Jornal laboratório do curso de Jornalismo da Unesp _ ano 24 n° 40 _ outubro de 2008
Contextoo
Especial:
Eleições: O poder da decisão quando não se pode não escolher. Pág. 12
Um pedacinho do nordeste na capital paulista. Pág. 13
Paraolimpíadas para super campeões. Pág. 4 e 14
Perfis: de um Elvis praieiro à divida do brasileiro
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Outubro de 2008
Editorial
Escolhas e decisões… 2008. Ano de eleições. Como não pensar em escolhas em um ano que envolve uma das principais decisões políticas que se pode tomar? Nesse âmbito, o Contexto de outubro de 2008 não poderia deixar passar batida a temática das decisões. Mas o fim da temática no jornal excluiu toda possibilidade de se fazer uma edição inteira relacionando escolhas às decisões políticas. E a escolha do fim da temática foi uma decisão (como tantas outras que se toma na vida, entre elas, o voto) que não nos permitiu “voltar atrás”. Mesmo assim, tematizar uma ou outra matéria ainda era possível. Por isso, Reportagens Especiais e Política vêm, de certa forma, “linkadas”. Em Política, nada mais natural que uma opinião sobre tudo o que está acontecendo no país. Para isso, uma entrevista com o filósofo Renato Janine Ribeiro, um dos maiores estudiosos políticos do Brasil; acompanhada da visão de um futuro jornalista que gosta do assunto e acompanha suas nuances. Nas Especiais, a profundidade peculiar permitiu uma imersão nas discussões sobre a escolha (ou falta de) na hora de
votar. E, quando se diz escolha, não se refere apenas às decisões que se têm entre os candidatos; mas também à escolha de poder ou não escolher. E, selecionando bem o que ler, nesta edição é difícil deixar passar alguma coisa. Desde um perfil do senhor que vende voltinhas de buggy na praia até o perfil da dívida do brasileiro. Por falar em leitura, nada mais atual que ler on-line, não é mesmo? Por isso, cultura apresenta a Academia Virtual Brasileira de Letras e traz, também, um pouco da cultura nordestina. Em educação, o ranking das universidades e os programas educativos na TV. Esportes e os paratletas; Social e as favelas; Ecologia com as queimadas e a poluição urbana; Ciência apresentando o Acelerador de Partículas e a genética; Comportamento discutindo as famílias e as modificações corporais; isso tudo sem esquecer Economia e a explicação da crise atual. Crise que nos remete à foto da capa. Em um ano de escolhas e crises, unir essas duas idéias em uma única foto era a saída para a foto que abre o Contexto. Nada
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melhor que um possível suicídio. Afinal, quem, no meio de alguma crise pessoal, não chegou a cogitar a morte? Ou então, lembrando a última grande crise econômica mundial, em 1929, quantas pessoas, no auge do desespero, não se suicidaram? Sem apologia nenhuma, a idéia de retratar um misto entre crise e escolha (afinal, o suicídio é melhor forma de representação de uma escolha – a escolha da renúncia da vida) por meio de alguém se jogando em um ‘abismo’ foi uma das melhores escolhas editoriais deste Contexto. Escolhas e renúncias. É assim que se vive a vida, não?! Cada escolha implica em várias renúncias. E, depois de definirmos quem governará nossas cidades pelos próximos quatro anos, é a vez de pensar nas novas escolhas. Que tal começarmos por aqui? Pensar em tudo que lemos e definir o que levar adiante ou o que renunciar é um bom exercício. E não só na leitura do Contexto, mas também, durante qualquer leitura ou reflexão. E que essa prática se torne um exercício de pensamento cotidiano para todos nós...
Jornal-laboratório produzido pelos alunos do 6º termo do curso de Comunicação Social - Jornalismo período diurno da Unesp. Editora geral Denise Aielo
Chefe de redação Bianca Renó Secretário de Expedição Henrique Souza Editor de arte Murillo Ferrari Diagramação Fernanda Silva / Murillo Ferrari / Natasha Bin Editora de Fotografia Priscila Medina Fotógrafos Cristiane Sommer / Fernanda Silva / Karen Ferraz / Paola de Lábio / Priscila Medina / Revisão Marcus Silva Editor de Política Marcos Andrade Repórteres João D´Arcadia / Karen Terossi Editora de Economia Priscila Medina Repórteres Lilian Guarnieri / Michelle Braz dos Santos Editor de Social Fábio Alvarez Repórter Karen Ferraz Editor de Educação Renan de Oliveira Repórteres Lidiane Orestes / Luli Teixeira Editora de Ciência Paula Rodrigues Repórteres Aline Naoe / Gabriela Nascimento
Lo alize-se! Reportagem Especial
Diretor da FAAC Antônio Carlos de Jesus Coordenador do Curso de Comunicação Social Marcos Américo Chefe do Departamento de Comunicação Social Luiz Augusto Teixeira Ribeiro Professores orientadores Ângelo Sottovia Aranha Luciano Guimarães Luiz Augusto Teixeira Ribeiro Mauro de Souza Ventura Endereço Contexto Departamento de Comunicação Social FAAC - Unesp Av. Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01 CEP: 17033-360 Bauru/SP
Entre o medo e a esperança: A dupla hélice da genética Como classificar?
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O que seu filho assiste na TV?
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As Pessoas Gostam de Política?
Editora de Comportamento Cristiane Sommer Repórteres Ana Cláudia Lima / Mayara Tolotti
Não é peixe, mas caiu na rede
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Paulistano ou Nordestino?
Editora de Cultura Layla Tavares Repórteres Juliana de Melo / Paola de Lábio
País de Para-Atletas
Editor de Esportes Jota Mendonça Repórteres Para-Atletas: O futuro M “Superarcos Paulo Mendes/ Tiago Cesar
humano“
Avassaladora, a crise mundial entra sem pedir licença
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Perfil Érica Néring Reticências Laís Barros Martíns / Layla Tavares
Uma janela para Elvis
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O Empate de Dom Cavati.
Um olhar diferenciado
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Escolhas e Decisões...
Reticências
Colaboração Karin Kimura Ilustrações Bruno Tupet / Guilherme Lima Bruno e Silveira Foto da capa Priscila Medina
Telefone (14) 3103 - 6000 E-mail
jornalcontexto@faac.unesp.br
Fotolito e impressão Fullgraphics
Reinventaram a família
O retrato da renegação ao direto à cidade e à cidadania
A bola de neve chamada Dívida!
Expressão à flor da pele
A ameaça é fogo
Compreender o mundo ou destruílo?
Editora de Ecologia Megui Donadoni Repórteres Henrique Souza / Vinícius Borges
O que a cidade tem a ver com isso?
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Reportagem Especial
Reitor Marcos Macari
Reportagem Especial Carina Brunialti / Maya Pauliez
© Fernanda Silva / CONTEXTO
Jornalistas Responsáveis Ângelo Sottovia Aranha MTB 12.870 Luciano Guimarães MTB 28.132 Luiz Augusto Teixeira Ribeiro MTB 10.796 Mauro de Souza Ventura MTB 6235
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Política
Outubro de 2008
As pessoas gostam de Política?
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Um dos maiores expoentes da Filosofia no Brasil fala sobre a participação política ............................................................... Karen Terossi
A boa política está na convergência de idéias republicanas e democráticas. Se na república o ideal é a busca do “bem comum”, na democracia o essencial é a participação de toda sociedade nas decisões políticas. São reflexões como essa, sobre política e sociedade brasileira, que o filósofo Renato Janine Ribeiro faz. Professor titular de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo, Renato é considerado um dos mais importantes pensadores no Brasil. Em entrevista ao Contexto, ele se mostrou cético quanto à participação política e falou também sobre a ética na campanha eleitoral.
© Priscila Medina / CONTEXTO
Contexto: No período eleitoral, além de saúde, educação e seguran-
ça pública, um tema recorrente é a questão da ética. Isso representa algum tipo de desvio ou esvazia a discussão política? Renato: Esvazia sim, pois a discussão dos rumos da sociedade passa por duas questões necessárias, mas menores: se fulano é honesto e se é competente. Não discutimos os projetos, ficamos no pré-requisito. Muito grosso modo, o mundo está dividido entre uma posição mais liberal e outra mais socialista. A primeira significa menos impostos, mais dinheiro nas mãos das pessoas e as pessoas fazendo o que querem com o ele. Na outra, há mais impostos e se estabelecem critérios sociais: todos terão educação pública, por exemplo. São visões defensáveis e, embora haja conflitos, nenhuma delas é desonesta ou infame por natureza. Mas para se adotar um desses
Renato Janine Ribeiro e as questões políticas atuais.
temas, é preciso supor que os dois lados tenham competência e honestidade. Na nossa discussão política, presume-se que o outro lado não tem competência nem honestidade e, em função disso, o conflito fica ruim. A discussão política brasileira acaba se tornando muito pobre. C.: Na campanha eleitoral desse ano, essa discussão parece não ficar clara. Entramos, então, em um ambiente improdutivo, na atual configuração, em que não se assume uma conduta eminentemente liberal nem eminentemente socialista? R.: Não chega a tanto. Porque é claro que, quando se tem uma competição entre, digamos, PT e PSDB, tem-se duas propostas, mesmo não ditas claramente. Há uma discussão na imprensa criticando o PT por ser estatizante, por aumentar a arrecadação de impostos, por ter programas de assistência social. E há uma queixa de setores do PT ao PSDB porque privatizou, porque pretendeu tirar direitos sociais, e então a discussão política até aparece, mas não fica visível. Eu não diria que esse assunto seja principal na campanha, mas, de alguma forma, quando se dá uma bolsa-família que beneficia os pobres em vez de se construir viadutos que beneficiam a classe média no trânsito, isso é uma escolha política, que resulta em votos. C.: Neste cenário de partidos desacreditados, de aposta em figuras paternalistas, de clientelismo, principalmente nas eleições municipais... Enfim, diante da privatização da vida pública, podemos falar em um desequilíbrio entre os desejos
que existem na democracia e a busca do bem comum? R.: Vamos radicalizar um pouco: existe uma decadência da política. Nossa conversa está assim: “as pessoas estão largando a política, estão se desinteressando da política; como seria bom se elas se interessassem pela política”. A questão a ser colocada agora é: as pessoas não se interessam pela política. A maior parte lê pouco jornal, e na televisão, as notícias que interessam sobre política são poucas. Não podemos dizer que elas estão erradas, nem que isso é só porque a política frustra. A política é decepcionante, frustra mesmo, é mal apresentada, virou espetáculo, virou mercadoria. A novidade é que, em função de tudo isso, as pessoas têm satisfação em outras coisas. A vida pessoal está se tornando mais importante do que a opção política. Em alguns lugares, a vitória de um partido ou de outro não faz diferença. Quer dizer, tenho certeza de que a vitória do PT fez muita diferença para os mais pobres. Mas as pessoas estão cada vez menos interessadas em política e isso não é errado. C.: Isso sem levar em conta a política cotidiana, porque só estamos tratando da política institucional. R.: Aí você está chamando de política algo que as pessoas não acham que é política. Há relações de poder entre pessoas no cotidiano, mas estas relações são vividas como política? Será que podem ser estudadas da mesma forma que se estuda Política? Um professor democrático não foi eleito pelos alunos. Um pai democrático ouve os filhos; um
chefe democrático abre espaço para divergência. Isso não tem a ver com o sentido original, é apenas porque a palavra “democrático” se tornou para nós uma palavra importante, mas não quer dizer que estamos fazendo política. Não estou afirmando isso tudo com certeza, mas me impressiona muito esse desinteresse quase mundial pela política. O Brasil tem uma diferença: ele nunca foi politizado. A França, a Argentina e o Chile, até o golpe de Pinochet, estavam polarizados entre direita e esquerda. O Brasil nunca foi assim. Isso é curioso, porque deixa a impressão de um país em que o novo tem mais chance de surgir. O eleitor de Maluf, de ACM, passou diretamente para eleitor de Lula. É um país imprevisto, em que os costumes são muito importantes. C.: Por outro lado, a sociedade que não está muito interessada em política fala muito em cidadania. Como é possível responder às demandas sociais, se não pela política? R.: A palavra cidadania foi desgastada, porque tudo é cidadania. Ela tem muito a ver com a reivindicação de direitos, mas reivindicação de direitos sem a contrapartida de deveres cria um problema. Pode-se pensar cidadania quase que fora da política. Não sei se isso é bom, se é viável. Você pode dizer: não quero saber do governo, nem quem é o governante, não lembro em quem votei na última eleição, mas quero ter tais e tais direitos. É complicado, não acho simples, nem lógico, porque para se ter certos direitos, é preciso pagar e trabalhar por eles.
O empate de Dom Cavati O município cujas eleições terminaram empatadas pergunta ao Brasil: Ainda é possível fazer projeções? Opinião ............................................................... João D´arcadia
A pequena Dom Cavati, no leste de Minas Gerais, escolheu seu prefeito pela certidão de nascimento. Como houve empate entre os dois candidatos, o mais velho assume a Prefeitura no ano que vem. É a regra do jogo, que também vale para concursos públicos. O mais velho tem a prerrogativa do primeiro critério de desempate. Mas o quê os 1.919 votos de Jair Pereira (DEM), “novo” prefeito de Dom Cavati, têm a ver com as eleições Brasil afora? O empate tão rigoroso, até inimaginável, vem apenas para consolidar a fragilidade das projeções. A preocupação pré-eleitoral se restringe às pesquisas, que refletem uma tendência, mas podem apontar distorções; já as análises pós-eleições colocam no mesmo “tabuleiro de xadrez” todos os municípios do país, contando quantos partidos levaram quantas capitais.
As eleições não são mais que isso? Ninguém fala, por exemplo, da constante “barganha” de municípios que acontece antes do pleito. Governadores se reúnem com deputados, senadores e prefeitos para trocar cidades como quem troca figurinha. Simples assim. Uma cidade que seja mais interessante para o governador fica com o partido dele, e ele deixa de apoiar, ou apóia menos, seu candidato em algum município. Por que será, então, que José Serra foi figurante nas eleições em São Paulo? Só pela fragilidade de Alckmin, ou porque o PSDB já ganharia na maioria das grandes cidades do interior paulista? E o governador de Minas, Aécio Neves? Suas pretensões para 2010 são tão evidentes que ele abriu mão dos municípios mais importantes do estado, em favor de um hibridismo torto com o PT em Belo Horizonte. O PT saiu vitorioso no interior, mas tudo às custas desse afastamento
de Aécio, que, de olho no Palácio do Planalto, trocou cidades por BH. Isso nenhuma análise eleitoral aponta. Como também não aponta mais um baque no Principado dos Magalhães na Bahia. Depois da vitória de Jacques Wagner para governador há dois anos, contrariando as pesquisas, dessa vez o neto de ACM ficou fora da disputa por Salvador, também à revelia do Ibope. No Norte e Nordeste, governos bem avaliados levaram as capitais. Os mal avaliados não fizeram sucessor. No Sul, o PT do Rio Grande do Sul mostrou que não está morto, apesar das baixas em Porto Alegre, há quatro anos, e no governo do estado, há dois. O que fica dessas eleições é a incapacidade das análises eleitorais contemplarem as especificidades de cada pleito, as barganhas que ocorrem ao longo das campanhas, e principalmente, a trajetória histórica interrompida ou continuada após cada eleição.
Nessa lógica, o Brasil só tem capitais e “cidades importantes”. Enquanto isso, Dom Cavati se-
gue escolhendo seus prefeitos pela certidão de nascimento...
Agostinho e o trabalho de rua “A expectativa é muito grande, e é claro que vamos montar uma equipe séria para efetuar aquilo que Bauru mais precisa. Numa cidade como a nossa, é impossível traçar uma prioridade, são muitas as demandas. O essencial, de imediato, é a saúde e a infra-estrutura”. Entre um telefonema e outro, essa foi a declaração do prefeito eleito de Bauru, Rodrigo Agostinho (PMDB) ao Contexto. Com 54,3% dos votos válidos, o ambientalista é o mais jovem prefeito da cidade, e chega ao Palácio das Cerejeiras com um panorama complicado: são mais de R$40 milhões em dívidas que emperram
o orçamento da cidade todos os anos, dificultando as ações mais imediatas, como o asfalto nas mais de 3000 quadras sem pavimentação e a carência dos serviços de saúde. O empresário Caio Coube (PSBD) obteve 45,7% dos votos válidos. Mas a maioria da população optou mesmo por Agostinho, para quem, “o resultado das eleições pode ser atribuído ao contato com as pessoas, no trabalho de rua”. Fica a esperança de que o trabalho do prefeito de Bauru desça as escadas, e assim como na campanha, vá para as ruas.
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Economia
Outubro de 2008
Contextoo
Avassaladora, a crise mundial entra sem pedir licença Com índice de crescimento previsto para 2009 na casa dos 3%, o país fica sob alerta de estagnação
.............................................................. Lilian Guarnieri
Capitalismo “Hoje tem muito socialista dando risada”, diz o Prof. Dr. Crepaldi. “A ideologia capitalista se perdeu. É preciso salvar o sistema, ele em colapso é pior”. A quebra da bolsa de 1929, denominada de “a grande depressão”, muito parecida com a crise
atual, quase não recebeu intervenções do governo, esperando que a “mão invisível” – da qual Adam Smith falava – regulamentasse livremente o mercado. “O
“
É preciso salvar o sistema. Ele em colapso é pior
governo demorou a tomar atitude e quando a fez, foi numa proporção pequena. A liberação de dinheiro foi pouca porque havia aversão do controle sobre o mercado por motivo ideológico do capitalismo”, explica o professor. Os governos têm tentado evitar os erros passado, por isso providenciam pacotes gigantescos para socorrer os bancos. Só na primeira semana de setembro, a câmara de deputados estadunidense liberou US$ 850 bi para a compra de ativos podres (ações muito desvalorizadas), mas a iniciativa não acalmou os desânimos do mercado. As bolsas fecharam em queda.
O Epicentro A grande crise que se vive hoje teve início na especulação imobiliária nos EUA, denominada “subprime”. Os imóveis se valo-
rizavam rapidamente e possibi- Crepaldi. litavam (mesmo antes de serem “A existência da crise era perquitados) mais financiamentos, cebida, o que não se esperava é tendo o próprio imóvel como que a quebra dos bancos fosse garantia de pagamento. O pro- seqüencial e sincronizada”, coblema ocorreu quando muitos menta o professor. Tudo leva a investidores agiram da mesma acreditar que a bolha especulativa forma e milhares de casas esta- estourou, e a crise é proporcional vam à venda ao mesmo tempo. O ao tamanho do “subprime”. Penpreço dos imóveis caiu drastica- sando dessa forma, é difícil não mente por causa da imensa ofer- imaginar que não há economia ta. Resultado: calote nos bancos. que não se abalará até o fim de A crítica que se faz é contra 2009, prazo mínimo que os ecoo governo de George W. Bush, nomistas prevêem para a estabique não tomou nenhuma pro- lização. vidência no sentido da regulamentação do mercado. A alavancagem financeira (dívida do banco dividida pelo seu patrimônio) estadunidenses chegou a ser 30 vezes maior que o capital real dos bancos. “O recomendado é que se trabalhe com até 12 vezes, a alavancagem do Brasil é de Antonio Crepaldi alerta para as dificuldades que o 4 vezes”, diz consumidor pode encontrar nos próximos meses
© Priscila Medina / CONTEXTO
A crise econômica internacional já está pesando no bolso do consumidor brasileiro, que começa a entender o significado da crise imobiliária estadunidense para o mundo globalizado. “Até quando vai a crise, com que intensidade afetará as economias ninguém sabe. Não adianta ter discurso ufanista de que o Brasil está muito bem. O Brasil vai sofrer, assim como todo mundo”, diz o economista e Prof. Dr. Antonio Crepaldi, docente da Faculdade de Engenharia de Produção, da Unesp-Bauru. O governo brasileiro tem demonstrado muita confiança frente à recessão econômica mundial. O ministro da fazenda, Guido Mantega, garante que, em 2009, o país estará fora da taxa de estagnação, que varia de 2 a 3% de crescimento ao ano. Sobre o comportamento do mercado brasileiro, o Prof. Dr. Crepaldi aponta como reflexo imediato da crise a restrição de créditos, principalmente para a compra de automóveis e casa própria. “Financiamento de carro podia ser feito em mais de 80 vezes, a casa própria podia ser paga em 30 anos. A tendência, agora, é que os prazos retrocedam”.
Um alerta para o consumidor brasileiro é quanto aos gastos de fim de ano. Com a alta do dólar, os produtos importados acompanharão a moeda. A preocupação é com o comprometimento da renda do brasileiro em um contexto de incertezas econômicas. “A situação de vida tende a piorar. No ano que vem, vai ter emprego?” questiona Crepaldi. O professor explica que “só não estamos em crise maior porque exportamos comida, mas o preço do commodity já caiu e vai cair ainda mais, devido ao aumento da oferta mundial”. Como o Brasil conquistou outros mercados além dos EUA e UE, ele ainda se mantém bem, se segurando nas exportações para a China, por exemplo. “Mas não tem China que agüente isso”, diz Crepaldi. Há a possibilidade de que os chineses também sofram com a queda das exportações, devido à retração do consumo mundial.
A bola de neve chamada dívida! Como surge o endividamento dos brasileiros e as possíveis estratégias para sair do vermelho
© Divulgação
.............................................................. Michelle Braz dos Santos
cinco mil reais. As principais responsáveis “Devo, não nego! Pago por esse endividamento são as quando puder!” Atualmente, grandes ofertas de crédito, ou esse famoso ditado popular seja, a possibilidade de parcomprova uma desconfortável celar a maioria dos produtos, situação: segundo dados do desde a conta do supermercaBanco Central, 80 milhões de do, da farmácia, até televisão, brasileiros têm alguma dívi- computador, móveis e carros. da, em muitos casos, acima de Deslumbrados com as facilidades de crédito, muitas brasileiros arcam, ao mesmo tempo, com várias prestações a perder de vista. Só que se esquecem do grande risco dessas longas parcelas: as possíveis, e concretas, instabilidades do mercado econômico – o aumento dos juros e da inflação. É o caso de Ana Dias de Oliveira, 31 anos. Desempregada há seis meses, relata seu Para o economista Ronaldo Medina, financiar bens ela duráveis é uma boa alternativa para sair do vermelho endividamento.
“Tinha terminado uma reforma na minha casa e comprei vários móveis novos, além de uma geladeira e uma máquina de lavar. Achei que seria tranqüilo, porque eram em 12 vezes, só não contava que ia ficar desempregada. Hoje, já devo três mil reais para a loja e os juros aumentam essa dívida cada vez mais!” Mas não é só com parcelas a perder de vista que os brasileiros se endividam. Outro grande problema é a armadilha dos empréstimos: para sair de uma dívida, a pessoa recorre a um empréstimo bancário, ao perceber que não consegue quitar esse primeiro empréstimo se dirige a outro banco e surge, assim, um efeito dominó de dívidas bancárias. Essa armadilha foi a que pegou Clara Costa Moreira, de 64 anos. Com as dívidas do cartão de crédito, cheque especial e da prestação do carro, a aposentada fez um empréstimo num banco. Para pagar esse empréstimo, ela recorreu a outro empréstimo de um banco rival e, assim, entrou numa bola de neve de dívidas.
“Você tem a ilusão que emprestando de um e pagando o outro terá a solução, mas não tem! Surge uma dívida atrás da outra, juros sobre outros juros, e quando você vê, a bola de neve está formada e você não consegue mais pagar ninguém”, constatou a aposentada. O economista Ronaldo Medina contextualiza a dívida para bancos: “Nos últimos dois anos, a oferta de crédito destinada a pessoas físicas chegou a 356 bilhões de reais, sendo 115 bilhões através de créditos bancários. Assim, um terço das dívidas dos brasileiros é para bancos, porque esses são os maiores fornecedores de crédito”. E quais as alternativas para sair do vermelho? O economista oferece algumas dicas: “quando tiver uma dívida, prefira o crédito consignado porque, nesse, as taxas de juros são mais baixas. Outra maneira é fazer um financiamento de um bem durável, por exemplo, um carro. Casos como esse também implicam juros menores”.
O crédito consignado é um empréstimo debitado na folha de pagamento do cliente. Os juros tornam-se baixos porque o banco possui garantia de que irá receber. O mesmo acontece com o financiamento: ocorre queda das taxas de juros, uma vez que o cliente promove como garantia um dos seus bens, geralmente carro ou imóvel. Essas duas negociações são estratégias de “conseguir dinheiro de forma mais barata”, como afirma Medina. Caso que comprova a saída do vermelho é o de Regina Salles, 43 anos. Percebendo a dificuldade em quitar as dívidas do cheque especial e do cartão de crédito, a professora vendeu seu carro. “Estava devendo quase sete mil reais. E até pagar todo o empréstimo do banco eu levaria anos e os juros eram absurdos! Preferi vender meu carro e assim já pagar toda a dívida do cheque e do cartão, em vez de esperar quitar todo o empréstimo. Não tem jeito! Dívida é assim: é preciso se desfazer de algo para dormir tranqüila”.
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Social
Outubro de 2008
O retrato da renegação ao direito à cidade e à cidadania
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Bauru tem hoje 23 favelas e 25% da população vivendo abaixo da linha da pobreza
Luciana Carvalho, de 27 anos, tem que ir todos os dias, antes do trabalho, até o bairro Dona Rosa para levar seus três filhos à creche mais próxima. Dona Tereza dos Santos, de 68 anos, quando adoece, precisa caminhar mais de dois quilômetros até o bairro Jardim Redentor, onde fica o posto de saúde mais perto. As duas são moradoras da maior favela de Bauru, o bairro Ferradura Mirim. Já Maria Aparecida Garcia, empregada doméstica de 62 anos e moradora do Jardim Nicéia, tem medo de voltar do trabalho e encontrar de novo a casa inundada pela enchente, por causa do córrego que não é canalizado. Seu marido, Cizino Brandão, de 73 anos, teve que fazer uma barreira e buracos na parede pra proteger os cômodos de outra inundação. Além de morarem em bairros que não são asfaltados, Luciana, Tereza, Maria e Cizino não possuem a documentação de posse de suas casas, construídas com muita dificuldade e pouco dinheiro, apertando orçamentos e reaproveitando materiais.
Entre a lei e a realidade De acordo com a pesquisadora Ermínia Maricato, não há números confiáveis sobre as favelas no Brasil. Os indicadores de habitações precárias são geralmente subdimensionados por falhas metodológicas e critérios excludentes, como o do IBGE, que apenas contabiliza como favela os núcleos
© Karen Ferraz / CONTEXTO
Um panorama de Bauru O problema da habitação já deixou de ser uma realidade exclusiva das grandes metrópoles desde a década de 80, quando cidades de porte médio (com população entre 100 mil e 500 mil habitantes) passaram a crescer a taxas maiores que as metrópoles (4,8% contra 1,3%). Dados do IBGE de 2001 indicam que 62,8% das cidades de porte médio declararam possuir favelas. “O crescimento dessas favelas faz parte de um processo que simboliza a segregação social existente no Brasil. A exclusão econômica, social e de direitos, e a falta de acesso a empregos e à renda levam essas pessoas a morarem em situações precárias. Morar na favela não é uma opção, é uma necessidade”, explica José Xaides de Sampaio, professor doutor de Arquitetura e Urbanismo da Unesp – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.
Bauru é mais um retrato da profunda desigualdade da distribuição de renda no país: 25% de sua população vive abaixo da linha de pobreza, enquanto 20% detém 40% de sua renda total. A cidade nunca teve uma política de habitação e, mesmo hoje, com mais de 350 mil habitantes, não possui uma secretaria de habitação. “O que acontecia eram algumas ações pontuais por parte da Secretaria do Bem-Estar Social (Sebes), que atua na garantia de alguns direitos dessas famílias, não na regularização fundiária”, esclarece Maria Helena Regitano, arquiteta da Secretaria de Planejamento, que coordenou o Plano Diretor Participativo, aprovado em agosto. O município tem hoje 23 favelas: Jd. Ivone, Barreirinho, Ferradura, V. Aimorés, Sta. Teresinha, Jd.Olímpico, Jd. Nicéia, Jd. Yolanda, J. Europa, Vila Zilo, Parque das Nações, Comendador/Santista, Jd. Vitoria, Cutuba, Parque Real, Jd. Andorfato, Parque Jaraguá, São Manoel, Vila Sta. Filomena, J. Gerson França, Jd. Marise, Jd. Maria Célia e Pousada da Esperança. De acordo com um recente cadastro realizado pela Sebes, o número de barracos totaliza 1.762 – quantidade bastante inferior à estimativa feita pela Defesa Civil em 2004, equivalente a 2.215 barracos. “Os dados que tínhamos somam cerca de 14 a 15 mil pessoas morando em favelas, mas recentemente, alguns dados da Secretaria Social parece que, por outras metodologias, excluíram algumas regiões. Nesses dados, tem-se desconsiderado moradias precárias, ou feitas de alvenaria, ou que tenham certo tipo de estrutura. Mas na verdade, essas metodologias sempre deixam uma margem de dúvida”, afirma o Prof. Dr. José Xaides.
Sem o devido apoio das prefeituras, as favelas e seus moradores ficam à mercê da própria sorte
que possuem mais de 50 casas. A falta de rigor nos dados revela o descaso dos órgãos públicos e da sociedade para com essa expressiva, porém, marginalizada parcela da população. De um lado, a coerência da lei, com o Plano Diretor Participativo, uma extensão do Estatuto da Cidade - Lei Federal nº 10.257/2001, que visa à garantia da função social da terra e o acesso da população carente aos benefícios da urbanização, com a participação Por estar em área não regularizada, a prefeitura afirma não poder asfaltar as ruas do Jd. direta da comunidade Nicéia. nos processos decisórios. Como prefeitura, já em andamento, que e social” Enquanto isso, Seu Cizinho instrumento de ação, definiram- visam evitar o processo de favelase as Zonas Especiais de Interesse mento, como a regularização fun- teme uma nova enchente em sua Social, as ZEIS, que dividem o diária do Jd. Nicéia, a remoção das casa no Jd. Nicéia, “A prefeitura município em áreas de atuação, famílias do Parque Real para cons- não faz a canalização do esgoto e de acordo com a especificidade trução de novas casas em outra o asfalto porque o terreno ainda de cada local. Uma vez demar- área destinada, um projeto de ge- não é regularizado. A gente se sencadas, as ZEIS legitimam priori- ração de renda para os moradores te abandonado”. Sua esposa, Dona dades públicas a serem pleiteadas do Jardim Ivone e a regularização Maria, ainda tem muita esperanno Ministério. No caso do Jardim fundiária do Jd. Marise. Além dis- ça de conseguir a documentação, Nicéia e do Ferradura Mirim, que so, cinco processos de regulariza- “Aqui é a nossa casa, onde mora são áreas particulares, está prevista ção fundiária de áreas públicas que toda nossa família, temos muito a regularização fundiária através já estão se desenvolvendo, sendo a amor por ela”. de uma ação de usucapião judicial, regularização do Jardim Nicéia o garantida no Estatuto da Cidade mais avançado. No entanto, a Secretaria de Plapela permanência de mais de cinco anos em terrenos menores de 250 nejamento enfrenta várias dificulAções da Prefeitura: dades para concluir essas negociametros quadrados. Plano Diretor Do outro lado, a realidade dos ções: “É um processo lento, pois moradores, contada por Fábio demanda a topografia de todas esRogério, o “Terra”, presidente da sas áreas, e não temos uma equipe O Plano Diretor Particiassociação de moradores do Fer- de topografia. Então ficamos depativo bauruense definiu três radura: “Pra minha comunidade, pendendo da Secretaria de Obras tipos de ZEIS (Zonas de Inteque é vista como ‘invasão’, esse e do Departamento de Água e Esresse Social), através das quais plano participativo não interessa goto, que fazem esse trabalho para serão realizados os processos nada. Nós não temos participação nós”, explica Regitano. A arquiteta de regularização fundiária, de nenhuma. A comunidade pra eles acrescenta que a prefeitura pode acordo com as especificidades é a que paga imposto, que tem do- negociar com a CDHU (Compade cada área: cumento. O Ferradura é esquecido, nhia de Desenvolvimento Habitaé lembrado só na votação mesmo. cional do Estado de São Paulo) a - favelas situadas em áreas Enquanto não sair essa documen- comercialização de casas para esses particulares, onde está prevista tação nós não somos vistos como moradores carentes, coordenando a regularização fundiária atracomunidade”. “Terra” explica que mutirões e conseguindo subsídios vés de uma ação de usucapião os moradores já nem participam do Governo Federal. “Os morajudicial, como é o caso do Jarmais das reuniões, pois cansaram dores perguntam se isso é uma dim Nicéia, Ferradura. de esperar: “Faz tempo que essa questão política. A regularização documentação está pra sair, e os não é um favor que a prefeitura - favelas situadas em APP moradores têm medo, muitos nem está fazendo, não é um favor que (áreas de preservação perfazem muro com medo de ter que o candidato vai fazer. É um direito manente) que precisam ser sair da casa. Eles não acreditam que eles têm que reivindicar para removidas. Para isso, foram que podem ganhar isso aqui com que o próximo prefeito cumpra”, destinadas áreas particulares usucapião. A maioria tem noção reforça Maria Helena. demarcadas como ZEIS que “O que é morar? É só ter um desse direito, mas muitos ficam serão negociadas com os procom medo, porque sempre sobra abrigo, é só ter uma casa?”, quesprietários (por abatimento de tiona o Prof. Xaides. “Há a necespro lado mais fraco”. dívidas, desapropriação, etc.) A arquiteta da Secretaria do sidade do lazer das crianças, do para a construção de conjunPlanejamento explica que não é a esporte, da escola, da creche, do tos habitacionais. Prefeitura que entra com essa ação posto de saúde, das áreas de convijudicial, e sim os moradores, “o vência. Portanto o morar não é só a - favelas situadas em áreas papel da prefeitura é de organizar relação com o interior da casa, mas públicas (geralmente destinaessa comunidade para ingressar com o próprio bairro. Para isso, das à área verde), onde será com essa ação, e nós já começamos deve haver um suporte político, feita a regularização fundiária esse trabalho no Jardim Nicéia. E com parcerias entre as secretarias, por meio de desafetação, percomo é ação judicial, não temos que são isoladas, e com a realizamitida pela Constituição Estação de programas intersetoriais. O previsão de tempo”. dual a partir de 2007 e conproblema da moradia não deve ser dicionada pela transformação encarado somente no sentido da Enquanto isso... de um novo terreno em área Existem alguns projetos de as- habitação, mas da favela como um verde. sistência social coordenados pela todo, enquanto espaço urbanístico
© Karen Ferraz / CONTEXTO
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Educação
Outubro de 2008
Contextoo
O que seu filho assiste na TV? A televisão proporciona vários atrativos, mas nem todos são próprios para crianças
............................................................... Lidiane Orestes
© Lidiane Orestes / CONTEXTO
A tecnologia avança e as formas de comunicação mudam num piscar de olhos. A maioria das crianças e adolescentes brasileiros são acostumados desde cedo com a presença intensa da televisão e encontram nela sua fonte principal de diversão e informação gratuita. Como, então, a mídia brasileira enfrenta a crescente necessidade de produção de conteúdos e, especificamente,
da difícil tarefa da produção de programas infantis educativos? Ana Carolina Martins (35), mãe de Victor (7) e Fernanda (5), ilustra: “Eles assistem desenhos antes de ir pra aula, na escola, às vezes, a professora utiliza programas e filmes para ilustrar os conteúdos e, à noite, eles nos acompanham assistindo o noticiário e a telenovela.” A preocupação para muitos pais é distinguir um conteúdo adequado ou não para os pequenos. Se, além
Sem uma legislacao especifica, as criancas assistem àquilo que emissoras
de mantê-los longe da bagunça por alguns minutos, o programa tiver conteúdo educativo, os pais influenciam seus filhos a gostar dele. Beatriz Rosember, a responsável pelos programas infanto-juvenis da TV Cultura, em entrevista a Vitor Casimiro do site Educacional (www.educacional.com.br), diz, acerca dos conteúdos infantis da maioria dos canais brasileiros, e nos faz entender que este é um problema não respeitado pela mídia do país: “Enquanto for uma coisa aberta, no estilo cada um faz como quer, ainda haverá muita porcaria. Tudo depende de uma legislação que regulamente os programas infantis. Com a lei atual, a gente fica sem ter como garantir qualquer tipo de qualidade na televisão. A nossa legislação obriga a ter uma quantidade ‘x’ de programas educativos, mas o que você acaba vendo é uma programação em horários tipo 5 horas da manhã. Além disso, como ninguém está produzindo com essa finalidade, a programação obrigatória é de interessa às má qualidade, todo mundo
passa a mesma coisa.” Mas o que faz um conteúdo se tornar educativo? Se tomarmos o processo educativo como transformador das práticas sociais, no qual há o reconhecimento e a identificação na construção do conhecimento - proposto por Paulo Freire - verificaremos que, como afirma Adriana Maricato de Sou-
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Enquanto for uma coisa aberta, no estilo ‘cada um faz como quer’, ainda haverá muita porcaria
za, mestre em comunicação pela ECA, “o fenômeno dos programas educativos também se insere nos padrões gerais da Indústria Cultural na América Latina. As emissoras públicas são ‘mercado’ para as produções educativas estrangeiras, produz-se muito pouco - não há
recursos financeiros, investimentos na formação de recursos humanos, e não se acumula experiência - e também não se produz reflexões sobre a produção nacional de educativos. A produção carece de informação sobre a identidade do público alvo”. Programas como Castelo RáTim-Bum e Cocoricó, além de documentários estrangeiros exibidos nas emissoras estatais, são exemplos de conteúdo que agradam aos pais mais exigentes. De acordo com João Luís de Almeida, Editor do portal Planeta Educação (www. planetaeducacao.com.br), a família e a escola devem ter uma atuação firme na seleção da programação das crianças. Além de acompanhar os programas que as crianças assistem para filtrar e orientar o que é desejável, deve-se cobrar uma programação adequada das emissoras. Almeida dá a dica: “Podemos, inclusive, gravar os conteúdos que são veiculados em horários impossíveis para as crianças – manhãs de sábados e domingos – e apresentar para eles quando não há alternativas adequadas na programação da TV”.
Como classificar? ‘Rankeamento’ das universidades brasileiras divulgado pelo MEC divide opiniões ............................................................... Luli Teixeira
tuições. Em São Paulo, além da Unifesp, a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) também entrou na lista. O Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro foram representados por duas instituições cada, sendo a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO), a única instituição particular entre as dez melhores na escala do MEC. Quanto às 10 piores, quatro universidades da “lanterna” são paulistas, todas particulares: Universidade do Grande ABC (UniABC), Universidade de Santo Amaro (Unisa), Universidade Ibirapuera (UNIb) e Universidade Bandeirantes de São Paulo (UniBan). Mas a pior universidade do país, segundo o MEC, é estadual e fica em Alagoas: a Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal).
Quem não participa Nem todas as instituições de ensino superior estão presentes no ranking do MEC. Das 1837 cadastradas em 2008, somente 1448 possuem um IGC e puderam entrar na classificação. Entre as universidades que não participam do ranking estão as recém criadas,
que ainda não possuem formandos em seus cursos e, dessa forma, não têm a nota do Enade para que seu IGC possa ser calculado. Duas tradicionais instituições do estado de São Paulo também ficaram de fora, pois não participam do Enade por opção: a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Elas criticam, principalmente, o sistema de amostragem da avaliação, que seleciona somente alguns estudantes para realizarem o exame, o tipo de prova aplicada aos ingressantes e a premiação oferecida aos alunos que obtêm as melhores notas. O estudante Maurício Carva-
lho, que cursa o 3° ano de música na USP, apóia a iniciativa de sua universidade. “Acho que a USP faz bem em não participar. Os critérios de avaliação do MEC são extremamente duvidosos, principalmente o Enade, que eu acredito que avalia muito pouco as reais condições de ensino nas universidades do país”, afirma o estudante. Neste ano, a USP está em negociação com o governo para avaliar a possibilidade de participar do Enade, entrando para o ranking das universidades brasileiras. A Unicamp, até o momento, não entrou nas negociações. © Luli Teixeira / CONTEXTO
No início de setembro, o Ministério da Educação (MEC) divulgou o ranking das melhores universidades do país. O indicador utilizado para a classificação foi o recém criado Índice Geral de Cursos (IGC), que engloba em um único índice a qualidade dos cursos de graduação, mestrado e doutorado das instituições de ensino superior do país. A nota de cada universidade é calculada a partir da média do conceito fixado pelo Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) para os cursos da pós-graduação e do Conceito Preliminar de Curso (CPC), que avalia a graduação. O principal indicador do CPC são as notas dos alunos no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade). Além disso, o IGC avalia a infra-estrutura, as instalações, os recursos didáticopedagógicos e o corpo docente das instituições. Para a estudante Denise Galvão, que está no 4ª ano de jornalismo na Universidade Paulista (UNIP), a classificação do MEC é importante para os alunos terem noção da qualidade da universidade em que vão estudar, mesmo que os dados não sejam totalmente precisos. “Acho que é uma iniciativa boa, pois dessa forma os estudantes podem ter uma idéia da qua-
lidade do ensino da universidade que vai escolher ou escolheu. Digo ter uma idéia porque não acredito ser uma estatística precisa. A universidade é uma base, mas o conhecimento não vem só dela e por isso acho que não dá para avaliar a capacidade de um aluno por uma nota generalizada da universidade em que ele estuda. Sendo assim, quando vejo a colocação das universidades, acho que aquela nota pode ser algo aproximado, mas nunca o real”, afirma a estudante. O primeiro lugar do ranking ficou com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que obteve 439 pontos em uma escala de 0 a 500. O resultado veio a calhar para a imagem da universidade: a lista foi divulgada duas semanas após a renúncia do então reitor Ulysses Fagundes Neto e de toda a alta cúpula da universidade, por suspeitas de mau uso do cartão corporativo. Em entrevista ao portal de notícias Gazeta Online, a pró-reitora Lúcia de Oliveira Sampaio reitera que a posição da Unifesp na lista do MEC não tem ligação com a crise política da universidade: “A avaliação tem um outro sentido, que mostra se a universidade está indo bem ou não. E os resultados mostram que a Unifesp está indo bem”. Quatro estados garantiram as dez primeiras colocações do ranking. Minas Gerais conseguiu o maior número: quatro insti-
A USP é uma das Universidades estaduais que se recusa a participar da avaliação e do ‘rankeamento’ propostos pelo MEC
Contextoo
^ Ciencia
Outubro de 2008
Compreender o mundo ou destruí-lo?
Entre o medo e a esperança: a dupla hélice da Genética
Investimento de quase 4 bilhões de euros poderá revolucionar a ciência, apesar de rumores sobre uma possível catástrofe
Manipulação do DNA – humano ou não – acende discussões e coloca perguntas que envolvem ética, saúde e interesses diversos
.............................................................. Gabriela Nascimento
.............................................................. Aline Naoe
© Priscila Medina / CONTEXTO
A dupla hélice do DNA: das ervilhas de Mendel à possível clonagem humana
de ‘demonização’ do DNA. É só mencionar esta palavra para que os responsáveis por uma série de órgãos controladores desenvolvam um horror instintivo, imaginando uma série de condutas irresponsáveis”, lamenta o professor Francisco Salzano, ex-presidente da Sociedade Brasileira Genética e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ainda que detenha maior apoio popular, a utilização de célulastronco em pesquisas é um tabu ainda não totalmente superado, por envolver questões éticas e religiosas. O Brasil está preparado para as pesquisas com célulastronco, então? “Lógico”. É a resposta da Dra. Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Mayana também é fundadora da Associação Brasileira de Distrofia Muscular. Essa doença causa a fraqueza progressiva dos músculos e sua degeneração, de modo que a maioria dos pacientes acaba perdendo a capacidade de caminhar, por exemplo. O desenvolvimento da Genética, com o avanço das pesquisas com célulastronco, representa a possibilidade de cura para essas pessoas e atribui a essa área do conhecimento uma dimensão muito maior. “Uma coisa é você chegar e ver uma cadeia de DNA, outra coisa é você ver o sofrimento da família, ver a expectativa que essas pessoas têm sobre aquela pesquisa”, observa a bióloga. Os estudos em Genética prometem grandes marcos para a humanidade, embora grande parte desses avanços esteja prevista para daqui a muitos anos, e embora, mais do que respostas, esses estudos tenham trazido ainda mais perguntas. Ao que Mayana rebate: “A grande vantagem de ser cientista é que você vive sempre envolvido com perguntas e é isso que te move, isso é o que te incomoda e o que te faz querer descobrir as coisas”.
ria, consegue-se entender como o universo existe e do que é feito”, reitera o professor Noronha. Para ele, mesmo que o modelo padrão seja resolvido, isso não irá afetar tão direta e rapidamente a sociedade, mas o desenvolvimento tecnológico em torno do projeto gera impactos imediatos. Há mais de 20 anos, de maneira semelhante, o Cern - Organização Européia para a Pesquisa Nuclear (entidade multinacional que gere o LHC) - desenvolvia a Internet como ferramenta de apoio aos cientistas. “Pode ser que daqui a 20 anos tenhamos uma outra revolução como a Internet, baseada em algumas das ferramentas desenvolvidas agora”, prevê Cosentino. Apocalípticos e integrados Um dos motivos da grande polêmica em torno do LHC foi a possível capacidade que o experimento teria de originar buracos negros que “sugariam” toda a matéria ao redor e acabariam com o planeta. Noronha esclarece que, ao supor que o universo primitivo tenha relação com os buracos negros, quando o LHC simula algo parecido com esse universo, surgem as especulações. “Mas é altamente improvável que isso aconteça. Se a evolução da Ciência for bloqueada por conta desse medo, deixaremos de ter inúmeros benefícios”. O professor membro do Grupo de Física Nuclear Aplicada de Londrina, Marcos de Castro Falleiros, reforça que a maioria dos pesquisadores considera os riscos mínimos. “Sempre existem aqueles que gostam de afirmar um grande caos. É uma velha tática para ter espaço na mídia. O universo produz eventos muito mais agressivos que o LCH: supernovas, buracos negros e tudo mais, e ainda estamos aqui para estudá-los e compreendê-los”, acrescenta. Segundo Cosentino, os auto-
res da acusação contra o LHC fizeram a mesma acusação há nove anos, contra um outro acelerador - o RHIC - localizado em Nova Iorque. Ele afirma que, tanto na época do RHIC como agora, físicos de respeito fizeram detalhados estudos mostrando que os aceleradores são perfeitamente seguros. Defeito inesperado Apesar de toda a expectativa, o LHC teve recentes problemas e foi desligado por medida de segurança. No dia 19 de setembro, uma pane em um dos setores do acelerador resultou no vazamento de gás Hélio, utilizado para manter os ímãs em temperaturas extremamente baixas. Com esse vazamento, a temperatura sobe e torna impossível a operação do ímã. O período de conserto do vazamento envolve um processo de resfriamento e reaquecimento do aparelho, sendo estimado cerca de dois meses até que o LHC retome as atividades. O Cern garante que o incidente não envolve riscos e só confirma a eficiência do sistema de segurança. Além disso, Cosentino pondera que a parada indesejada permitirá alguns ajustes no ALICE para a coleta de dados de melhor qualidade e até mesmo em maior quantidade.
O maior acelerador de partículas do mundo, o LHC (Large Hadron Collider) entrou em funcionamento no dia dez de setembro, e causou grande polêmica em todo o mundo. Localizado na fronteira da Suíça com a França, o equipamento vem sendo desenvolvido há cerca de vinte anos. O LHC é um túnel circular de vinte e sete quilômetros, situado abaixo da terra, que fará uso de eletroímãs para acelerar feixes de partículas, produzindo um feixe de prótons em cada sentido (horário e anti-horário). “Quando há a colisão desses feixes, os prótons desintegram-se e mostram sua subestrutura, ou seja, sua composição. Essa subestrutura será detectada e analisada”, explica o professor de Física da Unesp, Paulo Noronha Filho. Alguns experimentos, como ALICE, ATLAS, CMS e LHCb ficam localizados justamente nos pontos de intersecção dos feixes. Eles detectam o que ocorre nas colisões, e são usados por cientistas de vários países para analisar os resultados. Também há pesquisadores brasileiros envolvidos no projeto, como o professor doutor Mauro Rogério Cosentino, que trabalha em Genebra, no experimento ALICE, pela Universidade de São Paulo. Ele Mas o que são hádrons? afirma que a quantidade de inAs partículas que compõe o formação a ser coletada é enorátomo são muito mais do que me. “Estima-se que a análise leve prótons, nêutrons e elétrons, cerca de um ano até os resultados como se pensava. Hoje, sabemais impactantes ficarem pronse que existem estruturas metos”, calcula Cosentino. nores dentro dos prótons e dos Entre os objetivos do LHC, está nêutrons e algumas partículas a comprovação da existência de elementares que conferem partículas elementares, previstas união e estabilidade ao núcleo teoricamente pelo modelo padrão do átomo. Portanto, todas as da Física, estabelecido em meados partículas que compõe o núdos anos 70. Entre elas, estão a parcleo agora são denominadas tícula “Bóson de Higgs” e partícuhádrons. las supersimétricas. Caso seja comprovado que este padrão está equivocado, será necessário repensá-lo. “O objetivo parece pouco, mas, a partir do momento que se estabelece a constituição total Funcionando desde setembro, o acelerador de partículas busca a comprovação da existência de partículas da maté- elementares
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Se a Ciência for bloqueada pelo medo, deixaremos de ter benefícios
LHC: grande colisor de hádrons
© Divulgação
Quem se espanta com os avanços que a Genética tem feito e teme estarmos “brincando de Deus” não deve desconfiar que foi um monge austríaco quem deu os primeiros passos para que hoje pudéssemos chegar ao ponto de cogitar a clonagem humana. Foi Gregor Mendel, considerado o “pai da Genética”, quem conseguiu dar uma explicação ao modelo que Darwin havia elaborado para a evolução, explicando a hereditariedade. E isso, utilizando ervilhas. Atualmente, a Genética abrange múltiplas aplicações, tais como em medicina legal e criminologia, além das pesquisas em saúde e em melhoramento animal e vegetal, suscitando discussões éticas e, ao mesmo tempo, criando esperanças. “Há aqueles que têm expectativas negativas e que acham que manipular o DNA é até mexer com a criação”, diz Walter Colli, professor do Departamento de Bioquímica da Universidade de São Paulo e presidente da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia. Mas Walter ressalta: “Os países que adotarem essa tecnologia para a saúde, a agricultura e o ambiente serão os países líderes”. A questão dos transgênicos, com a qual a CTNBio lida ao aprovar ou rejeitar sua liberação comercial e ao estabelecer normas de segurança, provoca exaltação de ambientalistas e pequenos produtores, além de parte da comunidade científica. Isso por que envolve aspectos não só da saúde humana e do meio ambiente, mas também da economia e dos rumos da agricultura. “Não se deve esquecer que os organismos geneticamente modificados são apenas produto de uma tecnologia que procura beneficiar o homem”, diz Colli. “Há muitas empresas brasileiras públicas e privadas que estão usando essa técnica para melhorar características favoráveis aos cultivos. Mas como o cachimbo faz a boca torta, esses grupos [contrários aos transgênicos] não perceberam que o mundo e o Brasil mudaram”, completa. E o Brasil mudou a ponto de aprovar a Lei de Biossegurança, em 24 de março de 2005. Nesse dia, o presidente Lula sancionou a lei que regulamenta as pesquisas e a comercialização de transgênicos, bem como os estudos com célulastronco embrionárias para fins terapêuticos, a despeito dos protestos de vários setores da sociedade. “A proliferação de conselhos de bioética em todo o país – em si, um desenvolvimento positivo – levou paradoxalmente ao que eu chamo
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Especial
Outubro de 2008
Direito real de escolha
O voto facultativo pode ser o início do processo de melhora na política brasileira, mas, sozinho, não é suficiente .............................................................. Maya Pauliez
A adoção do voto facultativo no Brasil é um assunto delicado, há muito discutido e que ganha destaque nos períodos de eleições. Mas a principal dificuldade em abordar o tema está no fato de que tudo que se diz a respeito não passa de suposição, opiniões pessoais. Em defesa da não obrigatoriedade do voto, os mais variados pontos de vista devem ser levados em consideração. A justificativa mais utilizada é a forma como o direito democrático ao voto foi transformado em um dever. É o que pensa o fundador do tablóide Campinarte Dicas e Fatos - Informativo Comunitário, Huayrãn Ribeiro, que acredita ser o voto facultativo a única forma de acelerar o desenvolvimento social do país.
“São direitos sociais: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, entre outros. Isso só será possível com uma democracia ampla, geral e irrestrita. Não posso conceber essa democracia ideal com o voto sendo obrigatório”, define Ribeiro. O dono da maior comunidade do site de relacionamentos Orkut a favor do voto facultativo, Welington Hranhuk Pereira, 19, também acredita que a democracia brasileira treme quando se trata do processo eleitoral. “Se o momento mais alto de nossa liberdade, em uma democracia, consiste no voto, então por que serei forçado a votar, por que eu não poderia escolher não escolher, decidir não participar do processo eleitoral?”, são questio-
namentos da comunidade. Em entrevista ao Contexto, Pereira disse que a descrença com a política e com os políticos, é outro fator que o motiva a apoiar o voto facultativo. “Todo mundo fala que você, eleitor, tem o poder de mudar. E isso é uma verdade. Mas chegam as eleições e você tem sempre os mesmos candidatos (ladrões, corruptos), aí seu voto é obrigatório e não importa em quem você votar, vai dar na mesma. Ou não muda nada ou piora”. Essa descrença muitas vezes leva os favoráveis ao voto facultativo a não participarem das eleições. É o caso do pesquisador de História do Brasil, Sílvio Rosa Santos Martins. “No ano 2000 eu decidi que não participaria mais de nenhuma eleição. Desde então pago com o maior prazer do mundo a multa que hoje é de R$3,51”.
© Maya Pauliez / CONTEXTO
Compreender para escolher
“No meio de tantas opções, o não escolher ainda é apenas uma discussão”
.......................................... Carina Brunialti Maya Pauliez
Todo ano eleitoral é a mesma coisa. Muito se discute sobre a necessidade do voto consciente, do conhecer bem o passado de seu candidato e do cuidado que se deve ter para não acreditar em promessas infundadas. Mas o que sempre deixa a desejar é uma explicação elaborada sobre o que são, realmente, as eleições. Pontos importantes deixam de ser discutidos e, assim, muitas dúvidas permanecem não esclarecidas. Apesar da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabelecer que a educação básica deva assegurar a formação comum e indispensável para o exercício da cidadania (que inclui o entendimento do processo que envolve a escolha dos governantes do nosso país, para que depois possamos votar de maneira consciente), muitos eleitores não têm sequer noção do que estão fazendo diante das
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“Seu voto é obrigatório e não importa em quem você votar, vai dar na mesma. Ou não muda nada ou piora
Contextoo
Para ele, o problema também é o modo como quem não vota é punido. “O cidadão que não comparece para votar sem justificativa sofrerá sanções como não participar de concursos públicos, não poder tirar passaporte, entre outras coisas.”
Em teoria Como ficaria o cenário político brasileiro se o voto fosse facultativo? De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos (AB-
Participar das eleições não é somente cumprir o dever de votar: conhecer o processo eleitoral permite ao eleitor fazer uma escolha consciente urnas de suas seções eleitorais. E não se pode culpá-los. Em nenhum nível da educação, essa consciência cidadã é ensinada ou cobrada, e acabamos ficando à mercê de nós mesmos, num ambiente bastante propício para a propagação de mitos, por exemplo. Em primeiro lugar, deve-se compreender que muitas coisas relacionadas às eleições, que acreditamos estarem descritas na Constituição do país, são, na verdade, elementos do Código Eleitoral Brasileiro. A primeira delas é a questão da obrigatoriedade ou não do voto. Segundo Luciano Olavo da Silva, especialista em Direito Eleitoral e chefe do cartório da 23ª Zona Eleitoral de Bauru, “a Constituição apenas estabelece que as eleições sejam de forma direta. A única coisa que estabelece o voto obrigatório é o código eleitoral que é uma lei complementar e pode ser alterada”. De acordo com a Constituição, no Brasil, o voto é direto, secreto e universal. Direto, porque só o eleitor, em pessoa, pode se apresentar para votar. Secreto, porque ninguém pode conhecer o voto de outra pessoa, a não ser que ele seja proclamado pelo próprio eleitor. Universal, porque todas as pessoas alfabetizadas entre 18 e 70 anos têm direito ao voto e o dever de exercê-lo. O voto é facultativo para analfabetos, para os maiores de 70 anos, e para aquelas pessoas entre 16 e 18 anos que, apesar de já poderem portar título de eleitor, não têm obrigação de comparecer ou justificar sua ausência no período de eleição.
Ainda sobre a caracterização do eleitorado brasileiro, Silva observa “Uma coisa que pouquíssimas pessoas sabem é que aquelas pessoas entre 18 e 70 anos que tenham algum problema que torne a ação de votar algo extremamente oneroso, podem pedir à justiça eleitoral que essa obrigatoriedade seja facultada”. Ou seja, pessoas que tenham qualquer tipo de doença que as torne incapazes de se locomover, permanentemente ou por períodos não pré-definidos, e que, por isso, não conseguiriam se dirigir aos locais de votação, podem pedir que seu voto se torne facultativo, para que não sofram as sanções eleitorais.
Não
é tão complicado quanto
parece
Alguns conceitos e nomes comuns ao período das eleições parecem complexos, mas na verdade são fáceis de compreender. A idéia de que entender pontos importantes é uma missão impossível é o principal motivo, não só da criação, como também da propagação de mitos eleitorais. Como exemplo, a questão dos votos brancos e nulos. Não, votos brancos não são contabilizados para candidatos que já estejam em vantagem numérica, nem votos nulos “ganham” uma eleição. Na realidade, a diferença entre votar nulo e votar em branco, no entendimento do Superior Tribunal Eleitoral, é que ao anular o voto, o eleitor abdica do seu direito de participação no processo eleitoral. O voto branco representaria a não escolha entre os candidatos. Essa diferença fica clara no momento
Contextoo
Especial
Outubro de 2008
Na prática Conversamos com o brasileiro naturalizado norte-americano
Lucas de Lima, que, apesar de estar em um país em que o voto é facultativo, acredita que este deveria ser obrigatório. “É o único jeito de garantir que o líder eleito realmente esteja representando a ideologia de um país, mas isso só funciona quando os cidadãos têm alto nível de cultura e educação”. Sobre a participação política dos estadunidenses, de Lima afirma que “nem a metade dos americanos vota. Apesar de ser um dos principais problemas, a não obrigatoriedade do voto não é o único. Temos também a fraca educação sobre política. O resultado desta ignorância é a falta de interesse em tentar transformar a situação atual”. Outro ponto abordado por de Lima é a falta de interesse político dos jovens no país. “Não são muitos jovens que falam da política. Dizem que o Obama tem animado a juventude americana como um candidato representativo do tecido social do presente. Diria que a parcela mais participa das discussões é composta por estudantes universitários e, dados os baixos níveis de matriculados, comparado com outros países do primeiro mundo, esta parcela não é grande”.
No chão, marcas da descrença: a não obrigatoriedade do voto poderia fazer eleitores mais interessados e menos papel jogado fora...
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© Priscila Medina / CONTEXTO
em que se estabelecem o quociente eleitoral e partidário, ou seja, aquele que determina o número de cadeiras que cada partido ocupará. Na contagem são incluídos os votos brancos, mas não os nulos. Mas como é calculado esse quociente? Em primeiro lugar, deve-se compreender que, ao votar em um candidato elege-se primeiro o partido. Dessa forma, cada voto contabiliza um voto para o partiLuciano Olavo da Silva, chefe do cartório da 23ª Zona Eleitoral de Bauru, acredita que o problema com o eleitorado brasileiro é a falta de informação.
A idéia de que entender pontos importantes é uma missão impossível é o principal motivo (...) da propagação de mitos eleitorais.
do, e não necessariamente para a pessoa. Silva explica que, “depois que termina a eleição, eles veri-
ficam quantos votos válidos cada partido recebeu, incluindo todos os votos que os candidatos receberam mais os votos de legenda. Divide-se essa quantidade pelo total de vagas oferecidas para cada cargo. É isso que se chama quociente eleitoral. Cada vez que o partido atingir esse quociente eleitoral, ele elege um candidato”. É pensando nisso que os partidos têm interesse em lançar a candidatura de pessoas famosas. Não que essas pessoas públicas não tenham o direito de se candidatar, muito menos que os eleitores não tenham o direito e a liberdade de votar nelas. O detalhe é que o voto em massa nessas pessoas garante mais cadeiras ao partido, que por vezes elege candidatos com uma quantidade pequena de votos. “Quando as pessoas votam, elas
© Maya Pauliez / CONTEXTO
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COP), professor Carlos Manhanelli, haveria queda no número de eleitores. Para ele, entretanto, essa queda não seria prejudicial, já que “teríamos maior qualidade no voto, no sentido de ir às urnas pessoas preocupadas com o destino político do país. Enquanto tivermos o voto obrigatório, teremos o voto em qualquer um”. Alterações também seriam sentidas nas campanhas eleitorais, que seriam mais interessantes, já que as pessoas deixariam de enxergar todo o processo como dever, e passariam a entendê-lo como direito. Ao contrário do que se pode pensar, Manhanelli afirma que as campanhas não seriam direcionadas a um público politicamente ativo, e sim “a todos, procurando mostrar a importância da política na vida democrática do país, do estado e do município, colaborando com o aumento no nível de conscientização política da população. Seriam obrigadas, por exemplo, a dizer para que serve um vereador, pois a maioria da população não faz nem idéia de pra que serve essa instituição”.
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Participação obrigatória Tido por muitos como antidemocrático, o voto obrigatório ainda é considerado indispensável no processo eleitoral brasileiro por especialistas
O voto obrigatório foi implantado no Brasil com o Código Eleitoral de 1932, para regulamentar um período de transformações institucionais que visavam dar credibilidade ao processo eleitoral, sendo justificado como uma necessidade para garantir a presença dos eleitores nas eleições. Naquela época, a principal razão para a adoção do voto obrigatório foi o medo de que uma participação muito pequena tirasse a legitimidade do processo, já que, por conta de impedimentos legais em vigor até os dias atuais, analfabetos não podiam votar. Isso em um país eminentemente rural, o que restringia o eleitorado a cerca de 10% da população adulta. Setenta e seis anos depois, nosso Código Eleitoral ainda se baseia na obrigatoriedade do voto, muito embora as preocupações em relação ao eleitorado tenham mudado bastante. Luzia Helena Herrmann de Oliveira, professora do departamento de ciências sociais da Universidade Estadual de Londrina, defende, em um de seus artigos, que “a obrigatoriedade do voto é uma medida institucional adotada em muitas democracias estáveis. E os motivos para essa adoção costumam obedecer a critérios políticos democratizantes, tais como conseguir a participação de grupos religiosos, minorias
políticas ou, simplesmente, garantir a presença da maioria nas eleições”. No entanto, em uma sociedade plenamente urbano-industrial como a atual, e após o período de redemocratização iniciado a partir dos anos 80, o tema da obrigatoriedade retorna e com tendência a eliminação da compulsória. Reformas políticas fervilharam em democracias do mundo inteiro, ajustando a vontade dos cidadãos à legislação. Mas, paralelo a isso, estudos mostraram que essas mudanças na legislação exerceram um impacto no comportamento eleitoral da população. Luciano Olavo da Silva, especialista em direito eleitoral, confirma, e diz que a história traz exemplos bastante claros disso. Foi o caso da Holanda, do Paraguai e da Rússia, que depois de aderirem ao voto facultativo assistiram a uma significativa queda na participação política de seus eleitores. Pensando em Brasil, Silva arremata: “como ainda há uma baixa adesão a esse tipo de participação democrática no país, se o voto não for obrigatório, seguramente, os números serão maiores com relação à abstenção”. Além da preocupação com uma abstenção em série, Paulo Henrique Soares, consultor legislativo do Senado Federal enumera outros argumentos sustentados pelos defensores do voto obrigatório. O ato de votar ser também um dever, o exercício do voto como fator na educação política do eleitor e o atual estágio da democracia brasileira, são alguns deles. O ensaísta Luis Eduardo Matta está de acordo com isso. Ele acredita que na sociedade brasileira ainda existem largos segmentos sociais que des-
conhecem completamente seus direitos como cidadão, e que o voto é um forte instrumento para que essas pessoas manifestem suas vontades. “É a democracia que, a despeito das suas inúmeras deficiências, ainda é o melhor sistema político possível.”, diz e ainda questiona: “Se o voto é tão importante, por que, então, queremos abrir mão dele? O voto é uma conquista extraordinária e, ao contrário daqueles que reclamam das eleições e vão às urnas com o semblante contrafeito, acredito que num país como o Brasil, ele deve continuar sendo obrigatório, pelo menos por enquanto”. A perspectiva do “pelos menos por enquanto” também persiste no discurso de Silva, que defende a prerrogativa de que a educação da sociedade brasileira não forma cidadãos. Logo, apenas quando a desigualdade cultural não mais interferir na capacidade de pensar e refletir do povo, é que poderíamos nos dar o luxo de flexibilizar o sistema eleitoral. “Eu não sou a favor do voto obrigatório, mas não há nível cultural na população que permita a facultatividade. Se as pessoas tivessem uma educação voltada para o exercício da cidadania, como está na lei, eu acho que não deveria ser obrigatório. Não agora, mas daqui a quinze ou vinte anos talvez, quando a mentalidade mudasse e as pessoas buscassem no exercício do voto o regime democrático que foi feito para elas participarem”.
elegem outras pessoas sem saber”, conclui Silva. O resultado desse mal entendido pode ser drástico. “Um cidadão só não pode fazer o que a lei proíbe. Um governante só pode fazer o que a lei permite”, declara Silva, ao explicar o porquê de se levar em conta o quociente partidário na hora de votar. “O par-
tido que consegue mais votos tem mais vagas, para que, teoricamente, consiga contemplar a proporção da população que ele representa. Mas os eleitores votam em pessoas e não na ideologia do partido”, conclui o especialista. Assim, em eleições municipais, por exemplo, muitas vezes o partido da maioria dos vereadores
eleitos faz oposição ao partido do prefeito eleito. Isso gera a chamada crise de governabilidade. O prefeito, não tendo base de apoio, não consegue concluir seus projetos e os vereadores não conseguem levar adiante seus trabalhos causando o descrédito e a ineficácia dos planos de governo.
Carina Brunialti
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Ecologia
Outubro de 2008
Contextoo
A ameaça é o fogo! As queimadas, freqüentes na época da seca, podem prejudicar o meio ambiente e a vida
Ar seco, nuvens escuras, mas só de fumaça. Chuva, mesmo, sempre falta. Essas são as situações climáticas de Bauru, localizada no centro-oeste paulista. A cidade fica próxima de municípios menores, que possuem usinas sucroalcooleiras, e aonde a pratica da queima da cana de açúcar acontece regularmente. O decreto estadual 47.700, publicado em março de 2003, proíbe a queima da palha da cana durante o dia, entre os meses de junho a novembro, quando o clima é mais seco e a umidade do ar chega a baixar para 30%. Nos locais em que a umidade relativa do ar é de 20%, ou inferior, são proibidas as queimadas em qualquer horário. Mesmo assim muitos fazendeiros desobedecem à regra e põem em risco a saúde da população e o meio ambiente. “Em nossas visitas de rotina na região, algumas vezes verificamos a queima, pois a fumaça pode ser vista de longe”, afirma Francisco de Lima, químico da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB) de Bauru. Ele conta que a CETESB, junto à Polícia Ambiental (e com
o apoio da população, através de reais, conforme a gravidade do número de ocorrências aumenta denúncias) procura fiscalizar os incêndio provocado. Segundo e a secretaria chega a registrar até Sidnei Rodrigues, Diretor do 130 denúncias. infratores. A queimada e a fuligem que ela Ele ainda afirma que, na época Departamento de Ações e Reda safra de cana de açúcar, a CE- cursos Ambientais da Secretaria produz, poluem o meio ambienTESB aplica, durante a colheita, Municipal do Meio Ambiente te, emitindo gases que destroem em média sete autuações na re- (SEMMA) de Bauru, a quei- a camada de ozônio, o que progião de Bauru. O proprietário mada urbana é, também, consi- voca o aquecimento global. Os que ateia fogo na cana de açúcar derada um crime ambiental. “A animais também sentem as condurante o dia está sujeito ao pa- situação em Bauru é bem com- seqüências do crime. Eles sofrem gamento de multa de 450 reais plicada, nosso problema maior ferimentos e muitos chegam a por hectare de terra queimada. é identificar quem executou a morrer queimados, presos nos “O pessoal está tomando mais queimada. Isso dificulta o traba- incêndios dos canaviais. Além do cuidado, evitando descumprir lho da secretaria na autuação”. O ecossistema, as pessoas também com a lei, mas infelizmente as diretor acrescenta que, nos meses sofrem devido à baixa qualidade pessoas ainda desrespeitam” con- em que o clima é mais seco, o do ar. “O proclui o quíb l e m a mico. pode ser Além da percebido queima com um da cana aumento de açúcar, do número em Bauru, de pacientambém é tes com proibida problemas a queimarespiratóda urbarios das na para a vias áreas limpeza de superiores terrenos e dos pulbaldios. A mões nessa multa para época de o infrator queimavaria de A colheita mecanizada da cana de açucar é uma das alternativas para evitar queimadas das”, é o 5 a 50 mil © Henrique Souza / CONTEXTO
.............................................................. Henrique Souza
que afirma o pneumologista Lindolfo Pinheiros. Ele afirmou à reportagem que não existem muitas maneiras de evitar os efeitos da queimada. “Recomendamos o uso nasal freqüente de soro fisiológico, e ingestão abundante de água para manutenção de um nível de hidratação satisfatório do corpo humano” explica o médico.
Outras medidas Para amenizar os efeitos da queimada urbana sobre o ecossistema, além de fiscalização, é preciso ajuda da população. “Acredito que um pouco de sensibilização e conscientização é o suficiente para evitarmos esse tipo de queimada” conclui Sidnei Rodrigues. Uma alternativa para evitar o incêndio da cana de açúcar é a mecanização do trabalho de colheita. O Protocolo Agro-Ambiental do aSetor Sucroalcooleiro Paulista, feito pelo Governo do Estado de São Paulo, pela Secretaria do Meio Ambiente, Secretaria da Agricultura e Abastecimento, junto à União da Agroindústria Canavieira, tem o compromisso de expandir a mecanização da colheita em 100%, até 2014.
O que a cidade tem a ver com isso? As muitas ligações entre o meio ambiente e o contexto urbano
.............................................................. Vinícius Borges
As questões ambientais, apesar de serem exploradas ao limite pela grande mídia, muitas vezes através da repercussão de clichês e agenda settings, não são facilmente compreendidas e assimiladas ao dia-a-dia das pessoas. Para tirar a prova, basta observar as atitudes simples do cotidiano. Não é difícil de se encontrar pessoas atirando embalagens nas vias públicas e em terrenos baldios. E essas pessoas certamente estão informadas acerca das conseqüências maléficas da poluição. Quando se fala em meio ambiente, é importante lembrar que as áreas urbanas se incluem nesse contexto tanto quanto as áreas rurais. A ambientalista Ivy Wiens ressalta que o meio urbano está muito mais exposto à poluição dos recursos naturais. Ela cita como exemplos a deposição de resíduos sólidos, a emissão de poluentes atmosféricos por empresas e por transporte, o consumo desenfreado que acaba gerando ainda mais resíduos, principalmente embalagens, e o desperdício de energia.
O problema que se apresenta, portanto, não é falta de informação, mas sim a ausência de um pensamento que consiga relacionar o meio urbano com a informação que se tem sobre ecologia. Somente através dessa relação, as questões ambientais poderiam se tornar mais palpáveis e mais fáceis de serem incorporadas pelas pessoas. No caso da poluição, por exemplo, pensa-se somente naquela que é gerada através das chaminés de grandes fábricas longínquas ou naquela que é produzida pelo lançamento indevido de dejetos nos recursos hídricos. A poluição acumulada em lixões devido à coleta seletiva incipiente fica esquecida, assim como a poluição produzida pelo uso exaustivo de veículos. Todos esses problemas carecem de atenção especial, no sentido de pensar soluções que tenham base na sustentabilidade, ou seja, no uso racional de recursos naturais, de forma a garantir sua preservação para as próximas gerações. Com esse objetivo, foi criada nos municípios a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, que
efetua ações visando a um desenvolvimento sustentável e atento às necessidades do meio ambiente. Tais ações são chamadas de políticas públicas de meio ambiente. Ivy aponta a demanda dessas políticas em Bauru: “Enfocando o município de Bauru, algumas medidas a curto prazo são necessárias: o tratamento dos esgotos domésticos, ampliação da arborização urbana, proteção dos remanescentes florestais, gerenciamento integrado de resíduos sólidos, infra-estrutura para o uso de transporte alternativo e limpo, como bicicletas, e a melhoria no sistema de transporte coletivo”, enfim, uma série de ações que contribuem para a redução da poluição, seja através da mudança de matriz (no caso da substituição do combustível fóssil pela bicicleta, por exemplo), através de uma gestão pública mais eficiente (como a ênfase na arborização urbana, que melhora a qualidade do ar e a saúde humana) ou da mudança de hábitos e padrões de consumo da população (que afeta diretamente a quantidade de resíduos gerada). Apesar de sua importân-
cia, a Secretaria do Meio Ambiente conta com poucos recursos do orçamento municipal (o que se reflete em vários âmbitos de governo, especialmente o federal). Essas restrições ficam expostas na cidade de Bauru, segundo a ambientalista, na crise crônica na limpeza pública e na gestão dos resíduos de forma geral. Além disso, ela ressalta o fato de Bauru se constituir em um mau exemplo para toda a região ao não tratar seus esgotos.
Por outro lado, a questão ambiental progrediu em alguns pontos por intermédio da Secretaria: “Como avanços, temos a criação de diversas unidades de conservação, a criação do Conselho Gestor das APA’s (Áreas de Proteção Ambiental), a ampliação da Central de Triagem dos Materiais Recicláveis, a obtenção de recursos para elaboração do Plano de Manejo da APA Água Parada e sua compensação ambiental”, enumera Ivy.
A questão do esgoto Bauru produz em média 884 litros de esgoto doméstico por segundo (vazão média). Todo esse esgoto é lançado sem tratamento no Rio Batalha e no Rio Bauru. O Rio Bauru, por meio de seus inúmeros afluentes (Córregos Água da Ressaca, Água da Forquilha, Água do Sobrado, Córrego da Grama, Água do Castelo, Ribeirão das Flores, Água Comprida, Córrego Barreirinho, Córrego Vargem Limpa e Ribeirão Vargem Limpa),
recebe 90 % de todo o volume de esgoto da cidade. Os outros 10 % são despejados no Rio Batalha. Devido à ausência de tratamento de esgoto, a saúde da população que vive nas favelas que ocupam os fundos de vale dos córregos (poluídos pelo esgoto) acaba ficando comprometida. Cerca de 30 mil pessoas são hospitalizadas por ano, no município, em decorrência de doenças gastro-intestinais.
Contextoo
Comportamento
Outubro de 2008
Reinventaram a família?
.............................................................. Mayara Tolotti
Com as mudanças sociais, principalmente nas últimas décadas, como a inserção da mulher no mercado de trabalho e o abandono da idéia do homem como o chefe da família, a socie-
“
Ainda perdura a idéia de que somente o modelo tradicional – casal heterossexual, unido religiosa e legalmente, com vistas à procriação – seja o correto ou, até mesmo, o “normal”.
dade viu-se obrigada a aceitar as diferenças, ou pelo menos, a conviver com elas. Para Denise, “a mudança mais significativa não foi nos laços familiares, mas no fato dos estudiosos, de todos que trabalham de alguma forma com família (profissionais da saúde, da educação, das áreas jurídicas etc.) e, mesmo da mídia, passarem a enxergar e a considerar como real a existência das múltiplas formas de organização familiar”. A união de pares homossexuais é um dos exemplos desses novos modelos de organização. Mesmo sem a legalidade do casamento, eles conquistaram alguns direitos com relação a determinados tópicos, como herança, plano de saúde, pensão em caso de morte, guarda de filhos e emprego. André Freitas, de 34 anos, e Tiago Ortiz, de 28, moram juntos há mais de quatro anos e, com uma vida já estabilizada, pretendem adotar uma criança. Para André, o gay tem a vantagem de ser mais sensível e, assim, conseguir transmitir carinho e atenção com mais facilidade aos filhos. “Eu quero passar carinho, princípios e valores para uma criança. Minha família foi
um exemplo para mim e eu também gostaria de ser o exemplo. Gostaria de passar os valores de fidelidade e respeito que existem dentro da minha relação”. Há também o fator biológico. Não há como contestar a importância simbólica dos “laços de sangue” (como as semelhanças físicas, os traços de personalidade etc.) dentro da nossa sociedade ibérico-oci- Comum? Pode ainda não ser, mas a família homoerética dental. Porém, ele vem se tornando uma tendência das relações atuais. não é quesito fundamental para a constituição de dade, a transmissão da cultura uma família. Ademais, os casos e a constituição de nossa identide adoção e o aumento de pos- dade. Precisamos de uma relação sibilidades das novas técnicas de familiar, não como um conceito reprodução desvinculam o bioló- unívoco, mas como um conceito plural: famílias” é o que ressalta gico do cultural e sociológico. Muito mais que laços biológi- Denise. Não importa o molde, a famícos e estruturas tradicionalmenlia continua sendo distinta de te definidas, família é o espaço qualquer outro espaço social e da privacidade e da intimidade, pode representar uma relação de e fator importante no processo de socialização dos indivíduos. aconchego, de refúgio e de ex“Nós não podemos viver sem es- pressão da individualidade. Tratarmos inseridos num grupo de dicional, monoparental, fraterna relação íntima, onde possamos ou qualquer outra que possamos viver nossos afetos, a solidarie- inventar. © Guilherme L. B. e Silveira
Família. Qual será o molde? Pai, mãe e filhos convivendo em harmonia? Ou então, afeto, cuidado, respeito e identidade? Questiona-se a essência da família e o que é necessário para constituí-la. Dentro de um leque de possibilidades, talvez a resposta ideal não exista. Ainda perdura a idéia de que somente o modelo tradicional – casal heterossexual, unido religiosa e legalmente, com vistas à procriação – seja o correto ou, até mesmo, o “normal”. Porém, as modificações nas relações humanas têm provocado mudanças nas estruturas familiares. Segundo a socióloga Denise Duarte Bruno, surgem novos conceitos, como “a família monoparental (um adulto e seus filhos), a reconstituída (um casal em segunda união com filhos de uniões anteriores), a homoerótica (um par do mesmo sexo, com filhos ou não) e a fraterna (grupo de irmãos vivendo juntos), entre outros”.
Estão se tornando cada vez mais corriqueiras as formas de organização familiar que destoam do tradicional
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© Divulgação
Expressão à flor da pele Apesar de milenares, as modificações corporais são consideradas símbolo de contemporaneidade
.............................................................. Ana Cláudia Lima
Tentando explicar o que significa ser humano, Erick Sprague se tornou o homem-lagarto
Tatuagens, piercings, alargadores. Se você não tem nenhum deles no corpo, com certeza conhece alguém que tem. Em um mundo extremamente visual, em que as pessoas buscam exprimir sua individualidade, as modificações corporais se fazem cada vez mais presentes. O termo “modificações corporais” – ou Body Modification, como é mundialmente conhecido – é usado para designar mudanças feitas no corpo de vários jeitos, desde o uso de produtos químicos até intervenções cirúrgicas. Os motivos que levam uma pessoa a aderir a essa prática são diversos, mas podem ser divididos em dois grandes grupos: primeiro, a vontade de seguir a moda vigente e, segundo, o compartilhamento de idéias e ideais por um grupo de indivíduos. O segundo grupo é mais especificamente estudado pela professora Beatriz Ferreira Pires no livro “O Corpo Como Suporte da Arte”. Para ela, vivemos numa época de banalização do nosso
corpo e, por isso, temos a necessidade de nos reaproximar dele e de estabelecer uma identidade que nos diferencie dos demais. Para isso, são usadas as “marcas pessoais” (as modificações corporais), que seriam uma forma de expressarmos nossos sentimentos, de concretizar algo do nosso interior e da nossa mente. No entanto, esse tipo de expressão nem sempre é bem vista pela sociedade, que muitas vezes associa modificações à criminalidade. T. Angel, como Thiago Soares é mais conhecido, representa bem o grupo estudado por Beatriz: “Utilizo meu corpo como minha mídia. Faço dele meu objeto de propagação de idéias. Procuro pensar e fazer pensar.” Ele começou a transformar o próprio corpo aos 16 anos, quando fez seu primeiro piercing, e desde então não parou mais: foram tatuagens, branding, escarifi-
“
cações, implantes etc. (vide Box). Hoje, ele é diretor do site Frrrk Guys (www.frrrkguys.com), que se auto define como “um projeto que tem como base explorar o universo masculino, fugindo do tradicional e mostrando que sensualidade não está apenas em músculos e, principalmente, que o ‘belo’ é bem relativo.” Para ser um frrrk guy é obrigatório que o candidato tenha modificações corporais, além da aprovação do seu ensaio fotográfico. Um dos exemplos mais conhecidos de modificação corporal é o americano Erick Sprague, mas conhecido como The Lizardman (“homem-lagarto”). Sua lista de modificações é extensa: tatuagem imitando escamas verdes de répteis por quase todo o corpo, língua bifurcada, alargadores, di-
Apesar de ser uma marca da atualidade, é preciso lembrar que a modificação corporal não é uma novidade. versos piercings, implantes subcutâneos acima dos olhos, dentes afiados para parecer com caninos, entre outras. Essa transformação começou com um projeto de faculdade sobre o que significa ser humano de um ponto de vista lingüístico. Para isso, o america-
no começou a tatuar uma textura de lagarto sobre a pele. Mas o projeto ultrapassou os tempos de faculdade e virou sua fonte de renda. Sprague faz shows há mais de dez anos, participa de diversas convenções, programas de televisão e abre shows pra bandas famosas, como Slipknot. Quando perguntado sobre o fim do seu projeto de transformação, ele responde que ainda não terminou, mas que espera que esse dia chegue. E ressalva: “Eu não vou dizer que eu terminei definitivamente, no entanto, podem surgir novas tecnologias e idéias que eu possa incorporar no meu trabalho”. Apesar de ser uma marca da atualidade, é preciso lembrar que a modificação corporal não é uma novidade. No Antigo Egito e em algumas culturas sul-americanas, como Maias e Incas, era colocado na cabeça do recém-nascido um dispositivo para aumentar o comprimento do crânio, pois quanto maior o tamanho do crânio, mais respeitado era o indivíduo. Existe um tipo de tatuagem japonesa que é feita com um conjunto de agulhas de madeira ou osso, chamada Irezumi. Estima-se que tenha surgido por volta do ano 10.000 a.C., quando era praticada por razões espirituais e decorativas. Não se sabe exatamente como surgiu o Body Piercing, mas se relaciona seu surgimento ao período da pré-história devido à descoberta de um homem das neves que possuía piercings
corporais e que foi chamado de Otzi. Antigos ou contemporâneos, estéticos ou ideológicos, o fato é que o Body Modification anda fazendo a cabeça – e o corpo – de muita gente pelo mundo.
Body Modification Existem vários tipos de modificações corporais. Algumas delas são:
Tatuagem: processo de pigmentação da pele através da inserção com agulhas na pele. É um dos processos de modificação corporal mais difundido no mundo. Piercing: perfuração do corpo para inserção de um objeto metálico. Existem os piercings estéticos e funcionais, estes são colocados nas genitais para aumentar o prazer sexual. Branding: desenhos feitos na pele com pequenas placas de metal aquecidas com um maçarico. Escarificação: técnica feita com um bisturi em que se usa a lâmina do instrumento para se fazer cortes, que formam o desenho na pele. Implantes: inserção de um objeto embaixo da pele. O implante pode ser totalmente subcutâneo ou apenas uma parte do objeto é introduzida, deixando o restante de fora.
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Cultura
Outubro de 2008
Contextoo
Paulistano ou nordestino?
............................................................... Juliana de Melo
Mês passado, São Paulo estava para quem gosta de cinema do nordeste. A 3ª Mostra de Cinema Nordestino trouxe 59 filmes arretados à capital paulista. “O objetivo foi mostrar que, antes de tudo, o cinema nordestino é cinema brasileiro e, portanto, é repleto de contrastes”, conta Kátia Camargo, a curadora do evento. Quem não viu, perdeu. Mas, para entrar em contato com a cultura nordestina em São Paulo, ninguém precisa esperar a próxima mostra: é só olhar ao redor. A cidade subverte a lógica territorial e é considerada a maior capital nordestina do país. Segundo o censo de 1996, 19% de sua população nasceu em estados nordestinos e, dados do Ministério da Integração apontam que, se contarmos também os seus descendentes, essa soma chega a mais de um terço da população paulistana. Esse contingente de migrantes é maior do que a população de qualquer cidade legitimamente nordestina.
ele sente a diferença e, mais do que isso, busca reconstruir essa cultura na capital dos paulistas”, afirma o antropólogo Cláudio Bertolli. Foi assim com Jasmim de Oliveira, 19, que nasceu em Ilhéus, na Bahia. Quando chegou a São Paulo, aos 11 anos, o que mais estranhou foi o frio e a agitação da cidade. “Lá era mais calmo”, ela diz. Já Gislaine Alves da Costa está em São Paulo há mais de 30 anos, e lembra que, quando chegou, o que mais estranhou foi o temperamento mais reservado dos paulistanos. Quando perguntadas o que fazem para se sentir mais perto de suas origens as duas afirmam recorrer a bens culturais: elas gostam de comer pratos e ouvir músicas típicas nordestinas. Mas, para Gislaine, o que faz mais falta são as festas: “Aqui as festas juninas não têm graça. É mais quermesse, né? Lá é festa, na rua, todo mundo vai, se diverte sem medo nem perigo”.
Pedaços do Nordeste em São Paulo
Gislaine não conhece o Centro de Tradições Nordestinas, mas se conhecesse era bem capaz de mudar de opinião. O chamado CTN, que fica na Marginal Tietê, próximo à ponte Júlio de Mesquita, é um espaço cultural voltado à população nordestina de São Paulo. Lá, são promovidos shows, saraus, além de um verdadeiro festival de culinária
nordestina oferecido pelas barra- nordestino em São Paulo, mas é, quinhas de comidas típicas. Entre também, uma necessidade de todo os shows populares, que atraem até ser humano: “Os indivíduos bus10 mil pessoas, a literatura de cor- cam iguais para poder exercitar os del e até mesmo uma capela devo- próprios padrões culturais, falar de tada ao grande astro do catolicismo igual para igual”. Outro espaço onde isso nordestino – o Padre Cícero – os migrantes e seus descendentes se acontece é o Instituto Brincante, encontram e se reconhecem. “No fundado pelo multi-artista perdia a dia, às vezes, eles têm medo de nambucano Antônio Nóbrega e se abrir, mas aqui encontram a cul- sua mulher Rosalina De Jesus, na tura deles. Eu vejo muito o quanto eles ficam felizes em encontrar alguém que saiu da mesma cidade, por e xe m p l o” afirma o produtor do CTN, Tiago Bernardo. P a r a Cláudio Bertolli, esse processo de reconhecimento é, em parte, estimulado pelo prec o n c e i t o Centro de Tradicoes Nordestinas: a reconstruçao da cultura sofrido pelo nordestina na capital paulista
© Fernanda Silva / CONTEXTO
Saudade de casa Mesmo com tantos conterrâneos na cidade, o nordestino sente logo o choque cultural quando chega a São Paulo. “O nordeste tem uma história própria, tem um conjunto de relações entre homem e natureza diferentes das do sudeste. Quando o nordestino vem para São Paulo
A cidade de São Paulo recebe, irradia e se funde à cultura nordestina Vila Madalena. O instituto nasceu como Teatro Brincante, onde eram apresentados peças e exposições de cultura tradicional brasileira, com destaque para a cultura popular nordestina. “O Brincante tenta resgatar uma visão de mundo, uma maneira de tratar o corpo, de viver a arte” explica Rosalina. Hoje, o Instituto é um centro de irradiação de cultura e investe em cursos de teatro, dança e música para educadores.
Misturando tudo Com tanto tempo de convivência, é natural que os costumes paulistanos e nordestinos se tornem cada vez mais próximos, como de fato acontece. Bertolli aponta, por exemplo, que o uso do limão em saladas ou o forró universitário são pontos de contato entre a cultura paulistana e nordestina. Na música, temos o movimento mangue beat, que propôs a fusão de ritmos tradicionais, como o maracatu, com o rock e a música eletrônica dos grandes centros urbanos. Essa mistura fez muito sucesso em São Paulo, para onde muitas bandas acabaram migrando, e é apontada pelo antropólogo Hermano Vianna como uma das últimas revoluções da música popular brasileira. Prova de que esse caldeirão de cultura rendeu bons frutos aos paulistanos.
Não é peixe, mas caiu na rede A internet cria novos caminhos para escritores e apreciadores de literatura ............................................................... Paola Fragoso
© Reprodução
No Brasil, segundo pesquisa realizada pelo Ibope/NetRatings, o número de internautas ultrapassou a marca dos 40 milhões, em 2008. Entre as pessoas que compõem essa considerável cifra, há milhares em busca de novos conteúdos na internet. Um deles, a literatura. Sob tal circunstância, foi fundada, em 2001, a Academia Virtual Brasileira de Letras, uma sociedade virtual de escritores e poetas que tem o reconhecimento da UNESCO e reúne sócios em Portugal, Espanha e Brasil. O trabalho da ABVL consis-
te em publicação de textos on-line, confecção de e-books, editoração de livros em papel e publicações de Antologias, além de concursos literários, encontros e reuniões para criar discussões sobre o desenvolvimento da literatura e arte virtual. Hoje, já são mais de 700 membros que contam com um sistema de postagem individual, o que permite aos próprios autores inserirem seus textos no site (www.avbl.com.br). Maria Inês Correia, idealizadora e fundadora da ABVL, acredita que “é necessário inovar com a literatura na internet”. Para garantir que as ações dos membros da Academia serão
Para quem acha que literatura depende de papel e impressão, vale a pena conferir o site da Academia Virtual Brasileira de Letras - www.avbl.com.br
voltadas nesse sentido, existe um estatuto que, no artigo sexto, estipula que seus membros devem se atualizar, a fim de produzirem inovações com relação à pesquisa na área tec-
“
é necessário inovar com a literatura na internet
nológica, transportando seus conhecimentos à arte de criar e escrever. Como um novo canal de abrigo e de divulgação, a internet influencia na produção e no consumo da literatura. Tito Alencar, escritor alagoense membro da AVBL, explica que “a internet facilita o trabalho de divulgação dos escritores pela rapidez e precisão. Ao escrever e publicar sua obra na internet, o escritor consegue levar sua obra para onde mais quer: o local em que será consumida”. Marcial Salaverry, que também faz parte da Academia, julga ter desenvolvido seu talento a partir do contato com a internet e, com isso, acredita que a internet é patrona de uma nova geração de escritores: os escritores virtuais, dos quais se considera parte. No entanto, diz que “parte dos consumidores e editores de literatura ainda se restringe à forma habitual de leitura,
o livro impresso, deixando de lado esse novo segmento que surge”. Para Gerson Filho, uns dos primeiros escritores a ingressar na AVBL, ainda há atraso na relação do mercado com a literatura virtual. “Percebo que há um enorme desinteresse das editoras e das revistas literárias mais tradicionais para com este segmento. Parece que os críticos e a parcela mais culta da sociedade estão presos ao passado e acreditam que a criatividade literária e poética no Brasil morreu e, por isso, não abrem os olhos para novos talentos”, expõe o escritor.
Virtualismo Para Maria Inês, o ato de escrever passa por um novo momento literário, a era dos escritores virtuais. E foi a partir desta consciência que a escritora fundou, em 2003, o movimento literário intitulado Virtualismo. Inicialmente, ele possui um ideal simples: utilizar recursos tecnológicos como formatações de cores, sons e imagens em textos, em busca de novidades que representem nossa época atual. No entanto, a idealizadora vai mais longe ao relacioná-lo ao último movimento literário expoente no Brasil – o movimento modernista. Ela diz não existir mais autores modernos desde o surgimento dos recursos da tecnologia. “Agora, ser poeta é desvendar segredos de lin-
guagens e sentimentos em uma época virtual que transforma tudo em bytes de conhecimento universal”.
Trecho do manifesto Virtualista Não vamos parar no tempo e nos perder no caminho. Queremos o tudo da Literatura. De todas as épocas temos nossa origem. Hoje, da informaçãoformatação à transformação. Do Real de todas as Épocas ao Virtual Contemporâneo criamos nossa estada em sites, usamos a tecnologia como ferramenta principal e inovadora, na formatação de nossas obras, idéias e ideais. Somos todos os “ismos”... e assumidos... nascemos a cada informação e crescemos em opinião SOMOS... em virtual’ismos. E não basta ser pouco, se o conhecimento está ao alcance de um “clique”. Fugir seria fingir que estamos alheios e negar nossas origens. Hoje, possuímos as formas, conhecemos as técnicas. E quando as letras pedem... Sons... Imagens... Colocamos cores e “sabores”. Pois, somos o que somos. Resultado de um tempo formado por buscas. Buscamos...
Contextoo
Esportes
Outubro de 2008
Mesmo sem apoio e visibilidade, o para-desporto brasileiro é destaque internacional .............................................................. Marcos Paulo Mendes
Nono lugar no quadro geral de medalhas, com 16 ouros, 14 pratas e 17 bronzes. Esta foi a participação brasileira nas Paraolimpíadas de Pequim, em contraste com as modestas 3 medalhas de ouro, 4 de prata e 8 de bronze conquistadas nas Olimpíadas realizadas em agosto, na mesma cidade. A diferença é gritante e, na maioria das vezes, não se compreende a razão dela existir. De fato, o Brasil tem atingido níveis altíssimos no paradesporto. Porém, alguns fatores não confirmam a versão ditada por muitos de que o Brasil seja uma potência paraolímpica. Segundo Marli Nabeiro, professora da disciplina de Educação Física Para Alunos Com Deficiência da Unesp Bauru, “o Comitê Paraolímpico dá bolsas, mas são poucas e o valor é baixo. Não existe, no Brasil, o estímulo da base. Muitos atletas e treinadores tiram do próprio bolso para cobrir os gastos com viagens, alimentação etc.”. Outros fatores, como a ausência de centros de treinamento específicos, a falta de investimento privado e a má capacitação de treinadores, fazem com que o termo “potência Paraolímpica” ainda esteja distante dos brasileiros. Tomaz Atanásio Filho, 50, é cego e treina natação desde o ano 2000, no SESI de Bauru. Para ele, “há um incentivo grande no para-desporto em algumas cidades como Campinas, São Carlos e Londrina. Mas, para se receber
recursos da União, o atleta tem que se destacar muito. É a única forma”. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, há atualmente mais de 750 milhões de deficientes no mundo, sendo que 80% deles encontram-se em países subdesenvolvidos, onde estão mais propícios a terem dificuldades para combater doenças como a poliomielite, e sofrem
“
Adoram fazer reportagens de superação no esporte, mas numa hora de mostrar isso na prática, ninguém nunca se apresentou
de inúmeros conflitos armados. Sendo assim, estes países conseguem levar uma delegação proporcionalmente maior às Paraolimpíadas do que às Olimpíadas, quando comparados aos países desenvolvidos, e atingem melhores resultados no para-desporto. Em 2008, a delegação brasileira foi de 188 atletas, apenas 30% menor que a delegação olímpica, enquanto que os EUA, por exemplo, enviaram cerca de 600 atletas para as Olimpíadas e apenas 213 às Paraolimpíadas, uma
diferença bem mais acentuada que a do Brasil. Mais recente que o esporte tradicional, o para-desporto surgiu para suprir uma necessidade de veteranos mutilados na Segunda Guerra. A sua divulgação e cobertura, no Brasil, ainda é esparsa e atletas medalhistas nos últimos Jogos questionam a cobertura da mídia, realizada somente no período que vai de uma semana antes até uma semana depois das competições. Para Edu Cesar, editor do site Papo de Bola (www.papodebola.com.br), “ainda existe discriminação com o esporte paraolímpico num geral, o que pôde ser atestado na própria Paraolimpíada, quando somente uma emissora de TV – fechada – transmitiu o evento. Adoram fazer reportagens de superação no esporte, mas, numa hora de mostrar isso na prática, ninguém se apresentou. Lamentável”. Apesar de todos estes obstáculos, os para-atletas brasileiros ainda sobressaem internacionalmente. Os resultados têm aparecido e o país aparenta certa evolução. Edu Cesar acredita que o país pode vir a ser uma potência paraolímpica. “Resultados em eventos com a nata do esporte mundial envolvida devem sempre ser enaltecidos”. Enaltecer sim, não ludibriar. Os resultados existem e deve-se trabalhar com eles e para eles, sem se esquecer de uma política esportiva agregadora. O Brasil possui mais de 20 milhões de deficientes e o esporte não é acessível a todos.
Brincadeira depois dos 40 Tomaz aprendeu a nadar aos 42 anos de idade e descobriu uma motivação no para-desporto ........................................................... Marcos Paulo Mendes Tiago Cesar
© Jota Mendonça / CONTEXTO
“Cavalo velho não pega marcha”. Assim pensava Tomaz Atanázio Filho, antes de adentrar no mundo do para-desporto já com 42 anos. Cego desde a infância, Tomaz se sentia totalmente limitado por sua deficiência, mas após conhecer o treinador André Barbosa, o
“cavalo velho” pegou marcha, sim. Há pouco mais de 7 anos, o deficiente visual começou a “brincar na água”, como ele mesmo assinalou. Mas, o que era para ser apenas uma brincadeira, tornou-se um meio de integração e desenvolvimento pessoal. “Alguns deficientes se agarram à música e às artes. Eu me agarrei ao esporte. A minha motivação é essa”. No princípio, Tomaz sentiu
grandes dificuldades no aprendizado da natação, mas soube fazer uso de um artifício especial, a audição extremamente aguçada. Apenas ouvindo, ele pode distinguir o bom nadador do ruim. Seu empenho somado a essa capacidade pessoal permitiu um aperfeiçoamento de sua técnica e o levou, inclusive, a participar de competições regionais. Apesar das dificuldades, Tomaz encontrou um novo horizonte no para-desporto. Mas segundo ele, “bom é o Phelps. Eu sou um nadador que se identifica com o nado livre: o resto é para inglês ver”.
Tomaz Atanázio Filho: “Eu me agarrei ao esporte. A minha motivação é essa”
© Jota Mendonça / CONTEXTO
País de para-atletas
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Doping tecnologico: as próteses fornecem ao competidor um impluso maior do ques as pernas humanas
Para-atleta: o futuro “super-humano”? Com a evolução das próteses, os para-atletas caminham para a superação do desempenho dos atletas comuns .............................................................. Tiago Cesar
Nos últimos anos, as próteses e os equipamentos paraolímpicos vêm se aprimorando num ritmo acelerado. Os índices e resultados dos para-atletas são cada vez melhores e mais próximos dos atletas olímpicos. Esta aproximação de desempenho das duas classes de desportistas já começa a causar “dor de cabeça” ao Comitê Olímpico Internacional. O caso mais ilustrativo dessa problemática, cada vez mais palpitante, é o do corredor sul-africano Oscar Pistorius, de 21 anos. Oscar não possui nenhuma das pernas e compete com próteses finas feitas de fibra de carbono. O aspecto de suas próteses lhe rendeu, inclusive, um apelido: “Blade Runner” (corredor lâmina).
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competir com seus pares”. Para ela, o desempenho não é critério: “Não importa se a prótese confere ao atleta vantagem ou não. O fundamental é que um atleta com prótese e outro sem, são diferentes”.
Sem próteses Este conflito de desempenho entre o desporto e o para-desporto existe apenas nas modalidades em que os para-atletas se utilizam de próteses e outros aparatos tecnológicos. Nas modalidades em que não são usados tais equipamentos, como na natação, estão havendo melhoras constantes nos índices, porém é praticamente impossível alcançar o desempenho dos atletas convencionais. Sobre isso, André Barbosa, professor de natação do SESI Bauru, cita o exemplo da classe S10, composta por nadadores 100% cegos: “Atletas da classe S10 nunca vão chegar ao nível de um atleta olímpico. A falta total de visão atrapalha bastante o desempenho”.
O centro da questão é a deficiência. O atleta deficiente deve competir com seus pares
Vantagem da lâmina Em janeiro deste ano, o sulafricano foi excluído das competições para não-deficientes por uma determinação da Federação Internacional de Atletismo (LAAF). A entidade alegou que as próteses lhe conferiam vantagem sobre os demais atletas. “Se analisarmos biomecanicamente, as próteses fornecem ao competidor um impulso além do que as pernas humanas poderiam dar”, explica Marli Nabeiro, professora doutora do Departamento de Educação Física da Unesp Bauru. Pistorius teve, portanto, uma espécie de “doping tecnológico”. Seu equipamento fez com que ele superasse sua própria deficiência e ainda lhe garantiu uma condição similar ao dos atletas de nível olímpico. E é neste ponto que está a “dor de cabeça” do COI. Se os para-atletas alcançarem os índices olímpicos, eles poderiam participar da competição? As próteses dão uma condição superior aos atletas que as utilizam? Para a professora Marli, o cerne do problema é outro: “O centro da questão é a deficiência. O atleta deficiente deve
Abismo Apesar dos bons resultados do Brasil nos jogos paraolímpicos de Pequim, o para-atleta brasileiro sofre com a falta de investimentos e de tecnologia paradesportiva, como afirma Azelino Zanata, nadador e deficiente visual: “Nós não temos apoio nenhum. Se não fosse o empenho do nosso treinador, não teríamos como continuar nadando”. Devido à falta de investimentos, o Brasil não consegue bons resultados nas modalidades que exigem próteses e cadeiras de roda. A tecnologia para-desportiva brasileira é bastante defasada. Enquanto as grandes potências caminham para a construção do “super-humano” e do conseqüente conflito da filosofia do esporte, o Brasil ainda tropeça na falta de preparo e apoio paradesportivo, dependendo, quase que exclusivamente, da habilidade e do esforço dos próprios atletas e treinadores brasileiros.
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Perfil
Outubro de 2008
Contextoo
Uma janela para Elvis “ As memórias de isopor de um homem desconhecido, com nome de astro do rock
.............................................................. Érica Nering
© Érica Néring / CONTEXTO
Ele era só um homem esquisito que tentava vender passeios de buggy enquanto eu caminhava pelo calçadão da praia. Até que o sol resolveu não aparecer em uma tarde ociosa. Resolvi perguntar sobre as praias que se poderia conhecer a bordo do tal carrinho motorizado. “Você vai encontrar doze cavalos marinhos e peixes enormes. O buggy é largo e selvagem, novo, com tração nas quatro rodas. São sete horas do passeio mais lindo”. Não conheci os cavalos marinhos, os peixes ou as praias. Mas fui convidada para uma conversa que me levou a lugares muito mais longínquos do que eu imaginaria ir, em um pequeno espaço de tempo. Elvis de Sousa Gondin tem 49 anos. Nasceu em Fortaleza, já viveu no Recife e hoje fixa sua residência em Natal, mais precisamente no calçadão da praia de Ponta Negra. Elvis vive ali 24 horas por dia e dorme em uma barraca de camping, instalada ao lado da mesa em que vende seus passeios. - Seu nome é Elvis de verdade? - É Elvis igual ao rei do Rock`n`roll. Nome que meu falecido pai me deu. Você gosta de Elvis? “Love me tender, love me sweet, never let me go...”. Tenho os discos todos antigos dele. Tenho o primeiro, que ele fez para a mãe dele. Ele era um cara tão bom de coração, que em vez de ele fazer a primeira música para a namorada, noiva, ou esposa, ele fez para a mamãe dele. Foi aí que ele tirou de sua barraca uma caixa de isopor muito velha e pesada. Com excessão de um colchão e um travesseiro, a única coisa que podia ser encontrada em sua “casa”. Era a sua caixa de relíquias: cerca de trinta discos de vi-
nil do Elvis Presley, presente de seu pai, e alguns DVDs piratas, também do rei do rock. Além disso, um pequeno pacotinho que continha as únicas provas de que Elvis era um cidadão: seus documentos. “Esse aqui tem a história completa dele, essa é a homenagem dos Beatles, ele com a filha do Frank Sinatra, uma homenagem do John Lennon, aqui é ele cantando música de igreja...”. Apesar de trabalhar vendendo passeios de buggy, Elvis acredita que seu maior trabalho é o que ele faz curando as pessoas das drogas. Ele já curou seis pessoas do vício, inclusive seu filho mais novo, que tem 15 anos e mora em Fortaleza. “Ele ia para o colégio e a gente pensava que ele comprava chicletes. Mas, na verdade, ele comprava maconha e ia fumar no banheiro”. Há três anos, tenta curar a Andréia, uma moça que um dia lhe pediu um real na praia e com quem ele namora. No dia anterior ao de nossa entrevista, Andréia havia passado na praia e avisado a Elvis que já fazia três semanas que estava limpa de drogas. “Depois que ela me disse isso eu fui andar pelo calçadão. Lembrei de uma música de Elvis, fiz uma oração. Eu estava andando com Jesus, com Deus, com os astros, daí eu
pulei de alegria de saber que ela havia parado com aquilo”. Elvis acredita que Andréia e as outras pessoas que têm esse problema, são uma mensagem espiritual para ele. Sua missão nesse mundo é ajudar as pessoas. E, para ele, a Igreja é um subsídio para sua missão. - A Universal tem uma força espiritual muito forte. Tem seiscentas e cinqüenta igrejas no mundo inteiro e está ultrapassando a Evangélica, a Presbiteriana, a Assembléia de Deus, a Batista. Tudo isso acabou. A Universal está mandando porque o Edir Macedo estudou, ele é formado. Apesar de ele pegar todo o dinheiro do povo, ele faz isso para fazer crescer a oração, para salvar almas, tirar as pessoas das drogas. Quem manda no mundo é o povo e o Edir Macedo está com o povo do mundo todo. A família de Elvis ainda está em
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Elvis mostra sua caixa com as preciosidades do xará famoso
Lembrei de uma música de Elvis, fiz uma oração. Eu estava andando com Jesus, com Deus, com os astros, daí eu pulei de alegria de saber que ela havia parado com aquilo
Fortaleza. Teve muitas mulheres, mas foi casado com uma só, a Maria de Fátima, dez anos mais nova que ele. Tiveram dois filhos: Quênia e Cleiton. Quando Maria estava grávida do segundo filho, uma noite ela puxou a orelha de Elvis para acordálo e confessou que era seguidora da Umbanda. “Escuta, eles me disseram que eu não vou voltar viva do parto”, foi o que ela disse. “A seita era tão forte na cabeça dela que ela só acreditava em umbanda, naqueles cavalos cheios de cobra embaixo. Era uma seguidora do demônio e isso a levou a um fim horrível. Eu sei que deu um problema na placenta e ela morreu. Eu fiquei tão triste”. Tanta tristeza o fez querer mudanças. Foi para o Recife, onde conheceu Matilde. “Mas se eu a chamasse de Matilde, ela me matava. Tinha que chamar de Kátia”. Viveu com ela quase dois anos e considera esse, um tempo sofrido. “Eu sou uma pessoa de paz e amor, ela só queria briga e confusão. Ela era descontrolada totalmente”. - Eu chegava em casa cansado de trabalhar, levava o dinheiro para pagar as contas e ela me destratava. Nessa época, eu estava andando na praia e conheci um homem que era psicólogo e ele me disse: “Senta aqui. Eu estou vendo que o senhor está cheio de problemas. Eu sou psicólogo, eu nasci para ajudar pessoas como o senhor e não vou lhe cobrar nada pela consulta”. Elvis contou toda a sua história com Matilde e o psicólogo lhe aconselhou a deixá-la um dia dormindo no quarto, levantar-se e ir para a janela. Ele deveria ficar ali olhando até encontrar a solução para o seu problema. - Eu resolvi tentar. Fui uma noite para a janela e fiquei olhando para todas as outras janelas. Fiquei martelando aquilo por quase duas horas e não sabia o que o psicólogo queria que eu encontrasse. Olhei para a minha janela e, de repente, entendi tudo. Eu estava ali, mas eu poderia estar em outra janela, com outra jovem e muito mais feliz. Então eu larguei a Matilde e vim para Natal. Quando chegou a Natal, Elvis trabalhava em uma pousada chamada Barcelona. Todo dia pela manhã, anunciava na rodoviária: “Pousada Barcelona. Lugar seguro e confortável, sem encrenca. Pague dez reais e só saia no dia seguinte”. Mas a crença dele não permi-
Fiquei martelando aquilo por quase duas horas e não sabia o que o psicólogo queria que eu encontrasse. Olhei para a minha janela e, de repente, entendi tudo
tiu que ficasse muito tempo nesse trabalho. “A gente tentou manter o local com o mínimo de decência, mas tinha muita prostituição, gente se matando com faca. Eu não me sentia bem ali”. Foi, então, que arrumou seu emprego de vendedor de passeios na praia. “Eles me pagam para eu ficar aqui, e, assim, eles não precisam pagar comissão para os gerentes dos hotéis”. O Elvis de Sousa inspirou-se no Presley, que originou seu nome, não só em seu gosto musical, ou nas músicas que freqüentemente cantava em meio à nossa conversa. A imagem que ele fazia do rei do rock era a de um homem em busca do bem, e essa foi a sua maior inspiração. “Eu tenho uma função espiritual. Eu livro pessoas de drogas, ajudo quem está passando na rua. Eu só passo a bondade, eu não posso fazer coisa errada, senão prejudica a minha bondade”. A vida inteira de Elvis foi uma busca incessante pela “espiritualidade”. Mas acredito que, no fim das contas, ele já a havia encontrado. Depois de quase duas horas de conversa, Elvis contou sua vida, mostrou seus discos, abriu as portas de sua vida para alguém que ele acabara de conhecer. Nos quatro dias seguintes que eu ainda ficaria em Natal, sempre fazia questão de passar para cumprimentar meu novo amigo Elvis. Ele sempre me recebia com um sorriso sincero estampado no rosto branco e maltratado pelo sol, com seus olhos da mesma cor do mar que compunha a paisagem de onde trabalhava e morava. Ele havia me dito que sua função era ajudar as pessoas. E, de certa forma, ele havia me ajudado a entender coisas da vida que a gente não pára para pensar. A primeira delas é que, nas pessoas mais improváveis, pode estar a sabedoria mais sábia. “A gente tem que dar importância para a nossa pasta de dentes, nosso sabonete, nosso garfo e para a nossa espiritualidade. É isso o que realmente importa na vida”, disse-me Elvis. É isso o que eu vou levar dele: a importância que devemos dar às pequenas coisas. E que a nossa felicidade depende de escolhermos a janela certa por onde olhar.
Contextoo
Outubro de 2008
Um olhar diferenciado O olhar do amor
Vitrine
Ficha Técnica:
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Diretor Geral Vitor Boletti Direção Musica (trilha sonora e Sonorização) Bernardo Marquez Direção de Atores e Maquiagem Palloma Carvalho Direção de Atores João Paulo Ogawa Direção de Fotografia e Efeitos Especiais Thiago Nassif Direção de Arte, Produção e Figurino Matheus Itami Roteiro, Ilustrações e Operação de Boom Marcelo Marchi Câmera Murilo “Snoop“ dos Santos Roteiro e Edição Alexandre Branco Borges Efeitos Especiais Lucas Morão
Com o título de “O olhar do amor”, o romance escapa da tela. Engana-se quem imagina um filme romântico, repleto de cenas de amor e paixão. “O olhar do amor” nada mais é do que um tiro que saiu pela culatra e acertou em cheio o sucesso do cinema amador. Produzido pelos alunos do 6º semestre de Rádio e TV da UNESP, o curta é baseado na obra de David Lapham, escritor britânico das chamadas graphic novels, histórias em quadrinhos para adultos. A história envolve dois capangas encarregados de se livrar do corpo de uma de suas vítimas. Em uma noite interminável, casos e acasos vêm e vão, endossados por tiros, corpos no chão e diálogos sem escrúpulos. O amor
confunde-se com uma obsessão, ou talvez até uma paranóia. Um olhar peculiar. O preto e branco das cenas endossa a frieza dos atos, confundida com a inconseqüência de um dos personagens. A edição trabalha com o visual das HQs, com ilustrações e efeitos especiais típicos dos quadrinhos. A produção completa do curta durou quatro meses, e envolveu dez alunos. O objetivo era produzir um filme como trabalho final de quatro disciplinas do curso de Rádio e TV da Unesp, no segundo semestre de 2007. Mas eles foram muito mais além. Após ter sido premiado na edição Sudeste da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação), o curta foi consagrado como o melhor produto na edição nacional do congresso, que acon-
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teceu em setembro, em Natal, no Rio Grande do Norte. Na categoria do Expocom Audiovisual, o curta foi considerado o melhor da modalidade Produto Dramático. Um prêmio para os alunos e um orgulho para a universidade. “O olhar do amor” é não só digno de estar em uma vitrine, como em exibições por aí afora. Natasha Bin viu de perto o êxito de “o olhar do amor”. Quer sentir como é “O olhar do amor”? O curta está disponível para download no portal da Intercom. É só acessar www.portcom. intercom.org.br/expocom/ expocomsudeste/, clicar na página de finalistas da Categoria A – Audiovisual 2008 e baixar o arquivo AVI do produto.
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Só o tempo dirá... Na nossa primeira edição do Contexto (n° 38) tentei explicar como era difícil dar uma cara nova para um jornal já estabelecido. São muitas as escolhas e mais ainda as opções que tive que fazer. Desde a letra que usaríamos nos títulos e em todos os outros “objetos” da página, até mesmo as cores de destaque da edição; no final tudo é minha responsabilidade (principalmente quando a escolha não é boa). Agora, chego à conclusão de que mais difícil do que foi “criar” o novo Contexto, é mantê-lo e atualizá-lo a cada nova edição, levando em conta as sugestões dos envolvidos (direta ou indiretamente – e são muitos) e minhas próprias análises. Espero que as escolhas deste mês não desapontem ninguém, mas, mais do que isso, tornem o “Contexto” um jornal cada vez mais agradável à leitura.
“Quem sobe nos ares não fica no chão, quem fica no chão não sobre nos ares” Uma foto que simbolize escolhas e que ao mesmo tempo não recorra ao óbvio das eleições. Difícil. O pensador de Rodin está distante demais para me servir de modelo. Muito menos quero apelar para o muito conhecido - e freqüentemente interpretado de maneira errada- “ser ou não ser” de Shakespeare. Lembrei-me de Cecília Meireles, com seu “Ou isto ou aquilo” que sempre me encantou. Mas não queria fazer referencia a luvas, doces ou dias de sol. Eram imagens leves demais para o efeito pretendido. Há no poema, entretanto, uma frase que sempre me cativou em peculiar: “Quem sobe nos ares não fica no chão, quem fica no chão não sobre nos ares”. Conversando sobre o assunto com a repórter Paola de Lábio,
ela me deu a idéia de uma pessoa se jogando de uma ponte. A princípio a referência ao suicídio chocou alguns membros da equipe Contexto, que se opuseram à foto. Mas o peso da imagem e o argumento para justificá-la ganharam a oposição: Oras! Não seria esta mesmo a mais dramática das escolhas que nos é permitida? Dizem por aí que a única coisa irremediável é a morte. Por conseqüência, a única escolha irremediável é a da morte ao invés da vida. A dupla referência do conceito, aliada à sorte de encontrar em Bauru uma ponte inacabada, à bravura da diagramadora Natasha Bin em ser minha modelo e à ajuda dos repórteres Aline Naoe e Jhonatas Mendonça possibilitaram o efeito da capa desta edição do Contexto.
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A
Outubro de 2008 Laís Barros Martins
Casa. Era tudo o que eu queria. Era tudo o que eu mais queria. No meio do caminho – não, quase chegando lá – uma surpresa. E surpresas nem sempre são agradáveis. Um susto. Duas meninas. Um moleque. Queriam minha roupa. Eu queria minha casa. Vamos negociar. Tenho dinheiro. Vinte pra cada e eu pra casa. – O que mais você tem de valor, moça? Eu?! Tanta coisa, quase nada. Corro. Corro de quê? Do estranho, do inesperado, daquilo que entrou no meu caminho. Não pediu licença, pediu minha roupa. Não convidei, não te conheço, não tive escolha. No dia seguinte, notícia de outra vítima próximo à padaria. Talvez o que mais quisesse fosse um pão. Pão com mortadela e guaraná sapão. Biscoito de polvilho, sequilho sequinho que dá água na boca, bolo de cenoura com cobertura melada brilhando ao sol do meio dia daquele outubro da minha infância. Ah! A cada escolha, uma renúncia. Eu uma semiburguesa vinda do sul de Minas para a cidade grande-interior de São Paulo e que, em vez da vida pacata com pão de queijo e vizinhos na calçada, quis estudar e quem sabe um dia trabalhar naquilo que quis estudar e eu que tenho pais e irmãos um em cada canto desse mundão de Deus e que peço a Ele a cada dia que os proteja, que os ilumine e eu que já amei, mas procuro um amor maior e que já briguei, já me magoei, já bati e já apanhei e eu que adoro dançar e sempre procuro um sorriso ainda que as lágrimas teimem em cair e eu que antes não cozinhava agora me viro que dá até gosto de ver e eu que já vi e que gosto do que vejo na imagem invertida do espelho
l g o d ã o d o c e
b a l a d e c a n h ã o
Carta, me faz um favor? Avise ao Medo que eu fiz as malas. Diga também que o endereço não é mais o mesmo, que não adianta mandar as contas para a rua das escadas de paralelepípedo que eu não estou lá, e não pretendo pagar mais nada. Já era hora de mudar meu repertório, ficar esperando a fonte jorrar chumbo cansou minha beleza. Dedicação pouco vantajosa essa, não aconselho a ninguém. Levar o Medo para passear não era sequer uma opção. Bagagem pesada demais estraga a coluna. A estrada anda meio esburacada, mas me pareceu mais interessante do que passar anos por conta desse abusado. Por favor, peço encarecidamente que não o deixe me seguir. Não diga a ele para que rumo eu fui nem para qual lado virei. Não é que eu tenha medo do Medo, eu só não quero mais manter o vínculo. Essa relação excessiva em receios. Avise a ele que comunista já não come mais criancinha e que os coronéis do sindicato rural pouco se importam com quem planta tomate. Anda meio desinformado esse coitado. Não acha? Esses dias, no desespero por um voto de confiança ele, precipitado, levou um punhado de gente a escolher depressa demais o boi chefe da maior bacia leiteira do país. Aliás, quantas vacas são necessárias para encher uma bacia do tamanho do nariz de Minas? Que
estranho, não achei no site do IBGE. Mas é só curiosidade, não se preocupe com esses detalhes, viu, Carta? Para ele pouco importa. Seria bom se ele estivesse ciente de que sua função anda meio desgastada. Diga que eu sugeri a ele que assistisse àquele filme Monstros S. A, sabe? Aquele dos monstrinhos de armário que descobrem que fazer rir é mais vantajoso do que assustar? É engraçadinho até, só não garanto que vá gostar. Seu mau humor só tem passado com uma garrafa de uísque e um charuto importado. Pensando bem, acho que é melhor esperar mais uns dias para se entregar a ele. Digo, não vá você se engraçar, não se deixe seduzir. O que quero dizer é que talvez seja melhor esperar um pouco até contar para ele tudo o que estou revelando através de você. Assim dá mais tempo de planejar a resistência caso ele me reencontre. É sempre bom ter um álibi forte para resistir às suas investidas. Fique atenta! Quando o encontrar, diga que eu já perdi o controle, já amei demais e já gastei todo o dinheiro que tinha. E fiz mesmo por pir-
raça, queria ver até onde ele tinha razão. E pode dizer, sem dúvida de magoar demais, que prefiro assim. É mesmo melhor sem ele. Hoje, acho melhor viver como se vive nas propagandas de carro. Lembra daquela do Total Flex? Pois bem, medo de errar na escolha pra quê? Se é possível passar no meio da bifurcação e escolher um caminho alternativo, com um pouquinho de cada? Entende Carta? Percebe que fazer as malas e não levar o medo junto foi o melhor jeito de viver bem? Não é que eu seja cruel. Isso é qualidade de vida! Eu sei que existe um Medo em qualquer lugar, mas creio que você vai saber reconhecê-lo. Esse
daqui é aquele de sempre. De família grande, negócios em toda parte, empreendedor por natureza. Mandão que só ele. Às vezes usa bigode só para fazer charme. Às vezes vem de saia quando quer fazer parecer amizade. Então, Carta, entendeu direitinho? Agora avisa para o carteiro só entregar se a caixinha de correspondência estiver de acordo com as normas de segurança dos Correios. É muito mais digno parar no hospital por conta de uma mordida de cachorro do que por uma câimbra de Medo, eu sei, mas não precisamos machucar mais ninguém.
e que não me canso de sempre querer mais amor, carnaval, doce, riso de criança e colo de mãe e eu que já senti o coração palpitar e quero que ele me salte do peito afora porque isso sim vale a pena e eu que sinto saudade, saudade de você, do que me enganei fosse meu e cuidei por destruir e das montanhas tão bonitas que cercam minha cidade lá pelas bandas das Minas Gerais e eu aquela mesma e tão outra que já nem sei mais quem sou. Eu que só queria minha casa. Elas que interromperam meu caminho. Eu de simpatizante ao vermelho, uma tantada bixo-grilo e
persistindo em acreditar no “paz e amor” me peguei maldizendo a humanidade (ô, raça!) por um bocado de tempo. Depois cansei. E daí não veio a revolução. Cômodo ressentir, mas logo em seguida compactuar com aquilo tão errado, tão revoltante. Interromperam o meu caminho naquela noite (só à noite venta por aqui), mas ele se recompôs, passou as mãos no cabelo, ajeitou a roupa (a mesma que não perdi) e continuou. Não pode parar. Ainda sigo decidindo o que fazer do meu dia, dos meus amores, da minha profissão não regulamentada, dos lugares que
quero conhecer, da vida que alguém me deu e que eu cuido e que eu amo e que eu sofro e que eu construo até que o acaso meta o bedelho. Elas... quem sabe o que delas se fez? O que elas delas se fazem? Delas só o retrato falado no BO. Delas a memória do susto, do choro, do pouco doado à força. Que as vítimas não sejam as únicas coisas que mudem para elas – quer sejam as que querem ir para casa, quer as que compram o pão de cada dia nas padarias da esquina. Sentimento altruísta não muda nada. Políticas quase nada mudam. Não sei o que será delas
e o que fazem numa noite que venta tanto nessa cidade que só venta à noite. Não têm a chance de mudar aquilo tudo que grita por socorro. Não sabem de tanta coisa que eu sei e eu desconheço tantas manhas e tantas faltas que essa vida louca cuidou em lhes ensinar. Sobra tanta falta. Ah! A cada escolha, muitas renúncias. Até esta crônica para começar escolheu aquela e não outra palavra. Poderia ser melhor. Ou pior. Certamente seria outra. Escolhi tudo. Mas talvez nada me fizesse mais feliz.
Layla Tavares
Carta ao Medo
Reticencias ... Rosário, 8 de outubro Karin Kimura, correspondente da Argentina.
Contextoo
Nem daqui nem da C h i n a
Che, boludos! Difícil essa missão de pensar como uma turista brasileira de descendência oriental que vive na Argentina. Se no Brasil eu sou japonesa e no Japão sou brasileira, aqui eu sou chinesa. Dificilmente conseguiria me passar por rosarina. Primeiro, as apresentações: Rosário, leitor; leitor, Rosário. Rosário é assim, uma cidade de mais de um milhão de habitantes, a 300 quilômetros da capital Buenos Aires, a 33 º Sul e 60º Oeste. Cidade portenha, que beira o rio Paraná, núcleo estratégico de exportações, importante centro industrial do conglomerado urbano Grande Rosário, onde Che Guevara nasceu e onde a primeira bandeira Argentina foi costurada. E o brasileiro... Bom, o brasileiro dispensa apresentações. É engraçado como os argentinos nos recebem. A imagem que a gente tem é a de que a rivalidade entre os dois países vai muito além do futebol, mas é exatamente o contrário. Ser brasileiro é uma boa carta de apresentação por aqui.
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Assinado: Ímpeto
28-09-08
São muitos os que sabem falar português e que gostam da música popular brasileira. A influência da cultura européia em Rosário, por outro lado, é visível por causa do histórico processo de imigração. Há uma estranha combinação de primeiro mundo com subdesenvolvimento; de história preservada nas construções antigas com uma pitada de “latinoamericanização”. E é claro que essa cidade não seria uma cidade grande se não tivesse Mc Donalds (Me encanta todo eso!), HSBC, carros Honda, supermercados Carrefour e Igreja Universal. Tá tudo dominado! Se sou brasileira, japonesa ou chinesa? Isso é mera convenção. Nascemos onde nossas mães estavam no momento do parto e ponto. Somos o que somos porque vivemos, conhecemos novos costumes, diferentes pessoas e por aí vai toda uma teoria sobre psicologia social. Assim, surge a pluralidade de identidades culturais. Mais do que novas experiências, às vezes o que falta é simplesmente olhar de uma maneira diferente para o que está a nossa volta.