Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da Unesp _ ano 25 n° 42 _ março de 2009
Contextoo
Especial
Ânimos alterados: Quais as causas do sobe e desce do humor durante o dia Pág. 4
Crise econômica mundial, seus desdobramentos e as consequências para o Brasil Pág. 14
Perfil: Memórias de um militante da ditadura: histórias que muitos prefeririam esquecer
Novidade: Primeira edição dentro da Nova Gramática da Língua Portuguesa
2
Contextoo
Março de 2009
Editorial
Caia na Real Lágrimas caem, um piso molhado pode desequilibrar uma pessoa e levá-la ao chão, a decadência pode derrubar o alto status de um grupo, enquanto despenca um temporal vindo do céu. Sentenças ligadas por um mesmo fio condutor: a lei da gravidade. Em pleno outono, estação caracterizada pela queda de temperaturas e das folhas das árvores, é lançada mais uma edição do Contexto. Em meio a tanta queda, o que dizer da nova gramática da Língua Portuguesa? Unificadoras ou não, as mudanças estão aqui. Depois de horas de revisão e de um tanto de fios de cabelo despencados, a crise estava sanada. Falando nisso, em uma época marcada pela quebra de bolsas de valores no mundo inteiro, a crise norte-americana é retratada como algo que divide economistas: uma bolha que pode explodir a qualquer momento. Abalos financeiros, psicológicos e emocionais. Numa sociedade globalizada, a independência chega cada vez mais cedo. Aquilo que antes era normal, passou a ser considerado psicologica-
mente: filhos saindo do banco de trás e passando para os volantes das próprias vidas. Antes distante, hoje a poucos metros de nós. A tecnologia conseguiu aproximar tudo o que sempre ficou há anos-luz da Terra: estrelas, cometas, galáxias e novos planetas. Mais próximos e acessíveis ainda estão os avanços na medicina que, com maneiras alternativas, estimulam a cura e o bem-estar de pacientes. Por falar em saúde, vivemos uma geração que cultua o corpo. Cuidado com a alimentação, prática de exercícios e, por que não, esportes radicais? A busca da qualidade em geral tem se tornado algo mais frequente no nosso dia-a-dia. Sustentabilidade, reciclagem e reaproveitamento de materiais derrubam questões que ameaçam diretamente o meio ambiente. Na comunicação de massa, apuração, curiosidade, vontade e respeito é lenha que acende uma fornalha de discussões polêmicas que caracterizam o bom jornalismo. Em meio a isso, fagulhas podem ofender o ego de fontes e comunicadores. O que
Contextoo
seria meramente informativo ganha caráter maniqueísta, gerando angústia e ameaça. Abuso de poder ou apenas excesso de cuidados? Em um país em que a boa vontade beira a banalidade, o corte de gastos sociais e o uso indevido de imagens é corriqueiro, limitador e, ainda assim, passa de maneira despercebida. Até quando? Talvez não possamos enxergar um fim, mas o começo tem data definida. Todo autoritarismo, além de opressão, gera automaticamente uma resistência. O bauruense Darcy Rodrigues é exemplo disso. Em meio a tudo isso que será tratado nesta edição, temos que abordar de forma especial uma saída para o despotismo: o bom-humor. O brasileiro, por si só, tem o costume de usar o otimismo como válvula de escape. Mas a ideia geral é que, se adentrarmos num vagão, mergulharmos no infinito e impedirmos que vida seja limitada em momentos inoportunos, nosso bom-humor natural seria um instrumento efetivo para o recomeço. Bom “divertimento”!
Jornal-laboratório produzido pelos alunos do 7º termo do curso de Comunicação Social - Jornalismo período diurno da Unesp. Editor geral Marcus Silva
Chefe de redação Maya Pauliez Secretária de Expedição Carina Brunialti Editor de arte Murillo Ferrari Diagramação Diego Segura / Fernanda Silva / Murillo Ferrari / Natasha Bin Editora de Fotografia Fernanda Silva Fotógrafos Fernanda Silva / Marcus Silva Revisão Bia Camargo/ Renan de Oliveira / Paula Rodrigues Editor de Política Vinícius Borges Repórteres Lílian Guarnieri / Tiago Cesar Editora de Economia Priscila Medina Repórter Karen Terossi Editor de Educação Henrique Souza Repórteres João D’Arcadia / Natasha Bin Editora de Social Lilian Guarnieri Repórteres Lilian Guarnieri / Henrique Souza Editor de Ciência Diego Segura Repórteres Cristiane Sommer / Karen Terossi
Lo alize-se!
Reportagem Especial Denise Aielo / Layla Tavares Editora de Ecologia Carina Brunialti Repórteres Karin Kimura / Soloni Rampin Editora de Comportamento Bia Camargo Repórteres Laís Barros / Megui Donadoni
Reitor Herman Jacobus Cornelis Voorwald Diretor da FAAC Roberto Deganutti
Reportagem Especial
Coordenador do Curso de Comunicação Social Marcos Américo Chefe do Departamento de Comunicação Social Luiz Augusto Teixeira Ribeiro Professores orientadores Ângelo Sottovia Aranha Luciano Guimarães Luiz Augusto Teixeira Ribeiro Mauro de Souza Ventura Endereço Contexto Departamento de Comunicação Social FAAC - Unesp Av. Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01 CEP: 17033-360 Bauru/SP
Social
Educação
5 4 3
6 7
8
15
2
Reticências
Comportamento
Cultura
Perfil
Política
11
Ciência
Economia
Editorial
9
10
Ecologia
14
13
jornalcontexto@faac.unesp.br
Fotolito e impressão Fullgraphics
Editora de Esportes Denise Aielo Repórteres Ana Cláudia Lima / Jota Mendonça
12 Esportes
Perfil Marcos Andrade / Marcos Paulo Mendes Reticências Érica Nering / Jota Mendonça
Ilustrações Priscila Medina / Bruno Pereira / Luis Gustavo Cavalcante / Marcos Singulano / Rodrigo Lopes Bessa
Vitrine
16
Foto da capa Fernanda Silva Modelo da Capa Larissa Biju
Telefone (14) 3103 - 6000 E-mail
Editora de Cultura Mayara Tolotti Repórteres Michelle Braz dos Santos / Renan de Oliveira
© Fernanda Silva / CONTEXTO
Jornalistas Responsáveis Ângelo Sottovia Aranha MTB 12.870 Luciano Guimarães MTB 28.132 Luiz Augusto Teixeira Ribeiro MTB 10.796 Mauro de Souza Ventura MTB 6235
Contextoo
3
Política
Março de 2009
Sempre em campanha A propaganda eleitoral antecipada é comum e difícil de ser identificada
Recentemente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, foram acusados pelo PSDB e pelo DEM de propaganda eleitoral antecipada. O motivo da acusação foi a reunião realizada no dia 10 de fevereiro, em Brasília, na qual cerca de 3,5 mil prefeitos do país inteiro participaram. A oposição questionou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se não se constituiria em propaganda eleitoral fora de época a realização de eventos que, sob o pretexto de difusão dos feitos da gestão em andamento, buscam alavancar a pré-candidatura de Dilma. Mas como julgar se a ação de um político é eleitoreira ou não?
Até onde vai a ação natural do trabalho governamental e onde se inicia o uso abusivo do poder para fins eleitorais? Segundo o professor doutor do departamento de Ciências Humanas da UnespBauru, Maximiliano Martin Vicente, o ato eleitoreiro é “o uso indevido da imagem para fins eleitorais”. Para o professor, este tipo de ação é extremamente comum e constante: “Os políticos brasileiros visam essen-
“
cialmente à reeleição. Todos, de alguma forma, tentam promover sua imagem”. O atraso para a liberação de verbas contribui para essa exploração inadequada da imagem. As emendas orçamentárias, que permitem utilização do dinheiro público para fins não previstos no orçamento, demoram a ser liberadas e abrem brechas para negociações entre o executivo e o legislativo. “Em
Os políticos brasileiros visam essencialmente a reeleição. Todos, de alguma forma, tentam promover sua imagem
O que diz a lei Sobre a propaganda eleitoral, o artigo 36 da lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, deixa claro: Art. 36. A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 5 de julho do ano da eleição. § 1º Ao postulante a candidatura a cargo eletivo é permitida a realização, na
© Fotomontagem Tiago Cesar / CONTEXTO
.............................................................. Tiago Cesar
quinzena anterior à escolha pelo partido, de propaganda intrapartidária com vista à indicação de seu nome, vedado o uso de rádio, televisão e outdoor. § 2º No segundo semestre do ano da eleição, não será veiculada a propaganda partidária gratuita prevista em lei nem permitido qualquer tipo de propaganda política paga no rádio e na
televisão. § 3º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário, à multa no valor de vinte mil a cinquenta mil UFIR ou equivalente ao custo da propaganda, se este for maior.
O TSE nega, mas muitos acreditam que as eleições 2010 já começaram
muitos casos, o executivo estabelece uma verdadeira relação de prostituição com o legislativo”, afirma Vicente. Assim, o executivo “conquista” verba à custa de troca de favores. Posteriormente, estes políticos realizam propaganda exacerbada de sua conquista e fazem promoção exagerada de sua imagem, independente de se tratar de período de campanha ou não. Segundo Wilson de Rossi Júnior, técnico judiciário do
387º cartório eleitoral de Bauru, o ato eleitoreiro é condenado: “A punição pode variar desde uma simples multa, até a impugnação de mandato, nas ações mais graves”. Ainda segundo Wilson, a campanha eleitoral, de acordo com a lei, só pode ocorrer no ano da eleição, do dia 5 de julho até dias antes da votação. Qualquer ação, enquadrada como campanha eleitoral antecipada, é passível de punição.
Divergências no PMDB causam crise interna Com a maior legenda do país, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro não consegue levantar bandeira única ............................................................... Lílian Guarnieri
O senador Jarbas Vasconcelos não acusou ninguém diretamente, mas ensinou como a verba pública é desviada. “As distorções começam na elaboração do orçamento, permanecem na sua aprovação e atingem o auge na hora da liberação dos recursos
“O PMDB tem que deixar de ser a noiva para ser o noivo”. A frase dita pelo vereador da cidade de Bauru, Renato Purini (PMDB), representa uma das várias divergências internas do partido, como o lançamento ou não de candidatura própria para a corrida presidencial. Recentemente, o país se deparou com a falta de consenso entre os líderes peemedebistas. Com o pronunciamento do senador Jarbas Vasconcelos sobre corrupção tanto no interior do partido quanto na administração pública, no dia 3 de março, ficou evidente uma certa inquietação dos parlamentares. “O senador Jarbas Vasconcelos fez denúncias muito subjetivas, mas a verdade é que se ninguém devesse, não haveria temor”, afirma Purini. Segundo o professor doutor Maximiliano Martin Vicente da Unesp-Bauru, as denúncias de Jarbas são tão importantes quanto a do senador, também peemedebista, Pedro Simon, na época do “mensalão”. © Luis Gustavo Cavalcante
quando o dinheiro, que deveria ir para obras prioritárias nos municípios, escorre pelos esgotos da corrupção e dos desvios, muitas vezes com a participação dos ordenadores de despesas do Poder Executivo, indicados pelos partidos políticos”. Em decorrência do pronunciamento, o presidente da Câmara dos Deputados Michel Temer (PMDB-SP) abdicou da presidência do partido valendo-se da desculpa de acúmulo de cargos. Entretanto, a assessoria do PMDB relatou seu depoimento: “Muitas vezes somos achincalhados indevidamente. Se há um ou outro equívoco, isso deve ser apontado. A generalização é incompatível com as questões responsáveis. Acho que devemos entrar na batalha incansável pela defesa do PMDB”. Seguindo a linha de Temer, o vereador Purini também levanta a bandeira do fortalecimento do PMDB. “Formamos a base da governabilidade, agora
temos que lançar candidato próprio. Em Bauru, lançamos um candidato contra tudo e contra todos e vencemos. Por que não tentarmos a presidência?” A atual presidente do partido, a deputada Íris de Araújo (PMDB-GO), adiantou na cerimônia de posse que, quanto às eleições de 2010, seu papel é atender à decisão da maioria, apesar de todas as dissidências internas do partido. “A fragmentação do partido é histórica”, diz Maximiliano acerca da trajetória do partido. “Na
“
ditadura militar houve o bipartidarismo, ou se estava ao lado do partido da situação, que era o Arena, ou se estava na oposição, o MDB. O MDB deu origem ao PMDB, com uma lei de 1986 que obrigava toda legenda política a começar com a letra P. Tempos depois, do PMDB surgiu o PSDB. Mas a verdade é que o PMDB sempre foi um mosaico ideológico. Sem dúvidas é o partido de maior expressão nacional e tem maioria absoluta no Congresso Brasileiro”.
A verdade é que se ninguém devesse, não haveria temor
Matemática Peemedebista Os números do PMDB realmente são expressivos no país. No poder executivo são 8 governadores, 6 ministros, 6 prefeitos de capitais e 1.201 prefeitos no total. Já no poder legislativo, o PMDB acumu-
la 19 senadores, 95 deputados federais, 172 deputados estaduais e 8.497 vereadores eleitos. O partido possui uma média de 15 milhões de simpatizantes e 1.803.244 de filiados.
4
Economia
Março de 2009
Contextoo
Cutucando a crise Economistas se dividem sobre os riscos da bolha dos títulos do tesouro norte-americano
.............................................................. Karen Terossi
mais moeda e, quanto mais se emite dinheiro, mais ele se desvaloriza. Isso coloca em xeque a capacidade do governo de pagar os títulos sem forçar a inflação. Entretanto, conclui Daniel que “é difícil falar de inflação agora, porque o poder de consumo dos americanos diminuiu nos últimos tempos e o consumo pesa muito sobre os índices de inflação. Na verdade, os Estados Unidos têm trabalhado com deflação nos últimos tempos”.
Efeito dominó? A desvalorização dos títulos da dívida norte-americana, para José Rubens, pode ter forte impacto nas economias que possuam reservas desses títulos, especialmente a chinesa, hoje a maior credora dos Estados Unidos. Quanto ao endividamento planejado pelo go-
© Il
ustr
ação
: Ro
drig
o Lo
pes
Bes
sa
Nos últimos meses, o aumento na busca por títulos do tesouro público norte-americano tem levado especialistas a temerem o estouro de uma nova bolha no mercado financeiro. Desde o colapso dos empréstimos hipotecários subprime no início de 2007, a aversão ao risco leva investidores a procurarem ativos de menor rentabilidade, porém mais seguros, como os títulos da dívida pública. O economista Daniel Mendonça explica que os papéis do tesouro norte-americano, estimados em US$ 5,3 trilhões, são visados porque “como é o governo que emite moeda, o risco de calote é menor, apesar de que já se questiona se esses títulos vão ser pagos”. A instituição financeira Clearbook, por exemplo, publicou relatório afirmando que “o mercado de títulos do Tesouro
dos EUA deverá ser a próxima bolha a explodir”. Um dos argumentos que sustentam a posição da instituição é de que o declínio nos rendimentos dos títulos do tesouro levará os investidores a se retirarem desse mercado, assim que encontrarem maior estabilidade nas ações de empresas e bancos. Se a bolha do tesouro norteamericano estourar, segundo o economista José Rubens Garlipp, da Universidade Federal de Uberlândia, “uma consequência esperada é a perda de valor do dólar, e mesmo das demais moedas fortes, visto que a quebra dos bancos tem requerido injeções de recursos por parte dos respectivos Estados, aumentando assim o déficit orçamentário”. O economista Daniel, por sua parte, afirma que o débito comercial dos Estados Unidos é muito grande, forçando o Banco Central a emitir ainda
O que isso tem a ver com a economia real ? Os títulos do tesouro público são papéis que os governos emitem para financiar a economia real. Um título é como um contrato de empréstimo no qual o tomador do recurso faz uma promessa de pagamento à ordem da importância emprestada, acrescida de juros. A finalidade desses papéis é proporcionar a cobertura de déficits orçamentários e captar recursos para financiar a dívida pública e investir em infra-estrutura, saúde e educação. verno Obama, a China poderá ou não financiá-los, sofrendo os efeitos da queda de importações americanas. Mas, o grande risco é que as relações entre os dois países se deteriorem em função de discordâncias sobre comércio externo ou o câmbio. No Brasil a situação também é delicada. O país tem reservas de 200 bilhões de dólares “em sua maior parte compostas de títulos do tesouro americano de modo que, ocorrendo o estouro da bolha, é de se esperar maiores dificuldades para a economia brasileira”, explica José Rubens. Para ele “com o agravamento da crise, as exportações podem declinar sensivelmente, devido à retração da demanda mundial, em uma
No caso dos Estados Unidos, agora, também há a necessidade de destinar esses recursos para ajudar as instituições bancárias em dificuldade, como a General Motors e a Chrysler, que correm risco de falir sem a ajuda do governo. Juntamente com o controle da taxa de juros, a emissão desses papéis possui função monetária. Ambos são fortes instrumentos dos governos de controle do fluxo de dinheiro. conjuntura que já apresenta baixa dos preços dos produtos primários exportados. Se, de um lado, isso pode levar a uma maior ênfase no mercado interno, de outro, não podemos negligenciar os efeitos da crise internacional sobre as economias periféricas, como a brasileira, como mostram os recentes dados e informações”. José Rubens acredita que “o alcance dos efeitos da crise internacional sobre o Brasil depende, a um só tempo, das ações e medidas de enfrentamento adotadas pelos países desenvolvidos e daquelas adotadas internamente. Não se discute mais se a economia brasileira entrará em desaceleração, mas qual a será a sua magnitude”.
Está ruim, mas pode piorar Segundo economista, estouro de uma segunda bolha pode piorar a situação da economia mundial, incluindo a brasileira .............................................................. Karen Terossi
José Rubens Damas Garlipp é economista e professor adjunto da Universidade Federal de Uberlândia. Atualmente faz parte do Comitê Científico do II Encontro Internacional da Associação Keynesiana Brasileira, a ser realizado em Porto Alegre, no mês de setembro.
Contexto: Como você explicaria a grande procura por títulos do tesouro norte-americano? Quais características do momento atual mais contribuem para essa procura? José Rubens Damas Garlipp: O momento atual, de crise internacional, bem revela que os critérios de avaliação da riqueza vigentes antes da sua deflagração entraram em colapso, de tal sorte que, com a exacerbação da incerteza acerca do futuro econômico, os possuidores de riqueza buscam conservá-la sob a forma mais geral e abstrata, a posse do dinheiro - ou de ativos reconhecidos como substitutos do dinheiro, os títulos da dívida pública.
C: Por que exatamente se diz que a migração dos investimentos em ações para os títulos do tesouro norte-americano é uma bolha que, ao estourar, terá consequências muito piores que o estouro da bolha imobiliária? Não fica muito claro a quem exatamente ela prejudicaria num primeiro momento e quem seria afetado depois. Por isso a pergunta se estende nesse sentido. J: Se ocorrer o estouro da bolha dos títulos do tesouro dos EUA, os seus detentores estarão com papéis ‘micados’ (depreciados), como ocorreu com os detentores dos títulos hipotecários do sistema imobiliário. O esperado é a perda de valor do dólar, e mesmo das demais moedas fortes, visto que a quebra dos bancos tem requerido injeções de recursos por parte dos respectivos Estados, aumentando assim o déficit orçamentário. As economias que possuam em suas reservas títulos do tesouro dos EUA seriam afetadas com um estouro da bolha, especialmente a economia chinesa, hoje maior credora dos EUA.
“
Se ocorrer o estouro da bolha dos títulos do tesouro (...) os seus detentores estarão com papéis ‘micados’
C: Se a crise econômico-financeira se agravar, por conta da bolha do tesouro, o Brasil pode ganhar investidores ou, pelo contrário, mergulhar em uma grave crise? Pensando que o Brasil é grande exportador de produtos primários, você acha que o agravamento da crise pode ser bom, por exemplo, para o mercado interno? J: As reservas brasileiras estão em torno de 200 bilhões de dólares, em sua maior parte composta de títulos do tesouro americano de modo que, ocor-
rendo o estouro da bolha, é de se esperar maiores dificuldades para a economia brasileira. Com o agravamento da crise, as exportações podem declinar sensivelmente, devido a retração da demanda mundial, em uma conjuntura que já apresenta baixa dos preços dos produtos primários exportados. Se, de um lado, isso pode levar a uma maior ênfase no mercado interno, de outro lado não podemos negligenciar os efeitos da crise internacional sobre as economias periféricas, como a brasileira, como mostram os recentes dados e informações.
C: Pensando que a crise do modo como já está, temos a GM quebrando e possivelmente fechando fábricas no Brasil, que tipo de projeções se pode fazer para o Brasil? É o mesmo tipo de lógica? J: As economias desenvolvidas encontram-se sob forte contração, e os efeitos da crise internacional já estão presentes na economia brasileira, com previsões de crescimento em 2009 próximo da metade do
crescimento de 2008 ou ainda mais tímido. No entanto, mesmo se as previsões desfavoráveis se confirmarem, ainda assim as condições em que a economia brasileira se encontrava quando deflagrada a crise eram de ciclo de crescimento significativo. Certamente já não se sustenta a idéia amplamente difundida antes da crise acerca das potencialidades dos BRICs (grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia e China), posto que a tese do descolamento caiu por terra. A contração das economias desenvolvidas e, especialmente, da economia dos EUA, afeta sobremodo as exportações dos grandes países periféricos, como o Brasil, como comentado anteriormente. De todo modo, o alcance dos efeitos da crise internacional sobre o Brasil depende, a um só tempo, das ações e medidas de enfrentamento adotadas pelos países desenvolvidos e daquelas adotadas internamente. Não se discute mais se a economia brasileira entrará em desaceleração, mas qual a será a sua magnitude.
Contextoo
Educação
Março de 2009
Com ou sem acento?
5
Novo acordo ortográfico gera polêmica e ambiguidade .............................................................. Natasha Bin
Ideia, geleia, joia, jiboia, linguiça, pinguim, enjoo. Está faltando alguma coisa? Não, é assim mesmo. Desde 1° de janeiro de 2009, um novo acordo ortográfico da Língua Portuguesa está em vigor e, com ele, as novas regras gramaticais. Em pauta desde 1990 e regulamentado em 29 de setembro de 2008, o novo acordo objetiva padronizar a Língua Portuguesa nos países em que é a língua oficial. Formam a comunidade de Países de Língua Portuguesa: Brasil, Portugal, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-Leste. “É um acordo político para fortalecer o Português como idioma”, defende Lucilene Gonzales, professora de Técnica Redacional da Unesp-Bauru. Para a docente, o acordo visa a não-dispersão do idioma e sua consequente extinção. Diferente de Lucilene, a dou-
tora em Linguística e professora de ensino médio e superior, Maria Regina Momesso, é contra. “As diferenças não são tão gritantes a ponto de comprometerem a identidade linguística e o intercâmbio cultural entre os países lusófonos. Há muitos pontos que ainda deveriam ser discutidos”. O novo acordo da Língua Portuguesa altera a acentuação de algumas palavras, extingue o trema, padroniza a utilização do hífen e incorpora ao alfabeto as letras “k”, “w”, e “y”. De acordo com o Ministério da Educação, a reforma atinge aproximadamente 0,5% do vocabulário brasileiro. Para o estudante do 3° ano do ensino médio, Felipe Hikary Nishiyama, a mudança é positiva. “Quanto mais simplificarmos a língua portuguesa, mais chances teremos de torná-la um idioma mais utilizado no mundo”. Porém, a nova ortografia preocupa: “preferiria que ela não fosse implantada no vestibular;
é difícil perdermos o hábito em tão pouco tempo”, confessa.
Como? Mas não somente no vestibular a nova ortografia gera dúvidas. “As mudanças podem provocar confusões e ambiguidades que empobrecem a língua portuguesa, provocando não a unificação, mas sim uma identidade linguística fragilizada”, evidencia Maria Regina. Alguns exemplos de imprecisão no texto do acordo podem ser encontrados nas novas regras para o uso do hífen. No caso do prefixo “co”, o hífen passa a ser utilizado quando o segundo elemento começar por h. Logo, “co-herdar” fica como está, e “coautor” passa a ser “coautor”. Entretanto, a grafia de coabitar, por exemplo, não é explicada. Afinal, agora é coabitar ou co-habitar? Hein? Além das dúvidas, a novidade traz estranhamento. A atual versão da palavra guardarroupa dei-
xou o estudante Felipe Nishiyama intrigado: “absurdo!”. Já para os alunos de Maria Regina Momesso, o novo acordo deixou as palavras “esquisitas e feias”, como é o caso de “micro-ondas”, exemplifica. Os brasileiros têm até o final
de 2012 para se adaptar a nova ortografia. Depois dessa data, a antiga ortografia será considerada errada. Mas quando a pergunta é se as pessoas conseguirão se adaptar às mudanças, como prevê o governo, a opinião é consenso: “vai ser difícil”.
© Ilustração: Priscila Medina e Fernanda Silva /CONTEXTO
Parceria entre Unesp e Globo gera polêmica Convênio deve atuar em três frentes; debate sobre Mercado e Academia volta à tona .............................................................. João Guilherme D’Arcadia
A Tv Digital Unesp firmou convênio, no fim do ano passado, com as Organizações Globo (Rede Globo, Canal Futura e Fundação Roberto Marinho). A cerimônia aconteceu na sede do Grupo, no Rio de Janeiro, e teve as assinaturas do diretor da Tv Unesp, Prof. Dr. Antônio Carlos de Jesus, do presidente das Organizações Globo, Roberto Irineu Marinho e do secretário-geral da empresa, Hugo Barreto. A equipe do Jornal Contexto passou o último mês consultando todos os envolvidos na parceria e apurando a repercussão nos corredores da Universidade. O convênio gerou polêmica: trata-se de um acordo entre uma das principais universidades públicas do país e o maior conglomerado de comunicação da América Latina.
Os termos do acordo Segundo Antônio Carlos de Jesus, o convênio atuará em três frentes: “Queremos ter espaço dentro da difusão do conhecimento, através do programa Globo Universidade, da Rede Globo. No caso do Canal Futura, nosso intuito é intercambiar programação. Já com a Fundação Roberto Marinho queremos apoio em projetos conjuntos”. O diretor mencionou ainda convênios anteriores a este que, segundo ele, podem auxiliar na produção e programação da Tv Unesp. É o caso de convênios com a BBC de Londres, a NHK do Japão, a canadense CBC, a Tv
Mundo da França e as brasileiras Tv Cultura e Rede Minas. Estão previstas ainda parcerias com a Rede Record e o Grupo Bandeirantes. O convênio foi divulgado pela Assessoria de Imprensa da Unesp (ACI), por meio do Jornal Unesp, publicação bimestral da reitoria. O Jornal Contexto apurou ao máximo os demais termos do acordo (ler quadro ao lado), mas a única fonte de informação, inclusive para a ACI, foram as declarações do professor Antônio Carlos de Jesus. Nos corredores da Universidade, as opiniões a respeito do acordo tomaram dois rumos: além da discussão sobre ser pró ou contra a parceria, discutiu-se também o papel da Unesp na formação para o Mercado e os limites de atuação deste Mercado dentro de uma instituição pública. Ex-aluno da Unesp/Bauru, membro do Diretório Acadêmico e da Congregação da FAAC de 2005 a 2007, o jornalista Luiz Augusto Rocha vê com preocupação o convênio. “O estabelecimento de convênios e parcerias com empresas privadas coloca a produção de conhecimento, de certa maneira, a serviço de particulares. O que é oposto à minha ideia de bem público”. O jornalista vai além. “Especificamente em relação ao Grupo Globo, não acredito que essa parceria seja salutar para a Unesp, já que a família Marinho tem em seu ‘currículo’ um histórico de construção de uma hegemonia midiática no Brasil, impondo o seu pa-
drão de comunicação”, conclui. Já para as alunas de 3º ano de jornalismo, Nádia Pirillo e Eloísa Fontes, o convênio deve ser visto com bons olhos. “O curso de jornalismo é mais voltado para quem quer a carreira acadêmica. No caso dos laboratórios, ou fal-
“
Nós temos que sair daqui comunicólogos, e não simplesmente profissionais do Mercado
ta professor ou os equipamentos dão algum problema, ou seja, não podemos realizar muito a parte prática”, afirma Nádia. “Para nós que temos um projeto na área de Tv Digital, a parceria é bem vinda porque ter um contato com a Globo, que vai iniciar mesmo esse trabalho, é muito importante”, argumenta Eloísa.
Teoria vs Prática, Academia vs Mercado... As discussões a respeito do convênio extrapolaram o acordo em si. Alguns grandes paradigmas da Universidade também foram mencionados. Foi o que fez o Prof. Dr. Antônio Francisco Magnoni, para quem não faz sentido “demonizar o Mercado”. “As coisas não são incompatíveis. Um profissional
bem formado para o Mercado não precisa ser alienado. Não podemos colocar o Mercado como ‘Grande Satã’, sendo que depois a pessoa terá que sobreviver do seu trabalho”. Mesmo não conhecendo o conteúdo do convênio, o professor se mostra receoso. “A iniciativa privada quer capitalizar o público e socializar os prejuízos. Então eu não posso aceitar em nenhum momento que iniciativas da Universidade Pública favoreçam grupos privados”, enfatiza Magnoni. Roney Rodrigues, aluno de 2º ano de jornalismo, concorda que Mercado e Academia não devem ser tratados como segmentos excludentes. “Nós reparamos aqui no campus que aquele professor que vivenciou o Mercado antes de
dar aulas é mais respeitado. Mas nós temos que sair daqui comunicólogos, e não simplesmente profissionais do Mercado”, ressalta. O diretor da Tv Unesp, Antônio Carlos de Jesus, foi categórico ao defender os interesses da parceria. Para combater as críticas ao acordo, ele menciona “um ranço da Escola de Frankfurt”, teorias que, a partir da década de 20, previam consequências catastróficas para os meios de comunicação de massa. Para Jesus, as críticas são “tacanhas”, “até porque, nossos alunos quando se formam, onde que eles querem trabalhar? Na Globo. Onde estão os melhores alunos nossos? Na Globo. Eu acredito no bom profissional. Se ele é um bom profissional, sabe discernir o que é bom e o que é ruim”.
Quem mais foi ouvido O Jornal Contexto chegou a atrasar sua veiculação para aguardar retornos dos demais envolvidos no convênio. Nossa equipe entrou em contato com empresa de comunicação InPress Porter Novelli, que presta serviços de assessoria de imprensa para a Tv Globo. O contato foi feito por telefone, no dia 24 de março. A empresa comunicou que a Fundação Roberto Marinho é que estaria a par do acordo. A assessoria de imprensa do Canal Futura, emissora da Fundação Roberto Marinho, informou por email no dia 21 de março que encaminharia
as questões ao setor responsável. Contatados novamente no dia 24 de março, desta vez por telefone, garantiram que passariam as respostas em até 72 horas, o que não aconteceu. A assessoria de imprensa da Reitoria (ACI) disse que não possuía novas informações e não soube informar se esse tipo de convênio é publicado em Diário Oficial. Nossa equipe checou a versão online do Diário Oficial de São Paulo, de novembro de 2008 a março de 2009, mas não encontrou dados referentes ao convênio.
6
Social
Março de 2009
Contextoo
Baixo orçamento quilombola adia dívida histórica
$
Mudança no orçamento: governo federal indica desfavorecimento à demarcação de territórios de comunidades afrodescendentes ............................................................... Lílian Guarnieri
“Sabe-se que há pressões externas sobre o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] para ir devagar com o processo de reconhecimento e regularização dessas terras”. Quem afirma é Ricardo Verdum, assessor de políticas indígena e socioambiental do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), ao falar sobre o baixo repasse de verbas públicas à demarcação de territórios historicamente ocupados por comunidades remanescentes dos quilombos no Brasil. Em março de 2008, o Inesc emitiu o relatório “Orçamento Quilombola: entre o previsto e o gasto”, assinado por Verdum. O documento descreve o orçamento e as formas de atuação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), que aplica sua verba por meio de três programas principais: “Brasil Quilombola”,
“Gestão da Política de Promoção da Igualdade Racial” e “Programa Cultura Afro-brasileira”. Entre 2004 e 2007, o programa “Brasil Quilombola”, ligado, entre outros objetivos, à regularização fundiária dos territórios quilombolas, obteve aprovação orçamentária de mais de R$ 150 milhões, mas o que foi efetivamente aplicado ficou em torno de R$ 48,5 milhões – apenas 32% do previsto. “O ‘racismo à brasileira’ é discreto e sabe operar o complexo jogo de relações de poder. Deseja mudanças estruturais? Nem pensar!”, conclui o relatório.
Luta pela terra As comunidades quilombolas são essencialmente rurais. O educador e diretor da “Companhia de Música e Dança Afro Kundun Balê”, Orlando Silva, conta como é a vida na “Comunidade Invernada Paiol de Telha”, localizada na Colônia Vitória, em Guarapuava, no Paraná: “O dia começa
bem cedo, às seis horas da manhã, com a ordenha do leite que é entregue por algumas famílias num projeto de bacia leiteira – é a única fonte de renda fixa de parte das 63 famílias da comunidade”. Silva destaca que as mulheres representam 98% da liderança da comunidade. Na maioria dos casos, elas são as responsáveis pelo sustento da família. “A horta comunitária é 100% feita por mulheres”, afirma o diretor. No “Paiol da Telha”, de acordo com Silva, “não há escola, posto de saúde e muito menos saneamento básico; o médico vai até a comunidade uma vez por semana, mas não há espaço adequado para o atendimento”. Ricardo Verdum explica que a verba destinada às comunidades pode chegar sob forma de medicamentos, financiamento de saneamento e infraestrutura ou como “recurso gerenciado pela própria comunidade local, por meio de uma associação, que exe-
Quilombos em números PAC Quilombola: Segundo o decreto nº 6.261, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em novembro de 2007, o governo pretende destinar R$ 2 bilhões para o “PAC Quilombola” até 2011. cutará um projeto previamente elaborado de produção voltada ao mercado local ou regional”. Além disso, os recursos também podem custear os gastos de uma equipe que realiza a identificação do território quilombola a ser reconhecido pelo Estado brasileiro. Segundo Verdum, desde 1988 a Constituição Federal reconhece os quilombolas como um grupo social “com direitos inclusive fundiários”, mas há apenas uma década o governo “passou a dar atenção mais efetiva às reivindicações
Quilombos no Brasil: Segundo pesquisa da Universidade de Brasília (UnB), só no Estado de São Paulo existem mais de 50 comunidades quilombolas; no Brasil, são 2.228.
dessas pessoas”. Mesmo observando que a única fonte de renda e sustento das comunidades quilombolas é a terra, é interessante destacar que o único programa do governo com recursos cortados no orçamento, em relação a 2007, foi o “Brasil Quilombola”, que perdeu cerca de R$ 15,5 milhões. O relatório do Inesc afirma que “as ações mais afetadas foram aquelas desenvolvidas pelo Incra, responsável pelo ‘reconhecimento, demarcação e titulação’ das terras quilombolas”.
O combate ao câncer é uma luta coletiva Associações assistenciais desenvolvem papel importante na cura da doença
“Minha forma de ver a vida mudou. É preciso viver o hoje, não pensar no amanhã. Aproveitar os momentos, sem se preocupar com os problemas”, relata Silmara de Oliveira, que faz tratamento contra o câncer de mama e conta com o apoio da Associação Amigas do Peito. O Grupo Amigas do Peito de Bauru foi criado há quatro anos e tem como finalidade alertar e sensibilizar as mulheres a fazerem o autoexame de mama, o que pode detectar a doença precocemente. “Nossa principal meta é fornecer informações de apoio às mulheres que estão passando pelo câncer de mama”, esclarece o presidente do grupo e mastologista Dr. Willian Delgallo. O Amigas do Peito é uma associação não-governamental que trabalha com a ajuda de voluntárias. O grupo realiza mensalmente palestras instruindo as mulheres sobre o tratamento da doença. A cabeleireira Nice da Silva já teve câncer na mama e hoje é voluntária do grupo. No trabalho, coleta os cabelos cortados para a confecção de perucas que são doadas a portadoras de baixa renda. “Depois de passar por esse sofrimento, montamos a Associação para amenizar as consequências do tratamento”, conclui.
A Associação Bauruense de Combate ao Câncer (ABCC) atendeu, no ano passado, 5.697 portadores sendo que 3.493 eram mulheres e 2.204 homens. Fundada em 1981, é uma entidade beneficente e tem como objetivo proporcionar ao portador de câncer melhoria da qualidade de vida. Isso é feito através dos programas de assistência, como doação de cestas básicas, roupas, suplementos e medicamentos. Além disso, há um programa de empréstimo pelo qual são disponibilizados cadeiras de roda, cadeiras de banho, muletas, colchões d´água e até perucas. “Atendemos crianças, adultos e idosos. Não há distinção de idade”, revela a assistente social da ABCC Gilséia Peres. Ela também revela que o impacto © Henrique Souza / CONTEXTO
da doença não é só no paciente. “O choque não é somente no p o r t a d o r, a família é afetada com o diagnóstico”, explica. Maria de Lurdez dos Santos, que enfrentou um linfoma (tipo de câncer que se origina nos gânglios Nova vida: após a cura do câncer, mulheres se reúnem em prol do artesanato do sistema linfático), conta que teve o foi indispensável. “Essas As- apoio das professoras, assistenapoio dos familiares e amigos, sociações são essenciais para o te social, pra mim foi excelenmas que a ajuda da Associação tratamento, contamos com o te”.
Campanha solidária O Grupo Amigas do Peito realiza anualmente a Caminhada Pela Vida, que procura instruir as mulheres sobre o câncer de mama. A caminhada é aberta à população e os participantes doam alimentos, distribuídos às entidades de Bauru. A Associação Bauruense de Combate ao Câncer, em parceria com o Mc Donald´s, realiza o McDia Feliz, em que todo o dinheiro arrecadado com a venda dos lanches é destinado à entidade. Outros projetos de sustentabilidade são a festa “Dancing Days”, na qual toda a verba arrecadada com os ingressos é destinada à Associação, e o “Bazar de Pechincha”, realizado através da comercialização de roupas e artigos doados pela comunidade.
© Fernanda Silva / CONTEXTO
............................................................... Henrique Souza
Contextoo
^ Ciencia
Março de 2009
Uma oportunidade de descobrir o céu
7
Atividades práticas de astronomia comemoram os 400 anos das primeiras descobertas de Galileu
Um tubo com uma lente em cada extremidade faria o céu ficar mais próximo do ser humano. Foi com essa ideia que Galileu Galilei, em 1609, construiu telescópios e mostrou ao mundo, entre outras coisas, que a Via Láctea possuía muito mais estrelas do que se imaginava e que a Lua não tinha luz própria. Em comemoração aos 400 anos das primeiras observações de Galileu, a ONU elegeu 2009 como o Ano Internacional da Astronomia. Segundo a União Astronômica Internacional (IAU), serão
Rodolfo Langhi e os telescópios artesanais do Observatório Didático Astronômico de Bauru
©Marcus Silva / CONTEXTO
.............................................................. Karen Terossi
realizadas atividades em todo o mundo com o objetivo de provocar a admiração e a curiosi-
dade das pessoas pelo universo. As mais esperadas acontecem entre os dias dois e cinco de
abril, durante as chamadas “100 Horas de Astronomia”, nas quais entidades astronômicas profissionais, clubes de astronomia, planetários e museus de ciências de 137 países promoverão cursos, observações e encontros. Os dias escolhidos são especialmente favoráveis à observação da Lua e de Saturno. Em Bauru, no Observatório Didático Astronômico da
A programação completa das “100 Horas de Astronomia” em Bauru pode ser conferida no site: http://www.unesp.br/astronomia
Teoria de Darwin completa 150 anos Ideias do cientista inglês atingem discussão acerca da xenofobia e do racismo
“
Os movimentos xenófobos continuarão a existir e se apoiarão no conceito de raça por um bom tempo Uma questão mais antiga Paradigmas científicos à parte, o fato é que valores xenófobos precedem o conceito de raça. Segundo o historiador e professor da UFRRJ, Luis Edmundo de Souza Moraes, “a xenofobia não é um fenômeno exclusivo do século XX. Em seu sentido mais amplo é a recusa do diferente, que nos séculos XIX e XX assumiu contornos próprios nos diversos nacionalismos e no pensamento racista, estes sim, filhos do mundo contemporâneo”. A xenofobia e o racismo, simbolizados no imaginário coletivo pelo holocausto de Hitler, ganham relevância no contexto de crise econômica que se acirra no cenário mundial. “O discurso xenófobo é uma
forma altamente eficaz de encontrar culpados para problemas do cotidiano e de simplificar coisas que são, em geral, bastante complexas”, pontua Moraes. Em uma conjuntura na qual o desemprego se torna acentuado, pode haver uma tendência de culpar o “outro”. A crise econômica não cria, mas torna mais agudo e divulgado o discurso xenófobo. “Suas ideias, mesmo que sejam absurdas, vêm à tona em momentos variados e épocas de crise, que são privilegiadas para que elas sejam disseminadas”, pontua o professor da UFRRJ. o Pereira
Há 200 anos, nascia o cientista que revolucionou a maneira de explicar a variedade biológica dos seres. Charles Darwin foi um pesquisador metódico, armazenava seus espécimes com cuidado e fazia anotações minuciosas. Através de estudos, convenceu-se de que os seres vivos evoluíam e que passavam pelo processo de seleção natural. Suas ideias estão contidas no livro, publicado em 1859, “Origem das espécies”. 150 anos depois podemos perceber influências darwinianas que vão além do universo da biologia. As recentes descobertas no campo da genética apontam para a quebra de um paradigma secular: o conceito de raças. O geneticista e professor da UFMG, Sergio Danilo Pena, em seu livro “Humanidade sem raças?” explica que a divisão da espécie humana nestas categorias remonta o século XVIII. Segundo Pena, as conclusões que emergem dos estudos genéticos é que a humanidade é multirracial e que somos relacionados uns com os outros em maior ou menor grau. E qual a participação de Darwin nesta história? Para entendermos, temos que voltar à década de 20 do século passado, quando uma tríade de cientistas - Ronald Fisher, J. Haldane e Sewall Wright - compatibilizou as ideias de Darwin com as de Mendel. Dessa união surgiu o neodarwinismo. Antes, havia uma incongruência conceitual entre os dois estudiosos, pois, o primeiro afir-
mava que a evolução acontecia de forma contínua e gradual, ao passo que o segundo dizia que os caracteres hereditários eram descontínuos.
© Brun
.............................................................. Cristiane Sommer
Todos irmãos? Neste debate, a pergunta latente é se a abolição científica das raças seria o suficiente para acabar com movimentos como o neonazismo. Considerando a origem única e a pluralidade genética, o professor Pena mostra que a humanidade é uma “grande família” com seis bilhões de indivíduos. Talvez essa constatação ainda não seja o bastante para acabar com os movimentos discriminatórios. Para o antropólogo e professor da UNESP, Claudio Bertolli Filho, “pelo senso comum de grupos sociais específicos, os movimentos xenófobos continuarão a existir e se apoiarão na ideia de raça por um bom tempo. Quando esse suporte fantasioso se tornar fraco, encontrarão outras balizas para manter-se”. O ato de diferenciar-se do outro é prática antiga. “O homem, desde sua origem, busca estabelecer diferenças entre o “eu” e o “outro” para definir sua própria identidade. Claro que as diferenças percebidas e anunciadas sempre são representações e, como tais, mantém vínculos precários com a realidade”, esclarece Bertolli. Comportamentos humanos abarcam inúmeras dimensões e é difícil achar respostas definitivas. A grande contribuição da ciência é o fato de ela ser questionável, o que possibilita o debate. E, por este motivo, a quebra de paradigma proposta por Darwin continua ecoando até hoje.
Unesp, muitos eventos gratuitos e abertos ao público estão programados, entre exibição de filmes, mini-cursos e observação do Sol, da Lua e de constelações. A expectativa do professor Rodolfo Langhi, responsável pelo Observatório junto à professora Rosa Scalvi, é de que, principalmente durante as atividades práticas, as pessoas possam trocar experiências e conhecimentos sobre o universo.
Astronomia não é coisa de outro mundo Tecnologias são adaptadas às necessidades cotidianas das pessoas Uma das ciências mais antigas do mundo, a astronomia se ocupa da origem, constituição e movimento dos corpos celestes. Entretanto, apesar das descobertas intrigantes fora da Terra, esta não é simplesmente uma ciência de curiosos, sem nenhuma relação com nossas vidas. O professor Rodolfo Langhi explica que “a astronomia é útil desde os primórdios da humanidade e a gente lembra bem dela ao falar das grandes navegações, porque os homens daquela época se orientavam pelas estrelas para descobrir outros mundos. Atualmente, continuamos descobrindo outros mundos e isso acaba trazendo benefícios para toda a humanidade”. A astronáutica, desdobramento da astronomia, traz ao cotidiano das pessoas as tecnologias desenvolvidas especialmente para o lançamento de satélites e humanos ao espaço. Langhi cita, como exemplo, as tecnologias de redução dos tamanhos, como as tecnologias digitais e a nanotecnologia. “Para lançar algo ao espaço, é preciso muito combustível para dar empuxo e vencer a força da gravidade. Reduzindo o peso dos componentes dos foguetes e satélites, a quantidade de combustível necessária é menor”. O professor menciona ainda os avanços na engenharia de alimentos, por conta da higiene necessária na alimentação de astronautas e os sensores fotográficos das câmeras digitais, inicialmente desenvolvidos para os satélites. “No dia-a-dia é fácil encontrar tecnologias desenvolvidas com a ajuda da astronomia”, completa.
8
Especial
Março de 2009
Contextoo
Na gangorra
o cotidiano e as alteraçõ que a gente fica meio impaciente, mas eu não me irrito fácil, não. É a fila que tira meu humor mesmo, viu!”, confessaram Paulo Sérgio e Wagner Maronez, que vieram de Pederneiras para Bauru receber um pagamento e acabaram enfrentando uma fila e tanto no banco. Para eles, o humor se altera em um simples contexto de organização social. A fila é um limite. Antes dela, não ha-
via problemas. Nela, as relações ficam tensas. Depois dela, o humor já está alterado.
O humor Muito além de uma condição física, o humor é resultado da interação entre os seres humanos. Segundo a psicóloga Margarete Domingues, “embora a medicina e, sobretudo, a psiquiatria biológica queiram encontrar razões orgânicas para o humor, ele é uma criação simbólica; é da ordem da nossa relação com a linguagem, com o outro”.
O humor está intimamente ligado às relações sociais. “Basta observar a nós mesmos e aos que nos rodeiam para perceber que o bom-humor como característica e o senso de humor como criação nem sempre coincidem e podem mesmo divergir”, diz a psicóloga. Como, por exemplo, o riso. Embora ele “seja um efeito esperado do humor, não se trata de termos sinônimos. O riso pode ser uma descarga catártica gerada pelo contágio social e, quando sem motivo, um sinal de estupidez”. Uma pessoa cujo estado de ânimo é bom (a chamada ‘pessoa bem-humorada’), pode não ter, necessariamente, um senso de humor que corresponda ao que os outros consideram engraçado. E quando o assunto é bom-humor, Margarete ainda completa: “o humor ajuda na formação de uma nova sensibilidade. O senso de humor é o principal sinal de um psiquismo sadio, é a forma privilegiada pela qual os adultos mantêm a capacidade de brincar e de não ser esmagados pelos imperativos da vida em sociedade. Como humanos, não podemos tudo, somos impotentes para muitas coisas, e o humor nos ajuda a lidar com os medos, inclusive o da morte”. Segundo Margarete, “uma pessoa que é considerada malhumorada terá, certamente mais chances de desenvolver diversas doenças, inclusive orgânicas, pois humor nos poupa da fadiga de viver”. Mas, na maioria dos casos, as enfermidades físicas é que acabam derrubando nosso humor. Isso acontece, pois “uma pessoa que está com alguma doença orgânica irá provavelmente perder
seu senso de humor, porque uma dor de ordem física, um mal-estar nos remete à nossa condição de finitude. Como o humor está relacionado ao lúdico, é possível privar alguém da capacidade de brincar ao sujeitá-lo a violências. Portanto, alguém que sofreu traumas, também tem o senso de humor comprometido”. As Armadilhas Se, quando o corpo está doente a possibilidade de ficar malhumorado é maior, o negócio é manter o corpo saudável. “Quando você pratica atividade física, o organismo libera alguns hormônios que geram bem-estar, como as endorfinas. E esses hormônios sempre ajudam a manter um nível de stress baixo, ajudam a controlar o humor, deixando-o sempre equilibrado.” – orienta o personal trainer Matheus Bertolacini. Ele também acredita que as relações sociais, quando bem sucedidas e realizadas em um meio agradável, são fatores determinantes para manutenção do bom-humor: “o meio propicia isso. Você está interagindo com outras pessoas, se sentindo bem com seu corpo e mantendo a mente saudável”. Porém, o espaço onde as interações sociais acontecem é um meio comum, em que diferenças e semelhanças disputam lugar e exigem limites. Um som muito alto tarde da noite ou cheiro de cigarro não são coisas que agradam todo mundo. “Eu não sou uma pessoa que vive de mau-humor não, sabe? Mas se alguém chega em casa com o cigarro aceso logo cedo, isso me tira do sério!”, revelou o policial militar Márcio Valério. Ele ainda se justifica: “nós,
stia
ne
Som
me
r/
CO
NT
EX
TO
Como (re)inventar o humor
©C ri
Trânsito parado, chuveiro frio, vizinho barulhento, fila de banco, fofocas, fumantes em lugares fechados, espera pelo ônibus coletivo, contas para pagar, rua esburacada, altos preços no mercado, choro de criança. Pode não parecer, mas todas essas situações têm algo em comum: tiram qualquer um do sério. São armadilhas como estas que derrubam o humor e o otimismo tornando a vida em sociedade menos divertida. “Nós somos tranquilos. Tem dia
Apesar de parecer difícil segurar os impulsos em determinadas situações, algumas dicas são pertinentes quando se fala em manter o rebolado. Determinados alimentos, exercícios ou o simples ato de ligar o som do carro podem evitar um acesso de cara fechada. Segundo o personal trainer, Matheus Bertolacini, por exemplo, quem gosta de esportes para aliviar a tensão, deve “sempre buscar aquele que lhe dê mais prazer”. Fazer atividades com vontade ajuda ainda mais na produção dos hormônios que auxiliam na manutenção do humor. Já os adeptos aos métodos mais “alternativos” para os ocidentais, podem buscar na massagem in-
diana um meio de exteriorizar os problemas e resolver os empecilhos à vida feliz. Outras técnicas de massagem, como o Do-in e o Shiatsu também buscam o equilíbrio entre o corpo e a mente e procuram manter a pessoa relaxada e calma. A Ioga é conhecida há tempos como uma forma de exercitar o corpo e manter a mente em equilíbrio, ajudando a controlar o humor em situações complicadas. Um recente estudo da Universidade de Harvard reafirmou essa propriedade dos exercícios. A meditação, combinada aos alongamentos, muda a forma como o corpo lida com o stress, fazendo com que seja mais fácil manter o sorriso em momentos desagradáveis. Não é de hoje que
sabemos que a ingestão de frutas, verduras e legumes fazem bem ao organismo. Mas a dieta da vovó também pode ser uma forte aliada do bom-humor. Esses alimentos geram uma reserva de nutrientes e vitaminas (como o magnésio, cálcio, ferro e vitaminas C e do complexo B) que ajudam o corpo a lidar com as situações enfurecedoras. Para os nervosinhos ao volante, aqui vão as dicas: é sempre bom lembrar que todo mundo que hoje dirige bem começou devagar e cometendo erros. Para quem não aguenta as filas do engarrafamento, ouvir uma música relaxante, ler ou fazer cruzadinhas enquanto espera o ‘andar da carruagem’ são boas maneira de se controlar.
©Layla Tavares / CONTEXTO
As armadilhas do dia-a-dia modificam o humor e dificultam a re
.............................................................. Denise Aielo Layla Tavares
Contextoo
9
Especial
Março de 2009
a do humor:
ões do estado de ânimo
relação com o outro. Para não cair em todas elas é preciso entender como se dá esse processo
É a fila que tira meu humor mesmo, viu! policiais, temos que estar sempre de mau-humor. Já viu algum policial sorrindo? Temos que estar sempre de cara fechada para intimidar quem causa problemas, mas não é o coração que está ali”. E não somente policiais precisam fechar a cara para intimidar pessoas inconvenientes. Acordar com o som alto do vizinho acaba não só com uma boa noite de sono, mas também com o bomhumor. A relação entre vizinhos é muito próxima, mas nem sempre íntima e não é comum ser vizinho de alguém que tolere algazarras durante a madrugada. O advogado Erzeo Bernardinelli explica que a maioria das leis municipais que tratam dessa regulamentação indica o horário de 22 horas como o limite para se ouvir música um pouco mais alta. E, quanto às conversas em áreas comuns de condomínios, Bernardinelli acrescenta: “a conversa no hall pode acontecer, dependendo do estatuto que regula o condomínio, mas, em regra geral, o horário limite também é 22 horas. É bom respeitar o morador do prédio que pretende descansar”. Quando o assunto é mau-humor no trânsito as facetas mais violentas se mostram. A vendedora Ani Delmont se entregou: “se alguém comete uma imprudência na minha frente, eu já buzino e xingo mesmo. Outro dia perguntei
para uma motoqueira onde ela tinha tirado carta, porque ela não entendia a placa e não sabia se podia virar na minha frente. Achei um absurdo, uma falta de responsabilidade!”. “Além do trânsito, nada tira muito o meu humor”, disse a comerciante Simone Moleiro dos Santos. Mas, ao pensar melhor, ela revelou: “às vezes alguns clientes nem esperam a loja abrir e já chegam em cima de mim. Aí eu tento amenizar, manter a calma, porque não pode deixar as coisas ficarem feias. E fila de banco também altera o meu humor, principalmente quando alguém entra na frente. Eu costumo deixar quieto, acabo não fazendo nada, mas que isso me tira do sério é bem verdade!”. Ao contrário de Ani, Simone e de muitos outros motoristas, Eleandro Miguel Calixto, instrutor de autoescola, garante que não perde o bom humor dirigindo. “Na realidade, eu não acho que o trânsito seja causador de nervosismo ou stress para mim. Deve ser porque eu estou há muito tempo trabalhando nesse meio e já me acostumei. Para eu perder o bom-humor, ficar revoltado, só pagando conta mesmo”. Segundo o instrutor, na hora de preparar novos motoristas, o que vale é ensinar a ser consciente: “o que a gente costuma passar para o aluno é segurança para ele não se apavorar, para ficar tranquilo,
©Denise Aielo / CONTEXTO
porque o trânsito pode ser sim um fator estressante. Mas se o aluno estiver consciente do que está fazendo, não vai prejudicar os outros”. Ele ainda alerta que “passar no exame é uma coisa, saber dirigir é outra. A autoescola ensina só a fazer o percurso para o exame. O aluno não tem noção do trânsito”.
“
O senso de humor é o principal sinal de um psiquismo sadio
Mas não é só a falta de noção ao volante que causa problemas nos relacionamentos em sociedade. Ani Delmont também acha que comentários maldosos são fatores estressantes. Para ela, além de motoristas desgovernados, “intrigas e fofocas” podem acabar facilmente
com o bom-humor. E as fofocas não se restringem apenas a um mal-estar entre conhecidos. Para o Erzeo Bernardinelli “aquilo que para você não passa de um simples comentário, para mim pode ser uma difamação”. Difamações que, dependendo da vontade de quem as sofreu, podem acabar virando processos e trazendo ainda mais mau-humor. Não é simples escapar das armadilhas do dia-a-dia que abalam o humor, mas estar suscetível a isso depende muito da postura que se assume. O mais comum é enxergar somente o lado negativo das situações aparentemente desesperadoras, o que contribui ainda mais para que o problema não se solucione. Com o humor, a possibilidade de atribuir novos sentidos a situações desagradáveis é maior. A psicóloga Margarete Domingues afirma que “para adquirir humor, é preciso desenvolver uma ‘razão lúdica’, ou seja, um misto de lucidez com ludicidade, faculdades necessárias para uma vida satisfatória e expansiva. Ter hu-
©Denise Aielo / CONTEXTO
Se alguém chega em casa com o cigarro aceso logo cedo, isso me tira do sério!
©Denise Aielo / CONTEXTO
Se alguém comete uma imprudência na minha frente, eu já buzino e xingo, às vezes, eu xingo mesmo!
mor é achar graça nas incertezas da vida. É exercitar a descrença em todas as verdades difundidas socialmente, libertando a alma, o pensamento e a imaginação da moral, dos ideais dominantes. No humor reconhecemos não apenas a limitação de nossa importância, mas, sobretudo, aprendemos a conviver com aquilo que não sabemos e não saberemos - o acaso. Por isso, é preciso que o inventemos cotidianamente”.
Não é mais só mau-humor A psicóloga Margarete Domingues explica que as oscilações de humor se tornam mais preocupantes se forem da ordem de uma psicose. “Uma das mais conhecidas é o transtorno bipolar, quando há estados alternados de extrema euforia ou profunda depressão, que damos o nome de melancolia. Como é um transtorno psicótico, é necessário tratá-lo com intervenções da psiquiatria, da psicologia e também com a ajuda de outros campos do saber, como serviço social e terapia ocupacional. Nos serviços de Saúde Mental, em que existem equipes interdisciplinares para cuidar da pessoa que apresenta sofrimento psíquico grave, a chance de a pessoa conseguir uma estabilização é muito maior do que se ela escolher como forma de tratamento apenas um profissional de determinada área do conhecimento. Existem também outras psicoses nas quais há episódios depressivos graves. Então, é realmente necessário que a pessoa procure ajuda para sair desse estado, porque sozinha ela não irá conseguir”.
10
Ecologia
Março de 2009
Contextoo
UCI: Unidades de Conservação Intensiva? Estações ecológicas em pleno ambiente urbano
Quando se pensa em natureza, o que vem a mente é fugir da cidade. Mas nem sempre é preciso ir longe para entrar em contato direto com o meio ambiente. Existem unidades de conservação (UCs) dentro dos perímetros urbanos que buscam preservar a fauna e a flora nativas das regiões. Inicialmente pensadas para manter a beleza natural da região, as UCs são importantes
também para a manutenção da qualidade da atmosfera (ajudando a manter o clima) e o controle do ciclo hidrológico (reduzindo a probabilidade de inundações ou secas drásticas). A cidade de Bauru conta com uma dessas Unidades de Conservação. A Estação Ecológica Sebastião Aleixo da Silva está localizada na Rodovia Bauru/ Ibitinga, km 10 e engloba a Floresta Estacional Semidecidual – trechos da Mata Atlântica presente no interior do estado
Outras áreas de preservação em Bauru Outras áreas de preservação ambiental são mantidas em Bauru, entre elas a Estação Experimental de Bauru ou Horto Florestal (localizada na Avenida Rodrigues Alves, 38-25). Aberta à visitação pública, oferece uma área de lazer e espaço para caminhadas e trilhas. “É importante, porque hoje em dia, quase não há áreas verdes na cidade, então precisamos aproveitar enquanto temos este espaço”, diz Aparecida Silva de Oliveira, frequentadora
da área. O Bosque da Comunidade (Rua Eng. Saint Martin, quadra 27) e o Jardim Botânico de Bauru, uma das maiores reservas da região centrooeste do Estado de São Paulo, são outras opções. É importante ressaltar que, diferentemente da Estação Ecológica, estas áreas são unidades de uso sustentável, pois visam conciliar a conservação da natureza e o uso direto do meio.
de São Paulo, onde duas estações climáticas são marcantes: uma seca e outra chuvosa.
Natureza em contato com a comunidade
Com a finalidade de orientar as ações sugeridas para a manutenção da UC, o governo federal exige a criação de um Plano de Manejo. Esse plano cobre desde uma análise dos fatores de pressão até a relação da reserva com a sociedade que a cerca. Quando a área verde está em perímetro urbano, o que se considera como fator de pressão são os efeitos dos danos causados às características da área, por isso, quanto maior a proximidade, maior é a possibilidade de impacto. O crescimento urbano e populacional são os principais vetores de pressão, assim como o uso indevido da área - como atividades de caça e extrativismo não autorizados - a poluição, incêndios e a fragmentação das áreas de mata nativa. Apesar de a área estar sujeita às pressões externas, a diretora do Plano de Manejo da Estação Ecológica de Bauru, Maria Tereza Toniato, ressalta que a exis-
tência das UCs em Bauru facilitam as atividades de educação ambiental e contribuem para difundir a necessidade de proteção ao meio ambiente. “Aqui na Estação Ecológica de Bauru existem árvores de madeiras nobres e um patrimônio biológico que constitui um tesouro bastante valioso”, diz. A estação caracteriza-se por ser uma área de preservação integral A estação está aberta apenas para visitas monitoradas e não tem objetivo e com fins educacionais de apresentar uma opção de lazer. Além de manter a do realizado pelo Instituto Floatual conjuntura do ecossistema, restal de São Paulo, que constaé uma área de pesquisas científi- tou a percepção de que o clima cas e está aberta apenas para visi- na região está mudando. Dados tas monitoradas e com fins edu- coletados pela pesquisadora Elaicacionais. As pesquisas científicas ne Aparecida Rodrigues, através são concentradas nos estudos da de entrevistas realizadas com vegetação nativa, com projetos moradores, comprovaram que pontuais sobre insetos e genética 93% dos entrevistados notaram mudanças no clima como o auda população de paineiras. Além disso, existem pesquisas mento da temperatura e dimisobre o clima, exemplo do estu- nuição de chuvas.
© Karin Kimura / CONTEXTO
............................................................. Karin Kimura
Aprendizado solidário Mesmo com dificuldades e falta de espaço, alunos de Design criam projeto sustentável ............................................................. Soloni Rampin
“
© Cristiane Sommer / CONTEXTO
As palavras Sustentabilidade e Ecodesign despertam as ideias de reciclagem em você? Preservação da natureza? Roupas de papel? Artesanato de garrafa pet? Contenção de energia? Não é só nisso que alunos do curso de design da Unesp-Bauru pensam! Orientados pelo professor doutor Cláudio Roberto Goya, criador do projeto, os estudantes se dedicam ao Labsol – Laboratório de Design Solidário.
Os alunos participantes ensinam os artesãos a fabricarem os artefatos
O projeto começou em 2007 quando Goya, ao visitar a Feira Amor, em Bauru, se deparou com tapetes a preços muito baixos, feitos de retalhos de tecido amarrados. Junto com Rodrigo Rocha, aluno estagiário na época, o professor desenvolveu um pro-
Objetos desenvolvidos pelo Labsol em exposição na cidade de Bauru
jeto para que design fosse incorporado a esses trabalhos, aumentando a lucratividade dos artesãos. O trabalho realizado pelo Labsol passa pelas seguintes etapas: reconhecimento das pessoas interessadas na parceria, estudo dos produtos fabricados e produção
de novas peças com o material primário da comunidade. Ao final, os 12 alunos participantes do projeto apresentam os resultados e ensinam os artesãos a fabricarem os artefatos. Por trás dessa ajuda à comunidade está um projeto de extensão financiado pela Pró-Reitoria de Extensão - Proex, em que os alunos põem em prática o que é aprendido na teoria. Algumas vezes, os alunos pesquisam materiais mesmo sem uma parceria pré-estabelecida e, quando surge uma associação que se encaixa ao perfil da pesquisa, os produtos são oferecidos. É o caso dos estudos com madeira reciclada e com móveis de isopor. Apesar da colaboração e obtenção de bons resultados com mais de 15 parcerias e do fato de estar na fase final do concurso Top 100 SEBRAE, o grande problema do Labsol é a falta de espaço dentro faculdade. Por não terem um local adequado para trabalhar, o professor Goya conseguiu que a sala de reuniões do departamento de Desenho Industrial da Universidade fosse cedida, mas toda vez que os alunos terminam as suas atividades diárias, eles precisam guardar todo o material usado em outro lugar. “Minha sala parece garagem de avô. Todo o material
Outros projetos que desenvolvem a Sustentabilidade e o Ecodesign Projeto bambu (UnespBauru) – utiliza o bambu na indústria como alternativa às madeiras nativas, evitando o desmatamento e colaborando com a captura de gás carbônico. Caixa de leite (Unoeste Presidente Prudente) – caixas de leite são usadas como vedação em telhados. Diminui o uso de ar condicionado. Compostagem (Unesp-Botucatu) – restos de alimentos do restaurante do Centro de Convivência são transformados em adubo para horta. que usamos aqui durante o dia é guardado lá”, diz o professor. Esse entrave limita a atuação do grupo, que não pode aumentar o número de alunos participantes, nem expandir as parcerias com a sociedade. Entretanto, o diretor da Faculdade de Arquitetura Artes e Comunicação (FAAC), Roberto Deganutti prometeu um espaço só para as atividades do Labsol ainda em 2009.
Contextoo
Comportamento
Março de 2009
O fantástico mundo das drogas sintéticas
11
Mudanças durante a adolescência e possibilidade de ganhar dinheiro facilmente, transformam jovens de elite em usuários e traficantes de alucinógenos .............................................................. Megui Donadoni
© Divulgação/U.S. D.E.A.
Uma pesquisa realizada pelo Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas, da Universidade de São Paulo (GreaUSP), revelou que a falsa ideia de popularidade, coragem para
enfrentar os medos e, principalmente, a curiosidade (que leva 9 em cada 10 jovens ao consumo) são fatores relevantes para
Ecstasy e LSD em formatos comuns de tráfico e consumo
um trabalho de prevenção contra essas drogas desde cedo, e essa é uma tarefa para a família. “Os pais estão na melhor posição para observar o comportamento dos filhos, e devem levá-los para tratamento se detectarem uso de drogas”, disse a psiquiatra.
Os efeitos das drogas no corpo humano LSD: abreviatura de dietilamina do ácido lisérgico. Sintetizada clandestinamente a partir da cravagem de um fungo do centeio, pode ser consumida em barras, cápsulas, tiras de gelatina, líquida, micropontos ou folhas de papel secante (como selos ou autocolantes). Uma dose média é de 50 a 75 mg e pode ser consumida por via oral, absorção sub-lingual, injetada ou inalada. Age sobre
os sistemas neurotransmissores serotononérgicos e dopaminérgicos, responsáveis sobre o controle real do corpo.
Ecstasy: substância psicoativa designada como 3,4 metilenodioximetanfetamina. Foi sintetizada pela empresa Merck em 1914 e é conhecida como droga de recreio ou de desenho. Consumida injetada, inalada, ou por via oral, apresenta-se em forma de pas-
tilhas, comprimidos, barras, cápsulas ou pó. Age aumentando a produção e a diminuição da reabsorção da serotonina, dopamina e noradrenalina. Os efeitos físicos são taquicardia, aumento da pressão sanguínea, secura da boca, diminuição do apetite, dilatação das pupilas, dificuldade em caminhar, reflexos exaltados, vontade de urinar, tremores, transpiração, câimbras e dores musculares.
Enfim sós... de novo Lá se vão os filhos. E é doloroso. .............................................................. Laís Barros
Hamilton Giaretta é um pai que conhece as sensações de ver os filhos saindo de casa. “Do lado de cá, ficam os pais, tristes pela ausência, mas felizes por terem proporcionado uma chance a mais nessa louca corrida pela sobrevivência. Ficaram duas pessoas, novamente sozinhas, e que agora precisam se autoajudar para suportar essa ausência”. Embora ele reconheça o fato dos filhos saírem de casa como uma “oportunidade de mudança”, acha que “sempre acontece antes que a gente possa querer”. Se os pais não estão preparados para superar as dificuldades da separação, experimentam os sintomas da Síndrome do ‘Ninho Vazio’, “uma das chamadas crises da vida adulta”, explica o psicólogo Sandro Caramaschi. “Os pais que se dão conta inesperadamente da separação dos filhos, sem alternativas de vida, foram os que inspiraram tal expressão, com consequências emocionais mais drásticas, embora os sintomas não apareçam de imediato”. Pais que tiveram um bom relacionamento com seus filhos permitiram que eles passassem por experiências de independência e autonomia, certamente terão condições de enfrentar as mudanças de forma mais tranquila. A saída dos filhos é um “processo gradativo, não de perda, mas, simplesmente uma mudança de fase”, explica Caramaschi. Pais e mães precisam se preparar para entender essa realidade. Projetos para preencher o tempo deixado pela saída dos filhos são maneiras de amenizar a ausência. “Passatempos, vida social e boa convivência conjugal ajudam a preparar para essa etapa da vida dos filhos e encará-la com otimismo”, aconselha o psicólogo. Manter o contato frequente com os
filhos, e estar atualizado sobre suas vidas é uma forma de diminuir a impressão de afastamento. Mercedes Stela, mãe, diz: “continuei minha vidinha, talvez rezando mais, tentando fazer mais atividade física. Quando a saudade aperta, quando se olha todos os quartos da casa vazios... é na recompensa desse esforço que temos que apostar. Aliás, tudo que é bom tem seu preço e toda conquista exige um sacrifício”. © Guikherme Silveira
o início do consumo de drogas ilícitas. Neste cenário, um quadro preocupante ganha destaque: o uso de alucinógenos. De acordo com Cristina Matos, psicóloga, “eles aceleram o coração, aumentam a temperatura do corpo e desorganizam o pensamento”. O efeito de uma dose pode durar até 12 horas. O tráfico de drogas sintéticas é um dos que mais cresce atualmente, segundo a Polícia Federal (PF). Vendidas e consumidas em discotecas e raves, tais drogas proporcionam um estilo de vida perigoso que seduz jovens da classe média, aumentando o consumo e transformando muitos consumidores em traficantes. Cristina
reforça que é a elite quem degusta tais alucinógenos: “uma pílula de ecstasy custa de 30 a 50 reais. A cartela de LSD chega a 280 reais. É droga para quem tem dinheiro”. Sérgio Kodato, professor de psicologia social da USP, concorda com a psicóloga sobre o perfil dos usuários e explica os efeitos colaterais do uso: “elas deixam a boca e narinas secas. Por isso, o usuário tem enorme vontade de beber água e chupar pirulitos”. A facilidade de compra, venda e consumo de alucinógenos vem substituindo um mercado até então preenchido por cocaína, maconha e crack. O ecstasy é ingerido como uma bala, não necessita apetrechos ou rituais de preparação. A PF declarou que encontrar usuários é mais difícil, pois o uso é rápido e sem rastros, como os olhos vermelhos deixados pela maconha. A psiquiatra Maria Thereza Aquino acredita que é preciso
Voo solo “Da mesma forma como os pais se sentem desamparados pela saída dos filhos, os jovens se sentem desprotegidos pela ausência dos pais”, aponta o psicólogo Sandro Caramaschi e completa: “esses sintomas são tanto mais fortes quanto menos preparados tiverem sido os filhos para sair de casa”.
Milena Stela, a caçula que passou 18 anos no ninho dos seus pais e nasceu “meio fora de hora” (10 anos de diferença entre ela e a irmã mais velha), sabe que sua decisão, de fazer faculdade em outra cidade, foi um tanto mais complicada do que a situação de suas duas irmãs, que estudaram perto dos pais e saíram de casa para trabalhar e casar. “Dizer que o processo foi fácil seria mentira. Fiquei, sim, com muita pena de deixar meus pais sozinhos, pois como estávamos só nós três lá em casa, éramos muito apegados. Podia perceber que, ao mesmo tempo que havia euforia, havia um clima de despedida”. Bruna Giaretta, filha fora de casa há 3 anos, compartilha a experiência de Milena. No seu caso, porém, sair de casa significou ir para “o mais longe que podia imaginar naquele momento”. Ela conta que quando se viu morando longe de casa, ao mesmo tempo em que ficou extremamente feliz por ter conquistado seu grande sonho, sentia já “uma saudade profunda de casa, um medo de não conseguir ser sozinha, andar com meus próprios pés e então decepcionar a todos que me ajudaram, além de desapontar a mim mesma”. Milena aponta que “o tempo passava com os estudos, conhecendo novas pessoas, tendo novas experiências e eu sempre ia visitar meus pais em casa. E como a volta é boa!”. Para Bruna, “nos primeiros dois meses tudo era festa, tudo era muito novo. Depois, quando foram chegando problemas mais difíceis e que só dependiam da minha decisão, senti-me independente, dona de mim”. “Parece que damos mais valor: mamãe fazendo a comida que a gente gosta, o carinho, a roupa limpinha... agora entendo porque os pais mandam a gente não andar de meia pela casa. Mas está sendo uma experiência fantástica morar sozinha”, conclui Milena.
12
Cultura
Março de 2009
Contextoo
Uma cultura sem orientações O que acontece quando o governo decide cortar gastos
Há cerca de dois anos, o estado de São Paulo perdeu grande força frente aos projetos culturais do interior. Na ocasião, o governador José Serra assinou um decreto que extinguia as treze Delegacias Regionais de Cultura do estado, sem dar um aviso prévio aos responsáveis pelas instituições que funcionavam como um elo entre as representações culturais do interior e as da capital. Atualmente, essa intermediação é feita pelas Oficinas Culturais locais das regiões administrativas, organizações não-governamentais de posse estatal. Entretanto, elas funcionam de forma diferente das antigas delegacias, como explica Suad Haddad Barrach, última delegada de cultura de Bauru. “As delegacias tinham como função implementar as políticas culturais do Estado no interior. Já o
“
objetivo das oficinas é proporcionar cursos de dois ou três meses. São coisas totalmente diferentes”. Mesmo antes da extinção das Delegacias, a política cultural já estava em crise. “O governo já não enviava verba suficiente para que a Delegacia pudesse funcionar corretamente”, diz o produtor teatral Bruno Van Dick. Na penúltima administração da Delegacia de Bauru, foi criado, junto ao governo, o Programa de Apoio à Cultura (PAC), que teria como meta inicial investir 25 milhões de reais por ano em projetos culturais, a partir do ICMS. Entretanto, a verba diminuiu gradualmente e, hoje, não passa dos 6 milhões. “O PAC é um projeto muito interessante, mas não está colocando dinheiro na cultura. Com pouca verba, não dá para viabilizar muitos projetos no interior”, aponta Suad.
As delegacias tinham como função implementar as políticas culturais do Estado no interior
© Karen Ferraz / Arquivo CONTEXTO
............................................................... Renan Oliveira
Banda Cachorro Grande durante apresentação na Virada Cultural 2008
Nesse contexto, é visível que a cultura no interior precisa de uma nova força para alavancar projetos e recolocar em prática a política de planejamento das Delegacias de Cultura. Uma força que possa redirecioná-la e interceder por mais verbas.
A
situação cultural após o fim
Delegacias Apesar de faltar uma política direcionada, a cultura ainda se mantém presente na região de Bauru. Seja por eventos privados ou ações públicas esporádicas. das
Instituições particulares como o SESC promovem cursos ligados a cultura e a arte e investem em espetáculos, como peças de teatro e apresentações de dança e música. A estudante Flávia Almeida se mostra muito satisfeita com tais iniciativas. “Sempre que posso, eu vejo alguma peça, algum show no SESC. Sempre há alguma coisa interessante para prestigiar”. Outra adição artística é a Virada Cultural, um evento que se expandiu da capital paulista para o interior. Em 2008, o encontro reuniu aproximadamente
35 mil pessoas, com apresentações de grande destaque, como as bandas Cachorro Grande e Nação Zumbi. “O que eu mais gosto na Virada é a diversidade de expressões artísticas”, diz a bibliotecária Aparecida de Freitas. Entretanto, a ex-delegada Suad Haddad Barrach afirma que a cidade precisa de uma verdadeira representação cultural. “Política cultural é algo que conquista o público. E a Virada não a representa, pois é um evento em que a pessoa apenas participa, sem uma política que leva esse povo a refletir”.
A corda bamba da arte-educação Como é o trabalho dos arte-educadores que se dividem nas funções de artista e professor
arte-educador Adriano José da Silva desenvolve um projeto de ressocialização com os jovens da Fundação CASA através do malabarismo. Formado em Educação Artística com habilitação em Artes Cênicas, o “Boca”, como é conhecido, ressalta a capacidade artística
teatro reinventa a vida, mexe com a imaginação!”.
N em
só de lou -
Me
din
a
ros !
ila
“
O grande papel da arteeducação é desenvolver a criatividade e, ao mesmo tempo, a conscientização
desses adolescentes: “É preciso parar de mesquinharia. A arte direciona as pessoas. Eles tem um potencial imenso, mas são barrados pelo preconceito. Por exemplo, eu levei 30 dias para andar de monociclo. Os meus meninos conseguem em dois dias.” Sobre os benefícios da arte, Adriano revela um comentário de um funcionário da Fundação CASA que exprime bem a capacidade de mudança com uma simples atitude: “Quando os meninos estavam presos no quarto, os funcionários sabiam que eles confabulavam situações de crime. Agora, com a arte, os funcionários escutam os meninos criando personagens com as meias, fazendo malabarismo. O
risc
“A arte deve ligar-se estreitamente com a vida (como função intensiva desta). Fundir-se com ela ou perecer.” (trecho da palestra “Abaixo a arte! Viva a vida!”, declamado pelo poeta Maiakóvski em 16 de janeiro de 1924). Já no início do século XX, o poeta russo, Vladimir Maiakóvski, evocava a criação artística como um ato capaz de “organizar e melhorar a nossa atuação na vida”. Em um país, no qual arte é privilégio – e não acesso, a arte-educação espalha-se como uma importante alternativa para a construção artística dos “não-privilegiados”. Nesse contexto, o trabalho do arteeducador encara uma dupla função: é preciso equilibrarse no papel de professor sem deixar de ser artista com os malabares. Através do programa Escola da Família, a artista Silvia Carinhato atuou, por cinco anos, como arte-educadora em áreas carentes da cidade de Jaú. “Trabalhei com arte-educação em aulas de teatro, artes plásticas e contação de histórias. Geralmente, se desenvolve em torno de três projetos por ano. Era todo sábado e domingo,
das nove da manhã às cinco da tarde. Trabalhei com crianças e adolescentes e aprendi muito com tudo isso! O grande papel da arte-educação é desenvolver a criatividade e, ao mesmo tempo, a conscientização.” Outro exemplo é a Fundação CASA de Bauru, ex-FEBEM, que oferece inúmeras oficinas extracurriculares, tais como capoeira, panificação, teatro e circo. Desde março de 2006, o
©P
............................................................... Michelle Braz Santos
Adriano Silva também aponta problemas enfrentados pelos arteeducadores no contexto atual da nossa cultura: “Há muita exploração nessa área. Eu trabalho com turmas de 15, 20 alunos, mas tem arteeducador que trabalha com muita gente, durante horas seguidas, sem rodízio de atividades. Sem falar que o trabalho é mau remunerado”. Além disso, ocorrem equívocos sobre
quem pode ministrar arteeduçação: “As pessoas confundem arte-educação com recreação. Porque o arte-educador é um professor que estimula e motiva a criação. Tem gente que dá aula de ‘arte-educação’ sem nenhum preparo, não tem ensino superior.” Outra questão é que, em muitas cidades, o trabalho dos arte-educadadores é o único acesso artístico da população local. Exemplo disso são as Oficinas Culturais do Estado de São Paulo – uma associação de artistas que proporcionam “oportunidades de experimentação e de contato com as mais diversas formas de expressão em cultura.” Quem explica melhor essa situação é o coordenador da Oficina Cultural de Bauru, Paulo Rogério Pereira: “Têm muitas cidades que não possuem nenhum trabalho de identidade cultural com a população. De acostumar o público com cultura. As oficinas culturais deveriam ser uma complementação do que as cidades oferecem. Mas, infelizmente, acabam sendo uma iniciação, o primeiro e, talvez, único contato.”
Contextoo
Esportes
Março de 2009
Até quando? Volta de Ronaldo aos campos reacende a questão: até quando um jogador pode continuar nos campos? .............................................................. Jota Mendonça
“
Ao longo dos anos, criaramse mecanismos cada vez mais eficientes de maximização do desempenho esportivo
............................................................... Ana Cláudia Lima
Quer saltar de paraquedas, escalar uma montanha, fazer uma trilha no meio do mato ou descer o rio dentro de uma boia? O número de pessoas que provavelmente responderam sim vem aumentando consideravelmente nas últimas duas décadas. É a expansão dos esportes radicais e de aventura. Além do aumento do número de praticantes, é notável também um aumento no número de modalidades existentes, permitindo assim que todos encontrem algum esporte com a sua cara. Segundo Paulo Assis, o esporte é o paraquedismo. Tanto que Paulo fez dele profissão. Na época da faculdade de engenharia civil, Paulo se considerava uma pessoa “tranquila”, que provavelmente nunca optaria por um esporte tão ousado. Mas a vontade de experimentar algo novo veio, e já faz dezenove anos desde seu primeiro salto. Desde então já foram quase oito mil. O paraquedismo entrou na sua vida de tal forma que ele foi um dos fundadores da Skyradical, empresa especializada em saltos. O paraquedista explica que o medo faz parte do salto, mas que o principal é deixar o aspirante a paraquedista o mais à vontade possível para que tudo dê certo. “A gente não tem a pretensão de que a pessoa não sinta medo”, ele explica. Para Segundo Paulo, o paraquedismo aumenta a autoconfiança e cria estímulos
Centro de Tradicoes Nordestinas: a reconstruçao da cultura nordestina na capital paulista
para que seus praticantes atinjam suas metas, dentro e fora da área de saltos. Para alguns estudiosos, esse tipo de esporte seria uma válvula de escape do mundo moderno altamente civilizado em que vivemos. O esporte seria o único meio pelo qual o homem pode extravasar seus instintos agressivos e suas frustrações diárias. O esportista acaba saindo de seu mundo de rotina e stress para passar algumas horas
“
Além do aumento do número de praticantes, é notável um número de modalidades
Com que esporte eu vou...? A lista de esportes radicais é imensa. Além de relaxantes, valem como uma boa atividade física. Confira aqui algumas opções. Cannoying: O esporte consiste na descida de cachoeiras e cursos d’água em relevos montanhosos com uma canoa. O local a ser praticado o diferencia da canoagem. Exige atividade tanto dos músculos superiores (bíceps e tríceps) quanto dos inferiores (glúteo, perna e panturrilha). Raftying: Descida de rio dentro de um bote. É preciso ter braços fortes para conseguir remar durante o trajeto. Trabalha os músculos inferiores, superiores, a musculatura dorsal e a lombar. Trekking: Caminhada em trilhas que passam por pedras, rios, subidas e descidas
dentro da mata. É necessário ter um bom preparo físico, roupas confortáveis e um bom tênis para caminhada. Trabalha os músculos inferiores: glúteos, pernas e panturrilhas.
vivendo uma sensação nova e muitas vezes inusitada. A busca de novas experiências tem também reflexos na economia: a venda de equipamentos para esportes de aventura é um mercado muito rentável. Outro setor que se beneficia é o de turismo de aventura, tanto que em agosto de 2004 foi criada a ABETA – Associação Brasileira de Ecoturismo e Turismo de Aventura, que atualmente conta com 193 agências associadas. Esportes radicais devem sempre ser praticados com equipamentos de segurança e um profissional especializado, pois sempre envolve algum tipo de risco. É preciso também fazer uma avaliação das condições físicas do praticante, para que não aconteça nenhum susto no meio da prática esportiva. O resto é respirar fundo e se divertir. © Marcos Singulano
Há algum tempo Ao contrário do que se pensa, os problemas físicos não são novidade dentro do universo esportivo. Por mais que antigamente o esporte fosse menos voltado para o preparo físico, não faltam casos de atletas com contusões ao longo da história do futebol. Nos anos 60, Mané Garrincha vivia às voltas com lesões cada vez mais sérias. “Não Além dos lipodemos e s q u e c e r, mites no entanto, dos fatoDe acordo res extracampo, que com o fisioinfluenciaram e terapeuta muito na reAlexancuperação dre Barde Garrinros Macha. Ele rinho, não se 25 anos, cui“é difícil © Marcos Singulano dava”, estabelecer um limite para a prática esportiva”. Wiliam conclui Wiliam Douglas. Entretanto, mesmo no caso daDouglas, 23 anos, jornalista e estudioso da história do futebol, queles que se cuidavam, as conconcorda. “Isso varia muito de tusões foram motivos de incerteza jogador para jogador: depende do na carreira de vários gênios do fuquanto ele se cuida e, principal- tebol brasileiro. Zico, por exemmente, do nível no qual ele quer plo, teve que retirar totalmente uma das rótulas para não parar de competir”. Isso fica claro quando se ob- jogar futebol. Juninho Paulista, serva a prática esportiva de alto jogador do Lyon (FRA) perdeu rendimento. Ao longo dos anos uma Copa do Mundo por conta criaram-se mecanismos cada vez de uma contusão e, segundo Wimais eficientes de maximização liam, “nunca mais foi o mesmo jogador”. do desempenho esportivo. Dúvidas a parte, o fato é que Contudo, para se chegar ao auge físico o atleta precisa se subme- Ronaldo, assim como Zico e Garter a um treinamento exaustivo e rincha, pode não estar no auge desgastante. Isso muitas vezes vai da forma física por causa das de encontro à saúde do corpo. “O contusões, mas, mesmo assim, o esporte de alto rendimento não gênio e o talento se sobressaem, pode ser considerado saudável. A colocando-o na lista dos maiores meta dele é quebrar os limites do jogadores de todos os tempos. E contusão nenhuma pode acabar ser humano”, afirma Wiliam. Porém, conforme aumentam com isso.
Cada vez mais pessoas optam por praticar esportes radicais © Arquivo Skyradical
No último dia 03 de março, a cidade de Itumbiara, interior de Goiás, se transformou no palco mais importante do futebol brasileiro. Milhões de olhares se fixaram no tapete verde do estádio Juscelino Kubistchek. E, ao contrário do que se possa pensar, não foi por causa de uma partida da seleção brasileira. Depois de 384 dias longe dos gramados, Ronaldo Nazário dos Santos voltaria a jogar uma partida oficial alguns quilos acima do peso ideal e portando uma recém-curada lesão nos dois joelhos. Com apenas 32 anos de idade, o Fenômeno já passou por pelo menos três contusões graves ao longo da carreira. Em seu reencontro com a bola, o clima de apreensão era enorme. Mesmo assim, ele não sentiu o problema no joelho. Entretanto, sobram perguntas: Até que ponto o corpo humano aguenta ser forçado? Até quando é tempo de jogar? E, no caso específico do Ronaldo, até que ponto a habilidade não está comprometida pelas contusões?
as cobranças com relação ao preparo físico (e, consequentemente, os sacrifícios para atingi-lo), os tratamentos fisioterápicos e o conhecimento do corpo humano também aumentam. De acordo com estatísticas, no caso dos jogadores de futebol, “a média de idade aceita pelos fisioterapeutas, para o limite que o corpo humano aguenta em alto rendimento, é de 35 anos”, pontua Marinho, “principalmente quando observamos a idade em que se começam os treinos: quanto mais cedo se inicia o preparo físico de alto rendimento, mais cedo o corpo apresenta desgastes”.
Em busca de novas experiências
13
14
Perfil
Março de 2009
Contextoo
Memórias de um sargento A militância do ex-militar que virou um expoente da resistência armada no Brasil
© Fernanda Silva / CONTEXTO
“
.............................................................. Marcos Paulo Mendes Marcos Andrade
© Marcus Silva / CONTEXTO
quele momento é Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, que se posiciona a favor da posse de João Goulart. “Dentro da escola, do curso de sargento que eu estava fazendo, a grande maioria era de gaúchos e que se posicionaram a favor da posse do Jango. Eu, como diretor do centro cultural da escola, fechei posição junto aos gaúchos. Isso fez com que eu me tornasse conhecido dentro da escola e esse conhecimento acabou saindo dos muros da instituição”. O fato de passar a ser conhecido gerou problemas para Darcy. Após o golpe de 1º de Abril de 1964, ele foi mantido preso por 60 dias. Foi levado à Fortaleza de Itaipu, na Praia Grande-SP, onde
ter toda aquela formação, achava que participando das Forças Armadas, estaria contribuindo para meu país”. Com a renúncia de Jânio Quadros, o Brasil passou a viver um período de conturbação política e o exército começava a se articular para o golpe. Um dos principais nomes da política nacional na-
passou de 8 a 10 dias. Em seguida, foi para o navio presídio Raul Soares, local em que permaneceu até ser libertado e onde chegou a confrontar o capitão em uma sindicância: “Aqui estão presos os alaranjados, os rosados e os vermelhos. Eu quero saber qual a sua cor. A minha cor é verde e amarelo. Eu sou nacionalista. Não! Nacionalista sou eu! Não, existem duas categorias de nacionalistas: o nacionalismo que prega o desenvolvimento da economia nas mãos de uma classe dominante e o nacionalismo que prega o desenvolvimento da produção voltada à geração de renda e ao bem estar da população. Nós realmente não estamos na mesma posição. Nós dois somos nacionalistas, mas o
© Fernanda Silva
“Aqui não há Deus nem direitos humanos”. A pichação em letras negras sobre um fundo vermelho na parede de uma sala da Operação Bandeirante – OBAN* já indicava o que estava por vir. Darcy Rodrigues seria mais um brasileiro a sentir no próprio corpo a desumanidade do regime militar ditatorial que vigorou no país por mais de 20 anos. Darcy, de acordo com suas próprias palavras, “concentravase em fazer o máximo de esforço para não dar informações que poderiam comprometer o pessoal que ‘está de fora’. Depois pensava apenas em sobreviver, manter a calma e aguentar a tortura, esperando que eles se cansassem de torturar. A tortura era lugar-comum, era institucionalizada”. Frases como a da parede da OBAN acompanham até hoje pessoas como Darcy Rodrigues, sargento do Exército e um dos mais próximos de Carlos Lamarca, que sofreram nas mãos de militares dores inimagináveis, talvez impossíveis de serem descritas e gravadas em um pedaço de papel. Mas o ex-militante não se arrepende de nada. Ele acredita ter sido, ao lado de nomes conhecidos nacionalmente, uma das
pessoas que conseguiram assumir a posição necessária naquele momento, naquela conjuntura, mesmo que o preço a pagar tenha sido o que relatamos ao longo deste perfil histórico. Nascido em Avaí, interior de São Paulo em novembro de 1941, Darcy Rodrigues estudou em uma escola municipal que havia sido sede do sindicato dos gráficos de Três Lagoas-MS, a qual todo mundo se referia como Sindicato. A curiosidade sobre o nome da escola e o contato com uma greve de ferroviários marcaram a formação política de Darcy. Em junho de 1960, ele ingressou no exército e, em janeiro de 1961, na Escola de Sargentos das Armas de Três Corações-MG. “Eu, por
Aqui não há Deus nem Direitos Humanos (pichação em uma das parede da sala da OBAN)
senhor é um nacionalista diferente de mim. De esquerda, né? A única esquerda que conheço é o de esquerda a volver” . Após a prisão, Darcy reencontrou Carlos Lamarca. Os dois se conheceram ainda na Escola de Sargentos das Armas e já haviam discutido os rumos da política nacional. Lamarca fazia parte da Aliança Libertadora Nacional, um dos principais grupos de resistência à ditadura. A pedido de Darcy, ele rompeu com a ALN e procurou o grupo de militância do companheiro, que era constituído de remanescentes, de sargentos, de marinheiros, um grupo de operários e um grupo de intelectuais. Um grande grupo que não tinha nome. Lamarca, então, resolve o problema: “Vamos chamar esse grupo de Ó (de Organização) pontinho”. Foi o início da atividade conjunta de Darcy e Lamarca, que resultaria na Vanguarda Popular Revolucionária. Os dois desertaram do exército em 1968 e a VPR começou a militância em todo o país, se tornando um dos mais importantes grupos de resistência à ditadura no Brasil. Em 1970, Darcy Rodrigues foi novamente preso após uma emboscada feita pelos militares no Vale do Ribeira, campo de treinamento da VPR. Darcy e membros do seu grupo foram mantidos reclusos no próprio Vale durante dez dias. Lá, segundo ele, os militares começaram a mostrar a real face da repressão. © Fernanda Silva
“
“Nós ficamos estaqueados, ou seja, amarrados com estacas dentro do Vale. Colocaram-nos deitados, de costas, com as pernas e braços abertos amarrados em estacas cravadas no chão. Durante uma hora, você não sente. Duas horas, você começa a sentir. Daí dez, doze horas, o seu organismo já está totalmente adormecido”. Após 10 dias ali, eles foram enviados para a OBAN, em São
* Centro de informações, investigações e torturas montado pelo Exército brasileiro em 1969, que visava combater as organizações de esquerda contrárias ao regime. © Fernanda Silva
Durante uma hora, você não sente. Duas horas, você começa a sentir. Daí dez, doze horas, o seu organismo já está totalmente adormecido
Paulo, onde Darcy deparou-se com a frase que o marca até hoje. Depois de 15 dias, foram para o Rio de Janeiro. Lá, presos na base aérea do Galeão, receberam a notícia de que seus companheiros haviam sequestrado o embaixador alemão e seu nome aparecia na lista como exigência para a soltura de Holleben. “Mas, mesmo quando o meu nome apareceu na lista para ser trocado, eu continuei a ser torturado. Os militares tentaram colocar homônimos meus para serem liberados no meu lugar. Inclusive, José Lavechia e eu fomos os últimos a ser incorporados ao grupo que foi trocado. O meu alento foi que, no dia do jogo Brasil 4 x 2 Peru, pela Copa de 1970, dia do sequestro, eu estava em um cubículo de 4m² que tinha uma porta totalmente fechada, mas ainda assim eu ouvi: “Valha meu São Léo. Léo era meu nome de guerra e a voz era de um companheiro, o José Araújo Nóbrega. Ouvindo-o, eu disse: calma, é questão de tempo, vão nos tirar daqui. Que felicidade poder dizer isso. Eu sabia que o embaixador estava sendo sequestrado”. Banido do país após a perda da cidadania brasileira, exilou-se na Argélia, naquilo que Darcy afirma ser o “retrocesso mais vil que se pode atingir”. Reencontrou-se com a mulher, a filha e o filho, que ele não conhecia, em Cuba. “Quando a gente já estava sabendo que ia entrar para a clandestinidade, a mulher e os filhos do Lamarca e a minha mulher e minha filha saíram do Brasil”. Após a anistia, Darcy e sua família voltaram para o Brasil, escolhendo a cidade de Bauru para viver. Com a ajuda de amigos que trabalhavam em um jornal da cidade, ele começa a escrever semanalmente reportagens sobre a militância armada. Também entra para a vida pública, trabalhando na 1ª administração do prefeito Tuga Angerami. Tempos depois de sua volta, em uma palestra, Darcy Rodrigues se depara com um homem, que tinha sofrido um derrame, numa cadeira de rodas e se oferece para ajudá-lo. Aquele homem havia sido um capitão que participava do esquema de torturas na ditadura. De repente, ele vira-se para Darcy e diz: “Sobre nossa cabeça paira uma maldição. Nós estamos morrendo de câncer, de desastre e de outras enfermidades”.
Contextoo
15
Março de 2009
Propagar para conscientizar Mais do que uma agência de propaganda, a PropagAção procura unir comunidade e universidade
Vitrine
É só amanhã! Ainda bem que tem... Quer pagar quanto? Quem disse que não dá?!
Transformações Constantes ou Constantes transformações? A produção do Jornal Contexto passa muito rápido. Estamos na nossa terceira edição e muita coisa mudou. Mesmo assim, nem tudo está como eu planejei no ano passado. Retomando meu editorial de agosto de 2008: “Minha proposta (...) é dar ao Contexto um visual mais limpo”. Sendo assim, acho que estamos no caminho certo e melhorando a cada edição. O que me tranquiliza é que a parte gráfica deste Contexto é a mais bem trabalhada de todas as edições publicadas até agora. O cuidado com as fotos e ilustrações (todas tiradas ou produzidas exclusivamente para o jornal) valoriza as escolhas editoriais que temos seguido (e melhorado) nos últimos oito meses. Além disso, também temos uma novidade neste mês: as últimas cinco e a atual edição do jornal estão disponíveis online e acessíveis para todos no seguinte endereço: http:// issuu.com/jornal-contexto/ docs/mar09. Para quem ainda não viu, essa é a oportunidade de conhecer todo o processo de reformulação do Jornal Contexto. Então, só posso desejar a todos uma boa e cada vez mais agradável leitura do nosso jornal. E não deixem de conferir as edições anteriores na internet.
O que essas quatro frases têm em comum além de deixarem qualquer um com vontade de completá-las? Simples: são todas fruto de campanhas publicitárias. E a pergunta agora é: qual o contexto das campanhas publicitárias no Contexto, um jornal laboratório? Simples também: o fato de uma Agência de propaganda experimental funcionar há aproximadamente um ano
na Unesp-Bauru e, ainda assim, muita gente não a conhecer. Com o intuito de propagar ações sociais e unir universidade e sociedade, a Professora Doutora Lucilene dos Santos Gonzales fundou, no final de 2007, o grupo PropagAção, dedicado a divulgar os projetos acadêmicos da Unesp. A divulgação é feita por meio de propagandas sociais radiofônicas, veiculadas, em cinco edições diárias, na Rádio Unesp FM. Projetos de extensão, grupos de estudos, projetos de pesquisa; tudo isso, desde que envolvessem trabalhos relacionados à comunidade de Bauru e região. Foi assim que surgiu o primeiro produto da Agência PropagAção, o Minuto Consciente. Em mais de um ano de trabalho, foram doze campanhas, 115 propagandas e mais de duas mil
Principais clientes da Agência PropagAção exibições na rádio Unesp FM. Tudo isso voltado para a conscientização da sociedade bauruense. Para 2009, a meta da Agência é expandir, inovar, multiplicar. E, para isso, tudo começa com um “Contexto”, alguns cartazes pela faculdade e a vontade de fazer os projetos alheios serem difundidos. A vontade de fazer com que universidade e comunidade trabalhem juntas. A vontade de mudar a ideia que se tem de publicidade e propaganda. Porque, muito além de frases de efeito e venda de produtos, a Publicidade e a Propaganda trabalham no sentido de incentivar desejos, propagar ideias, conscientizar e, principalmente, comunicar. E, como ‘quem não comunica se trumbica’, fica aqui o recado.
- Observatório de Educação em Direitos Humanos - Grupo de Estudos “IN-vazão Poética” - Projeto “A lenda alenta” - Projeto Idoso Mídia - Projeto Perspectiva - Grupo de História Oral e Educação Matemática - Projeto Biblioteca Falada - Cursinho Principia - Núcleo Opinião Unesp
Você tem uma ideia? Tem um projeto? A Agência PropagAção faz sua divulgação! O contato fica por conta do email: agenciapropagacao@faac.unesp.br.
Denise Aielo é estudante de Jornalismo e “propaga” a publicidade no Campus de Bauru
“Em cada esquina cai um pouco a tua vida”
“Ouça-me bem amor, o mundo é um moinho”, que segue incansavelmente no movimento de subir e descer. Essa edição do Contexto trouxe para a capa um desafio interessante: Ilustrar um tema tão simple e amplo, “queda”, sem cair no clichê ou na incompreensão. A idéia da queda de uma lágrima contempla o anseio por uma imagem simples e é vago o suficiente para permitir uma criação esteticamente agradável. Na foto, a ausência de roupa ou acessórios
visíveis tem a intenção de destacar a lágrima. Essa mesma intenção tem a maquiagem; o olho borrado reforça o desenho da lágrima no rosto ao mesmo tempo que passa uma idéia de decadência. A edição da imagem priorizou o verde e destacou ao fundo a parede deteriorada para transmitir uma sensação de podridão, envelhecimento. Foram feitas diversas opções de montagem para a capa, sendo que a escolhida foi a que melhor atendeu ao critério de simplici-
dade, fugindo da poluição visual para melhor dar visibilidade aos elementos de valor significativo. Sobre o resto do jornal, essa edição teve um cuidado especial com a qualidade das imagens, priorizando o uso de fotos feitas pela nossa equipe de fotógrafos e na edição escolhendo e tratando cuidadosamente cada foto. Foram de grande importância para a construção da idéia da capa todos que deram sugestões aos intermináveis “brainstorms”. Agradeço a todas as essas contri-
(Cartola)
buições, à equipe de fotógrafos e colaboradores, que deram à esse Contexto um aumento na qualidade técnica e de conteúdo das fotos, caridosamente diminuindo as horas de edição. Agradeço também às minhas belas modelos Alana e Biju, que bravamente enfrentaram muita maquiagem e um pouco de cebola. Por fim agradeço à nossa editora de economia, Priscila Medina, pela habilidade como maquiadora e pelo surpreendente talento como ilustradora.
16
Março de 2009
Apito surdo
............................................................... Érica Nering
Tic tac, piuí. Não era mais um trenzinho de criança, daquele que o pai ficava dias para montar, e nunca dava certo. Papai Noel não veio no Natal... não deixou pegadas ou trilhos de liberdades infantis. Deixou lembranças infantis florescerem na cabeça varonil de um ser imperfeito. Quando ele era criança, viajava de São Paulo à terra da uva pelo expresso Jundiaí. Só tinha um boné vermelho, duas camisas, um calção azul, um pé de laranja doce no quintal e nenhum sapato para calçar os pés salgados. O vento
ia e vinha com o balanço do vagão e a cabeça sentia a liberdade por fora da janela. Ficou o calção, a camisa, os pés. Foi-se o boné. A mãe, inconformada, até tentou: - Para maquinista, que o juízo foi com o boné! Na terra de ciganos e de córregos crescia uma menina, dona de uma galinha que botava ovo azul. Queria também andar por estradas diferentes, trilhos de ferro voadores, seguir o caminho dos diamantes doentes, na África da Cruz Vermelha. Foi para São Paulo atender ao telefone, trombar com olhares tubérculos em trens lotados, de trilhos invisíveis. E a galinha ficou lá para riba do Estado,
perdida no estômago de algum bicho-do-mato, que gostava de comer omelete azul. O alerta materno sempre atentava para o mesmo detalhe: - Toma cuidado com o vão. Aquele espaço que separa você do seu destino, apenas à distância de um passo largo dado com a devida atenção. E se não cuida, cai. Os tropeços são inevitáveis, mas cair significa ser devorado por ratazanas famintas que habitam aquelas profundezas. Passa pelo vão e constrói sua ponte entre o trem e a plataforma. É ela que vai te levar aos mais inusitados destinos. Imprevisíveis até pelos astros, incompreendidos pelas mentes
Contextoo
sãs... aliados da loucura. É no tic tac do relógio e no piuí do apito que fica uma história de tempos que vão, e ventos que vêm. Os caminhos mudam de direção e acabam sempre no mesmo lugar: o zelo fez do boné vermelho e do ovo azul uma história cheia de vãos entre plataformas que estacionaram em uma estação com nome de vila. Lá, vivem mentes fios de ouro, que tropeçarão em outros vãos, seguirão novos destinos e acabarão em uma nova parada de escadas íngremes e finitas. E esse é, inevitavelmente, o seu destino também.
Fragmentos do discurso (pseudo)
autobiográfico
r e t i c Ê ncias . . . ................................................ Jota Mendonça
[...] Quando olho o céu estrelado, acho-o pequeno. Ou fui eu que cresci, ou foi o universo que encolheu. A menos que seja os dois ao mesmo tempo¹. Ou, talvez nem isso. É que houve um tempo em que, de tão grande, isso tudo era menor que um pensamento. E, como se sabe, os pensamentos se fazem daquele insólito material chamado conhecimento. E o que se conhecia era tão pouco que tudo aquilo minguava. E minguava. E minguava. E acabava naquele estranho ponto em que o céu beija o chão. Dali por diante não se sabia ao certo o que mais existia. [...] E era como se, de repente, eu fechasse meus olhos e tudo aquilo que sabia existir à minha frente, não se escondesse da minha retina. Aquele abismo de possibilidades parecia mais visível do que nunca, como que colado em minhas pálpebras. E a brisa leve que beijava meu rosto insistia em trazer o perfume da água que corria abaixo de meus pés. E agora? O instinto aguçado me mostrava que aquele
era o momento. Eu precisava tomar uma decisão: aventurar-me num salto tresloucado àquelas águas promissoras ou me esconder do desafio naquele abismo gigantesco? [...] Do céu que se distanciava a cada segundo, só os meus pulmões cuidavam de não esquecer. Uma queda livre, portanto. Todavia, livre mesmo era eu, quebrando as amarras a que o horizonte me submetia (e todas as outras que eram inevitáveis consequências dessas). De cada fragmento de mundo que meus olhos capturavam naquelas águas, uma nova surpresa. E surpresas nem sempre são boas. Mas a possibilidade de se distanciar daquele horizonte enjaulador me entorpecia de tal maneira que nada me abateria. Para que se preocupar com o que está diante de mim, se o que me acompanha ao lado é muito mais interessante. [...] Naquele momento era como se toda a humanidade pudesse ser vislumbrada nos olhos de maresia dum estranho conhecido, que trazia consigo todos os paradoxos que sempre me afligiram desde muito precoce. Ora, pode ser que minha percepção tenha sido afetada por um qualquer farfalhar de cabe-
los ou, quem sabe, o sangue que latejava em meus miolos me dessem a virtude de achar que todo aquele, na verdade, era eu também. E vice-versa. Como explicar que ele também havia saltado dum penhasco à beira dum horizonte que lhe servia de cativeiro. Se bem que: às favas com os porquês. O bom é que cada segundo ao seu lado era muito bom. Inclusive aqueles que nem eram tão bons assim. Mas ali ele (eu, que seja) estava no mesmo barco que eu. E, agora um pouco mais perto, as águas que nos chamaram ao salto continuavam muito promissoras. [...] Hoje, bem cedo, eu pensei. E como dói pensar! Principalmente quando se pensa em pessoas. Dá saudade. Dá tristeza. Será que aqueles que nunca puderam fugir do horizonte e pular do penhasco conseguirão chegar naquelas águas? Talvez. Tudo tão perto, e tudo tão distante. Como esquecer daquele raio que os olhos permitiam enxergar – e tão somente? O mundo todo se apertava. Ou não. O mundo todo cabia e folgava. E aquele pouco era tanto, que dava a todos. Não que fossem muitos. Mas tudo ali era o suficiente. Tudo mesmo.
As ruas mais pareciam intervenções cubistas em meio àquela paisagem. Geométricas. Margeadas por retangulares casas alpêndricas. Coloridas. Religiosas. Todas dispostas à entropia, como se o mundo se abraçasse. [...] Cheguei, enfim, às águas tão desejadas. Que quando mais triste. As promessas que o cheiro trazia eram todas meio falsas. Ou seriam meio verdadeiras?! Enfim. Espalhou-se por meu corpo, junto à umidade que me abraçava, uma breve euforia e um eterno sentimento de vazio. Pensar dói: definitivamente. E aquilo tudo nem era tudo aquilo. Mas, pior que o remorso da aventura meio sem sentido, só o desespero de se olhar pro lado e não encontrar aqueles olhos de maresia que tanto me foram confortantes – e concluir que eles partiram nas correntezas daquelas águas. Quando olho o céu estrelado, acho-o pequeno. Ou fui eu que cresci, ou foi o universo que encolheu. Acho que jamais serão os dois! ___________________ 1. Salvador Dalí
© Ilustração: Priscila Medina e Fernanda Silva /CONTEXTO