu-se com lutadores do mundo todo para discutir a proposta da UNESCO de organizar as Olimpíadas Mundiais de Artes Marciais. “A idéia é interagir com todas as modalidades de luta. Em

Capoeira é diferente de tudo, é esporte, é arte, a divergência faz parte da cultura

Divulgação

A capoeira é considerada a segunda modalidade de luta mais completa pelo Festival Mundial Entre todas as Artes Marciais

___________________________ Vivian Federicci

Dieison representou o Brasil e a capoeira na Coréia do Sul e discutiu as propostas da UNESCO para as Olímpiadas Mundiais de Artes Marciais

2007 as avaliações foram somente por disputa de provas”, diz o esportista. Ele acredita que a proposta é boa e foi bem aceita pelos participantes do evento, já que muitas artes marciais têm dificuldades de se organizarem em torneios grandes ou em jogos olímpicos devido às fragmentações internas no regulamento. Especificamente na capoeira, diversos grupos têm modalidades, cores de graduação e estilos próprios, além de diferentes federações e confedereções que,

muitas vezes, atrapalham a interação e desempenho das equipes. A partir de 2002 a capoeira foi incorporada aos Jogos Regionais e Jogos Abertos, ambos organizados por municípios. Campeonatos estaduais, nacionais e mundiais quem organiza são os grupos , federações e associações de capoeiristas. Por isso, existem muitos torneios em que podem participar somente os filiados aos grupos organizadores, dificultando a unificação do esporte. A inclusão nos Jogos Abertos deixa

os lutadores esperançosos de o esporte ser incluído nas futuras Olimpíadas. O Grupo Muzenza, uma das maiores organizações de capoeira do mundo, tenta adequar por idade, peso e equivalência das graduações lutadores de outros grupos para formar o Campeonato Mundial Aberto Muzenza, que este ano está na sua quinta edição. O Muzenza está com 37 anos de existência e pretende fazer um evento valorizando a dança, a luta, a integração e o aprimoramento do esporte de origem negra. “Os competidores não vão ter dificuldades porque a linguagem é a mesma. São mais de 15 países, mas é tudo capoeira”, afirma o coordenador do grupo, Antonio Carlos de Menezes, mais conhecido como Mestre Burguês. Para ele, esses são os passos para uma união e organização da modalidade. A expansão do esporte acaba impulsionando o regulamento único para todos, mas sem pressa para não haver descaracterização. “É um processo complexo, a capoeira é diferente de tudo. Ela é esporte e é arte. A divergência faz parte da cultura da capoeira”, conclui o mestre capoeirista.

Orlando Pataca: o grande goleiro Ex-futebolista gaúcho conhecido nacionalmente por tomar 14 gols numa mesma partida e jogar pesando 106 kg atualmente treina goleiros em Barra Bonita

Você já ouviu falar de Orlando Pataca? Com certeza, os amantes do futebol que acompanhavam o esporte na década de 70 já ouviram falar deste ex-goleiro. Orlando Moreira Alves ficou conhecido nacionalmente por ter sido considerado pelas revistas Veja e Placar, em 1972, o goleiro mais pesado do futebol brasileiro, com 106 kg e 1,80 m de altura. No dia 23 de março de 1976, o time que Pataca defendia, o Ferro Carril, da cidade de Uruguaiana, enfrentou pelo Campeonato Gaúcho o melhor time do Brasil na época: o Internacional de Porto Alegre. Na ocasião, o Ferro Carril tomou

A crítica disse que se não fosse a minha atuação teríamos tomado muito mais gols

uma das maiores goleadas da história do futebol tupiniquim: 14 a 0. “Mas por incrível que pareça,

Danilo Gatto

___________________________ Danilo Dias Gatto

Rio ou no Olímpico era uma vitrina. O Ferro Carril jogou com o Grêmio em Uruguaiana e perdeu por 6 a 1. Mesmo assim eu fui considerado o melhor jogador em campo. Na partida contra o Inter, jogamos no Beira Rio e tomamos 14 gols. A crítica disse que se não fosse a minha atuação teríamos tomado muito mais gols, pois eles (jogadores do Inter) chutaram a gol durante os 90 minutos de jogo. Foram 47 bolas chutadas no gol, não contando as que foram para fora. Mas penso que se a gente tivesse perdido por 1 a 0, eu não ficaria famoso.

Orlando Pataca não se ressente de ter perdido uma partida por 14 a 0. “Se a gente tivesse perdido por 1 a 0, eu não ficaria famoso”

eu fui considerado o melhor jogador em campo. A crítica disse que se não fosse a minha atuação, teríamos tomado muito mais gols”, afirma o ex-goleiro, com uma cópia do jornal Zero Hora em mãos. Pataca, natural de Sant’Ana do Livramento, no Rio Grande do Sul, está há alguns meses em Barra Bonita, interior de São Paulo, trabalhando como preparador de goleiros da Escola Profissionalizante de Futebol (Esprof ). Confira alguns trechos da entrevista com esta grande figura. Contexto – De onde surgiu o apelido Orlando Pataca?

Orlando - Esse é um apelido que meu finado avô, que era índio, me deu. Como eu era gordinho – e sempre fui, na verdade – ele me achava parecido com aquelas moedas grandes que chamávamos de patacas ou patacões. E esse apelido ficou. Joguei 10 anos profissionalmente e tive muitos apelidos, mas o que realmente pegou foi esse aí. Como foi o jogo dos 14 a 0 para o Internacional? Todo jogador do Rio Grande do Sul tem aquela vontade de jogar contra qualquer time da dupla “Grenal”. E comigo não era diferente. Jogar no (estádio) Beira

partidas de futebol irem ao estádio para me ver atuar. Como você avalia a situação atual do futebol brasileiro? O nosso futebol está sofrendo uma defasagem imensa. Está faltando jogadores no Brasil. Eu participo de peneiras (processo de seleção de jogadores para clubes) e percebo a defasagem de jogadores no Brasil. Além da ausência de jogadores, não há campos para treinar os jovens. Você chega numa cidade e muitas vezes não tem um estádio ou um campo que seja para treinar a gurizada. Se empresas como a Esprof não fizerem este trabalho de garimpagem de atletas, o futebol brasileiro vai acabar.

Fiz pessoas que nunca assistiram a partidas de futebol irem ao estádio para me ver atuar

E qual foi a sensação por ter sido considerado o goleiro mais pesado do futebol pelas revistas Veja e Placar? Na verdade, é muito raro o futebol ter um jogador como eu. As pessoas se perguntavam: “Como um jogador de 106 kg pode jogar futebol?” Acredito que, na época, se você também ouvisse falar de mim, iria querer me assistir. Fiz pessoas que nunca assistiram a

Agora a pergunta que não quer calar: qual é o time do coração de Orlando Pataca? Em São Paulo, eu sou santista desde neném. No Rio de Janeiro, eu sou Flamengo. Já no Rio Grande do Sul, apesar daquele episódio em 1976, eu sou colorado [risos].


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Novembro de 2008

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Garoto de mil e uma utilidades

Era algo legal de fazer e a minha sobrevivência esteve sempre garantida, o que fez com que eu pudesse optar por projetos de teatro que realmente acrescentaram algo pra mim

gido por Celso Frateschi, Senhora Lenin e Pesadelo do Ator, ambas dirigidas por Márcia Abujamra. Mesmo com tantos trabalhos notáveis, ele prefere não destacar seus favoritos. “Às vezes não foi um sucesso de público, às vezes não foi tão bom, mas é sempre

um desafio”. Carlos não tem nenhum preconceito com trabalhos em televisão ou cinema, apenas participou mais do teatro pela maior acessibilidade. Quando não havia convite para peças, ele mesmo produzia a sua. Ainda assim, participou do programas da TV Cultura Revistinha e Rá Tim Bum e do longa-metragem Fogo e Paixão, de Isay Weinfeld e Marcio Kogan. Atualmente está em turnê com Bagun S.A, produção de Ricardo Maia e direção de Márcio Araújo, que estreou a temporada em Bauru entre os dias 9 e 26 de outubro. É a primeira vez que ele atua sob as lonas de um circo, em um espetáculo que mistura a linguagem teatral e a circense. Carlos interpreta o Sr. Bigode, dono de um circo falido que precisa encontrar um empresário para ajudá-lo a pagar suas dívidas. Relata que o trabalho é bem diferente, pois lhe dá a oportunidade de viajar por mais de 10 cidades e resgatar a versatilidade dos tempos de Pod Minoga. No camarim do circo, ele mesmo faz sua maquiagem e demora cerca de meia hora para finalizála. “O maquiador nos ensinou, mas depois ficou por conta de cada artista fazer a sua”. Com muita paciência – e sob um calor intenso – ele passa o pó, contorna os olhos, boca e nariz, cola bigode, sobrancelhas e cabelo e, atrasado, veste a roupa em 2 minutos, antes da apresentação. Outro projeto recente é o lançamento do livro Pod Minoga Studio - A Arte de Brincar no Palco Sem Pedir Licença, coordenado por ele, que conta a história de um importante período do teatro brasileiro contemporâneo, em que a criação teatral começava a ser realizada coletivamente, incentivando a formação de novos grupos.

Por trás das cortinas Carlos Alberto Bonetti Moreno é solteiro, tem 54 anos e 35 de carreira, sem contar os tempos do teatro amador. Exceto o período em que ficou nos Estados Unidos estudando por 2 anos, sempre morou em São Paulo. Gosta

Carlos Moreno ficou 26 anos nos horários nobres da propaganda televisiva como o “amigo” das donas-de-casa

da cidade porque é onde convive com a família e amigos, mas considera que está ficando inviável a vida na capital devido ao trânsito e à violência. É difícil definir se Carlos Moreno é mais tímido ou mais sério. Simpático como o personagem que o caracteriza, porém muito mais contido. Quem o associa com o “Garoto Bombril” logo iria estranhar sua postura mais reservada. Ao ser questionado sobre sua timidez, fica todo encabulado e não encontra uma resposta. “É que as pessoas me associam muito com a propaganda, não sei, talvez eu seja mais sério mesmo”. Nem por isso se incomoda com a abordagem dos fãs. Segundo ele, o assédio é sempre muito respeitoso, nunca precisou se privar de nada. Engana-se quem pensa que são somente as donas-de-casa que o param nas ruas. São mulheres, homens e crianças de todas as classes sociais que elogiam, tiram foto e pedem autógrafo. “Eu fico muito satisfeito porque é o reconhecimento do meu trabalho. É sempre muito agradável”.

Conta, dando risadas, um episódio engraçado: “Eu estava passando na rua e tinha uma pessoa no orelhão que começou a gritar: ‘nossa você não vai acreditar quem está passando aqui’; e me chamou para conversar com quem estava do outro lado da linha”. Entre as dificuldades da profissão de ator, considera que decorar texto é o menos importante, porque “o difícil é saber o que fazer com ele” – completa. Em Fica Comigo Esta Noite, Carlos inicialmente demorou para se identificar com o personagem, que era muito dramático. Atuava ao lado de Marisa Orth, mais experiente em drama e por isso sentia mais responsabilidade na composição de seu personagem. Somente no decorrer da temporada foi descobrindo as nuances do papel. Pode-se dizer que a grande paixão do inesquecível “Garoto Bombril” é o desafio diário da dramaturgia. Sempre escolheu seus trabalhos com muito critério e se orgulha em dizer, com brilho em seus chamativos olhos azuis, que “tudo o que eu faço, eu gosto”. Vivian Federicci

Você já ouviu falar de Carlos Moreno? Não? E do garoto propaganda da Bombril? Quem nunca se divertiu com um daqueles comerciais em que um moço simpático conversava intimamente com as donas-de-casa por trás de um balcão? Carlos Moreno deu vida a um personagem que se manteve por tanto tempo ativo que entrou para o Guiness Book como o garoto propaganda mais antigo da televisão. Em 1978, participou do teste de seleção para os comerciais da fabricante de palhas de aço sob o comando do publicitário Washington Olivetto. A parceria deu tão certo que Carlos permaneceu 26 anos nos horários nobres da propaganda televisiva. Carlinhos, como gosta de ser chamado, é formado em arquitetura pela USP, mas sempre esteve envolvido com o teatro. Na própria faculdade ele seguiu a área de designer gráfico para aliar os trabalhos de ator com os de produtor de cenário e figurinista. “Eu nunca larguei um para me dedicar ao outro, eu juntei as duas coisas”, afirma o ator. Somente mais tarde, com o destaque do “Garoto Bombril” acabou se afastando dos trabalhos de sua área de formação e focou-se na dramaturgia. A boa remuneração fixa dos comerciais permitiu que ele atuasse no teatro com mais liberdade, sem se preocupar com o retorno financeiro. No início se incomodava em ter sua imagem associada ao personagem, mas logo percebeu as vantagens que este trabalho lhe proporcionava. “Era algo legal de fazer e a minha sobrevivência sempre esteve garantida, o que fez com que eu pudesse optar por projetos de teatro que realmente acrescentaram algo pra mim”. Carlos Moreno atribui o sucesso dos comerciais a todo o cuidado com a criação e produção por parte dos publicitários, além da inserção de humor em um personagem aparentemente comum.

“Aparecia uma pessoa normal, nenhum galã, mostrando sua fragilidade e o público se identificava”. Nos anos 70, começou a participar do grupo experimental Pod Minoga Studio que deixou importantes influências nas artes cênicas e plásticas desse período. Foi aí que aprendeu a lidar com todas as fases de produção do teatro: fazia os próprios figurinos, a própria maquiagem, construía o cenário. ”A gente aprendeu a se virar com tudo, nunca teve ‘ah não dá’ e os espetáculos atingiam um resultado visual excelente”, afirma o ator. Desde então, não parou mais. Entre algumas peças em que atuou estão Turistas & Refugiados, direção de Renata Melo; o espetáculo solo produzido também por ele, Quixote, de Fábio Namatame; Fica Comigo Esta Noite e Sexo dos Anjos, ambos com direção de Flávio de Souza; Futebol, de Bia Lessa; Guerreiras do Amor, adaptado de Lisístrata por Domingos de Oliveira e diri-

Divulgação

O personagem mais famoso da propaganda brasileira sai dos anúncios para entrar em cena ___________________________ Camila Putti Vivian Federicci

Carlos namora o teatro desde os tempos da faculdade. Atualmente excursiona pelo Brasil com o espetáculo Bagun S.A, uma mistura de circo e teatro


Contextoo

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O espetáculo deve continuar Contextoo A trajetória e o atual momento do circo como arte de entretenimento

Vitrine

___________________________ Vivian Federicci

O circo como conhecemos hoje, um espetáculo pago, debaixo de uma lona, onde se apresentam artistas com diversas habilidades, é uma invenção recente. Foi criado pelo inglês Philip Astley na Londres de 1770. Mas a arte circense composta de acrobatas, contorcionistas e equilibristas se perde no tempo: está registrada em pinturas rupestres da China de 4000 a.C. Este entretenimento tão antigo apresenta uma conexão inexplicável com o universo humano. É um encontro milenar entre artistas anônimos e um público com um único objetivo: diversão. Para o palhaço Ronaldo Aguiar, o circo é um encontro mágico, em que o artista expõe todo o seu potencial para se doar à platéia. “É uma arte gratuita, frágil, em que o artista diz: ‘Olha o que eu sei fazer, estou aqui pra você’, e a partir do momento que a pessoa olha nos seus olhos, acontece”. A cultura circense seguia adiante sem figurar na mídia. Infelizmente, como o anonimato não gera lucro o circo quase entrou

em falência, intimidou-se à espera de um reconhecimento, uma reeducação de uma platéia que vai até ele sem conhecê-lo, simplesmente para assistir. A partir dos anos 80, um mix do circo tradicional com o circo moderno, com teatro, música, dança e uma história para ser contada por parte de grandes companhias como o Cirque du Soleil resgatou a cultura e reanimou as pessoas a contemplarem os shows em picadeiro. Apresentações como estas, renovam a tradição, mas fogem da acessibilidade tradicional do circo que é composta pelos preços simbólicos. Grandes números custam em torno de R$ 300 e fazem com que esse entretenimento fique restrito a quem tem alto poder aquisitivo. Mesmo assim, isso é benéfico, pois o circo, de maneira geral, volta a ser pop. Com a repercussão dos grandes espetáculos, indiretamente as pessoas lembram-se de que o pequeno circo ali ao lado também pode ter seu encanto e vão até ele em nome do redescobrimento. O proprietário do tradicional Circo Fiesta acredita que isso trouxe um novo público. “Como a maioria dos circos, nossos es-

Editora geral Lucas Scaliza Chefe de redação Pâmela Farias Secretário de Expedição Luiz Guilherme Stifter Editor de arte Rafael Pedroso Diagramação Rafael Pedroso Editora de Fotografia Gisela Bobato Fotógrafos Aline Scaravelli Gisela Bobato

petáculos são para a família, mas com essa explosão dos grandes circos a tribo jovem também começa a aparecer para saber o que tem de novo”. Essa nova vertente circense, como Cirque du Soleil, Slava Snowshow e Blueman Group, leva os artistas a se renovarem. Os circos antigos começam a apresentaremse também como híbridos de dança, circo e teatro. Isso não destoa da tradição, mas, sim, volta às raízes das apresentações medievais em que essas artes funcionavam juntas. Inovar e recriar para o espetáculo sempre continuar!

BaGUN S.A, a perfeita combinação entre circo e teatro ___________________________ Camila Putti

Reitor Marcos Macari Diretor da FAAC Antônio Carlos de Jesus Coordenador do Curso de Comunicação Social Marcos Américo Chefe do Departamento de Comunicação Social Luiz Augusto Teixeira Ribeiro Professores orientadores Ângelo Sottovia Aranha Luciano Guimarães Luiz Augusto Teixeira Ribeiro Mauro de Souza Ventura Endereço Contexto Departamento de Comunicação Social FAAC - Unesp Av. Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01 CEP: 17033-360 Bauru/SP Telefone (14) 3103 - 6000 E-mail jornalcontexto@faac.unesp.br Fotolito e impressão Fullgraphics

Sob a lona do circo, artistas cantam, atuam, dançam e voam. Na platéia, o olhar se rende ao espetáculo. BaGUN S.A é humor e sensibilidade, é teatro e circo, é inteligente e simples. O espetáculo esteve em Bauru no mês de outubro e agora segue turnê por São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e mais 10 municípios brasileiros, até dezembro de 2009. Com direção de Márcio Araújo e produção de Ricardo Maia, BaGUN S.A conta a história de um dono de um circo falido, Sr. Bigode, que precisa encontrar urgentemente um empresário para ajudá-lo a pagar as dívidas do circo Capenga. Quem aparece para ajudar são os palhaços Franja e Topete, ex-funcionários de seu circo. Aninha é apaixonada por Topete e o sentimento é recíproco. Mas Sr. Bigode não aceita o romance, não quer que sua filha case com um palhaço pobre. As cenas de amor entre Aninha e Topete são muito bonitas. As músicas instrumentais e as letras foram compostas e produzidas por Tato Fischer e Leo Gandelman especialmente para este espetáculo. A apresentação se desenvolve com muitas surpresas e intervenções circenses que dei-

xam todos na platéia com olhar atento. Os silêncios de admiração são sempre intercalados com os momentos de gargalhadas. O espetáculo tem a participação de artistas consagrados do teatro e do circo, como Carlos Moreno, mais conhecido como garoto-Bombril, no papel do Sr. Bigode. Gabriela Argento, atriz com formação em balé clássico e canto lírico, já trabalhou no circo Montreau em Las Vegas e com o Cirque du Soleil. No BaGUN ela interpreta a palhaça Franja. Sua personagem, junto do irmão Topete, dá leveza e sensibilidade ao espetáculo. Ronaldo Aguiar é ator, bailarino, artista circense, já trabalhou durante cinco anos no Universoul Circus, e faz o palhaço Topete. Kostyantyn Makarkin é ucraniano e está há seis anos no Brasil. Faz um número inédito com o rouecyr, um tipo de bambolê gigante. Só ele e mais quatro pessoas no mundo praticam esse número, devido o alto grau de dificuldade. Já trabalhou no Circo de Moscou, Circo da Suíça e da França. Aninha, filha do Sr. Bigode, é interpretada pela jovem de 20 anos Maira Aggio. Ela estudou na Escola de Circo Nacional da Bélgica, aperfeiçoando-se em corda, tecido e trapézio.

Jornal-laboratório produzido pelos alunos do 6º termo do curso de Comunicação Social - Jornalismo período noturno da Unesp.

Outro grande destaque do elenco é o anão Paulo César, que também já participou do Cirque du Soleil com números aéreos, acrobacias e atuações. Somente ele e mais um anão no mundo fazem vôos aéreos, já que o número se torna mais difícil e perigoso por causa da pequena estrutura corporal dessas balas humanas. Na história, o anão interpreta o chefe de polícia da cidade, a autoridade máxima por ali. É uma hora e meia de espetáculo. O primeiro ato trabalha com poucas cores, preto e branco, e números mais tradicionais. No segundo ato, quando o circo Capenga consegue se recuperar, o figurino é colorido, mais criativo, os números são inovadores e o espetáculo é mais musical. BaGUN S.A é imperdível para quem gosta de arte com inovação. No picadeiro, a linguagem teatral se transforma e o circo ganha a sofisticação e a versatilidade do teatro. A combinação destas artes resulta num show musical original. Com uma boa estrutura técnica, o espetáculo traz vôos aéreos, malabarismos, acrobacias, mágica, palhaços, equilibrismo, e alguns efeitos especiais. Quem assiste uma vez quer assistir novamente para dar conta de todos os detalhes e todas as intervenções que ocorrem durante a apresentação.

Editora de Política Kelli Franco Repórteres Gabriel Duarte Rodrigo Azevedo Editora de Economia Tatiana Zilio Repórteres Aline Scaravelli Lucas Scaliza Editor de Social Fernanda Azzolini Repórteres Luiz Guilherme Stifter Kelli Franco Editora de Educação Natália Gatto Repórteres Bianca Banzato Fernanda Azzolini Editor de Ciência Leonardo Schimmelpfeng Repórteres Francisco Trento Hermes Ribeiro Reportagem Especial Isaac Pipano Lucas Scaliza Editora de Ecologia Carolina Bataier Repórteres Camila Putti Ellien Saccaro Editora de Comportamento Natália Martineli Repórteres Marisa Sei Natália Gatto Editora de Cultura Ellien Saccaro Repórteres Luana Ibelli Natália Martineli Editor de Esportes Gustavo Bortoletto Repórteres Danilo Gatto Vivian Federici Perfil Camila Putti Vivian Federici Crônica Natália Gatto Reticências Kelli Franco Capa “Famíly”: Pejterek Jornalistas Responsáveis Ângelo Sottovia Aranha MTB 12.870 Luciano Guimarães MTB 28.132 Luiz Augusto Teixeira Ribeiro MTB 10.796 Mauro de Souza Ventura MTB 6235


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Excursão aprisionada A rodoviária de Bauru não é movimentada. Mas naquele dia estava. Nem o pisca alerta nos 15 minutos era permitido. Os tantos policiais proibiam qualquer alvoroço maior, mas parece que não era suficiente: os homens bebiam e falavam alto. Na plataforma 17 (e não somente nela), rebuliço. Homens, muito homens, a maioria jovens, bebendo cerveja. Fiquei com medo. “Como minha poltrona foi uma das últimas compradas, me sentarei ao lado de um deles!”, pensei. Não, era uma menina: Raquel, e vinha de Marília. Futura fisioterapeuta. Quando a viagem é às 8 da manhã, procuro não puxar assunto, mas, desta vez, “nunca fiquei tão feliz em ver uma mulher ao meu lado”. Ela concordou, também estava com medo. Nos bancos laterais e traseiros, os homens foram se acomodando, um a um. Também me acomodei, para dormir, mas já em Agudos vi que seria impossível. Os rapazes se levantaram e fizeram do Expresso de Prata uma excursão. A quantidade de latas de cerveja aumentava a cada parada, e eram muitas. Os pulmões tiveram que se acostumar com o cheiro do cigarro. Nada de janelas, apenas o ar condicionado. O restante dos viajantes não abriu a boca. Os rapazes andavam nos corredores com os cigarros e as latas, falavam alto, cantavam. O “motorista olha o poste...” foi substituído pelos pagodes e sertanejos. Até batuques improvisaram. Eu batuquei junto, no meu canto. O medo passou. Eles estavam felizes. “As meninas querem uma cerveja?”. “Não, obrigada!”, ri. O que estava sentado ao meu lado, depois do corredor, pediu uma caneta ao companheiro. O outro não tinha. Ofereci a minha...e aproveitei o ensejo. “Você também faz parte do indulto de dia dos pais?” “Faço, sim”. Estava envergonhado. Eu também. “E por que não está com os outros, bebendo e pagodeando?”. “Por que, apesar de também estar preso, eu não gosto disso”. Pausa. “Mas eles podem fumar aqui?” “Não, mas quem deveria impor limites é o motorista. Como ninguém falou nada... Nem beber eles podem!” Edvan parecia mais à vontade. Eu também. “Não podem? Mas estão bebendo. Bebiam na rodoviária...

por Natália Gatto Pracucho

e lá havia muitos policiais.” “Pois é, as autoridades fecham os olhos.” “O que mais vocês não podem fazer?” “Ah, temos que voltar pra casa antes das 22 horas. Não podemos beber, ir pra bar, coisas desse tipo...” “Entendi”. Edvan tem 26 anos. O pagode aumentava. A bebedeira também. Outro comentou, “eles já estão bêbados”. Estavam felizes. Pareciam crianças ao perguntarem, a todo instante, se estava chegando. Eles não sabiam o caminho, apenas queriam chegar. “Posso te perguntar o porquê de estar preso, Edvan?” “Tráfico.” “Ah!” “Estou na P1 de Bauru há 3 anos e 2 meses. Saio em 4 meses.” “ Nossa, está perto!... E o que acontece com quem é liberado pro indulto e foge às regras?” “Perde o benefício de sair de vez em quando e seu regime volta a ser fechado.” Pausa. “Do que você mais sente falta?” “É difícil ficar longe da família. Aliás, será que tá chegando? Quero descer antes da rodoviária, minha mulher estará me esperando.” Os olhos pareciam, a cada momento, se fixar mais nas janelas. “Tá chegando, moleque!” “Olha lá, nem acredito!” Quando entramos na cidade, eles já estavam em pé, enfileirados, no corredor. O pagode foi substituído. Agora o coro era “O Rio de Piracicaba, vai jogar água pra fora. Quando chegar a água, dos olhos de alguém que chora”. Eles estavam mais felizes. Não tinham malas, eram só corpo. E alma. “Não dá nem pra acreditar que eu cheguei na minha casa”. Começaram a se preparar pra descer. “Gente, desculpa alguma coisa.” “Desculpa quem não fuma”. “Molecada. Cada um no seu quadrado e té segunda!” E foram embora. O restante dos viajantes desceu rindo para pegar a mala. Alguém falou: “o que podíamos fazer?” Alguém disse: “Mas eles estavam de boa. Uma vez peguei um indulto em que tramavam não voltar”. Eu disse: “Foi divertido!” Hoje eu dormi a viagem inteira. Mas àquele dia eu ri e batuquei. E presenciei uma felicidade até então desconhecida: a da liberdade. Mesmo que por poucos dias.

Cruzadinha Futebol

VERTICAIS [1] Atual técnico da seleção argentina de futebol [2] Tradicional programa esportivo exibido pela TV Cultura [4] Cidade mineira onde Pelé nasceu [6] Jogada imortalizada por Leônidas da Silva [8] Livro de Nick Hornby sobre sua paixão pela equipe inglesa do Arsenal [12] Vice-campeão brasileiro em 98, derrotado pelo Corinthians na final [15] Número de títulos brasileiros do Santos Futebol Clube [17] Ricardo Izecson dos Santos Leite, o (?), jogador de Milan (ITA) HORIZONTAIS [3] Fundou o futebol no Brasil [5] Maior artilheiro em todas as Copas do Mundo [7] Nova equipe de David Beckham [9] Mascote do Internacional-RS [10] Carrasco do Brasil na Copa de 98 [11] Ídolo do Flamengo nas décadas de 70 e 80 [13] Squadra (?), como é conhecida a seleção italiana de futebol [14] Time colombiano campeão da Libertadores em 2004 [16] Equipe inglesa treinada por Luís Felipe Scolari, o Felipão [18] Time espanhol onde joga o argentino Lionel Messi [19] Time brasileiro cujo estádio é conhecido como Ilha do Retiro [20] Campeão da Copa João Havelange, em 2000

RESPOSTAS Horizontais: [3] Charles Miller; [5] Ronaldo; [7] Milan; [9] Saci; [10] Zidane; [11] Zico; [13] Azurra; [14] Once Caldas; [16] Chelsea; [18] Barcelona; [19] Sport; [20] Vasco; Verticais: [1] Maradona; [2] Cartão Verde;[4] Três Corções; [6] Bicicleta; [8] Febre de Bola; [12] Cruzeiro; [15] Dois; [17] Kaká

^ Reticencias

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