edição
158 | outubro 2019 | ano XXX
PRIMEIRA MÃO
brasil 60+
as realidades do
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PR I M E I R A MÃO
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PR I M E IRA M ÃO
PR I M EI R A MÃO Revista laboratorial produzida pelos alunos do 6° período do curso de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
EQUIPE
E
m 1940, a expectativa de vida do brasileiro era de 45,5 anos. Hoje, passadas sete décadas, estima-se que, no Brasil, uma mulher chegue aos 80 anos e um homem, aos 73. Segundo projeção do IBGE, em 2060, os idosos representarão 26,7% da população, um aumento de cerca de 3,6 vezes mais que atualmente. Com as mudanças da pirâmide etária, surge a necessidade de dar visibilidade ao público da terceira idade, já que, ao contrário do pensamento de muitos, os idosos não são todos iguais e não são poucos. Há uma pluralidade de pensamentos, vivências e gostos. Na edição 158 da revista primeira mão, expusemos essa diversidade. Durante o mês de outubro - considerado o mês do idoso - nossos repórteres conheceram mulheres revolucionárias, que dedicaram sua história à militância e que, mesmo após atingirem a melhor idade, não pararam sua empreitada; presenciamos, ainda, a Geração A, que leva a vida regada a esportes, passeios e diversão; também tocamos em fatos sensíveis, como a questão do abandono por parte dos familiares; a negritude e o preconceito sofrido por toda uma vida também são temas tratados nesta edição assim como os idosos LGBTQI+, que quebraram paradigmas em sua época e lutaram para conquistar direitos, até então, inexistentes. Encontramos, com exclusividade, idosas que fazem parte da população carcerária e pudemos identificar a experiência dessas mulheres que, mesmo nessa situação, têm esperança e planejam retomar suas vidas pós-cárcere. Apesar do crescimento dessa parte da população, ainda há a urgência de tirá-las do oculto e trazer à tona suas necessidades e dificuldades, e o mais importante: saná-las. Esperamos despertar em você, leitor, um olhar de atenção, respeito e reconhecimento ao público idoso como um dos protagonistas da história da sociedade brasileira.
Agnes Gava, Beatriz Moreira, Bethania Miranda, Cássia Rocha, Cecilia Miliorelli, Gabrielly Minchio, Heloísa Bergami, Isabela de Paula, Isabela Luísa, Jonathan Neves, José Renato Campos, Karla Silveira, Laís Batista, Larissa Tallon, Letícia Soares, Marcos Federici, Maria Pelição, Matheus Andreatta, Milena Costa e Weslley Vitor.
E D I TO R E S Beatriz Moreira, Isabela de Paula, Gabrielly Minchio e Karla Silveira.
D I AG R A M A D O R E S Laís Batista e Maria Pelição.
I D E N T I DA D E V I S UA L Maria Pelição.
PROFESSORA O R I E N TA D O R A Yasmin Gatto
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A LUTA É DELAS
"Brasil, chegou a vez De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês". P o r B e t h a n i a M i r a n da e L a r i s s a T a llo n
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ANOS DOURADOS
Ensaio fotográfico. Por Matheus Andreatta
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"NÃO SOU MAIS DO QUE NINGUÉM, MAS NINGUÉM É MAIS DO QUE EU"
primeira mão
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sumário
Perfil. P o r B e t h a n i a M i r a n da L a r i s s a T a llo n
e
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A RESISTÊNCIA DE QUEM PRECISOU PASSAR DESDE A JUVENTUDE POR SUPERAÇÕES
Como estão os adultos e idosos LGBTs que viveram suas descobertas em períodos mais conturbados que os atuais? P o r G a b r i e lly M i n c h i o , L e t í c i a S oa r e s e M a r c o s Federici
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CÁRCERE E ENVELHECIMENTO: O RELATO DE MULHERES COM MAIS DE 60 ANOS QUE VIVEM NA PRISÃO
Condenadas por tráfico de drogas, Clemilda Madeira e Nair Matos contam os desafios de viver o dia a dia numa penitenciária feminina. Por Jonathan Neves e Weslley Vitor
Nova geração de idosos exala vitalidade e vive a terceira idade da melhor maneira. Por Cássia Rocha e H e lo í s a B e r g a m i
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A SOLIDÃO NA TERCEIRA IDADE
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“Quando crianças, os pais cuidam de seus filhos. Quando idosos, os filhos devem cuidar de seus pais”. P or A gnes G ava e I sabela L uísa
OS DESAFIOS DE ENVELHECER SENDO UM ALVO
Contrariando as estatísticas, pessoas negras que chegaram até a terceira idade contam os caminhos percorridos para chegar até essa fase. Por Beatriz Moreira, Clara Curto, Karla Silveira e Milena Costa
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O CAMINHO DE VOLTA À LIBERDADE
Crônica. P o r Letícia Soares
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ANGELA DAVIS
Ilustração. P o r M a r i a P e l i ção
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GERAÇÃO A: MUITO ALÉM DOS ESTERIÓTIPOS
sumário
primeira mão
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COM PO R TA M E N TO
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PR I M E IRA M ÃO
A luta ĂŠ delas Bethania Miranda e Larissa Tallon PR I M E I R A MĂƒO
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“
Brasil, chegou a vez De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês
”
Os versos do samba enredo da Mangueira no carnaval de 2019 contou a história que os livros não contam. São grupos marginalizados, que ergueram o país, mas são apagados da memória popular. Mulheres construíram o Brasil com toda a sua luta contra o patriarcado e contribuem todos os dias para a formação de um futuro justo e com equidade. Segundo dados do último Censo da Educação Superior, de 2016, as mulheres já representam 57,2% dos universitários no país. Porém, é fácil observar no dia a dia das universidades a falta delas como líderes de estudos científicos ou ocupando posições de poder. Isso é apenas um exemplo de como as mulheres, apesar de serem a maioria, 51,7% contra 48,3% de homens (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, 2018), são deixadas de lado na narrativa histórica. Parte da reconstrução da história do país é narrar as mulheres de hoje, principalmente as idosas, como agentes de transformação e evolução política e social. A luta que elas travaram no passado dá frutos que as novas gerações colhem nos dias atuais. É necessário que os jovens gritem:
“ 8
Brasil, chegou a vez De ouvir as Juremas, Elzas, Célias e Penhas
PR I M E IRA M ÃO
”
Qual a importância da banana na vida de uma mulher? No caso de 11 mulheres de um quilombo em Conceição da Barra, norte do Espírito Santo, a fruta significa transformação. O projeto Mulheres de Fibra foi fundado por Jurema Gonçalves com o objetivo de encontrar outras funções para o resto da fruta, que é tão importante para a comunidade quilombola. “Plantar banana foi a solução que encontramos para deixar o solo fértil e combater a seca do Córrego da Angélica. Um quilombo que não tem banana e não tem mandioca não é um quilombo”. Porém, o projeto vai muito além disso. Por meio de oficinas de artesanato, as mulheres aprendem a manusear e trabalhar com a fibra da banana. Jurema revela que “esse projeto veio trazer liberdade financeira para essas mulheres. Nós estamos conquistando nosso espaço”. Outro lado importante do Mulheres de Fibra é ajudar na recuperação da saúde mental. “Tinham algumas que estavam com depressão e não tinham o que fazer. Hoje, são mulheres que estão bem, falantes e sentem muito orgulho de fazer parte do projeto”. Para ela, o dinheiro feito vendendo os produtos é muito pequeno comparado a grandeza de cada integrante que faz o projeto acontecer. “O dinheiro do projeto é desse tamanhinho, todo mundo sabe que é um projeto muito pequenininho, mas ele se tornou grande por causa dessas mulheres que aí estão. O meu coração está todo nesse projeto, tô apostando muito em todas elas que estão aí”. Ela revela o desejo de fazer o Mulheres de Fibra crescer ainda mais. “O nosso espaço nós estamos conquistando, visando coisas futuras, geleias, macarrão, farinha, doces, capelleti (a fim de aproveitar tudo da banana). Queremos completar o nosso projeto com uma cozinha, onde a gente possa fazer tudo isso, vender desde a folha, fruto e tronco”. Segundo ela, essa produção vale muito a pena quando os consumidores elogiam o trabalho feito e sentem todo o esforço que elas tiveram para produzir. “É gratificante quando a PR I M E I R A MÃO
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gente vê o cliente chegar e falar “nossa que coisa mais linda”, aquilo vai na alma. A gente conseguiu conquistar o cliente com essa peça. É a mesma coisa quando a gente descobre o colorido, a gente fica fascinado, a gente fica alegre com tudo aquilo”. A mesma terra que Jurema tem como libertação e independência, é a terra que foi palco de genocídio da população negra e indígena. Utilizá-la e tomar posse dela é ressignificar as relações de poder da sociedade. A luta dos agricultores familiares que não são levados em consideração na discussão da questão agrária, no Brasil, é diretamente relacionada ao valor simbólico e de sustento das terras. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra está organizado em 24 estados, nas cinco regiões do país. De acordo com dados do próprio MST são cerca de 350 mil famílias que exerceram seu direito à terra, por meio da luta e organização dos próprios trabalhadores. Mesmo após conquistar a terra, eles permanecem organizados, pois esse é só o primeiro passo para a Reforma Agrária. Além de lutar pela reforma agrária o movimento também levanta as bandeiras da educação, cultura, combate a violência sexista, democratização da comunicação, saúde pública, desenvolvimento baseado na redução de desigualdades, diversidade étnica, um sistema em 10 PR I M E IRA M ÃO
que a população é a protagonista das decisões políticas e a soberania nacional e popular. É com essas bandeiras que a militante e ex-diretora estadual do MST, Elza Soares, se identifica. A mulher de 62 anos começou a entender melhor da luta pela terra por conta da igreja e de religiosos que lutavam por causas marginalizadas. Ela é assentada no norte do Espírito Santo, na região de Linhares, e conta como foi acompanhar a evolução do movimento desde que entrou, na década de 70. “Antes era muito mais radical. Ficávamos acampados 100% do tempo. Hoje em dia o movimento é mais flexível. A nossa situação melhorou desde quando comecei a me envolver, mas ainda temos um longo caminho pela frente”. Elza relata que a visão distorcida que a população, em geral, tem dos trabalhadores, também dificulta a luta. Segundo a agricultora, a mídia desempenhou um grande papel na descredibilização do movimento. “Somos mostrados como bandidos, o povo tem medo da gente. Mas aqui na nossa região, trabalhamos em cooperação com o pequeno agricultor. O que a gente planta é da gente”. Além da luta pela terra, ela contou a dificuldade de lidar com o machismo e a sociedade patriarcal. “Nós, mulheres, somos pouco organizadas e devemos nos unir politicamente para melhorar a nossa realidade”. Elza, que
foi parteira nos acampamentos do MST e ajudou no nascimento de várias crianças, ressalta a importância da educação para a construção política. “Os jovens estão pouco engajados. A educação é muito importante para que as gerações mais novas tenham consciência do porquê estamos lutando. As escolas precisam falar sobre o que é agricultura familiar”. A educação é um tema recorrente em qualquer movimento social ou luta popular. Segundo a professora de educação infantil, Célia Sobreira, “os poderosos desestimulam a produção de conhecimento para que a população não tenha pensamento crítico e não questione o contexto político”. A professora já trabalhou no ensino médio, fundamental e se encontrou no ensino às crianças. Para ela, um dos motivos pelo qual é apaixonada pela profissão é a certeza de que com sensibilidade e empatia, aquilo fará diferença na vida delas. “A educação é lenta e está muito ligada ao sentimento. Se a emoção da criança for negativa na aprendizagem, ela não irá absorver nada. Mas se a emoção dela for positiva, é como se fosse uma sementinha e ela pode mudar o mundo”. Além disso, Célia está muito preocupada com os rumos da educação no país. A desvalorização do profissional e do conhecimento compartilhado são um dos motivos do baixo
desenvolvimento enquanto sociedade. “A falta de apoio é um projeto político. Tudo começa com o professor. Se o Brasil não valoriza o profissional da educação, temos um país preso ao passado. Se um médico erra algum dia, isso mata uma pessoa, mas se em algum momento o professor erra, ele está matando indiretamente 25 crianças naquele ano”. Em uma profissão que, segundo ela, foi a única opção das mulheres que queriam trabalhar fora de casa durante décadas, a missão transformadora da educação é diretamente associada à luta das mulheres. “A professora da educação infantil recebe pouco em comparação com outras profissões consideradas masculinas. Ainda arrastamos essas correntes históricas”. Célia revelou que gostaria que todos soubessem a importância da escola para o indivíduo e para o país. “É por meio da educação e da cultura que podemos transformar pessoas e realidades, formando cidadãos críticos. As crianças precisam estar na escola”. A educação, de fato, é uma ferramenta capaz de transformar pessoas e realidades. É o que a assistente social Maria da Penha, militante do Movimento Negro acredita. “Pra mim, a educação é como uma oportunidade, ela abre portas. Você pode ter um caminhão de dinheiro, mas sem educação você não tem nada”.
EM 2004, PENHA ESTEVE PRESENTE NAS DIVERSAS AUDIÊNCIAS E ASSEMBLÉIAS Q U E D I S C U T I A M A I M P L E M E N TA Ç Ã O D A S C O TA S N A U F E S .
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De acordo com o IBGE, cerca de 34% dos universitários do Brasil são pretos, mas, nos anos 90, a situação era bem pior. Para tentar ajudar a resolver esse problema, em 1999, Penha coordenou o pré-vestibular Educafro, posteriormente denominado de Elimu, palavra de origem africana que significa sabedoria e amor, que ajudou cerca de 1000 estudantes pretos e pobres a ingressarem no ensino superior, em especial, na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). “Na época, a gente observava a pouca quantidade de estudantes negros na universidade, eles eram apenas 2% a 4% da Ufes”, conta. Nesse período, não existia um sistema de cotas. Além de coordenar o projeto, também estudou nele após ter concluído o ensino médio com 26 anos, quando já era mãe de três filhos.
“O movimento negro é pautado na educação. Por isso, a saída era o pré-vestibular, para dar oportunidade e incentivo para que o povo preto não desistisse”. Ela conta que plantou sementes para ver o movimento negro florescer nos dias atuais e que “a militância tem a sua recompensa quando você vê mais pessoas negras na universidade, mais coletivos e mais pessoas negras se aceitando como elas são”. O Brasil deve valorizar mulheres como Jurema, Elza, Célia e Penha, para que as gerações futuras entendam a importância de figuras como elas, que lutam e constroem um país que não aceita a desigualdade. Está na hora de “contar a história que a história não conta” e entender, assim como essas mulheres entenderam, que “na luta é que a gente se encontra”.
A S PA R T I C I PA N T E S D O P R O J E T O M U L H E R E S D E F I B R A S Ã O E X E M P LO D E F O R Ç A E L U TA C O N T R A A S D E S I G U A L D A D E S S O C I A I S , E C O N Ô M I C A S E D E G Ê N E R O
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P E R F IL
“
Não sou mais do que ninguém, mas ninguém é mais do que eu
Mesmo crescendo em uma comunidade conservadora e pobre, Maria nunca se curvou às opressões sofridas. "Nunca abaixei a cabeça pra ninguém. Sou mãe solteira e, pra mim, mãe solteira tem que ter opinião".
”
Essa é a frase que define Maria Laurinda, que tem 76 anos e muita história pra contar. Residente no distrito de Monte Alegre, em Cachoeiro de Itapemirim, interior do Espírito Santo, essa mulher de muita força, garra e persistência começou a trabalhar muito cedo. Aos 12 anos aprendeu a ser parteira com a avó e já ajudou no nascimento de mais de 200 crianças da região. “Ela (avó) me perguntou se eu tinha coragem de cortar o umbigo de uma criança que nasceu, eu falei que tinha”. Além de participar do nascimento, ela também realizava os últimos preparativos para quem havia falecido, como coveira. “Ajudava a trazer pro mundo, e após a morte, a gente ajudava a fazer o sepulto. Quando minha irmã morreu eu fiz a cova, quando minha mãe morreu eu fiz a cova, quando meu pai morreu eu fiz a cova”. No âmbito religioso, era mãe de santo da comunidade em que habita. E mesmo sem estudo e pobre continuou lutando pelo direito das mulheres. “A gente tem que orientar as mulheres que não é porque o homem é o dono da casa que ele vai ser o mandão. Ele tem que tratar ela como uma companheira”.
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S OCIE DA D E
A resistência de quem precisou passar desde a juventude por superações Como estão os adultos e idosos LGBTs que viveram suas descobertas em períodos mais conturbados que os atuais? Gabrielly Minchio, Letícia Soares e Marcos Federici 14 14 PR I M E IRA M ÃO
Chegar aos 56 anos, tendo compartilhado quase metade da vida com o companheiro, é privilégio de poucos homossexuais brasileiros. Sentado na varanda da casa onde viveu os últimos 22 anos - 20 deles com o marido, falecido há 2 anos -, Rosinaldo Rodrigues relembra como conheceu seu esposo. A rua da Lama, que hoje é palco para as aventuras amorosas de jovens e adolescentes, naquela época serviu de cenário para o romance dos dois. Ele era garçom de um bar; o pretendente, cliente. Mas o interesse, que ficou claro logo no primeiro contato, só se concretizou algum tempo depois. Rosinaldo trocou de profissão e começou um negócio próprio, fazendo e entregando marmitas de comida. Até que, um dia, o endereço de entrega também indicava o seu destino final. O tal cliente que havia conhecido no bar o convidou para entrar e ali ele ficou uma tarde, uma semana e por mais de duas décadas. O relacionamento dos dois começou oficialmente em 1996. Nessa época, a homossexualidade ganhava caráter de normalidade, após perder as definições de doença. Apesar disso, Rosinaldo afirma que os tempos eram realmente outros, “não tinha essa liberdade que existe hoje”, pontua. Por isso, ele define a si mesmo e ao ex companheiro como bem reservados. Ninguém sabia deles. Alguns amigos só tomaram conhecimento depois de anos. Para ele, era natural ser discreto. “Nunca passou pela minha cabeça esse tipo de carinho, de atenção”, declara Rosinaldo, relembrando também um antigo relacionamento, “a gente saía normal, não tinha nada de beijo ou segurar a mão”. Apesar disso, ele garante: a discrição não significa vergonha. Pelo contrário, desde muito novo ele já tinha consciência sobre sua sexualidade. Porém, mesmo com toda a convicção, ele só se assumiu gay aos 28 anos. “Eu ficava ‘no armário’, só apreciando, olhando”, relata. Quando decidiu se abrir, Rosinaldo havia conhecido uma pessoa e logo deixou a casa dos pais para se juntar ao primeiro namorado, com quem viveu por 5 anos. “O processo de contar é difícil”, ele afirma, “mas eu simplesmente falei o que tinha para comunicar e pronto. A decisão foi minha”. Irmão de mais 6 homens, Rosinaldo certifica que nunca sofreu agressão física ou verbal da família, mas percebia os olhares diferentes para ele. “No olhar a gente sente”, ele garante.
De toda forma, Rosinaldo sabe que não poderia ter sido de outra maneira. Ser o que é sempre foi questão de felicidade para ele. Entretanto, ele entende as dificuldades no processo de se abrir e, por isso, dá a seguinte dica para quem pretende fazer isso. “Saiba com quem você vai ficar e seja independente”, pontua o homem..
“
Você tem medo de que alguém seja agressivo com você. Tem medo de sair de casa e apanhar de graça na rua e só por fazer parte da comunidade LGBT não voltar para casa.
”
Casada há 17 anos com uma mulher, Adriana Gonçalves, com seus 47, espera que, quando estiver na sua “melhor idade”, as próximas gerações “se respeitem e deixem de se rotular” e não precisem passar pelo que ela passou ao descobrir sua sexualidade. Quando tinha 16 anos, interessou-se por uma moça que fazia parte do mesmo grupo da igreja que ela e, por isso, acabou sendo expulsa da entidade. “Me sentia a pior pessoa do mundo diante da família e das pessoas que me viraram a cara”, relembra. Voltou para a igreja somente quando os parentes quiseram expulsar “aquilo” do corpo dela. E, apesar de, na época, a homossexualidade já não ter sido mais considerada um distúrbio, até em psiquiatra Adriana foi levada. Mesmo com a descoberta, a então jovem mulher tentou enquadrar-se aos padrões heteronormativos e casou-se com um homem com quem teve um filho. O relacionamento conturbado e envolto por traições durou até Adriana, com seus quase 30 anos, resolver “chutar o balde” e assumir sua companheira com quem está até hoje e quem a ajudou na criação do filho. PR I M E I R A MÃO
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Hoje, lésbica assumida, ela afirma que está em uma das melhores fases da vida. “Não me escondo, falo com naturalidade e não tenho problema nenhum em lugar algum”. Diferente do que passou em sua descoberta, Adriana, busca ajudar jovens LGBTs a passar de maneira mais branda pelas barreiras que também enfrentou. “Porque primeiro temos que ser nós plenamente para depois derrubar as barreiras”. Apesar de considerar que vive de maneira estável atualmente e de ter contato com jovens LGBT, Adriana afirma não ter muitos amigos de sua idade ou mais velhos que façam parte da comunidade. “Você deixou uma lésbica atender o meu filho!”, esse foi um dos inúmeros comentários preconceituosos que a psicóloga, Lilian Coelho, ouviu no ambiente de trabalho onde prestava serviços. Ela conta que cansada de tanta discriminação, decidiu abrir seu próprio escritório focado exclusivamente no atendimento de pessoas LGBTs e de mulheres. “É um grupo que estava extremamente carente desse atendimento especializado”. Além da necessidade do público, ela relata que sentia falta de um trabalho onde se identificasse e que permitisse aos pacientes acolhimento, reconhecimento, lugar de voz sem julgamentos e principalmente a compreensão de vivências. Lilian acredita que o medo de represália pode ser um fator que contribui para esse déficit. “Você tem medo de que alguém seja agressivo com você. Tem medo de sair de casa e apanhar de graça na rua e, só por fazer parte da comunidade LGBT, não voltar para casa”. Muitos idosos LGBT, que em sua juventude sofreram discriminação dentro de casa e precisaram deixá-la para tentar ter sua liberdade, hoje, passam por essa rejeição não só da família como da sociedade vivendo, dessa forma, na solidão. “Já existe muito evidente essa questão da solidão para o idoso em si, que já sente muito esse peso de passar a ser esquecido quando sai dessa época de super produtividade dele. Quando ele é LGBT, isso fica um pouco mais grave, porque ele já vem de uma minoria que sofre preconceito e traz essa dor consigo”, aponta a psicóloga Lilian. “Além disso, o idoso LGBT também é visto de maneira pejorativa. Termos chulos são utilizados em re16 PR I M E IRA M ÃO
lação a ele e isso causa dor e desconforto fazendo com que ele não se sinta pertencente a nenhum grupo, nem mesmo ao de terceira idade, porque, de certa forma, ali também existe toda uma questão cultural de preconceito que aqueles idosos já herdaram dos próprios pais, trazendo consigo de forma impensada e acabam excluindo, ainda mais, o idoso LGBT”, conclui. Para a psicóloga, a discriminação é um problema que vem de raízes culturais na história do Brasil e a solução é a conscientização e a educação. “A gente precisa conscientizar desde a primeira infância de que essas pessoas existem. Tanto os idosos para que não sejam abandonados quanto os LGBTs para que eles não sejam discriminados. E principalmente os idosos LGBTs”, salienta. O processo de deficiência quanto a falta de incentivo à educação relacionada a esse tipo de preconceito se evidencia com fatos envolvendo dispersão de fake news que se alastram por diversos meios, como ocorreu, tanto na Bienal do Livro deste ano, quanto nos boatos envolvendo a educação sexual nas escolas.
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No ano passado, durante o 15° Seminário LGBT do Congresso Nacional, parlamentares afirmaram que o preconceito e a violência são os grandes responsáveis pela redução na expectativa de vida de pessoas LGBTQ+. Parte disso, eles também afirmaram ser culpa do Estado, que ainda é muito omisso no que se refere à proteção desses indivíduos.
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INÍCIO DA REVOLUÇÃO SEXUAL Os avanços científicos e industriais abriram espaço para mudanças sociais. A Revolução Sexual, com início nos anos 60, por exemplo, foi fruto principalmente da invenção da pílula anticoncepcional. A medida contraceptiva foi responsável por dissociar o sexo da procriação. Logo, a prática sexual, agora, poderia ter como finalidade o puro prazer. Com isso, as relações monogâmicas e heterossexuais deixaram de ser a única forma aceitável de sexo.
HOMESSEXUALISMO; “O LAMPIÃO” Devido à liberdade sexual alcançada nos anos 60, a homossexualidade, pautada como transtorno mental desde a década de 50, perdeu essa identificação pela Associação Americana de Psiquiatria. Entretanto, nessa mesma época, a Organização Mundial de Saúde (ONG) listou o homossexualismo como doença mental e o incluiu na classificação internacional de doenças (CID) . No Brasil, o movimento LGBT começava a se organizar. Aproveitando o abrandamento da ditadura no país, surgiu o primeiro jornal homossexual de circulação nacional, “O Lampião”. Ele fazia oposição ao regime militar e denunciava abusos contra pessoas LGBT.
AIDS; RETROCESSO O vírus da AIDS se propaga neste período. As primeiras e a maioria das vítimas afetadas pela doença eram pessoas LGBT, o que gerou um estigma para a comunidade. Por isso, a epidemia foi chamada, pejorativamente, de “câncer gay”. Diante desse cenário assustador, a pauta de liberação sexual retrocedeu.
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AIDS; RETROCESSO A crise na saúde pública ocasionada pela disseminação da AIDS, apesar dos males, serviu para aumentar a visibilidade dessa população. Os Estados e agências de cooperação internacional passaram a custear os tratamentos das pessoas afetadas pela epidemia e também campanhas de conscientização. Neste mesmo período, a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista internacional de doenças.
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C O N Q U I S TA S No novo século, a comunidade LGBT conquistou ainda mais direitos. No Brasil, a união estável entre pessoas do mesmo sexo passou a ser reconhecida em 2011. A decisão partiu do Supremo Tribunal Federal (STF), que entendeu que a definição de família prevista na Constituição com a união de homem e uma mulher não exclui outras formas de afeto. Dois anos depois, também passou a ser permitido casamento entre pessoas do mesmo gênero. No início deste ano, foi aprovada a lei de criminalização da homofobia.
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Além da falta de conscientização no ambiente familiar, ainda há a problemática envolvendo o apoio, por parte do governo, ao público LGBT. Há diversos ambientes e órgãos que trabalham em favor da comunidade, porém, como afirma a psicóloga Lílian, o conhecimento sobre essa questão é pequeno. “Há alguns locais como o Hucam, que tem um ambulatório de diversidade de gênero, existem fóruns LGBTs aqui no estado. Porém, não existe uma divulgação muito grande e, por esse motivo, eles não devem atender à demanda real. Como é algo que não estamos acostumados a ver com frequência, acaba que o próprio público-alvo não toma conhecimento de tudo que poderia estar acessando. Eu acredito que seria muito difícil, nesse momento, com poucos órgãos e uma baixa divulgação, atender a demanda existente”. Independente das inúmeras conquistas, ainda há muito o que lutar. Porém, com firmeza e sem perder as forças, a melhor solução é seguir o conselho de Rosinaldo que, em estágio de preparação para fazer parte da geração +, encoraja e dá o segredo para a felicidade: “saia do armário e vá ser feliz!” Apesar de não haver uma pesquisa oficial do Estado sobre o assunto, a ONG Grupo Gay da Bahia (GGB), fundada em 1980, faz esse levantamento.
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Segundo o Relatório de Crimes contra LGBT no Brasil feito pelo GGB, só no ano passado, 420 LGBT+ (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) morreram no país.
Esse número representa uma redução de 6% em relação ao ano diretamente anterior. Entretanto, as taxas continuam altas, uma vez que 2017 registrou o maior número de mortes desde que o levantamento começou a ser feito, há 39 anos.
suicídos
24%
homicídios
76%
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Em 2018, a maior parte dos crimes de ódio foi contra gays (45,5%) e pessoas LGBT em geral com até 40 anos (77%).
bissexuais
1,9% heterossexuais
1,2% lésbicas
12,4%
gays
45,5%
trans
39%
Outra ONG que faz levantamentos de dados sobre a população LGBT é a Transgender Europe. Essa organização faz análises a nível mundial e é focada em pessoas trans. No último Monitoramento de Assassinato de Trans, feito pela Transgender Europe, em 2015, o Brasil alcançou a marca de país que mais mata pessoas trans no mundo. Números absolutos de assassinatos de pessoas trans reportados entre 2008 e 2014:
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Foram assassinados 5 heterossexuais (1,2%) por serem confundidos com gays ou por envolvimento direto com a cena ou com indivĂduos LGBT
60 anos 3,8%
mais de
18 7,2%
menos de
51-60 anos 8,5%
anos
41-50 anos 10,6% 18-25 anos 29,4%
31-40 anos 15,7% 26-30 anos 15,7%
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ENSAI O F OTO G R Á F I C O
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Anos Dourados Fotos e texto por Matheus Andreatta Uma vida regada a amor, carinho e ternura. Essa é a história de José Trevizan, 83, e de Benedicta Victória Faria Trevizan, 81, um casal cúmplice de uma vida inteira. Em 53 anos de união, o par enfrentou dificuldades e felicidades, o que foi essencial para fortalecer as bodas de ouro dos esposos. “Nesses anos tivemos bastante renúncia, mas muita fé e muita persistência em tudo que nós nos dispusemos a fazer. Tentamos passar para as pessoas próximas de nós um bom exemplo de conduta em todas as áreas da nossa vida”, ressaltou Benedicta.
Apesar de estarem na terceira idade, conseguem prevalecer até hoje com todos os sentimentos de um casal apaixonado, e Trevizan não esconde a admiração que tem por Benedicta. “Eu a amo porque ela é charmosa. Ela é gente boa, uma pessoa maravilhosa”, se orgulha. “Se eu tivesse que escolher outra, voltaria a escolhê-la. Porque essa é a eleita do meu coração, foi eleita para morar aqui no lado esquerdo”. As fotos deste ensaio mostram a intimidade do casal e os sentimentos mais puros de anos compartilhados, além de revelar em imagens os segredos de anos dourados e duradouros.
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“
Ela é a eleita do meu coração, foi eleita para morar aqui no lado esquerdo
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S OCIE DA D E e n t r e v i s ta e x c l u s i va
Cárcere e envelhecimento o relato de mulheres com mais de 60 anos que vivem na prisão Condenadas por tráfico de drogas, Clemilda Madeira e Nair Matos contam os desafios de viver o dia a dia numa penitenciária feminina. Jonathan Neves e Weslley Vitor Faltavam poucos minutos para às nove da manhã quando chegamos ao portão do Centro Prisional Feminino de Cariacica (CPFC) para entrevistar Clemilda Madeira, de 67 anos, e Nair Matos, de 65. Ambas perderam a liberdade ao se envolverem com o tráfico de drogas e agora vivem uma rotina que se divide em atividades internas da penitenciária como crochê, aulas na escola interna e artesanato. Em suas experiências, durante o período 30 PR I M E IRA M ÃO
de reclusão, possuem visões diferentes sobre o futuro. Clemilda considera o presídio um retiro, mesmo que forçado, enquanto Nair não vê a hora de reencontrar a família. Com a prisão, elas têm se dedicado aos estudos e aproveitado as alternativas que a Secretaria de Estado de Justiça (Sejus) oferece e, nas histórias a seguir, revelam a intimidade e os bastidores do que vivem dentro da prisão.
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P R E O C U PA D A C O M A A P O S E N TA D O R I A , C L E M I L D A S O N H A E M DEIXAR A PENITENCIÁRIA E INVESTIR NO PRÓPRIO NEGÓCIO.
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( sobre ) viver
na prisão “Hoje, na cela, eu convivo com mais três meninas e, no dia a dia, nós conversamos bastante, brincamos e é cada uma na sua cama. Elas não me incomodam, eu não incomodo elas. E assim eu vou vivendo. Não sou de brigar ou reclamar, se a comida está boa, como, se não está, eu como de qualquer jeito”. O relato de Nair Matos é parte da sua rotina dentro do CPFC. Sentenciada há pouco mais de três anos por associação ao tráfico, na prisão, ela não abre mão das atividades oferecidas. “Estou cursando a sétima série e é tudo muito interessante, inclusive a matemática”, contou. O seu olhar parece muitas vezes perdido, revivendo o passado. Em 2017, ela foi presa junto com dois de seus filhos. Hoje, ela divide a cela com mais três internas, enquanto espera, um dia, voltar a ter liberdade, reencontrar seus netos e, principalmente, sua mãe. "A gente não pode perder a esperança”, afirmou. Encontrar dados sobre o perfil da população carcerária não é fácil. Muitas informações ou estão defasadas ou não são disponibilizadas pelos órgãos competentes. Para ter uma ideia, o último levantamento publicado sobre a população idosa encarcerada, no Espírito Santo, foi realizado em 2017 e apontou 349 idosos presos. Antes disso, a informação que temos é que, em 2015, esse número era de 200. Os dados são do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen). Apesar dessa dificuldade, encontrar pessoas acima dos 60 anos de idade no sistema prisional é comum. No CPFC, em Cariacica, das 523 detentas, três são idosas. Condenada por associação ao tráfico de drogas, Clemilda Madeira é uma delas e passou mais um aniversário atrás das grades.
“
Estou presa, mas a minha mente não
”
Natural de Minas Gerais, Clemilda é servidora pública concursada há 32 anos e sempre teve uma vida muito ativa. “Aos 12 anos, participei da revolução de 64, posteriormente, vim para Vitória, fui candidata a vereadora e líder comunitária de Jucutuquara, onde conseguir muitas conquistas para a região”, contou. Presa pela segunda vez, ela é viúva e vivia na sua tão sonhada casa própria em Jacaraípe, na Serra. Com o filho único preso há 11 anos, morava com o neto, que também foi detido na mesma operação policial, por envolvimento com o tráfico. No cotidiano, ela costuma participar do curso de crochê, frequenta a escola do presídio e, por conta da saúde, não consegue se dedicar às outras atividades. Por isso, ela contou que acaba voltando-se mais para a leitura. “Eu leio muito. Já li cerca de 1200 páginas em 12 dias. E sempre são livros didáticos”, contou. Embora a condenação de 17 anos por tráfico e associação seja uma certeza, por meio das aulas na escola e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Clemilda busca conseguir a remissão da pena. “Quando mais nova, eu tentei duas vezes o vestibular na Ufes e, agora, com o Enem, sonho em conseguir uma vaga para belas artes”.
sonhos Deixar a penitenciária envolve um misto de emoções. Em cada cela, há uma expectativa que leva pessoas a não parar de sonhar. Para Nair, o desejo é de rever a mãe e cuidar dos netos para que os filhos possam trabalhar. Já para Clemilda, o sonho é investir em seu próprio negócio. Preocupada com a vida após a aposentadoria, ela costuma planejar, nas horas vagas, o que pretende desenvolver para conseguir uma renda extra ao conquistar a liberdade. “Cada projeto vai depender do custo financeiro, mas, até o momento, eu tenho cerca de sete em mente. São planos que envolvem a venda de roupas infantis, de adulto e jeans; design artesanal; e o meu xodó: o restaurante só com frutos do mar”. PR I M E I R A MÃO
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Tr ê s p e r g u n t a s para Graciele Sonegheti Fraga, diretora do Centro Prisional Feminino de Cariacica (CPFC) além do atendimento especial para gestantes e lactantes, existe algum outro trabalho realizado para humanizar esse ambiente?
Nós somos destaque nacional nas práticas do tratamento penal e, além do projeto do alojamento materno-infantil, estamos realizando outras ações como o coral, que deixa o ambiente muito mais leve e humanizado. as detentas recebem visitas regularmente , especialmente , no caso das idosas ?
É uma inverdade que as presas mulheres não recebem visitas ou especialmente em relação às idosas. O que acontece é que elas não têm contato com os maridos, porque muitas vezes eles são envolvidos com crimes. como é o relacionamen to das detentas idosas com as demais ?
Às vezes, uma ou outra não consegue avaliar que está convivendo com outras pessoas e fica presa às necessidades individuais, mas, no geral, não há dificuldades. 34 PR I M E IRA M ÃO
Apesar de toda organização, as presidiárias do CPFC, como Clemilda e Nair, enfrentam dificuldades na falta de acompanhamento médico especializado. Segundo Graciele, isso ocorre devido à extensa fila do Sistema Único de Saúde (SUS). “Nós temos o atendimento básico de saúde completo, mas caso tenha necessidade de atendimento de urgência e/ou de emergência, a presa é encaminhada para consulta externa acompanhada pela escolta. Nas situações em que há consulta com especialista, se não tem plano e/ou possibilidade de consulta particular, ela entra na fila de espera como qualquer outro cidadão”, contou. Outro caso preocupante é a prescrição de remédios. “O vício pela medicação é muito grande e, por isso, os agentes precisam ficar o tempo todo atentos para que elas não ‘comercializem’ a medicação, porque já tivemos casos em que elas chegaram a trocar o remédio por doces”, explicou Graciele.
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A gente não pode perder a esperança
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Radiografia: por Imagine estar num local onde o acesso à família e aos amigos é limitado e você não pode escolher com quem estar, o que comer, fazer ou até onde ir. A vida numa penitenciária exige diversas transformações na rotina das pessoas, e não somente pela privação de liberdade, mas por toda mudança de padrões de vida e de comportamento. A vida em cárcere é conviver com pessoas estranhas e, para lidar com esse tipo de ambiente social, qualquer um precisa se adaptar, uma vez que há regras rígidas de comportamento e a vigilância é constante. No CPFC, há algumas áreas de convivência
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que buscam humanizar o local, com intuito de facilitar, de certa forma, a adaptação das detentas neste ambiente. Biblioteca, salas de aulas, espaço para cursos de crochê, horta para cultivo de hortaliças, cozinha industrial para produção da própria comida e uma mini fábrica para produção de calçados infantis. Estes são os ambientes que as detentas possuem disponíveis para fugir da rotina monótona de ou estar na cela ou no banho de sol. No dia a dia, algumas presidiárias produzem a alimentação na cozinha e distribuem pelas celas. Enquanto isso, outras detentas
dentro do sistema cuidam de uma horta com diversas hortaliças, verduras, legumes, e até frutos, como tomates. O mesmo padrão e organização é encontrado na fábrica de calçados infantis localizada dentro do presídio. Oriundo de um convênio com a empresa de calçados Pimpolho. Neste local, as detentas trabalham oito horas por dia, com uma hora de almoço. Parte das presas que trabalham também são remuneradas, sendo que a maioria recebe em torno de um salário mínimo por mês. Entretanto, há atividades que pagam com base na produtividade. O valor recebido, conforme determinado
pelo Programa de Pagamento ao Trabalhador Preso, é dividido em três partes: uma vai diretamente para uma conta pecúlio, em nome da interna, outra parte vai para família e a terceira, para a presa. O dinheiro da conta pecúlio só pode ser retirado quando a pessoa é beneficiada com a liberdade. Todas as atividades, é claro, são realizadas sob o olhar atento de inspetores penitenciários, sendo poucos deles, homens; os quais vigiam alguns ambientes externos e realizam trabalhos de inspeção na recepção, enquanto as mulheres inspetoras realizam as rondas e vigilância nas alas internas.
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COM PO R TA M E N TO
Geração A : muito além dos estereótipos Nova geração de idosos exala vitalidade e vive a terceira idade da melhor maneira. Por Cássia Rocha e Heloísa Bergami Até 2050, 2 bilhões de pessoas terão mais de 60 anos, representando um quinto da população mundial, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Só no território nacional, em 2016, já habitava a quinta maior população de idosos do mundo, segundo o Ministério da Saúde. Contudo, a imagem de velhinhos sentados na praça dando milho aos pombos pode estar se modificando. Hoje a população idosa já está mais ativa e querendo aproveitar os seus momentos de descanso após uma vida inteira dedicada ao trabalho e à família. 38 PR I M E IRA M ÃO
Pelo menos é isso que Manoel Da Vitória, de 69 anos, está fazendo. Atualmente, ele é fotógrafo, faz pilates, dança forró, cuida da casa e das suas plantas, além de fazer outras inúmeras atividades. Durante anos, relata ter cuidado dos outros, por ter se envolvido sempre com sindicatos e ativismo político. Hoje ele quer cuidar de si. “Eu tive empresa, fui vereador, secretário… Sempre fui sindicalista. Mas não me preocupava tanto em cuidar de mim, fazia apenas um “check up” de rotina. Sair para forró, namorar, foi uma quebra de paradigma para mim”, conta.
Da esquerda para a direita, José Luíz Orechio, Manoel da Vitória e Maria Arly Dallapicola. Fotos por Heloísa Bergami e Arquivo Pessoal.
Ele faz parte da Geração A, um grupo de idosos entre 60 e 75 anos autêntico, ativo, que vive o agora e não se sente muito representado pela mídia. No Rio de Janeiro, 62% dos cariocas dessa faixa etária se encaixam nesse grupo, segundo dados do estudo Riologia. Ao ser questionado sobre os ideais que muitas pessoas têm sobre ser idoso, Manoel é firme. “Eu acho que rótulo e estereótipo é muito ridículo. Quando você rotula e coloca todo mundo no mesmo ambiente é preguiça de fazer uma análise mais profunda dos indivíduos, já que somos todos diferentes em nossas origens, no nosso viver e saber”. A pesquisa realizada no Rio de Janeiro em parceria entre a agência Quê e a Casa7 Núcleo de Pesquisa mostrou que, das pessoas pesquisadas nessa faixa etária, 76% fazem planos de viajar e 71% ainda são responsáveis economicamente pela família. Limitar-se por conta da idade não combina com o novo lifestyle desses indivíduos que acabam de chegar na “melhor idade”, termo este inclusive refutado por Manoel. Para ele, a melhor idade é a que se está vivendo, é fazer com que o momento presente seja o melhor.
“Para mim, sempre estive na melhor idade, desde o meu nascer até os meus 69 anos. O ontem já passou e o amanhã não me pertence, então eu vivo o momento atual e quero que ele seja bom”, declara. O estilo de vida adotado pela Geração A pode ser facilmente observado em eventos esportivos e, diariamente, nos espaços disponíveis para atividades físicas, como orlas e ciclovias. José Luiz Orechio caminha todos os dias na Orla de Camburi, em Vitória. Além disso, garante um tempo para a família e optou por não parar de trabalhar, apenas reduziu o tempo diário de expediente, mas continua em atividade. “De manhã sempre caminho para não enferrujar, depois faço algum serviço extra de exportação de granitos e, também, ajudo meu filho na escola”, conta José. Cuidar da saúde é uma característica muito marcante dos integrantes do grupo, isso se dá porque eles, geralmente, temem a dependência. José afirma que faz “check up” todo ano para conferir todas as taxas. “Quero viver até o dia que Deus quiser com saúde, alegre. Não quero ficar doente, acamado. Isso não é bom para a terceira idade”, completa. PR I M E I R A MÃO
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A "geração A" tem limites?
M A R I A A R LY E N C A R A A MELHOR IDADE COM V I TA L I D A D E I N V E J ÁV E L .
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Engana-se quem pensa que a vitalidade da geração A se limita aos recém-chegados na melhor idade, o importante é sentir-se jovem. Maria Arly Dallapicola afirma que acha os estereótipos sobre idosos absurdos e que não correspondem ao atual modo de usufruir dessa parte da vida. “Antigamente, até que podia ter gente velha que precisava de mais cuidado, mas hoje a gente tem outro estilo de vida. Você vê gente idosa saindo, passeando, conversando”, declara. Maria Arly conta que, além de ser professora, ficou viúva aos 42 anos e, desde então, ela precisou fazer o que define como “dar seus pulos” para criar sozinha seus seis filhos. Aos 81, ela mantém a agitação da época e não abre mão de algumas atividades: “Eu não paro em casa, faço trabalho voluntário e sou tesoureira do Centro de Umbanda que frequento. Faço tudo sozinha. Vou ao médico, ajudo meus filhos, saio com os amigos…”, relata. Maria Arly defende que na mídia a pessoa “útil” é bem representada. Além disso, ela coloca que é necessário viver uma “velhice” digna, “a velhice ideal pra mim tem que ser tranquila e poder cuidar da saúde é essencial”, salienta. É notável que a idade não é barreira e que ainda é necessário que seja desconstruído no repertório social a imagem de idosos dependentes e improdutivos. Além de ativos e economicamente importantes, tratam-se de cidadãos antenados e que devem ser representados em toda a sua vitalidade e todos os anos de experiência devem ser valorizados.
60
75
anos
a maioria está entre a classe A e C
76% dos componentes deste grupo fazem planos para viajar
71% é responsável financeiramente pela família
47% possui vida sexual ativa
26% estão conectados em redes sociais PR I M E I R A MÃO
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Fonte: Agência Quê e Casa7 Núcleo de Pesquisa
quais são as características dos indivíduos da geração A?
TRABA L HO
Os desafios de envelhecer sendo um alvo Contrariando as estatísticas, pessoas negras que chegaram até a terceira idade contam os caminhos percorridos para chegar até essa fase. Beatriz Moreira, Clara Curto, Karla Silveira e Milena Costa Viver a velhice de forma plena é uma conquista almejada pela maioria das pessoas. Contudo, para a população negra, o caminho para chegar até a terceira idade é uma verdadeira corrida de obstáculos. O primeiro desafio está em nascer. Dados oriundos da pesquisa Nascer no Brasil: Pesquisa Nacional sobre Parto e Nascimento, realizada entre 2011 e 2012, pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), apontam que mulheres negras possuem maior risco de ter um pré-natal inadequado e sofrer negligência no processo de gestação e parto. Em decorrência disso, a mortalidade infantil, bem como a materna, são maiores entre os negros. É também a população negra a que mais sofre com a desigualdade social e a violência. Segundo dados da ONG ActionAid, a porcentagem de negros na pobreza e extrema pobreza dobrou entre 2012 e 2017,
enquanto que a taxa de pessoas brancas na mesma situação manteve-se a mesma. Além disso, o Atlas da Violência 2019 divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revela que, em 2017, 75,5% de vítimas de homicídios foram indivíduos negros. Como resultado desses fatores, temos a queda da expectativa de vida dessa população. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2017, a expectativa de vida das pessoas brancas, no Brasil, era 2,92 anos maior que a das negras. O Relatório Anual das Desigualdades Sociais, do Núcleo de Estudos de População, da Unicamp, publicado em 2011, também atesta a disparidade na estimativa de vida entre negros e brancos. O estudo mostra que a expectativa de vida entre negros, no Brasil, é de 67 anos, já a de brancos aumenta para 73.
1 3 1 A N O S D E A B O L I Ç Ã O D A E S C R AVAT U R A , M A S O N E G R O E S TÁ L I V R E ? Estudar, votar, trabalhar, ter acesso à saúde e lazer, ir e vir… a constituição brasileira assegura direitos fundamentais de caráteres social e político a todos os cidadãos. Mas, para a população negra, usufruir em plenitude dessas garantias torna-se inviável ao mesmo tempo em que carregam nas costas os escombros que restaram da escravidão.
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Evasão escolar brancos x negros Foram considerados jovens de 19 a 24 anos que concluíram o ensino básico
Diferença de remuneração pela p e r s p e c t i v a s e c c i o n a l ( s exo / cor) no setor formal
E N S I N O F U N D A M E N TA L Mulheres brancas
Mulheres negras
Homens brancos
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Homens negros
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ENSINO MÉDIO Mulhe re s ne gra s, de 18 a 64 a nos de ida de , tra ba lha dora s dom éstic a s
Mulheres brancas
Mulheres negras
3,2
mi l hões
Homens brancos
Percentual em cargos de direção
Homens negros
b r a n c o s n e g r o s
71% 2 9 %
ENSINO SUPERIOR Mulheres brancas
AUTODECLARAÇÃO
Mulheres negras
Autodeclaradas negras 8%
Homens brancos
Homens negros
Concluíram
Não concluíram
Autodeclaradas brancas 56.1%
Autodeclaradas pardas 35.9%
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FONTES: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE)| OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE E DA IGUALDADE DE OPORTUNIDADES NO TRABALHO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
E S C O L A R I DA D E T R A B A L H O
“
Tive muita dificuldade em conseguir o primeiro emprego, devido à discriminação racial não me encaixava no perfil de boa aparência exigido
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”
O Brasil é racista, mas não sabe e não quer descobrir ou sabe e não quer admitir... Enquanto a nação passa por seu processo de “autoconhecimento”, os negros não podem se dar ao luxo da espera e vivenciam, no dia a dia, as nuances do racismo. Usufruir de seus direitos fundamentais já é uma dificuldade para a população negra, como confirmam os dados. E, mesmo quando o acesso é efetivado, as condições não são as mesmas se comparadas com as experiências de pessoas brancas. Ouvir os relatos da assistente social de 59 anos, Maria Anita Falcão, é uma experiência necessária para conhecer o percurso do negro rumo à terceira idade no Brasil e conhecer mais sobre a identidade do país. Ao falar sobre as recorrentes vezes que foi vítima do racismo velado - que acontece de forma sutil e, por vezes, a vítima e quem está ao redor sequer têm a percepção de que vivenciaram um ato racista -, a ex-estudante da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) relata uma dessas situações. “Um fato muito marcante ocorreu em uma eleição para reitor da Ufes: quando tentaram me tirar da fila de votação alegando que eu era funcionária da empresa de limpeza, e não estudante”, lamenta. Apesar de ainda não se considerar idosa, Maria Anita concorda que, mesmo com a atuação do movimento negro no Espírito Santo, em sua época, as questões raciais não eram muito pautadas. “Hoje, eu tenho muito mais conhecimento, que fundamenta meu discurso, minha forma de agir e reagir”, compara. Porém, para chegar onde ela chegou, foi preciso passar por diversas barreiras. A primeira, foi a pobreza. Entretanto, mesmo com a situação financeira da família, seu pai sempre prezou por uma educação de qualidade. “Fomos uma das poucas famílias cujos os filhos não precisaram abandonar a escola para contribuir no orçamento familiar. Meu pai nos dava livros de presente e dizia que não tinha nada para nos deixar, apenas o estudo”, relembra agradecida. Aos 17 anos, foi mãe pela primeira vez. Aos 34, virou universitária: Maria passou
no curso de Serviço Social da Ufes sem fazer cursinho preparatório, 13 anos depois de ter concluído o ensino médio. “Na época, a disputa era muito grande, pois não havia outra faculdade que oferecesse esse curso no estado”, conta orgulhosa da conquista. Embora fosse qualificada, ela relata ter passado dificuldades para ingressar no mercado de trabalho. Atualmente, mãe de 4 filhos e avó de 2 netos, Anita desabafa sobre a diferença no tratamento que recebe das pessoas. “Nos fins de semana, sou confundida com empregada doméstica ou diarista, já fui seguida em supermercados. Quando ocupei cargos de chefia, não era percebida como tal”, desabafa a assistente social. As nuances do racismo perseguem o negro em vários âmbitos de sua vida e se manifestam de forma violenta no que diz respeito ao labor. O ingresso precoce no mercado de trabalho informal e o recebimento dos menores salários fazem parte do percurso à terceira idade, dificultando o acesso à aposentadoria, como também gerando a necessidade de exercer um ofício, mesmo após a conquista desse direito. Hélia Joseph Anestino começou a trabalhar plantando milho e mandioca aos sete anos. Aos 15, passou a lavar roupas com a mãe. Aos 17, tornou-se auxiliar de enfermagem. Aos 27, ingressou no serviço público. Graduou-se bacharel em Direito aos 32 e quando atingiu os 50, se formou em Comunicação Social. Essa é parte da história de uma mulher guerreira e determinada que, contra todas as apostas, alcançou várias conquistas. Nascida no dia 12 de maio de 1955, em Nanuque, interior de Minas Gerais, tia Hélia, como é conhecida pela comunidade acadêmica da Ufes, foi criada na Bahia, em Helvécia. Aos 64 anos de idade, ela é secretária do departamento de Comunicação Social da universidade e dona de casa. Com quase seis décadas de labor acumuladas, começou trabalhando na roça onde morava, plantando legumes e verduras para vender aos sábados na feira, mas sempre soube que aquele não era o amanhã que queria para si. Hélia, assim como gran-
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Eu acho que eu nasci mesmo para trabalhar. Eu não sei quando vou parar, acho que só mesmo no dia que eu morrer
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de parte da população negra, teve que ralar muito para ter um futuro melhor e conseguir oferecer oportunidades e uma nova história para sua família. “Se você tem determinação e vai em busca de um objetivo, é possível sim conseguir. Eu dizia sempre quando estava trabalhando na fazenda: um dia eu vou ter um título de universitária. E com muito esforço eu consegui!”, comemora. Mas ela nunca esteve sozinha. Uma mulher de muita fé, Hélia repete sempre que "Deus é fiel" e que ele é o grande responsável por suas conquistas. “Eu creio que sem acreditar em Deus, não seria nada. Eu acredito na existência, na força e nos poderes que ele tem. E eu gosto tanto da frase 'Deus é fiel' que foi a que eu escolhi para botar no meu convite de formatura. Ele sempre marcou presença na minha vida”, expõe seu relato de fé. São 38 anos de serviço público e, por isso, ela mesma brinca que é considerada patrimônio da Ufes. Conhecida em todo o campus de Goiabeiras, já recebeu diversas homenagens, inclusive na comemoração de 60 anos da universidade, em 2014. “Eu tenho muito orgulho desse reconhecimento, porque sempre dou o meu melhor no trabalho. Durante o meu expediente, me dedico só aos meus afazeres aqui dentro. Na minha casa eu tenho um cantinho só da Ufes, com homenagens e cartões”, conta. Com tempo suficiente para aposentar, ela continua no cargo público para pagar as despesas da graduação da filha, que, aos 21 anos, estuda Direito em uma faculdade particular. Porém, o trabalho de Hélia não se restringe ao serviço público. Ela ainda faz jornada dupla e, às vezes, tripla, se revezando entre o cuidado da casa e da dedicação à mãe e à tia, que têm 88 e 71 anos, respectivamente. Ela sabe da dificuldade que terá em desfrutar de uma aposentadoria tranquila. “Eu acho que eu nasci mesmo para trabalhar. Eu não sei quando vou parar, acho que só mesmo no dia que eu morrer. E com a aposentadoria vai dobrar o trabalho em casa. Se agora, enquanto trabalho aqui tam46 PR I M E IRA M ÃO
bém (na Ufes), já tenho esse monte de tarefa, imagina quando eu aposentar. Vou trazer minha tia para morar comigo e viver por conta disso”. Quem vê Antônio Leal, de 86 anos, todos os dias na saída do Restaurante Universitário da Ufes não deve imaginar quanta história ele tem para contar. Sempre dizendo “bom dia e bons estudos” para os estudantes que acabaram de almoçar, com um grande sorriso, é um dos vendedores mais carismáticos e comunicativos do campus de Goiabeiras. Aposentado, ele conta que resolveu virar ambulante para complementar a sua renda que se tornou insuficiente devido à crise econômica. Nascido em Santa Leopoldina, no interior do Espírito Santo, com 5 anos, Antônio já trabalhava na lavoura ajudando o pai. Na sua terra natal, além de agricultor, Antônio também era padeiro e fazia uma jornada dupla para complementar a renda. “Eu trabalhava na roça e na cidade. De dia na agricultura e a noite fazendo pão”, relatou. De acordo com dados levantados pelo portal de notícias G1, brancos são maioria em empregos de elite e negros ocupam vagas sem qualificação. Isso quer dizer que este grupo é maioria em serviços braçais ou que exigem pouco preparo, como cortador de cana ou operador de telemarketing. Já profissões mais qualificadas, como engenheiro de computação e professor de medicina são exercidas majoritariamente por brancos. Aos 42 anos, Antônio saiu de Santa Leopoldina e veio tentar a vida na capital, Vitória. Morador do Morro do Jaburu, em Gurigica, o idoso se orgulha dos benefícios que promoveu para o lugar onde vive enquanto líder comunitário. “Tenho satisfação pela minha vida política, de ter construído casas, levado pavimentação e melhorias para a minha comunidade”, declara. Ele se envolveu na vida política cedo. Diz que desde os 12 anos já tinha predisposição para a carreira. Foi candidato a vereador em 1978 e 1986. Durante a ditadura foi preso por ser sindicalista. “Passei poucos dias preso, cerca de 2 meses. Não sofri tortura,
mas vi os companheiros sofrendo maus tratos, isso me trouxe muita dor”, conta. Enquanto homem negro, Antônio lamenta o racismo ainda existir e conta que acredita que esse mal nunca vai acabar. Apesar de não ter estudo, o homem de 86 anos possui muita sabedoria e manda um recado para a juventude negra:
“
Não desista, insista e seja forte. Vamos lutar para que essa raça seja respeitada
”
Marluce Costa, de 69 anos, compartilha da mesma opinião de Antônio em relação ao preconceito. “Existe e não vai acabar. A sociedade muda em vários aspectos, mas quanto ao preconceito, é complicado”. Sua história de vida também envolve o trabalho precoce, antes dos 15 anos. Ao longo da vida, estudou, fez cursos, tornou-se técnica em enfermagem e nunca parou, de fato, de trabalhar. “Acordo às 4h da manhã e trabalho 12 horas por plantão, minha escala é 12x36 [horas]. Pego ônibus, levo uma vida comum”, explica sobre a rotina. Ela se considera admirada pelas pessoas ao seu redor por ainda desenvolver atividades laborais em sua idade. Porém, já faz planos para quando se aposentar. Pretende sair, fazer coisas que não teve oportunidade antes, conhecer outros lugares e gente nova. “Parar de trabalhar é algo que todo mundo deseja, mas tem que ser tudo na hora certa, com boas condições. E graças a Deus, eu já estou nessa etapa”. Para os jovens negros da atualidade, ela recomenda que não desistam dos estudos e que “sigam sempre o caminho do bem”.
“
Fui preso durante a ditadura por ser sindicalista
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A L G U M A S A Ç Õ E S V O LT A D A S P A R A D A
A
P R O M O Ç Ã O
I G UA L DA D E
R A C I A L E M
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V I T Ó R I A .
M
u s e u
C
a p i x a b a
N
d o
e g r o
O Museu Capixaba do Negro "Verônica da Pas" (Mucane) é um espaço de convergência de diversos serviços destinados à população. O edifício original foi totalmente restaurado e modernizado. Está equipado com auditório, biblioteca, área de eventos, museu e mezaninos. Entre os objetivos da revitalização está o de propiciar meios para o desenvolvimento de ações educativas que promovam a conscientização sobre a importância da preservação do patrimônio histórico-arquitetônico da capital capixaba. O Museu também é um centro de referência à cultura negra. Onde fica? Avenida República, 121, Centro Histórico, Vitória – ES Funcionamento: de terça a sexta, das 12 às 19 horas Telefone: (27) 3222-4560
Semana é
da
Consciência Negra
c o m e m o r a d a
e m
n o v e m b r o
A Lei Federal 10.639/2003 determinou o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas e instituiu a data de 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra, uma homenagem ao líder quilombola Zumbi dos Palmares. Anualmente, na Semana da Consciência Negra, a Comissão de Estudos Afro-Brasileiros (Ceafro) organiza diversas oficinas culturais, divulgando elementos da cultura negra, a exemplo da dança, da capoeira, do teatro e dos jogos africanos. As oficinas buscam o aprofundamento cultural: quem participa da oficina de dança, por exemplo, conhece a origem e o significado dos movimentos e suas relações com o corpo africano. Essas atividades têm conseguido modificar a visão do aluno negro, que descobre ou confirma a riqueza cultural de sua etnia.
Corrida de Rua Zumbi dos Palmares pela Promoção da Igualdade Racial Para marcar o Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado no dia 20 de novembro, a Secretaria de Cidadania e Direitos Humanos (Semcid) promove a Corrida de Rua Zumbi dos Palmares pela Promoção da Igualdade Racial, legitimada pela Lei Municipal n° 9091/2017, que a institui no calendário oficial de eventos do município de Vitória. A prova é realizada no domingo próximo à data e tem caráter esportivo e político, com a finalidade de difundir a luta da população negra por seus direitos, a importância de uma vida mais saudável frente a diabetes e hipertensão arterial, que possuem maior incidência na população negra, a melhoria das condições de saúde e o bem-estar, com o estímulo à atividade física. PR I ME M E I R A MÃO
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CRÔNICA
O caminho de volta à liberdade crônica por Letícia Soares
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Sentada na aconchegante poltrona, posicionada de maneira estratégica no centro da sala e já ligeiramente ocupada por uma pequena almofada com os dizeres “um doce de vovó” presente que recebeu de um dos netos, anos antes -, Esmerilia cuidadosamente mergulha em suas memórias. A princípio, em águas rasas, sua história era só sua. Um caso simples. Nada complicado de dizer ou entender. “Ele passou, deu uma piscadinha de olho. Eu pisquei pra ele também. Ele voltou e marcamos um encontro pro dia seguinte. Ele me buscou na escola, nós conversamos, nos apresentamos e começamos a namorar”. Assim ela narra o início de um relacionamento que durou 42 anos. A senhora, que aos 70 anos esbanja vitalidade, afirma que o namoro foi muito bom, e que, apesar de ele já demonstrar ser nervoso, os conflitos, logo nos primeiros meses de casamento, foram uma surpresa. “Ele era muito bravo, e eu nunca fui mansinha. Mas tive que ficar, porque ele era muito violento”, ela diz, relembrando as agressões verbais e morais. “Minha família toda pensava que ele me batia. Ele nunca bateu. Chegou a dar um empurrão, mas eu disse que era pra ele nunca mais fazer aquilo, porque o meu pai nunca tinha encostado a mão em mim, então eu não ia aceitar um estranho me bater. Ele falava muito, xingava, gritava. Quantas vezes ele colocou o revólver no meu pescoço e disse que ia me matar!”, relata. Além das severas ameaças, seu marido também a impediu de trabalhar. “Eu era acostumada a trabalhar. Comecei cedo, com sete anos, na loja do meu pai. Mas depois que casei ele não deixava. Eu tinha que ficar em casa e cuidar dos filhos”, declara. Sua história já não era mais só sua. Havia perdido a liberdade até mesmo de escrevê-la, o que não a impedia de tentar. “Nós brigamos uma época, porque eu queria trabalhar com ele. Eu saí de casa e ele disse para todo mundo que eu estava louca, levou meus filhos embora. Eu não ia abandoná-los. Tive de voltar”, ela recorda. Depois disso,
Esmerilia concorda que houve uma mudança de atitude e, enfim, ela pôde trabalhar com ele no escritório da empresa. Devido à ideia de que o cuidado com os filhos era de responsabilidade dela, seu marido sustentava uma relação muito dura com eles. Ela afirma que eles nunca tiveram liberdade para dialogar com o pai, sair, ou até mesmo levar amigos para casa. “Eu acho que interferiu na vida adulta deles. Meu filho é um pai e um marido maravilhoso, mas acho ele muito fechado. Acredito que foi pela criação que teve. Eu não sei se ele acha que eu tive alguma culpa. Eu tinha até medo de fazer alguma coisa pelos meus filhos e ele me matar. Porque ele era agressivo e, se me matasse, não dava nada pra ele”, ela lamenta. Apesar disto, Esmerilia carrega consigo a consciência de que o comportamento do esposo também era fruto de uma infância sofrida, de abandono. “A mãe dele se separou do marido e deu os filhos. Ele foi criado com uma tia. Quando eu o conheci, ele não sabia nem onde ela estava”, conta. Lia, como prefere ser chamada, viu sua vida ter uma nova reviravolta quando o marido foi assassinado. A causa permanece desconhecida, mas as consequências foram claras. Ela, que nunca tinha entrado em um banco ou pago uma conta, precisou do filho para lhe ensinar. “O meu filho me ajudou muito quando ele morreu. Eu não sabia fazer nada. Nunca houve necessidade de eu fazer nada, porque ele não deixava faltar nada. Isso fazia eu me sentir inútil”, confessa. Mesmo precisando reaprender a viver, a solidão, que para muitos poderia parecer desesperadora, foi catártica. “Depois que ele morreu eu me libertei. Meu pai sempre me prendeu. Aí casei e o marido também não me deixava sair sem ele. Quando eu fiquei viúva, eu me libertei, não tinha ninguém pra me mandar. Eu vivi uma liberdade que eu nunca tive em 43 anos”, declara. Finalmente, sua história havia voltado para suas próprias linhas e, agora, ela mesma pode contar.
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A solidão na terceira idade “Quando crianças, os pais cuidam de seus filhos. Quando idosos, os filhos devem cuidar de seus pais”. Agnes Gava e Isabela Luísa Esse é um ditado popular que muitos provavelmente ouviram em algum momento de suas vidas. Ele fala sobre responsabilidade e reciprocidade, no carinho e no cuidado recebido por entes queridos. Após uma certa idade, pessoas que foram essenciais no desenvolvimento dos mais jovens acabam precisando de uma atenção especial. É fato que o Brasil tem envelhecido a cada dia. Em 1950, o total de idosos representava apenas 4,9% de toda a população. Já em 2020, segundo projeções da ONU, esse número tende a chegar em 29,8 milhões de brasileiros, o que representaria 14% do país. Até 2030, a 52 PR I M E IRA M ÃO
previsão é de que o número de idosos ultrapassará o total de crianças entre 0 e 14 anos. No Espírito Santo, não é diferente: somos o sétimo estado com o maior índice de envelhecimento do Brasil, graças a uma expectativa de vida de 78,5 anos - a segunda maior do país. Em 2018, de acordo com a revisão da Projeção de População do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população idosa representava cerca de 13,8% do total de capixabas. Estima-se que, até 2038, haja um salto para 21,7%. Com esse cenário, espera-se que o país comece a desenvolver práticas de proteção e
assistência ao idoso; e, nesse sentido, a legislação brasileira já avançou bastante. Vigente desde 2004, o Estatuto do Idoso assegura que é “obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, (...) à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”. No entanto, a realidade que vivemos hoje no Brasil ainda está bem distante do que a lei decreta. De acordo com dados do Ministério dos Direitos Humanos, em 2017, o Disque 100 recebeu mais de 33 mil denúncias de abusos e agressões contra idosos - cerca de 90 casos por dia. Mesmo com dados tão alarmantes, estima-se que a maioria dos casos de violência ainda não seja denunciada, porque, principalmente, cerca de 85,6% das agressões acontecem dentro do próprio ambiente familiar dos idosos, onde eles deveriam se sentir mais seguros.
Outro motivo que reduz o número de denúncias é a desinformação: muitas pessoas não sabem identificar casos de abuso e, por isso, não os reportam. O Estatuto do Idoso determina que a violência contra essa população vai muito além de agressões físicas. Ela deve ser compreendida como qualquer ato de discriminação, omissão, abandono que incorra sobre a dignidade e integridade, física e psicológica, de pessoas com mais de 60 anos. Dentre as práticas mais comuns de violência identificadas pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), a negligência ocupa o primeiro lugar, representando 38% dos casos denunciados. O abandono de idosos é uma triste realidade que o Brasil tem enfrentado, que lota asilos, abrigos e casas de repouso, públicos e privados. Segundo dados do IBGE, o número de pessoas com 60 anos ou mais alojadas em abrigos PR I M E I R A MÃO
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públicos aumentou 33% entre 2012 e 2017. Rosemary Costa, Assistente Social de uma Instituição de Longa Permanência de Idosos (ILPI) de Vitória, afirma que muitos residentes são encaminhados para a casa de acolhimento pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), por estarem em situação de rua ou por serem negligenciados pela própria família. “Algumas pessoas, quando vêm para um lugar desse, têm família, mas a maioria não tem. E se tem família, é porque não quer cuidar. Quem quer colocar um pai, uma mãe, um avô em uma instituição que só vai ver uma vez ou outra? Os vínculos familiares são rompidos imediatamente”.
anjinha | 94 anos Anjinha, como é conhecida e prefere ser chamada, vive há 5 anos na ILPI de Vitória e chora ao contar sua trajetória, lembrando de como chegou ao local que mora hoje com outros 65 idosos. Quando engravidou de sua única filha, Anjinha precisou, com a ajuda de sua mãe, esconder a gravidez do irmão, que dizia “não querer mulher grávida em casa”. Quando não conseguiu mais guardar o segredo, foi expulsa de seu lar e precisou descobrir, sozinha, como cuidar de uma criança. Foi com uma máquina de costura (e muito talento!) que ela encontrou seu sustento fazendo vestidos de noiva e descobriu uma nova chance de ser feliz: “Não é porque era eu que fa54 PR I M E IRA M ÃO
zia não, mas eram vestidos lindíssimos! Ainda outros por não compreenderem ou aceitarem o tenho os modelos lá no meu cantinho”. grau de demência e privações físicas que os idosos apresentam. No entanto, não é de conhecimento comum que a solidão é tão prejudicial quanto outros tiEssa aqui é pos de violências físicas, por exemplo. A assistente social Rosemary entende que o emocional minha máquina influencia muito no estado de saúde dos internos de costura, meu de lares e ILPIs: “Todo mundo que é tirado da tesouro. Isso aqui família, que vem para um lugar para morar coletivamente, não é igual estar em casa. Eles costufoi minha vida mam chegar aqui bastante abalados”, conta. toda! A verdade é que, seja por decisão de vida ou por afastamento da família, ninguém está bem sozinho e, com a idade, os problemas geE foi com a costura que nasceu o seu amor rados pela solidão só tendem a se agravar. Uma pelo Carnaval e, principalmente, pela Pie- pesquisa da Universidade de Brigham Young dade. Anjinha conquistou reconhecimento atestou que o isolamento familiar e social caudentro da escola de samba capixaba, depois sa tantos danos à saúde dos idosos, quanto a de anos fazendo fantasias premiadas para as ingestão de bebidas alcóolicas e o tabagismo. alas das damas antigas e das caprichosas. Ela afirma com convicção que tudo que produzia antes, se fizesse hoje, ainda ganharia penha | 88 anos primeiro lugar. Penha, como prefere ser chamada não teve Hoje, sozinha no abrigo, Anjinha recebe filhos e nunca procurou casar, diz nunca ter tido visitas esporádicas de voluntários e parentes. interesse. Hoje, mora sozinha em seu apartaApesar de sentir muita falta de sua máquina - mento no bairro Jardim da Penha. Recebe visitas que precisou doar antes da mudança -, ela diz de uma irmã que mora perto e conta com uma que o mais doloroso foi perder a filha. A moça cuidadora (sua xará, Maria da Penha) que trabacomeçou a destratá-la quando ficou noiva e, lha à noite. No mais, passa todo o dia sozinha, com o tempo, parou de procurá-la: “Minha filha mas diz nunca ter se sentido triste ou deprimida. não gosta de mim, aquela ingrata. Foi a maior decepção da minha vida. Quando era pequenininha, você tinha que ver, era um amor comigo. Sentir falta, eu Hoje em dia não quer mais saber de mim”. Anjinha adora receber visitas e contar sua sinto. Sinto falta história, algo que não acontece com frequdos meus irmãos ência. Mas ela não é a única que sofre com que se foram, a solidão na terceira idade, um desafio pelo qual a sociedade ainda não está preparada e até hoje eu não que pode ter trágicas consequências. De acoracostumei com a do com pesquisas realizadas na Universidade ausência deles. de Chicago, o isolamento pode aumentar em 14% o risco de morte em faixas etárias mais avançadas. Em seu tempo livre, contudo, costuma fazer A psicóloga Christine Ferretti, Diretora Clí- poucas atividades e afirma que não encontra nica da Casa de Repouso Bem Me Quer, acre- muito o que fazer, além da leitura. Ela admite dita que, muitas vezes, as famílias acabam por que poderia se esforçar para sair mais de casa, isolar seus parentes quando chegam à terceira participando de eventos e encontros que aconteidade. Alguns por se sentirem culpados pelo cem nos Centros de Convivência da cidade: “Eu motivo de não possuir o tempo necessário para não faço nada, sabe? Minha irmã vive falando oferecer o cuidado que essas pessoas precisam,
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comigo que eu podia sair pra espairecer, fazer alguma atividade em público, ver gente”. Após a morte de dois irmãos muito próximos, que cuidou enquanto doentes, Penha acredita que perdeu um pouco de seu propósito e, por isso, está inclinada a aceitar os conselhos da irmã e visitar os Centros para se distrair um pouco. Mas ela gosta mesmo é de ter alguém para conversar ou jogar algumas mãos de buraco, seu passatempo preferido, então adoraria receber mais visitas.
se a solidão é a doença, o cuidado é a cura! Combater o isolamento na terceira idade é mais simples do que parece. Primeiro, é necessário compreender que o envelhecimento do corpo é normal e que a redução das habilidades cognitivas vai acontecer durante esse processo. Mas isso não significa a perda da essência, da personalidade do indivíduo, e isso deve ser lembrado pela família e pelo próprio idoso. Quando o corpo envelhece, temos o hábito de concentrar as atenções aos cuidados com a saúde física, sem contar que é preciso ter o mesmo zelo pela saúde neurológica e emocional nessa fase, já que a solidão está associada ao desenvolvimento ou agravamento de doenças degenerativas, como o Alzheimer e a Depressão. O processo de envelhecimento já representa uma carga emocional muito grande. Passar por ele de forma ativa, saudável e autônoma, ajuda a desenvolver a autoestima e o protagonismo do indivíduo dentro de sua própria história. Para isso, a convivência com amigos e familiares é 56 PR I M E IRA M ÃO
essencial. Afinal, se solidão é o problema, a socialização é a saída. Hoje, existe uma variedade de centros especializados em socialização de idosos que visam aumentar a sua qualidade de vida. Esses centros disponibilizam uma gama de atividades para os frequentadores, como oficinas de artesanato, atividade física, oficina de dança, yoga e hidroginástica. Esses são espaços de encontro dos idosos, que contribuem para a valorização da autoestima e o senso comunitário dos participantes. Além dos centros presenciais, existem também campanhas que visam promover o contato intergeracional, entre o idoso e a sociedade. Um exemplo é o programa Speaking Exchange, das escolas de inglês CNA (Cultural Norte Americano), premiado no Festival Cannes Lions em 2014. Nele, os estudantes conversam com nativos estadunidenses por vídeo chamadas, fazendo companhia para residentes de casas de repouso, enquanto praticam a língua. No Estado, existem algumas opções de Centro de Convivência da Pessoa Idosa (CCI). A maior parte deles é mantida pela prefeitura, com acesso gratuito e liberado para o público idoso. Para saber mais sobre como participar dos eventos e encontros, confira a lista com o contato dos CCIs localizados na Grande Vitória.
vitória Centro de Convivência da Terceira Idade de Maria Ortiz (27) 3135-2980 Centro de Convivência da Terceira Idade em Monjardim (27) 3381-3412 Centro de Convivência e Formação Carlos Moura dos Santos (27) 3324-4030 Centro de Convivência para a Terceira Idade em Jardim da Penha (27) 3227-9951
serra Centro de Convivência de Idosos de Barcelona (27) 3341-8817 Centro de Convivência para Idosos de Porto Canoa (27) 3138-8649
vila velha Centro de Convivência do Idoso na Praia da Costa (27) 3229-8009
cariacica Centro de Convivência do Idoso no Parque O Cravo e a Rosa (27) 3354-5843
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IL US T R AÇÃO
Quando a mulher negra emerge, o mundo emerge conosco. Essa é uma lição sobre a luta por democracia. O regime
democrático que exclui uma pessoa negra não pode ser considerado uma democracia. Se quer saber o segredo da luta por democracia, olhe os movimentos de mulheres negras, apoie, junte-se a eles. Se fizer isso, vai se colocar ao lado da base que pretende mudar o mundo. Quando as mulheres negras se movem pela liberdade, elas representam todas as comunidades negras, indígenas, pobres.
Todas as comunidades que sofreram exploração econômica, opressão de gênero e violência racial. - Angela Davis
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