Revista Primeira Mão, edição 159.

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159 | dezembro 2019 | ano XXX

A beleza dói: Saúde mental na era da ditadura da beleza

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Autoestima: Em que ‘like’ se perdeu?

PRIMEIRA MÃO

Gordofobia para além da narrativa de amor próprio

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tempo muda e, com ele, os padrões de beleza também se modificam. Desde a célebre escultura da Vênus de Willendorf, o ser humano sempre traçou padrões que considerava ideal no corpo alheio, especialmente, tratando-se do feminino. Séculos depois, a farta estrutura física deu lugar a uma silhueta esguia e outras tantas características que traçamos, até hoje, como sonho de consumo mundial. Os estereótipos introduzidos e disseminados pelas mídias massivas e pós-massivas são os principais influenciadores do que é ou não aceitável para viver confortavelmente em sociedade dentro do padrão de beleza que é imposto. Nesta edição, serão abordados temas que envolvem a beleza como um todo. Trataremos sobre a era do like nas redes sociais, responsável por quantificar a aprovação do seu público e deixar os indivíduos que não se encaixam nesse contexto apenas como observadores de “vidas perfeitas”, o que resulta na queda de suas autoestimas. Vamos, ainda, explorar como a perda desse amor-próprio pode afetar a saúde mental dessas pessoas. Devido à necessidade de se inserir em um molde que não condiz com a própria realidade, muitos se colocam em situações que se tornam prejudiciais para o bem-estar e saúde, ocasionando distúrbios alimentares e psicológicos, assunto que também debateremos nesta edição. Embora a pressão estética seja mais evidente para as mulheres, os homens também sentem sob seus ombros o peso de se acharem atraentes e você, caro leitor, acompanhará mais a respeito na reportagem “O homem inatingível”. Na contramão do que é considerado um ideal, existem homens e mulheres que sofrem diariamente com a gordofobia e que conseguiram aliar a luta a essa vivência. Apesar de haver, nos últimos anos, a crescente em relação à luta sobre a auto aceitação, na coluna sobre filmes, foram feitas críticas a obras audiovisuais que trazem a idealização de cenários inexistentes. Antes de desejarmos uma boa leitura, vale a pena mencionar que a turma de Jornalismo 2017/1 se despede da produção da Revista Primeira Mão com orgulho da evolução de toda a equipe e agradecendo, sempre, a você, leitor, por ser a nossa audiência e ouvinte dos casos que trouxemos durante essas três edições. Esperamos que tenha valido a pena para vocês da mesma forma que para nós. Damos um até logo, na esperança de nos encontrarmos novamente em outros materiais jornalísticos. Boa leitura e bom fim de ano!

Revista laboratorial produzida pelos alunos do 6° período do curso de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

EQUIPE Agnes Gava, Beatriz Moreira, Bethania Miranda, Cássia Rocha, Cecilia Miliorelli, Gabrielly Minchio, Heloísa Bergami, Isabela de Paula, Isabela Luísa, Jonathan Neves, José Renato Campos, Karla Silveira, Laís Batista, Larissa Tallon, Letícia Soares, Marcos Federici, Maria Pelição, Milena Costa, Pedro Cunha e Weslley Vitor.

EDITORES Gabrielly Minchio, José Renato Campos e Karla Silveira.

DIAGRAMADORES Laís Batista e Maria Pelição.

IDENTIDADE VISUAL Maria Pelição.

PROFESSORA ORIENTADORA Yasmin Gatto.

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INFOGRÁFICO: 12 MIL ANOS DE BELEZA A história mostra que os conceitos de beleza estão em constante mudança, sendo influenciados pelo que acontece na sociedade, na política e na moda ocidental. P o r L a í s B at i s ta e M a r i a P e l i ção

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GORDOFOBIA PARA ALÉM DA NARRATIVA DE AMOR PRÓPRIO

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O preconceito enfrentado diariamente por pessoas gordas e os desafios relacionados ao acesso que deveria ser garantido a elas por direito. Por Cássia Rocha e L a r i s s a T a llo n

primeira mão

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sumário

AUTOESTIMA: EM QUE 'LIKE' SE PERDEU?

As redes sociais impõem, rompem e reforçam padrões de beleza. Porém, mesmo em meio às diversas possibilidades de ser belo, muitas pessoas ainda não se sentem representadas. P o r B e at r i z M o r e i r a e L e t í c i a S oa r e s

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FOME DE BELEZA

Culto ao corpo perfeito leva pessoas ao extremo para alcançá-lo. P or M ilena C osta


No refrão da música “Pretty hurts”, a cantora Beyoncé declama: “a perfeição é a doença da nação”. Por Agnes Gava e Bethania Miranda

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O HOMEM INATINGÍVEL

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O padrão de beleza também chegou para eles e incita mudanças corporais e sequelas na autoestima. P o r H e lo í s a B e r g a m i e I s a b e ll a H e ll

BRASIL, UM PAÍS VAIDOSO

O aumento do consumo de cosméticos é uma tendência na sociedade moderna, o uso de maquiagem e realização de procedimentos estéticos têm crescido entre os brasileiros. Por Cecilia Miliorelli e Isabela Luísa

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MAKEOVERS, O CLICHÊ NEM TÃO ENGRAÇADO DAS COMÉDIAS ROMÂNTICAS

A influência da mídia na construção do que é belo e da importância da beleza para a sociedade. Por Agnes Gava e Bethania Miranda

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A BELEZA DÓI: SAÚDE MENTAL NA ERA DA DITADURA DA BELEZA

sumário

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Vênus de Willendorf é um dos primeiros artefatos reconhecidos do Paleolítico. Ela representaria símbolos de fertilidade e abundância alimentícia..

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INFOG R Á FÍCO

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Nefertiti foi uma rainha do Antigo Egito, que ficou conhecida pela estátua de seu busto.

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Vênus de Milo é uma estátua da Grécia Antiga, hoje pertencente ao acervo do Museu do Louvre, em Paris.


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Retrato de uma Jovem, do pintor flamen-

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e os conceitos de nstante mudança, elo que acontece na e na moda ocidental.

As sufragistas podem ser vistas como responsáveis pelo início da luta feminista. Foi aí que criou-se a imagem do feminino que se rebelava motivado pela insatisfação com a própria aparência, estereótipo que até hoje perdura.

e Maria Pelição

Estrela de cinema de Hollywood, Marilyn Monroe é um dos maiores sex symbols do século XX.

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O QUE É O MITO DA BELEZA? Termo cunhado pela jornalista Naomi Wolf na década de 1990, o mito da beleza seria uma das doutrinas elaboradas para controlar mulheres na sociedade patriarcal. Segundo Wolf, a beleza é entendida como uma qualidade fundamental do ser humano, estimulando competições entre mulheres, principalmente. Portanto, assim como muitas ideologias da feminilidade, o mito muda para se adaptar a novas circunstâncias do período, de forma a dificultar ainda mais as conquistas das mulheres na hora de ganhar espaço na sociedade.

As qualidades que um determinado período considera belas nas mulheres são apenas símbolos do comportamento feminino que aquele período julga ser desejável. Naomi Wolf

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PALEOLÍTICO 10.000 A.C. Nesta era de nomadismo, a cultura patriarcal ainda não era uma realidade para as sociedades primitivas. O culto ao feminino e à fertilidade da mulher eram essenciais à época, de forma a preservar a espécie. A necessidade de alimentos era suprida majoritariamente pela caça, pesca e catação. Simultânea às dificuldades de sobrevivência, acredita-se que Vênus de Willendorf simbolizaria o ideal estético do momento histórico. Um dos primeiros artefatos reconhecidos da época, a estátua representa a figura feminina como um paradigma da sociedade paleolítica: com a barriga volumosa, seios fartos e vulva a mostra, a pequena estatueta paleolítica ostenta, na corpulência, símbolos de fertilidade e abundância alimentícia.


GRÉCIA 1100 A.C. Civilizações estáveis, agricultura avançada e sociedades divididas. Essa era a realidade do mundo antigo, agora dividido em Estados e possibilitando o enriquecimento de algumas classes sociais, a abundância de recursos, as vidas suntuosas de poder e celebridade. A lógica patriarcal já estava estabelecida. Platão, certa vez, afirmou que os três desejos de todo o grego eram ser saudável, belo e rico de forma honesta. Gregos antigos confiavam às estátuas de Afrodite ou Apolo a benção da beleza para seus filhos, que, naquela época, consistia em uma noção matemática de rostos proporcionais e harmônicos: dividido em três partes (da testa para os olhos, dos olhos para o lábio superior e do lábio ao queixo), o rosto ideal deveria ter em largura dois terços da altura da face. As famosas estátuas gregas representam bem essa fixação com a proporcionalidade.

EGITO ANTIGO 2686 A.C. Para o Egito antigo, a simetria era igualmente importante e, diferentemente da grécia antiga, os corpos ideais eram retratados de forma esguia. Egípcios foram um dos povos a introduzir maquiagem na rotina tanto do homem quanto da mulher de todas as classes sociais. Eram usados cosméticos que hoje seriam análogos ao rímel, delineador, batom e blush. Hábitos como depilação, esmaltação de unhas, banhos perfumados e perucas - por questões higiênicas e práticas - eram essenciais no cotidiano da vaidade do egípcio antigo. Os cabelos deveriam ser o mais escuro possível, podendo até usar coloração negra em henna para atingir a cor desejada. O cabelo natural ou as perucas eram normalmente densas e volumosas, frequentemente, com tranças das mais simples às mais complexas.

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RENASCIMENTO s é c u lo s

FEUDALISMO s é c u lo s

XII-XV

Na Idade Média, do século XIII ao XV, o conceito do belo era mais específico e regido pela crença cristã em alta na Europa: a pele alva era idealizada, os cabelos e olhos deveriam ser claros, os traços deveriam ser finos e pelos faciais (como sobrancelhas) eram comumente retirados. Os corpos eram escondidos por representarem o pecado da luxúria e a vaidade por trás de pomposos ornamentos era combatida pelos eclesiásticos, que acreditavam que feria a virtude da mulher por priorizar o exterior ao o interior. "A mulher que pinta as suas faces de vermelho ou que altera a cor dos cabelos ou que esconde os sinais de envelhecimento sob cosméticos e perucas é uma mulher que, a par de Lúcifer, contesta e pretende melhorar a imagem que Deus lhe deu, chegando até a se julgar capaz de intervir nas leis da temporalidade governadas por Ele." Carla Casagrande em a mulher sob custódia.

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XIV-XVI

Personagens clássicos das mitologias grega e romana voltaram a ser valorizados, e, com eles, ressurgia também a ode ao corpo das épocas antigas. Portanto, esperava-se das mulheres bochechas rosadas e carnudas, corpos roliços e quadris largos. O ideal de beleza como perfeição, harmonia, simetria e proporção estavam de volta. Jean Liebault, médico francês do século XVI, afirmou que o rosto ideal de uma mulher deveria ser pálido, porque peles escurecidas eram associadas a camponesas que trabalhavam sob a luz do sol; ou seja, a pele alva era um símbolo de status.


REV OLUÇÃO INDUSTRIAL s é c u lo s

ABSOLUTISMO s é c u lo s

XVII-XVIII

Do século XVII ao XVIII, corpos carnudos continuavam sendo desejáveis, sobretudo por simbolizar fertilidade e fartura. Contudo, foi nesta época que os espartilhos estavam na moda, ditando um novo ideal de beleza: a cintura fina. Aristocracias enriqueceram graças às monarquias absolutistas na Europa, e para valorizar sua riqueza e poder, o uso de maquiagens mais marcantes (como tons fortes de blush), roupas e acessórios pomposos eram usados para destacá-los das classes trabalhadoras e ditar a influência estética da época.

XVII-XIX

Do século XVIII ao XIX, o mundo mudava e a noção do belo também. Na Era das Revoluções - Francesa e Industrial -, a burguesia se consolidava e a moda era simplificada. Diante do fim do absolutismo e a retomada da participação pública na política, mulheres começam a reivindicar seus direitos, como o sufrágio universal e maior independência econômica, política e individual. O mito da beleza foi um aliado da propaganda anti-feminista, tratando mulheres que reivindicavam seus direitos como inferiores. Criou-se a imagem do feminino que se rebelava motivado pela insatisfação com a própria aparência, estereótipo que até hoje perdura.

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TWIGGY MAGREZA EXTREMA anos

PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL a n o s 1920 Nos anos 1920, a luta pelo sufrágio universal e pela emancipação feminina da figura patriarcal crescia no mundo. Mulheres passaram a deixar os cabelos curtos, abandonaram os espartilhos e encurtaram seus vestidos. O corpo da época era esguio, andrógino, com poucas curvas e pouco busto. Sobrancelhas finas e redesenhadas de forma dramática estavam na moda.

SEGUNDA GUERRA MUNDIAL a n o s 1930-1950 Dos anos 1930 aos 1950, apesar da Grande Depressão e das duas grandes guerras, Hollywood encarava sua “Era de Ouro”. Estrelas como Katharine Hepburn, Marilyn Monroe, Grace Kelly, Elizabeth Taylor e Sophia Loren reestabeleceram o ideal de corpos femininos curvilíneos, com formato de ampulheta e com maior volume no busto. Contudo, ao contrário do que muitos pensam, nenhum desses ícones seriam consideradas plus size hoje em dia. Elas ainda tinham um índice de massa corporal (IMC) entre 18.8 e 20.5, mais baixo que a maioria das mulheres da época (23.6).

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1960-1970

Se até Marilyn Monroe tinha um corpo mais magro que a média feminina, então a beleza dos anos 1960 marcava um ideal de magreza ainda mais exagerado. Twiggy (derivado de “twig”, “graveto” em inglês) tinha apenas 15 anos quando se tornou o símbolo de beleza da época numa Londres culturalmente efervescente. Há quem diga que Twiggy marcou a ditadura da beleza pós-moderna, com um IMC de 15.0 (abaixo do mínimo ideal, 18.0), corpo andrógino, pernas longas e finas sobre um arquétipo pré-adolescente. Esperava-se das mulheres os mesmos traços joviais, o mesmo corpo esquelético e uma palidez semelhante às primeiras supermodelos britânicas.


HEROIN CHIC anos

ERA DAS SUPERMODELOS anos

1980-1990

A profissão de supermodelo teve seu apogeu entre os anos 1980 e 1990 com marcantes personalidades como Naomi Campbell, Carla Bruni, Claudia Schiffer, Cindy Crawford e Linda Evangelista. Eram mulheres igualmente magras, contudo de porte atlético, curvilíneo e voluptuoso. Todas tinham uma altura entre 1,70 m e 1,80 m, cabelos longos e pele bronzeada. Naomi Campbell foi a primeira modelo negra a aparecer na capa da Vogue britânica, francesa e estadunidense, e muitas vezes era a única modelo não-branca nas passarelas de marcas célebres.

1990

Kate Moss ditou o conceito “Heroin Chic” (heroína chique, fazendo alusão ao uso de drogas), que marcou os anos 1990 e o início do século XXI. Moss não tinha o corpo curvilíneo das supermodelos da década passada, muito menos maduro: tinha apenas 16 anos quando atingiu reconhecimento mundial, retomando a ideia de magreza extrema dos anos 1960. Diferente dos padrões de Twiggy, os anos 1990 exigiam rostos mais naturais, sempre pálidos e com bochechas “negativas”. Os corpos deveriam ter ossos bastante angulares à mostra, características andróginas que contrariavam a ideia de saúde vibrante das outras supermodelos.

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BOOTYLICIOUS anos

VICTORIA’S SECRET anos

2000-2010

O padrão de beleza “sensual”, bronzeado e saudável retornou no fim dos anos 2000 com Gisele Bundchen e as “angels” da marca de lingeries Victoria’s Secret. Exigia-se das mulheres uma magreza mais atlética, barriga reta, pernas longas e tonalizadas com um espaço entre as coxas. Seios e bundas deveriam ser proporcionalmente volumosos, quebrando a estética de androginia ditada por Kate Moss. A maioria das angels lembravam Bundchen: geralmente, eram brancas, mas bronzeadas; tinham traços caucasianos, olhos claros e cabelos lisos.

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2010-HOJE

O corpo perfeito desta década consiste na réplica da fisionomia Kardashian: cintura finíssima, bunda hipervolumosa, seios fartos, quadris amplos e pernas separadas são o novo ideal de beleza feminina. Os lábios devem ser carnudos, a textura de cabelo ideal continua sendo lisa, as sobrancelhas estão mais cheias e desenhadas e o rosto deve ter um contorno magro. Entre 2012-2014, implantes e injeções para nádegas aumentam em 58%!


em procedimentos estéticos Agora espera-se que toda garota tenha olhos azuis de uma caucasiana, os lábios cheios de uma espanhola, o clássico nariz-de-botão, a pele sem pelos de uma asiática com o bronzeado californiano, a bunda de uma dancehall jamaicana, as longas pernas de uma sueca, pequenos pés de uma japonesa, o abdômen de uma dona de academia lésbica, o quadril de um menino de nove anos, os braços da Michelle Obama e seios de boneca. Tina Fey

Atualmente, a indústria da beleza é uma das mais lucrativas, embolsando bilhões de dólares anualmente. Nela, são inclusas as indústrias da dieta, da cirurgia plástica estética, da pornografia e dos cosméticos. Todas se beneficiam do mito da beleza e estão em constante crescimento. O público feminino domina a demanda por intervenções estéticas no mundo:

86,4% plásticas das cirurgias

E outras aplicações cosméticas foram feitas por mulheres.

o brasil é o

Com 10,4% do total mundial, estamos apenas atrás dos Estados Unidos, que possui quase o dobro dos números brasileiros - 18,4% dos procedimentos mundiais são estadunidenses. O estudo mais recente da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS) divulgou a contagem dos procedimentos estéticos mais comuns no mundo. O líder do compilado de dados foi a aplicação de Botox com 5.033.693 injeções em 2017, seguido de 3.298.266 aplicações de ácido hialurônico (para preenchimentos nos lábios, olheiras, rugas e sulcos), 1.677.320 de cirurgias de aumento de seio, 1.573.680 lipoaspirações, 1.346.886 cirurgias de pálpebra, 997.372 remoções de pelo e 877.254 cirurgias para remodelação do nariz. No Brasil, a cirurgia estética mais comum foi a introdução de silicone nos seios, com 17% do total mundial (215.380 de cirurgias em 2017). Ainda por cima, o país foi responsável pela maior quantidade de rinoplastias no mundo: 8,5% de todas as cirurgias de modificação nasal. Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), nos últimos dez anos, houve um aumento de 141% no número de procedimentos entre jovens de 13 a 18 anos. Foi realizado no ano passado 1,7 milhão de operações no País, sendo 60% para fins estéticos, estima o censo bianual da Sociedade de Cirurgia Plástica (SBCP), principal entidade do setor. Comparando com dados do período anterior, de 2016, o número de cirurgias plásticas estéticas é 25,2% maior. PR I M E I R A MÃO

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S OCIE DA D E

Autoestima: Em que ‘like’ se perdeu? As redes sociais impõem, rompem e reforçam padrões de beleza. Porém, mesmo em meio às diversas possibilidades de ser belo, muitas pessoas ainda não se sentem representadas. Poe Beatriz Moreira e Letícia Soares Enquanto meninas magras, brancas e de cabelo liso inundavam suas redes sociais, Lívia Amorim sentia se afogar naquele oceano de perfis, na qual não parecia haver espaço para gente como ela. Nesse cenário asfixiante, fazer comparações tornou-se inevitável. A moça, com apenas 19 anos, já considera realizar modificações nos seios, no nariz e na barriga. No momento, ela tenta remar a favor dessa maré padronizante realizando alguns procedimentos estéticos ao seu alcance. A jovem alisa o cabelo, usa cintas que apertam a barriga e afinam a cintura, se submete a dietas desgastantes e fará micropigmentação na sobrancelha. Não foram poucas as vezes que a sua autoestima naufragou como resultado desse deslocamento. “Parece que se criou um padrão 16 PR I M E IRA M ÃO

até para as que estão fora dele. Vejo algumas meninas que fogem da norma ‘magra, branca e de cabelo liso’, mas as vejo sempre lindas nas redes, é algo fora da minha realidade”, desabafa após contar que, algumas vezes, se sentiu mal e cansada por isso. Nessa horas, ela optava por abandonar o barco e se ausentar das redes sociais por um tempo. Assim como Lívia, Julia Oliveira também se sente pressionada pelas redes sociais. A jovem, de 20 anos, assume que mudaria seu corpo por completo se fosse possível, especialmente os seios. E, se por um lado ela nunca saiu das redes sociais por isso, por outro, afirma que é muito seletiva quanto às pessoas que segue. “Procuro não seguir celebridades para evitar conflitos comigo


mesma. Só stalkeio pessoas bonitas quando estou me achando linda”, confessa. Essa insatisfação estética devido à comparação nas redes sociais é bastante comum. De acordo com um levantamento realizado em 2017 pela Royal Society for Public Health (RSPH), instituição inglesa de caridade dedicada à melhoria da saúde pública, nove entre dez meninas adolescentes estão insatisfeitas com os seus corpos. A pesquisa ainda apontou que cerca de 70% das Julia Oliveira tenta manter um equimulheres entre líbrio em sua relação de uso das 18 e 24 anos conredes sociais para resguardar sua sideram fazer um autoestima. procedimento cirúrgico estético. PR I M E I R A MÃO

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como as redes sociais distorcem a visão de meninas sobre si mesmas Pesquisa realizada em 2017 pela organização de caridade inglesa para meninas Girlguiding. O levantamento foi feito com meninas de 11 a 21 anos para mapear os efeitos do uso das redes sociais na saúde delas.

52%meninas das

Viram imagens editadas nas redes sociais, o que as fez se sentirem pressionadas a serem diferentes.

48%

se sentiram

envergonhadas

Por não serem do jeito que meninas e mulheres são nas mídias sociais.

padrão de beleza criado pela mídia gera insatisfação Uma pesquisa realizada em 2013 pelo Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), da USP, apontou que o padrão de beleza mostrado nas mídias pode ser responsável por causar insatisfação com o próprio corpo entre os jovens brasileiros. O estudo foi feito com 159 estudantes universitários. O grupo dividiu-se em duas equipes menores. Uma, nomeada de experimental, foi exposta a imagens de modelos de beleza; a outra, chamada de controle, não. Antes de observar as imagens dos modelos de beleza, o índice de satisfação corporal nos dois grupos era praticamente o mesmo.

37,5% mulheres 58,97% homens das

dos

47%garotas

Do grupo experimental selecionaram uma silhueta diferente da escolhida como desejada antes da visualização.

Viram imagens estereotipadas de homens ou mulheres que as fizeram se sentir menos confiantes em fazer o que querem.

Após a exposição aos estímulos, o índice de satisfação mudou: Dentre esses, 80% das mulheres e 60,87% dos homens optaram por uma aparência mais magra. As escolhas do grupo controle permaneceram inalteradas.

das

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grau de impacto negativo das redes sociais na saúde mental dos jovens

Pesquisa realizada, em 2017, pela Royal Society for Public Health classificou o grau de impacto negativo das redes sociais na saúde de jovens e adolescentes, considerando fatores como imagem corporal, bullying, depressão, ansiedade, auto identificação, entre outros.

No inicio do ano, o Instagram passou a ocultar a quantidade de curtidas na fotos e vídeos postados na rede social. O motivo alegado foi evitar o cyberbullying e diminuir a pressão social, visto que os usuários estavam ficando cada vez mais ansiosos com as interações na plataforma.

O sentimento de inadequação experimentado tanto por Lívia e Julia quanto por milhares de jovens no mundo é gerado pelas representações incompatíveis com a realidade que são construídas em rede. O professor e pesquisador de comunicação da Ufes, e também membro da Escola Lacaniana de Psicanálise (ELP) de Vitória, José Martinuzzo, enfatiza que tudo aquilo por trás da tela é uma narrativa, uma ficção. Por isso, não há como se encaixar no padrão, uma vez que o que se cria é o ideal de perfeição. “As possibilidades de ser que são expostas na rede não levam em conta as dores do existir, só mostram a maravilha”, pontua. O forte impacto causado pelas mídias sociais na saúde mental e na autoimagem dos jovens é fruto de um mecanismo humano natural. Martinuzzo explica que toda a subjetividade humana é constituída a partir da identificação com o outro, um processo que é potencializado em rede. “O painel de referências se multiplicou”, afirma. A grande problemática é que, mesmo em meio a tantas opções, os jovens se angustiam por não se encaixarem em nenhuma. Isso acontece porque o natural processo de identificação é confundido com o almejado ser igual a fulano. “Cada um deve viver suas referências a partir das suas marcas como sujeito. Portanto, é necessário entender que não é comprando uma roupa que se adquire uma identidade pronta para vestir. Isso não funciona”, ressalta o psicanalista. Assim nascem e se mantêm os influenciadores digitais, segundo Raphael Boamorte, atuante no planejamento digital da agência publicitária Danza. “Os influencers surgem da necessidade de se identificar. Contudo, eles não geram um sentimento de que você possa, de fato, ser igual a ele. Mas de querer ser. Geram expectativa na tentativa de se encaixar”, explica. O grau de influência desses personagens na visão que os jovens têm de si pode ser percebido no comportamento do consumidor. Segundo pesquisa do Instituto QualiBest, os influenciadores digitais são a segunda fonte de informação na hora da decisão de compra. Eles se encontram apenas atrás dos amigos e familiares. Nesse sentido, as ‘influencers’ de beleza se destacam ainda mais, pelo menos entre o público feminino. De acordo com PR I M E I R A MÃO

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um estudo realizado pelo Ibope neste ano, o segmento de beleza é o que mais atrai mulheres no Brasil. Boamorte atribui esse movimento à necessidade de reconhecimento que o nicho exige. “Esse mercado precisa de proximidade. Moda e beleza geram identificação, seja porque você é parecido com aquilo ou porque quer se tornar igual”, pontua o publicitário.

Lívia Amorim às vezes se sente mal por saber que o padrão de beleza das redes sociais interferem na maneira como ela se vê.

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o verdadeiro lado bonito das redes sociais Nem só em bases negativas se fundamenta a relação entre mídias sociais e autoidentificação. Ao passo que torna-se palco para inúmeras vivências diferentes, as redes digitais também potencializam vozes que antes não eram ouvidas. Um estudo realizado pela Girlguiding, uma organização de caridade para meninas do Reino Unido, apontou que 46% das garotas entrevistadas entre 13 e 21 anos se sentem empoderadas para falarem sobre coisas importantes para elas nas redes sociais. Duda Ramos é um desses exemplos. A moça de 20 anos começou a gravar vídeos em 2015, no início da sua transição capilar. Hoje, ela é uma micro influenciadora que reúne mais de 7 mil seguidores no Instagram. A digital influencer decidiu criar conteúdo quando se deparou com a pouca quantidade de informações sobre cabelos crespos e cacheados na internet. Por isso, ela atribui o rápido crescimento do seu canal no Youtube à identificação das meninas que, assim como ela, também estavam em tran-


sição. “Acho importante esse reconhecimento porque nem sempre você tem com quem se identificar do seu lado”, diz a jovem reforçando a relevância do trabalho que realiza. Quando começou o processo de mudar o cabelo, Duda afirma que eram poucas as meninas com black power em sua escola. O incentivo para continuar a mudança veio da internet. “A Rayza Nicácio e a Ana Lídia Lopes foram minhas inspirações”. Raphael Boamorte acredita que esse novo movimento de empoderamento nas redes sociais acontece justamente porque o poder de comunicação passou a ser distribuído entre outros grupos. “A internet facilitou a abertura de espaço para todos e, aos poucos, as pessoas foram se identificando com outros perfis que não eram os padrões estabelecidos pelas celebridades”, explica. Apesar disso, o psicanalista Martinuzzo alerta sobre o perigo desse espaço que aparenta ser democrático. “Os sujeitos precisam de confirmação do outro para a sua existência. Quando alguém está se expressando, está em busca de validação. Mas o que comprova que você existe não podem ser só visualizações ou curtidas”, ele afirma. A fim de ter uma experiência saudável com as mídias sociais, Martinuzzo propõe uma relação de equilíbrio. “Não se trata de abandonar as redes, porque existem muitas vantagens, mas sim de construir uma vida que também tenha presença real”. A youtuber Duda Ramos sugere ainda que as referências buscadas em rede devem corresponder à sua realidade. “Não busque o que é diferente de você”, pontua como dica.

Duda Ramos produz conteúdo na internet para meninas de cabelo cacheado

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COM PO R TA M E N TO

Gordofobia para além da narrativa de amor próprio O preconceito enfrentado diariamente por pessoas gordas e os desafios relacionados ao acesso que deveria ser garantido a elas por direito. Por Cássia Rocha e Larissa Tallon A pressão estética imposta por uma sociedade que enaltece e idolatra o corpo magro ocasiona uma série de problemas decorrentes do preconceito sofrido por pessoas gordas. “Gordofobia” é o termo utilizado para se referir a esse tipo de discriminação que age na crença de que pessoas consideradas acima do “peso ideal” são desleixadas ou não possuem autocontrole. Além das questões de autoestima, aceitação e amor próprio, a luta contra a gordofobia coloca em pauta, principalmente, questões ligadas à acessibilidade da pessoa gorda em diversos âmbitos e a despatologização da obesidade. A discriminação ocorre também de maneira institucional. De acordo com a pesquisa Profissionais Brasileiros — Um Panorama sobre Contratação, Demissão e Carreira realizada pela empresa Catho, em 2013, 6,2% dos empregadores assumidamente não contratam pessoas obesas. Além disso, a obesidade possui Cadastro Internacional de Doenças (CID 10E66) e a problemática de ser uma patologia é que coloca todas as pessoas gordas como doentes, sem considerar particularidades e interseccionalidades, mesmo que cerca de 30% dos indivíduos obesos tenham perfil metabólico e cardiovascular dentro da normalidade, de acordo com dados do Ministério da Saúde. 22 PR I M E IRA M ÃO

Em muitos casos, a pessoa gorda não tem o mesmo direito que as outras, o preconceito alcança níveis estruturais, de modo que os cintos de segurança dos veículos são limitados, as cadeiras de vários estabelecimentos não suportam o peso de corpos gordos, sem falar da indústria da moda que, em sua maioria, não considera tamanhos maiores de roupas. Amanda Lima, de 23 anos, cursa Geografia e é professora de ensino fundamental e médio. Ativista, ela estuda o que chama de “Geografia feminista”, que aplica a essência da geografia - a relação do ser com o espaço - a um recorte de gênero, dessa forma, está relacionada à experiência do corpo feminino no espaço. ”No caso do corpo gordo, o debate fica mais na disputa do machismo, mídia e padrão estético que tentam se empoderar do meu corpo e dizer que não posso vestir 54, que não posso andar de avião, que têm cadeiras que não posso sentar, porque não cabem, logo, aquele espaço não é feito para eu frequentar. Meu corpo diz o que posso ou não vestir e o que posso ou não fazer”, relata Amanda. A professora afirma que o fato de ser uma mulher gorda, muitas vezes, determina algumas ações e afeta várias esferas, dentre elas a psicológica, afetiva, social e de saúde. ”Muitas mulheres deixam de sair para barzinhos, praia, baladas, porque sentem que


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esses espaços não lhes pertencem. Ou, por exemplo, vão em festas e não comem, porque as pessoas olham, julgam, comentam. Isso vai adoecendo a saúde mental. Afeta o afetivo, traz insegurança para relações amorosas e/ou sexuais. Afeta na autoestima e também na saúde física, pois muitas mulheres se enfiam em dietas malucas ou não se exercitam, por terem vergonha do corpo”, assevera. Além disso, Amanda coloca, ainda, que a questão racial também torna a vivência da pessoa gorda ainda mais problemática e que o racismo intensifica e acresce o preconceito. “Acho que é impossível pensar corpo sem recorte racial. O racismo é ainda mais forte que a gordofobia, porque o padrão estético, antes de magro, é branco. Então uma mulher gorda e negra sofre ainda mais, pois está ainda mais distante do padrão estético”, acrescenta. Por conta do machismo muito latente no Brasil, a pressão estética é muito maior em relação às mulheres, porém os homens, 24 PR I M E IRA M ÃO

considerados “fora de forma”, também são atingidos pelos desafios de ser uma pessoa gorda no país. O estudante Iago Nunes conta que foi uma criança gorda, mas que os incômodos começaram a surgir na adolescência, quando pessoas do convívio escolar faziam “piadas” de mau gosto com seu corpo e afirma ter algumas marcas dessa época, como insegurança, ansiedade e dias de autoestima baixa. Porém, para ele, esse não é o pior dos problemas. “Muitas vezes a pessoa gorda é vista como doente, desleixada e isso é o que mais irrita”. Sobre o mercado do vestuário masculino para homens gordos, Iago conta que atualmente encontra roupas com facilidade, mas que nem sempre foi assim. “Já deixei de sair de casa para eventos por não encontrar o tipo de roupa que eu queria para aquela ocasião, mas ainda assim enxergo que o plus size deveria estar melhor produzido, muitas vezes as roupas não têm a mesma qualidade dos outros manequins”, aponta o estudante.


entrevista com carol inácio: “não é só sobre se amar muito, tem que ser muito forte” Ana Caroline Inácio (24) é graduanda em pedagogia, professora, modelo plus size e atua nas redes sociais com um discurso de amor próprio, autoestima e questões raciais. Ela contou à Primeira Mão um pouco de sua trajetória e como ela lida com os desafios de ser uma mulher negra e gorda no Brasil. Primeira Mão: Então, Carol, me conta um pouco sobre sua infância e adolescência . Você foi uma criança e/ou adolescente gorda ? Carol Inácio: Eu sempre fui uma criança e adolescente gorda e tudo que me aconteceu na infância em relação a preconceito foi na escola, tanto por parte dos alunos quanto

por parte das professoras que viam todas as situações acontecendo e não faziam nada. Eu chegava em casa, contava para a minha mãe, ela ia na escola e a professora dizia que não tinha visto nada ou que havia sido só uma “brincadeirinha”, sempre tentando amenizar a situação. Da minha infância, eu não tenho nenhuma lembrança boa pra falar a verdade e eu me emociono lembrando de algumas situações, porque, enquanto professora, em sala de aula, eu percebo que isso ainda acontece. Eu me recordo que uma vez fui participar de uma dança de quadrilha e era sempre horrível, apesar de eu sempre gostar de participar de tudo e minha mãe amava procurar os vestidos pra mim, PR I M E I R A MÃO

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o problema eram os ensaios. Eu tinha uma professora que sempre sorteava os pares e aconteceu que, quando ela foi sortear o meu par na quadrilha, o garoto não quis dançar comigo, dizendo que “eu era a mais feia da sala” e todo mundo estava assistindo à cena na quadra. Fiquei muito mal, mas eu era um tipo de criança que “engolia” tudo e só chorava em casa. A mãe do garoto foi na escola reclamar e exigir que ele não dançasse comigo. No fim, eu tive que dançar com uma menina e nós tivemos que tirar “par ou ímpar” pra escolher quem se vestiria de “menino ou menina”. Isso me doeu muito e a escola não fez nada, a minha mãe “bateu o pé”, mas ela também não queria que eu deixasse de participar, porque, para ela, seria uma perda. Essa foi uma das coisas que mais me doeu. E, no dia da minha quadrilha, disseram que com meu vestido, eu estava parecendo “capa de “bujão” e eu criei uma resistência a usar vestidos, só fui desconstruir isso depois de grande. Primeira Mão: Que

marcas você imagina

que isso deixou em você , quais as lembran ças que você tem dessas épocas ?

Carol Inácio: Eu não tenho lembranças boas. Até hoje não sei explicar como eu superei tudo isso, porque não é só sobre se amar muito, tem que ser muito forte, tem que ter alguém com você e a pessoa que eu tive comigo foi a minha mãe. Ela comprava briga, ia na escola, e quando a escola não fazia nada, ela ia resolver diretamente com a mãe das outras crianças, isso só me trouxe dor. É como se estivesse cicatrizado, mas se encostar ainda dói. E eu ainda sinto muito isso com os meus alunos hoje e o ruim é que eu não consigo resolver, mesmo corrigindo o tempo todo. Não deixa de doer, mas a gente vai amadurecendo e vai aprendendo a passar por cima. Além disso, a minha vida toda foi ligada à psicólogo. Primeira Mão: Bem, você atua nas redes sociais , podemos definir como um ativismo virtual . N esse âmbito , existem discussões sobre feminismo , movimento negro , e há uma militância gorda atrelada a esses movi mentos . O que te levou a expor sua opinião

nesses espaços que geralmente atacam o corpo gordo ?

Você

já sofreu algum tipo

“a cara a tapa”? Carol Inácio: Nossa, sim! Eu já levei muito na cara, porque, desde que eu decidi abrir a minha conta para falar sobre isso, as pessoas acham que, por eu falar pra mulheres gordas, significa que eu fale pra que elas sejam gordas mesmo, sejam comilonas, que elas têm que sair comendo tudo, com a diabete “na alta”. O que me levou a isso foi que certa vez eu tirei uma foto na praia no Rio de Janeiro e as pessoas começaram a elogiar dizendo que eu era corajosa e eu não tinha muita noção sobre gordofobia ainda, pensei “eu arrasei nessa foto” e passei a postar fotos como toda magra faz, de costas, com a mão na cintura, enfim. E as pessoas começaram a me ver como um exemplo pra elas e era só um corpo gordo na praia, linda, livre e plena. E falar na minha rede social sobre aceitar o corpo, não quer dizer que eu estou falando para as mulheres deixarem de cuidar da saúde. Mas sempre tem alguém reclamando no meu Instagram e vindo questionar o que eu defendo. de desgaste por ter dado

Primeira Mão: E

você acha que o ativismo

virtual pode ser um recurso na luta con tra a gordofobia e as diversas formas de opressão ?

De que maneira? Carol Inácio: Eu acho, sim, que pode ser um recurso contra a gordofobia e algumas outras formas de opressão, uma vez que eu mesma já fiquei doente seguindo pessoas que não condizem com a minha realidade. Eu ficava querendo ser aquilo, querendo ter aquilo. O que eu fiz foi deixar de seguir aquelas pessoas e começar a seguir pessoas que combinavam com a minha realidade. Isso, pra mim, mulheres empoderadas que inspiram outras mulheres a se aceitarem, já estão salvando vidas. Esse é um dos pontos que eu consigo compreender que a internet possa ajudar, mas a gente precisa de outros meios, até para denunciar várias formas de gordofobia, como em casos que são necessários reivindicar políticas públicas para melhorar o acesso. Primeira Mão: A

internet ainda não che -

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gou a um consenso sobre o assunto , existe

“ah, mas é questão de saúde”. Qual é a definição de gordofobia pra você ? Carol Inácio: Gordofobia pra mim é o preconceito com pessoas gordas e não tem a ver com a preocupação relacionada à saúde. As pessoas são preconceituosas, sim, elas tentam fazer você ter um corpo magro, se encaixar em um padrão que não é seu. Diariamente eu percebo isso, e quando eu vou em festas, boates, vejo que quando estou dançando, por exemplo, as pessoas ficam olhando, já até ouvi coisas do tipo “nossa, você consegue dançar bem, eu sou magrinha e não consigo”. E ainda, as pessoas não pensam na gente, o acesso ao ônibus, a roleta é apertada, porta de bancos, aviões e as pessoas se sentem constrangidas com essa falta de acesso. As pessoas tentam disfarçar o preconceito delas em forma de preocupação, mas a gente sabe bem quem quer ajudar e quem quer julgar o tamanho do seu corpo. o lado

Primeira Mão: Para você, além de “aceitação ” e o “ amar o corpo ”, empoderamento , quais outras questões a serem tratadas ? Carol Inácio: A gente tem que entender que isso ajuda, mas não resolve o problema da pessoa gorda. A gordofobia é uma opressão estrutural, sabe? Ela não pode se limitar à questão do amor próprio, porque nós sofremos diariamente e é para além disso. A gente precisa de um ativismo que não só incentive as pessoas a se amarem, mas que lute por acesso. Primeira Mão: Qual sua relação com o termo plus size ? V ocê se sente representada ? Que tipo de corpo gordo você acha que ele representa ? Carol Inácio: Apesar de eu sempre falar que sou modelo plus size - porque eu não tenho outro termo como referência - não me sinto representada. O plus size não representa a mulher gorda mesmo. Nesse modelo, geralmente, a mulher é gorda, mas é alta, com uma cintura bem afinada, pouco peito, rosto fino e com várias característica do padrão de mulher branca. O corpo gordo que me representa é um corpo real. O plus size, ele 28 PR I M E IRA M ÃO

acaba padronizando uma mulher que veste um pouquinho mais que o “ideal” de acordo com o padrão. Nós, modelos gordas, devemos nos posicionar mais, afirmar “eu sou uma modelo gorda” ou “eu sou uma modelo” e pronto, eu tento me policiar. Apesar de as marcas usarem, nem todos os termos nos favorecem. Primeira Mão: Você

acha que a gordofo -

bia deve ser tratada como um assunto

“iso-

lado ” ou é um fator que sofre influência de outros fatores ?

Por

exemplo , a luta

contra a gordofobia de um homem branco hétero e de uma mulher negra e / ou lésbica

“a causa é a mesma”? Carol Inácio: Não tem nem como comparar a luta de um homem branco e uma mulher negra. Primeiro que a diferença entre homem e mulher é enorme, eu acredito que uma mulher gorda sofre muito mais, porque os danos psicológicos são maiores que em um homem gordo. A causa não é a mesma, é a questão da interseccionalidade, eu, mulher negra, gorda, bissexual, pobre, são várias lutas, várias vertentes. A causa não tem como ser a mesa que a de uma pessoa cuja única opressão está relacionada ao corpo gordo. pode diferir ou

Primeira Mão: Qual sua relação com a Moda e como você vê a moda para pessoas gordas atualmente ? Carol Inácio: Minha relação com a moda é péssima, raramente eu sigo as tendências. Visto o que o mercado me oferece de acordo com o meu gosto. Muitas peças também não combinam com o meu perfil gordo Eu passo por isso na loja em que trabalho, porque a demanda de peças plus size é bem reduzida em relação ao restante e nem sempre acompanha a moda. Diria que eu e a moda não temos tanta afinidade e nós, pessoas gordas, não conseguimos acompanhar a moda e, algumas vezes, quando determinada peça está disponível no nosso tamanho, a tendência já passou e o plus size fica meio atrasado. Além disso, é muito interessante que a gente aprende a reinventar peças com o que a gente já tem para não precisar aderir à moda do corpo padrão.


depoimentos de mulheres que sofrem gordofobia brenda fonseca

“O meu processo de entender que meu corpo não era aceito começou desde muito nova, porque foi me estabelecido um padrão. Eu lembro que uma pessoa falou pra mim, quando tinha dez anos, que o meu corpo era feio. Que tinha que fazer mais abdominal. Até os 18 anos eu sofria mais pressão estética, tinha disforia de imagem, ou seja, me via muito maior do que eu realmente era. Além disso, tinha bulimia e vomitava o que eu comia, e também tinha anorexia. Eu ficava muito tempo sem comer. Depois de três dias, eu estava com tanta fome que comia muito, mas me sentia culpada e vomitava. Eu acabava emagrecendo e, por isso, até determinada idade, eu tinha o corpo um pouco mais perto do padrão. Ainda assim, não era estava perto o bastante, pois o meu biotipo é de uma pessoa gorda. Isso fez com que eu desenvolvesse depressão e ansiedade. Tinha uma dificuldade imensa de olhar no espelho, de me aceitar e tudo que eu vestia achava feio. As pessoas magras não percebem, eles acham que tudo que você sofre e emagrece é bom. Quem nunca ouviu o comentário Você ficou doente, né? Emagreceu. Queria pegar essa doença também. É muito problemático. Depois que entrei pra faculdade e saí da pressão da família, comecei a comer mais e melhor. Pude me descobrir e descobrir meu corpo real”. PR I M E I R A MÃO

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thaina bonfa

“Eu acho que quando você é um corpo fora dos padrões, é muito fácil entender que ele está fora do esperado. Isso é o tempo todo jogado na nossa cara. Pelas brincadeiras na escola, as piadas, os primeiros romances e até dentro de casa. Com menos de 15 anos, eu já tinha medo de ir à nutricionista, de tantas dietas malucas que fui submetida. Isso não é normal e logo acreditamos que tem algo de errado conosco, que não nos encaixamos no que esperam de nós. Privados de comer o que todo mundo gosta, privados de brincar por parecer incapaz de correr, privados de paquerar por ninguém acreditar que podem gostar de algo que é constantemente zombado. Não que eu tenha deixado de aproveitar a minha infância e adolescência, mas em certos momentos foi bem difícil. Acho que o meu processo de aceitação começou quando eu decidi que não queria mais me submeter a dietas malucas, pois aquilo me feria de verdade. Depois, com conhecimento. A internet teve um papel fundamental nisso. Conhecer, mesmo que virtualmente, pessoas gordas e extremamente felizes e capazes de exercer um trabalho, se relacionarem, dançarem e fazerem o que quiserem, foi fundamental. Depois eu comecei adotar o lema de que eu sou capaz de tudo também. Logo, eu vi que aceitar e reafirmar meu corpo era visto como incentivo para outras mulheres. Uma simples foto de biquíni e inúmeras pessoas me paravam para dar parabéns e até pedir ajudar. Isso me deu mais e mais força para continuar nesse caminho. Óbvio que é um processo diário, pois, infelizmente, ainda estamos sujeitas aos preconceitos. Mas contar com uma rede de apoio é importante para se manter de pé dia após dia”.

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luiza portela

“Aos 8 anos, minha mãe não gostava que eu usasse roupinhas brancas ou claras, pois aparecia a sombra do meu umbigo, na época não fazia o menor sentido, mas ter uma barriga saliente, na infância, aparentemente, chamava a atenção. Aos 10, ganhei um sutiã de pano, pois a gordurinha havia chegado aos meus seios infantis, e ninguém poderia ver isso. Com 11 anos, chorei pela primeira vez ao descobrir que o meu corpo não era bonito. Eu não sabia o que significava ter um corpo bonito, mal entendia para o que servia um corpo, a falta de malícia impedia que eu entendesse. Apenas compreendi que não deveria ser assim. Quando criança, só usava saias e vestidos, amava ser feminina e vaidosa. Com 12 anos, me tornei agressiva, odiava me expor e não usava nada com mais de duas cores, com medo de chamar atenção. Usava casacos até no calor, e não prendia o cabelo de forma alguma, com medo do meu rosto parecer muito redondo. No ensino médio, com 15 anos, ingressei no Instituto Federal, saindo da minha antiga escola e abandonando a sala com pessoas que me conheciam desde a infância. Me senti aterrorizada. Era a única menina gorda da minha sala, e, talvez, uma das únicas na escola inteira. Comecei a tomar remédios para o controle de peso, emagreci 20kg em 5 meses, vivia dizendo estar sem fome, e passava horas dentro do quarto bebendo água e me sentindo vitoriosa. Minha aceitação começou quando eu escutei a frase Desculpa, eu não sabia que você era gorda, de uma pessoa que fez uma “piada” gordofóbica. O comentário não era sobre mim, mas me senti ofendida. Quando cheguei em casa, cortei meu cabelo na altura do ombro, e parei de usar os remédios. Voltei a ganhar peso e entrei em pânico, mas dizia pra mim mesma que não deveria me preocupar com isso. Eu queria ser aceita por pessoas idiotas que não me amariam do jeito que eu sou? Quando cortei o cabelo, por mais simples que fosse esse gesto, foi revolucionário... meu rosto estava livre, então eu também estava. E eu nunca me senti tão bonita”.

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SAÚDE

Fome de beleza Culto ao corpo perfeito leva pessoas ao extremo para alcançá-lo. Por Milena Costa Dieta da sopa, suco detox, remédios, jejum intermitente. A mídia anuncia cotidianamente produtos e formas de perda de peso em uma clara cultuação ao “corpo perfeito”. Os corpos esguios exibidos como um prêmio pelos meios de difusão de informação moldam os padrões da sociedade e afligem grande parte da população que não consegue se encaixar neles. Em casos extremos, encarar o espelho ou a balança se torna uma tarefa árdua e o limite do corpo é testado em uma tentativa de alcançar a forma dos sonhos. São nesses casos que, comumente, os transtornos alimentares se manifestam. Esses transtornos são oriundos de hábi32 PR I M E IRA M ÃO

tos alimentares que causam danos à saúde e, muitas vezes, podem estar ligados a aspectos socioculturais, psicológicos e familiares. Os mais comuns são aqueles que estimulam a redução extrema ou o consumo excessivo de alimentos. Esses distúrbios acometem principalmente jovens e são mais frequentes em mulheres, podendo ser fatal em alguns casos. De acordo com dados do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos (National Institute of Mental Health), 70 milhões de pessoas, no mundo, sofrem de algum tipo de transtorno alimentar. Apesar de serem cada vez mais conhecidas, essas doenças ainda são estigmatizadas e pouco discutidas.


dade de comida em um curto período de tempo seguida por métodos inadequados para evitar aumento de peso, como a indução de vômito, Distinguir os transtornos alimentares é um uso de laxantes, prática excessiva de atividades passo importante para compreendê-los, uma físicas, entre outros. Essas práticas costumam vez que cada distúrbio exige um tratamento ocorrer em segredo, uma vez que o paciente específico. Os mais recorrentes são: sente vergonha de seus atos compensatórios.

Tipos de distúrbios alimentares mais comuns

anorexia nervosa

A anorexia nervosa é caracterizada pela intensa perda de peso e restrição alimentar. O paciente que sofre dessa doença fica sem comer intencionalmente e convive com a distorção de imagem ao se enxergar com excesso de peso, mesmo estando magro. Tal condição pode levar a problemas gastrointestinais e cardíacos, à desnutrição e, em casos mais graves, à morte.

compulsão alimentar

O indivíduo com compulsão alimentar apresenta episódios em que perde o controle sobre o consumo de alimentos e só consegue parar quando se sente fisicamente desconfortável. Contudo, ao contrário da bulimia, o paciente não utiliza de métodos compensatórios para evitar o ganho de peso. vigorexia

As pessoas com vigorexia buscam, excessivamente, atingir um corpo musculoso. Para isso, O quadro de bulimia nervosa também caracte- desenvolvem a compulsão por exercícios fíriza-se pela preocupação com o peso. Consiste sicos e por substâncias que podem ajudar no em praticar a ingestão de uma grande quanti- ganho de massa muscular. bulimia nervosa

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Vivendo entre extremos

Muitas meninas crescem com o sonho de virar modelo e brilhar pelo mundo afora vestindo roupas de grife e fotografando para campanhas. Contudo, conquistar o mundo da moda exige muita dedicação, já que os padrões estabelecidos para pisar na passarela são difíceis de serem alcançados e mantidos. Para as mulheres, a altura exigida para ser uma modelo é de, no mínimo, 1,75cm e a medida do quadril não pode ultrapassar os 89cm. Segundo estudos, estas imposições contribuem para o desenvolvimento de distúrbios alimentares, visto que as pessoas buscam assemelhar seus corpos ao de modelos e atrizes. O assunto é tão grave que, em 2015, a França chegou a sancionar uma lei proibindo modelos extremamente magras em suas passarelas. De acordo com o governo francês, a iniciativa visava combater a exposição de jovens a corpos irrealistas que poderiam levar a problemas de saúde. Outros países, como Israel, Itália e Espanha, também possuem medidas parecidas para evitar doenças como a anorexia e bulimia. A estudante de Nutrição Lara Passos, de 20 anos, sofreu de anorexia e bulimia. Ela afirma que tudo começou quando desenvolveu, na adolescência, o sonho de ser modelo. Devido às exigências em relação às medidas para seguir carreira, a jovem passou a fazer dietas restritivas e relata que, em três meses, chegou a perder cerca de 13kg. Durante esse tempo, ela conta que tinha episódios de compulsão alimentar e já chegou a beber perfume em uma tentativa de induzir o vômi34 PR I M E IRA M ÃO


to. Além disso, a estudante relata que ia para academia duas vezes por dia. “Eu tinha um quadro de compulsão alimentar e ia pra academia, dava o meu máximo mesmo sabendo que não suportava. Cheguei a quebrar o pé”. A jovem alternava entre períodos saudáveis e períodos de crise. Ela relata que esperava ansiosamente datas comemorativas, porque teria uma desculpa para exagerar na comida. “Logo depois do meu aniversário eu tive um desfile e estava muito inchada, parecia que tinha engordado cinco quilos de uma semana para outra. O chefe da minha agência percebeu e eu me senti muito mal”. Lara afirma que mesmo sabendo que não estava gorda, em sua cabeça, a realidade parecia diferente. “Eu tinha vergonha de sair de casa, às vezes pegava ônibus e achava que todos estavam olhando pra mim”. Após procurar ajuda médica, a estudante passou a se cuidar mais e hoje tem uma relação totalmente diferente com a comida. Ela conta que o sonho de ser modelo continua vivo. “Se eu tivesse começado da forma certa, nada disso teria acontecido. Ser modelo é meu sonho e não consigo me imaginar fazendo outra coisa”, afirma. Embora seja mais comum em mulheres, os transtornos alimentares também podem afetar homens. Uma pesquisa realizada pelo Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido apontou um crescimento do registro do transtorno em homens. O aumento foi maior entre homens de 41 a 60 anos, chegando a 70%, seguidos pelos que têm entre 26 e 40 anos, que obteve aumento de 67%. Para os que têm entre 19 e 25 anos, o crescimento foi de 63%. PR I M E I R A MÃO

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Apesar disso, o preconceito dificulta a busca por diagnóstico. O estudante de Educação Física, Paulo Henrique Corrêa, 20, conta que só descobriu que tinha compulsão alimentar quando procurou ajuda de um coach para cuidar da sua dieta. “Sempre tive vontade de procurar um psicólogo, mas minha família não levava muito a sério”, afirma. Ele relembra que desde criança foi acima do peso, mas que, na adolescência, conseguiu emagrecer seguindo dietas sem sentido. “Fiz tudo de maneira errada, me restringindo demais. Isso foi piorando aos poucos, justamente por ter um medo absurdo de que todo aquele peso voltasse”, relata. O jovem conta que alternava períodos de dietas rigorosas e meses comendo exageradamente. “Me trancava no quarto esse período todo, me escondia de tudo, até porque um dos sintomas da compulsão alimentar é esse mesmo, de sentir vergonha de estar comendo em proporções absurdas. Já cheguei a ganhar 20kg em menos de dois meses”. Hoje, Paulo afirma manter uma relação mais saudável com o seu corpo. “Eu me sinto muito bem com meu corpo, até criei um perfil no Instagram chamado @correafit, onde tento ajudar pessoas que passam pelas mesmas coisas e trazer postagens simples, mas informativas, buscando sempre auxiliar o máximo de público que conseguir”, contou. A estudante de 18 anos Natália Boegershausen chegou a perder quatro quilos em uma semana devido à obsessão com a magreza. Ela relata que teve bulimia, anorexia e compulsão alimentar. “Minha bulimia não começou com vômito, era mais excesso de exercício e a anorexia era eu querer estar mais magra. Eu só fui me tocar do que tinha quando cometi o ato bulímico pela primeira vez”, conta. Natália afirma que foi um período muito difícil devido à incompreensão do pai em lidar com a questão. Além disso, durante sua recuperação houve diversas recaídas que a desmotivaram. Apesar disso, ela manda um recado para aqueles que estão passando pelo mesmo problema: “Sei que é difícil mudar a forma como você vê o mundo ao estar passando por qualquer transtorno, não é simplesmente olhar no espelho e se amar, olhar a comida e não ter medo do que vai acontecer depois, mas tudo começa pelo primeiro empurrãozinho. Tente e não desista”. 36 PR I M E IRA M ÃO


d e m i lovato

famosas que lutaram contra distúrbios alimentares. A atriz e cantora lutou contra a bulimia. “Eu acho que é algo que vai me afetar para sempre, que eu terei que lidar por toda a minha vida. Estou feliz em dizer que, hoje em dia, consegui a ajuda que precisava e estou me sentindo mais saudável do que nunca”, escreveu em artigo sobre sua luta contra a doença.

princesa diana

lily collins

A princesa enfrentou a bulimia. “É uma doença terrível, porque é o paciente que inflige em si mesmo. É uma questão de baixa autoestima e é como se fosse um vício – você enche seu estômago e se sente confortável, e então vem a culpa e o vômito induzido”, disse em entrevista.

Apesar de não identificar qual transtorno sofreu, a atriz admitiu que teve problemas em lidar com o caso. “Eu pensava que falar sobre minhas dificuldades com distúrbios alimentares ofuscaria minhas conquistas enquanto atriz”, contou em entrevista.

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débora nascimento

A atriz global enfrentou a anorexia e afirma já ter superado. “Não adianta eu querer ser uma coisa que eu não sou e forçar o meu corpo a extremos que não fazem parte da minha natureza. Hoje em dia, eu sou super bem-resolvida”, relatou em entrevista.

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COMP O R TA M E N TO

a beleza dói:

Saúde mental na era da ditadura da beleza No refrão da música “Pretty hurts”, a cantora Beyoncé declama: “a perfeição é a doença da nação” Por Agnes Gava e Bethania Miranda *Alteramos os nomes das pessoas cujas experiências compartilhamos para proteger sua privacidade, mas todas as histórias são verídicas.

O ser humano sempre cultuou o que é belo. Desde as obras de arte renascentistas até as top models estampadas em capas de revistas, a beleza se mostrou como foco de nossa sociedade. Ao longo dos anos, a cada nova estação, uma moda é lançada e, com ela, um novo padrão a ser seguido. Começa, então, a nossa eterna batalha para atingir um ideal de beleza que, apesar de sempre buscarmos, nunca sabemos bem qual é. Segundo a psicóloga Clara Wernersbach, isso acontece, porque a beleza se trata de um conceito mutável.“Ele é construído e desconstruído de acordo com a época em que vivemos”, explica. Apesar de atingir a todos, a ditadura da beleza tem maior influência sobre as mulheres. Durante uma campanha no ano de 2016, a marca Dove realizou uma pesquisa com mais de seis mil mulheres com idades entre 10 e 64 anos. Das entrevistadas, apenas 4% disseram se considerar belas, em compensação, 59% afirmaram sentir pressão para serem bonitas. Essa percepção negativa começa desde 38 PR I M E IRA M ÃO

Os estereótipos, a ‘moda da vez’, os filmes, as revistas e um padrão altíssimo de beleza inatingível são influenciadores principais para a construção da visão do conceito de beleza na atualidade. psicóloga Clara Wernersbach

muito cedo. Wernersbach salienta que a partir da infância a nossa visão passa a ser moldada para compreender o que é ou não belo a partir de nossas experiências, dos ensinamentos recebidos por pessoas de nosso convívio e dos conteúdos bombardeados pela mídia. É, também, na primeira fase da vida que ini-


cia o processo de socialização da criança. Na escola, ela passa a ter contato com uma pluralidade de vivências, jeitos, etnias e aparências. Nesse momento, a personalidade do pequeno é formada de acordo com suas novas experiências. Mas nem sempre essas experiências são positivas. De acordo com o relatório “Pondo fim à tormenta: combatendo o bullying do jardim de infância ao ciberespaço”, divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), em 2017, de 100 mil crianças e adolescentes, metade admite já ter sofrido algum tipo de agressão no meio escolar. No Brasil, cerca de 43% dos entrevistados disse ter sido vítima de bullying pelo menos uma vez. O bullying é uma expressão inglesa que representa práticas violentas muito frequentes nas escolas. Esses atos podem ser caracterizados por apelidos maldosos, perseguição, abusos psicológicos, podendo chegar à violência física. Segundo os jovens ouvidos na pesquisa da UNICEF, o bullying acontece, na maioria das vezes, por algum aspecto físico, nacionalidade, etnia, gênero ou orientação sexual. A conclusão do relatório foi que o bullying afeta o desenvolvimento pessoal e a saúde, física e psicológica, tanto das vítimas quanto dos agressores. Para a psicóloga Clara Wernersbach, essas agressões podem desencadear

uma série de comportamentos inseguros e de baixa autoestima. “Nessa importante fase de formação, se a criança ou o adolescente (que também vive uma fase sensível) passar por situações de bullying, isso a faz acreditar que ela é menos que os outros”, argumenta. Durante a adolescência, o bullying impacta na vida acadêmica das vítimas. Um levantamento realizado no Reino Unido, em 2019, apontou que 35% dos estudantes que sofreram agressões começou a se ausentar das aulas e 20% teve que mudar de escola, tentando fugir de seus agressores. Além do desempenho escolar, a pesquisa apontou que a saúde mental dos adolescentes também é acometida por esse mal. 78% dos entrevistados entre 11 e 16 anos afirmou que as perseguições causam ansiedade e 17% já pensou em tirar a própria vida para pôr fim ao sofrimento. Em muitos casos, as consequências do bullying podem se arrastar até a vida adulta. Pessoas que passam por esse tipo de trauma costumam desenvolver doenças de cunho emocional, como transtornos alimentares, agressividade, autolesão e, em casos extremos, depressão. De acordo com dados da Global School-based Student Health Survey (GSHS), o risco de suicídio é três vezes maior para adolescentes que sofrem bullying. PR I M E I R A MÃO

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Ricardo Ferreira* é um exemplo. Ele conta que, na escola, sofria com “brincadeiras” de mau gosto e recebia apelidos relacionados à sua aparência física. “Me chamavam de ‘cabeçudo’ ou ‘rei caveira’, porque eu era muito magro. Também diziam que eu tinha orelha de abano, me chamavam de Dumbo”, relembra. Como consequência desses episódios, até hoje, ele é inseguro, sente vergonha de falar em público e não tem atitude com outras pessoas por medo de ser rejeitado. Durante suas sessões de terapia, Ricardo conversa com sua psiquiatra sobre como a baixa autoestima o prejudica em seu dia a dia. “A baixa autoestima afeta todo mundo, mas, na terapia, nós conversamos sobre pontos de melhoria e como eu posso fazer para isso não me afetar no meu cotidiano. Ela [a psiquiatra] costuma falar para que eu me apoie nas minhas características positivas e busque melhorar nas coisas que eu posso melhorar. Porque eu não posso acordar bonito amanhã, só se eu nascer de novo (risos)”, brinca.

Se você sempre escutar que você é feio, vai chegar um momento em que vai passar a acreditar nisso. Ricardo Ferreira

A autoimagem distorcida criada pelo bullying e a imposição de um padrão único (e inatingível) de beleza causa problemas pessoais em muitos aspectos, dentre eles, na vida profissional. Na campanha da Dove, “A verdade sobre a beleza”, de 2016, sete em cada dez mulheres e meninas entrevistadas disseram acreditar que pessoas bonitas possuem mais oportunidades que as demais. 17% delas afirmaram que não iriam a uma entrevista de emprego se não estivessem felizes com sua aparência no momento e 8% admitiram já ter faltado o trabalho por se sentirem insatisfeitas com a própria imagem. De acordo com a Pesquisa de Comportamento das Meninas 2016, da Girlguiding UK, 47% das jovens considera que sua aparência atrapalha o desenvolvimento pessoal. 40 PR I M E IRA M ÃO


Sophia Amorim* sente que a baixa autoestima interfere em sua produtividade no trabalho. Ela diz ser difícil acreditar em si mesma, porque sempre acha que está sendo julgada e acaba se comparando de forma pejorativa com outras pessoas. Até mesmo quando recebe um elogio, tem dificuldades em reagir à demonstração de afeto. “Já aconteceu mais de uma vez comigo, de eu chorar ao receber um elogio por não saber lidar com isso. Além de sempre agir de duas formas: agradecer o elogio, mas elogiar algo de volta na outra pessoa, como se quisesse dizer que ‘você é melhor’. Ou procurar meios de mostrar que a pessoa está enganada, como se eu não fosse digna de receber aquelas palavras”, conta. Na infância, Sophia sofreu bullying pelas suas olheiras, nariz, queixo e peso. Costumava ouvir que era a mais feia da turma, uma “bruxa”. Hoje, após dois anos de terapia, superou, em partes, essas agressões, mas ainda escuta que tem uma “beleza exótica” ou “diferente”, o que, para ela, não são elogios e só reforçam a percepção de que seus traços não são bonitos.

Até um elogio dói devido à experiência ruim comigo mesma. Quem tem insegurança tende a achar que só recebe elogios pois o outro está com pena por algum motivo. Sophia Amorim

Deixar de sair, não comprar ou vestir determinados tipos de roupa, se sentir desconfortável em eventos sociais. Esses são comportamentos frequentes de quem convive com a baixa autoestima. Na pesquisa da Dove, oito em cada dez mulheres entrevistadas confessaram que já evitaram um compromisso social, por não se sentirem bem com o próprio corpo. A insegurança com a própria aparência também pode influenciar muito em relações pessoais, amorosas e de amizade. Alguém que não se sente seguro com sua imagem costuma ter dificuldade em acreditar que outras pessoas possam gostar dele do jeito que é e passa a minar involuntariamente essas relações.

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A psicóloga Clara Wernersbach acredita que, em relacionamentos, pessoas com baixa autoestima julgam nunca serem boas o suficiente para merecer o outro, tendo constante medo de perder o parceiro para pessoas que julgam ser mais interessantes que elas. “Isso pode causar dependência afetiva, uma vez que [a pessoa] também imagina que ninguém mais vai a/o querer, submetendo-se até a situações que pioram o nível da sua autoconfiança”, explica. É o que Fernanda Araújo* vive hoje em seu namoro. Após passar por uma transição capilar, ela começou a ter problemas para aceitar seu cabelo, o que só piorou a visão negativa que ela tinha dela mesma. O bullying na época da escola colaborou para ela não gostar de suas curvas - ou de qualquer outro aspecto físico - e se sentir incomodada com o próprio corpo. “Foi logo no meu ensino fundamental, na quinta série. Era um momento muito delicado pra mim e foi quando tudo começou: o bullying, os problemas em casa, as “piadinhas” com meu corpo e meu cabelo. Justo quando cada vez mais a televisão mostrava aquele corpo ideal, as mulheres de cabelo liso e muito bem produzidas”, relata. Apesar de acreditar na importância da terapia para lidar com seus traumas, Fernanda não possui condições para buscar a ajuda profissional que gostaria. Com isso, ela se vê com frequência em situações onde sua autoestima atrapalha sua vida pessoal e o relacionamento com seu namorado.

Eu me sinto incomodada com qualquer situação em que meu namorado esteja com outra menina, simplesmente porque não me acho boa o suficiente. Fernanda Araújo

Mesmo que ainda tenhamos muito o que evoluir no que tange à questão de autoestima e saúde mental, é possível enxergar uma mudança na percepção do que é belo ao longo dos anos. Em 2016, 72% das mulheres ouvidas pela marca Dove disseram que, apesar de não se considerarem bonitas, estão satisfeitas com sua própria beleza. 42 PR I M E IRA M ÃO


Já para 80% das entrevistadas, toda mulher tem algo bonito em si, mesmo que, às vezes, seja difícil enxergar isso em si mesma. Esses dados podem ser considerados como uma pequena luz que leva a uma nova forma de entender a beleza em nossa sociedade: mais diversa e menos centrada em padrões estéticos inalcançáveis. Larissa Teixeira* é uma das mulheres que acredita nessa nova forma de beleza. Apesar de não se achar bonita, ela diz que está trabalhando para isso ao aceitar que ninguém é perfeito e tentar sempre observar aspectos, mesmo que pequenos, que sejam belos para ela. No entanto, esse exercício diário é dificultado pela depressão, que enfrenta desde a infância. Com a rejeição que sofria, na escola, ela passou a se sentir cada vez mais isolada, o que agravou a situação. “Sempre tive sintomas de depressão, sempre mascarei, o que mais sentimos é a solidão, de certa forma, o bullying amplia muito isso”, conta. Ela lembra que, na época, não se falava muito sobre bullying como um problema. Era comum sugerirem para que ela reagisse às agressões ou ignorasse o que estava acontecendo - o que ela tentou fazer, sem resultados: “Uma coisa que eu via era que a sociedade dizia que, se alguém te maltrata, a culpa é sua, é você que deve saber reagir para que não aconteça. Isso fazia parecer que a culpa era realmente minha”. Após um ano e meio de acompanhamento psicológico, Larissa consegue entender o porquê de sempre ser tão crítica consigo mesma e as causas de sua insegurança. Para ela, esse é um caminho longo de aceitação e autoconhecimento, que precisa ser trilhado aos poucos e que a ajuda de um profissional também é muito importante.

Quando ninguém te aceita, fica muito difícil praticar a autoaceitação. Larissa Teixeira

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O bullying é capaz de deixar marcas na vida das pessoas. Para Wernersbach, cada indivíduo vai lidar com essa agressão de forma diferente. “É fundamental que essas pessoas estejam cercadas de uma rede de apoio que possa ser base para uma construção de autoestima, autoconfiança, confiança no outro e, principalmente, que a vítima priorize o cuidado com sua saúde mental e física”, recomenda. Além disso, a psicóloga aconselha as vítimas a procurarem tratamentos com profissionais da área da psicologia ou da psiquiatria para diagnosticar o problema e tentar anulá-lo, para que as ofensas não sejam filtradas, podendo trazer problemas psicológicos maiores. “Fazer terapia, praticar atividades físicas, ter momentos de lazer é mais um ponto que ajuda com que a pessoa esteja pronta para lidar com essas situações de forma saudável.” Embora não tenha feito acompanhamento profissional, o universitário Arthur Gabriel conseguiu superar as marcas do bullying que sofreu durante três anos no ensino fundamental. Nesse período, ele foi ofendido por ser recém-chegado à escola e por ser um adolescente dito como “afeminado”. “Eu era o último a ser escolhido em qualquer coisa, sempre me deixavam de fora. Não sei o motivo, mas até então era porque eu era novo. Os meninos implicavam bastante comigo, me chamavam de bichinha, de boiola”, conta. Ele considera que a criação patriarcal dos seus colegas possui influência direta nos insultos homofóbicos que ele ouvia no período escolar. “As pessoas que faziam bullying comigo tinham uma criação patriarcal, de que menino tem que ser menino e menina tem que ser menina, e por eu ser diferente do que o que os pais deles ensinavam, eles me criticavam e praticavam o preconceito porque não entendiam”. Atualmente, Arthur esbanja autenticidade e uma boa autoestima. Com o passar do tempo e com uma rede de apoio de sua família e amigos, ele conseguiu superar os traumas do bullying. “Eu fui criando uma resistência, uma força. Fui amadurecendo, me conhecendo mais. À medida que fui evoluindo, as piadinhas iam perdendo força comigo. Hoje, se uma pessoa chega pra mim e fala “seu boiola”, eu só vou olhar pra ela e dizer: ‘sou mesmo!’. Não me afeta mais, eu aprendi a lidar com isso. 44 PR I M E IRA M ÃO


cirurgia plástica : a busca incansável por um padrão de beleza inalcançável A constante busca pela beleza leva muitas pessoas a se submeterem às requisitadas cirurgias plásticas. O Brasil só fica atrás dos Estados Unidos na quantidade de cirurgias plásticas realizadas no ano. Em 2018, esse número chegou na marca de 11 milhões de procedimentos cirúrgicos, de acordo com o estudo da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica e Estética (ISAPS). Segundo a cirurgiã plástica e professora da Ufes Patrícia Lyra, o padrão de beleza é mutável e sofre alterações com o passar do tempo. “A gente vive hoje em um mundo completamente diferente de 20, 30 anos atrás, em que o padrão de beleza era a menina da revista, às vezes a vizinha. Hoje, com o advento da internet, com a globalização, o padrão de beleza está muito unificado. Então ficou uma coisa muito massiva, maciça. Aquele ali é o padrão, ou você se adequa de forma global, ou está fora”, explica. As mulheres são as mais adeptas às cirurgias plásticas, já que 86,2% das cirurgias plásticas, no mundo, são realizadas por elas, conforme dados da ISAPS. Os procedimentos mais realizados são o aumento de seios (15,8%), que atualmente é a cirurgia plástica mais realizada, com cerca de 2,5 milhões de procedimentos por ano, além da lipoaspiração (14%) e a cirurgia de pálpebra (12,9%). A ascensão das redes sociais, além de promover maior acesso à informação, também, traz à tona a discussão sobre o que é verdadeiro nas redes sociais. O Photoshop é uma ferramenta constantemente utilizada para modificar fotos nas postagens e, a par-

tir dele, padrões são impostos, como argumenta Patrícia. “O padrão, infelizmente, é ditado por algumas pessoas que muitas vezes não é nem o ideal, o atingível, mas é a pessoa que tem a capacidade de atingir um público muito grande. Então você passa a dar ouvidos a coisas que nem sempre são reais. Hoje, a gente tem pessoa chegando querendo coisas que são impossíveis.” Esse desejo em seguir um padrão que não existe é uma das causas da dismorfia corporal, um transtorno em que o paciente vê defeitos na sua aparência de forma obsessiva. A cirurgiã relata que esses casos acontecem, principalmente, quando se cria uma expectativa que é inatingível, passando da busca por um resultado satisfatório e adequado para a sua realidade. O padrão de beleza está atrelado à eterna busca pela jovialidade de acordo com Patrícia. Ainda assim, ela faz crítica a esse comportamento e ainda possui esperança quanto ao futuro. “Você não pode impor o padrão de beleza de uma menina de 14 anos, 20 anos, como sendo aquele padrão para uma mulher de 40, 50 anos. Mas isso está mudando, hoje, você consegue ver, na mídia, mulheres mais velhas. Com isso, as pessoas começam a se identificar”. Para a cirurgiã, cada pessoa é o seu próprio padrão e não deveria existir essa busca baseada em outros corpos. “Ou você vai correr atrás do padrão de beleza que muitas vezes é impossível pra você. Aí você pode chegar na conclusão que é impossível ou continuar naquela busca constante para chegar naquele padrão que, para você, é inatingível”, conclui.

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COM PO R TA M E N TO

Brasil, um país vaidoso Por Cecilia Miliorelli e Isabela Luísa 46 PR I M E IRA M ÃO


O aumento do consumo de cosméticos é uma tendência na sociedade moderna, o uso de maquiagem e realização de procedimentos estéticos têm crescido entre os brasileiros. O povo brasileiro é popularmente conhecido por ser um dos mais bonitos do mundo, e não poderia ser diferente; um país diverso como o nosso abriga todo tipo de padrão de beleza, e muita gente vaidosa. Isso porque segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC) o mercado estético cresceu 567% nos últimos anos, com mais de 480 mil profissionais registrados. Além disso, as vendas em produtos cosméticos também cresceu, apesar da crise. Os resultados de uma pesquisa da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) mostrou que os varejistas da área movimentaram cerca de R$ 4,7 milhões de reais em 2019, apenas entre janeiro e março, um aumento de mais de R$ 105, se comparado a 2018. Segundo o diretor da Abrafarma, 70% do mercado consumidor dos produtos cosméticos são do sexo feminino, e a maquiagem está em alta no Brasil. A consultoria Brand Finance incluiu a Natura na lista de 50 marcas de cosméticos mais valiosas do mundo, e ela é a única brasileira, ocupando o vigésimo lugar. Aproveitando a onda, outras marcas nacionais têm investido no ramo, um exemplo disso é a empresa O Boticário, que no ano passado, por exemplo, teve um faturamento bilionário: R$ 13,1 bilhões. O grupo é líder na venda de perfumaria e cosméticos no país. A paraense Phebo também não fica para trás: se juntou ao grupo Granado em 2013, teve um reposicionamento de marca e recentemente recebeu um prêmio da ABRE (Associação Brasileira de Embalagem) pelo redesign da sua linha de colônias Águas. Algumas “influencers” brasileiras têm crescido muito no ramo da maquiagem também, criando suas próprias marcas, como Alice Salazar e Bruna tavares, que começaram nos blogs, e hoje estão em alta no Youtube com 2,53 e 1,62 milhões de inscritos, respectivamente.

o público da indústria do cosmético

Mas será que o mercado de maquiagem disponibiliza produtos para todo tipo de beleza? levando em conta o público consumidor, somos representados pela indústria cosmética? As personalidades na lista das mais influentes representam a mulher brasileira? A população do país, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que averiguou a distribuição da população por cor ou raça entre 2012 e 2016, mostra que o país é, em sua maioria, de pele não branca. Os dados da renda brasileira, também disponibilizados pelo IBGE, dizem que a renda média salarial é de R$ 1,373. Apenas 8 estados tem uma renda maior que esta no país, sendo estes no sul e sudeste, e nas regiões mais carentes do Brasil, esse valor chega a cair até R$ 605 reais, no caso do Maranhão, por exemplo. Conhecendo esses dados, sabemos que a mulher não branca, pertencente às classes mais baixas, representa grande parte do público consumidor no país. E elas não se sentem totalmente representadas pelo mercado cosmético. Polionora Nolasco, 27, tem a pele retinta e relata que usa maquiagem há 12 anos com frequência por exigência do trabalho. “Eu, por exemplo, usei apenas duas marcas de base durante esses anos, pois o tom era correspondente e tinha uma qualidade aceitável”. O mesmo acontece com Raquel Sarcinelli, 20. Ela conta que as marcas disponíveis no mercado brasileiro não entendem o negro como consumidor potencial. “Produtos lançados para a pele branca são em maior quantidade e qualidade, enquanto os produtos para pele negra são lançados apenas para dizer que tem”. Os preços também não agradam; Polionora relata a dificuldade de achar produtos de qualidade com um preço acessível sendo que “de toda forma, hoje a maquiagem é algo que praticamente todas as mulheres usam, mesmo que seja o básico, como um batom ou rímel”. As influencers também contribuem para que a maquiagem não seja acessível a todas. Na lista dos produtos mais recomendados por elas, entram marcas como Urban Decay, com sua paleta de sombras "Naked”, que custa em média 270 reais, podendo chegar a 360; Benefit, e seu iluminador “High Beam”, custando PR I M E I R A MÃO

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140 reais; e a base “Studio Fix”, da M.A.C, que custa 160 reais, e dos resumidos 18 tons, apenas 5 são para peles negras e pardas. Ana Carolina Moura, 26, é maquiadora há cinco anos e dá sua opinião profissional sobre o assunto: "o mercado da maquiagem não atende aos tons de pele negra. Geralmente colocam 4 tonalidades de pele negra Clara e negligenciam os tons retintos. Além de produzirem bases alaranjadas ou acinzentada que não se igualam ao fundo da cor da pele". Ana diz que as melhorias recentes sobre este assunto vêm das cobranças do público, que tem se manifestado com afinco e exigindo uma evolução da indústria cosmética.

geu tons mais escuros de pele. Houve uma polêmica, onde uma influencer de pele mais retinta usa o tom mais escuro da base e ela não se adapta, deixando um aspecto acinzentado. Além disso, custando 55 reais, o produto se tornou limitado quanto à acessibilidade. Em contrapartida, a cantora Rihanna inaugurou uma marca de maquiagens com a promessa de derrubar todas as outras na questão da variedade de tons. Ela colocou no mercado 40 tons, bem mesclados entre peles brancas e negras, e ainda assim este ano, na mesma época do acontecido da Tarte, lançou mais 10 tons diferentes. Carolina cita um movimento recente das mídias sociais, chamado "Se não tiver pra todas, não tem pra ninguém", que visa boimarcas que se adaptam aos identita cote às marcas que não trazem tons suficienrismos Em 2018, a marca americana Tarte lançou tes de base para todos os tipos de variações de 30 tons de base com apenas três voltadas para pele. Querendo ou não, as empresas do ramo a pele negra, causando uma polêmica nas re- têm sofrido a pressão de se adaptarem aos pades sociais. A empresa foi duramente critica- drões de consumo das minorias, mesmo que da nas redes, principalmente pelas influencers aos poucos. não brancas. Houve um episódio onde os fãs repreenderam a blogueira (branca) estadunidense “Nikkie Tutorials”, com mais de 12 milhões de inscritos, por não ter usado seu canal para a denúncia do acontecido. Ela apagou um vídeo do seu canal, onde experimentava a base em questão, e publicou um pedido de desculpas no twitter, agradecendo aos seguidores por terem mostrado a ela a importância de se manifestar online. Após as reclamações, a marca postou nos stories de sua página oficial do instagram a justificativa de que haviam mais tons de base em desenvolvimento, mas que não conseguiram lançar a tempo, junto com os outros da coleção; e finalizaram dizendo que “podem e vão fazer melhor”, mas nada disso impediu que a popularidade da marca caísse. No Brasil, aconteceu o mesmo com a marca da blogueira Mari Maria, que prometeu uma base acessível e de alta cobertura para todas, mas não abranPR I M E I R A MÃO

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COM PO R TA M E N TO

O homem inatingível O padrão de beleza também chegou para eles e incita mudanças corporais e sequelas na autoestima. Por Isabella Hell e Heloísa Bergami Branco, cabelos bem cortados, barba impecável, corpo atlético, roupas da última moda, cisgênero e heterossexual. Assim é descrito o padrão de homem pela sociedade. Existem inúmeros estudos que justificam esse modelo e diversas causas que tentam quebrá-lo. Antes focado no público feminino, agora o mundo da beleza, incluindo a construção de aparência ideal, também adentra o universo masculino. Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), em 2016 foram realizados 31,5 procedimentos cirúrgicos 50 PR I M E IRA M ÃO

com fins estéticos por hora em homens no Brasil. Ginecomastia, rinoplastia, implante capilar, lipoaspiração e blefaroplastia (plástica nas pálpebras) são os mais procurados. De acordo com a Global Industry Analysts Inc., o mercado global masculino valerá US$ 43,6 bilhões até 2020. Os estudantes Arthur Chiesa e Matheus Marques acreditam que a imposição de um padrão de beleza mudam de acordo com cada cultura e não é criado repentinamente pela sociedade, mas sim um processo do sistema capitalista reforçado pela


mídia. “Justamente o exercício (ou não exercício) de uma reflexão sobre o que é considerado bonito, se atendo apenas a absorver o que está aí acaba por criar um padrão”, afirma Matheus. Até para quem se encaixa em quase todos os requisitos de homem padrão, as cobranças são constantes. O estudante Arthur Chiesa se autodeclara pardo, uma característica que ele não pode mudar e mesmo assim já foi alvo de críticas. “A cor da minha pele não é um empecilho para me sentir belo, mas já ouvi comentários que me afetaram”, afirma. Já Matheus é branco e teve uma vivência totalmente diferente de Arthur. “Não acho que tenha me dado vantagens, mas sei que me garantiu menos dificuldades”, afirma.

Arthur assume já ter cedido ao que ele chama de imposições do mercado. “Tinha algumas falhas na barba e fiz uso de produtos para que elas sumissem.” Seu corpo também já foi alvo de críticas, inclusive de pessoas próximas. Tais comentários o fizeram olhar para si com menos apreço. Agora ele percebe que quando recorria à academia para ter músculos definidos não era meramente uma questão de saúde, mas, sim, estética. Matheus entende estar encaixado no padrão, mas ainda percebe algumas pressões. Ele também já se incomodou com um aspecto de seu corpo. O estudante conta já ter recorrido a depilação por considerar que tinha pelos demais.

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outros padrões

O estoquista Wobson Rosa vê o padrão do homem preto diferente do homem branco. Enquanto os cabelos lisos estão em alta de um lado, do outro as tranças nagô e o black power é o que domina. Contudo, isso não diminui o racismo. “Quando tentei deixar meu cabelo como eu queria, todos diziam estar feio, dessa forma me senti obrigado a mudar o corte, para não ser motivo de zoação”, conta Wobson. O padrão que é seguido por aqui também não é o mesmo do outro lado do mundo. Na Coreia do Sul, a indústria da música pop local, o K-Pop, e as novelas, o K-Drama, começaram a exportar para o restante do continente um outro tipo de beleza. Os homens por lá têm ares mais suaves e julgados até como menos másculos aos olhos ocidentais. Eles têm os cabelos tingidos, maxilares definidos, pele hidratada, corpo atlético e usam maquiagem. Mas isso não significa que eles sejam afeminados. Mesmo com traços mais leves, a virilidade ainda permanece. O grupo de K-Pop, BTS, é um exemplo. Sete rapazes na casa dos 20 anos o compõe. A boy band é um sucesso mundial com milhões de seguidores nas redes sociais e shows lotados, inclusive aqui no Brasil. Eles são um dos grandes responsáveis pela difusão desse padrão de beleza ao redor do globo. O mercado da beleza coreana cresceu de tal forma que marcas antes desconhecidas no ocidente começaram a competir com conglomerados do ramo, como a L’Oréal. A masculinidade suave, como ficou conhecido o padrão de beleza sul-coreano, começou a tomar o espaço das mulheres até no mercado dito delas. Por lá, agora é comum encontrar homens estampando propagandas de marcas de maquiagem. 52 PR I M E IRA M ÃO


em transformação

Os estudantes Dante Garajau e Lucca Sabino são homens trans. Eles afirmam que em algum momento a pressão para ser o mais masculino possível acontece. “A pessoa trans está sempre em transformação, e quanto menos traços masculinos você tem, menos você é respeitado e mais você sofre. É a famosa ‘passabilidade cis’. O padrão de beleza trans, no final das contas, acaba sendo ‘imitar’ o homem cis”, afirma Dante. Dante trata a passabilidade cis como uma “aceitação” da sociedade dos homens trans que se demonstram mais traços de uma pessoa do sexo masculino. “Vira quase uma imposição o homem trans reproduzir o padrão cis para que possa frequentar lugares como vestiários, banheiros e provadores designados para o gênero que se identificam”, acrescenta o estudante. Eles também concordam que se parecer com um homem cisgênero acaba sendo uma questão de segurança. “Aquele homem que está mais adequado é levado a sério ao invés daquele que esteja confortável com seu estilo. Essa pessoa é deixada de lado porque não está no padrão da sociedade”, explica Lucca. “É importante para nós nos parecermos com um homem hetero cis. O medo do preconceito, da violência, nos faz seguir esse padrão mesmo inconscientemente”, acrescenta Dante. Apesar das imposições, Lucca consegue abrir mão das pressões estéticas no seu processo de transição. “É a minha marca, meu jeito. Hoje eu sou visto com homem, me sinto como homem, estou dentro do meu padrão, das minhas normas, do meu jeito.” PR I M E I R A MÃO

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raphael neves :

" é inegável que o

padrão existe e tem seus efeitos em todo mundo ."

Você já se questionou sobre sua própria beleza? Provavelmente, sim. Apesar de ser um assunto que está popularmente relacionado a mulheres, o universo da beleza tem alcançado cada vez mais o público masculino. Segundo dados divulgados pelo site Euromonitor Internacional, nos últimos seis anos, o mercado de beleza masculina dobrou de tamanho no Brasil e a previsão é de que, até 2021, o país seja líder na busca por cuidados relacionados à estética. Em meio à geração chamada millennials, também conhecida como geração da internet, a imagem recebeu um poder de influência significativo. A busca por padrões de beleza tem aumentado e, muitas vezes, colocado homens em filas de procedimentos estéticos, a longas horas na academia, dentre outros estímulos que ganham destaque entre o público. O estudante universitário Raphael Neves, de 22 anos, detalhou à revista Primeira Mão 54 PR I M E IRA M ÃO

alguns desafios enfrentados por ele, e por muitos outros homens, que não se sentem inseridos nas caixinhas ideais de beleza. Primeira Mão: Para você, existe um padrão de beleza masculino ? “Sim, com certeza existe. Eu acho que, nesse ponto, é muito fácil comparar com as mulheres. A todo momento você vê um padrão feminino construído na mídia, mas se você for reparar, o masculino também é construído. Lógico que é mais sutil que o feminino, porque o feminino é muito sexualizado. Quando você assiste a qualquer propaganda, seja de perfume, roupa, carro, qualquer produto de beleza, você vai ver homens brancos, normalmente com cabelos lisos ou cacheados, altos e sempre com um corpo definido, coisa que você só consegue se dedicar um bom tempo à academia”. - OLHO Primeira Mão: Você se sente inserido nesse padrão ? “Antigamente, não. Mesmo eu me identificando com o padrão de homem branco, eu não me sentia inserido, por não entender


que ser branco já era parte do padrão, entende? Eu acho que o padrão ideal máximo seria um cara bombado, branco, loiro, de olho azul e com barba. Então, por isso eu acho que não me encaixo, nunca achei que me encaixava. Desde pequeno eu tenho problema com peso, eu nunca fui magro. Não bastasse isso, eu peguei uma genética familiar por parte do meu pai que faz com que eu acumule gordura no peito e isso tem um nome, chama lipomastia. Isso me afetou durante toda a minha infância e adolescência. Foi horrível para mim, eu não me achava nem de perto bonito. Eu tinha vergonha de ir à praia, de ir à piscina, de trocar de camisa na frente de qualquer pessoa, era horrível. Mas hoje em dia, eu acho que me encaixo parcialmente, porque apesar de ter crescido e emagrecido um pouco, em comparação há alguns anos, ainda não me vejo com um corpo sarado ou no ideal de beleza”. Primeira Mão: De

alguma forma , isso te

pressiona nas suas relações sociais ?

“Sim, não tem como. É uma luta constante de você saber que existe um padrão e isso é imposto a você, mas não te define, não muda quem você realmente é ou não interfere na sua verdadeira felicidade. É uma coisa de fora, não de dentro. Não é uma coisa que você escolheria se não existisse. Por exemplo, se não existissem padrões, se não existisse toda uma indústria que ganha muito dinheiro sobre a imagem da beleza, será que as pessoas iriam querer estar naquele corpo? Será que dedicariam horas na academia, passariam por procedimentos estéticos? Eu duvido muito. De qualquer forma, é inegável que o padrão existe e tem seus efeitos em todo mundo. Então acaba que ter um corpo bonito te deixa mais atraente para as pessoas tanto no sentido de relacionamento quanto no sentido social mesmo. As pessoas buscam isso. A indústria da beleza lucra bilhões e não é à toa”. Primeira Mão: Na sua opinião, a beleza precisa ser a atração principal em uma pessoa? “Eu acho que a beleza vem em primeiro lugar, mas não no sentido de ser o mais importante.

Quando pequeno, eu era muito rejeitado. Via meus amigos conseguindo ‘namoradinhas’, conseguiam dar ‘beijinho’ nas matines e eu tentava, eu participava de festas, falava com as garotas, mas não existia interesse em mim, mesmo eu fazendo tudo o que os outros faziam. Com isso, eu criei uma alegoria na minha cabeça de que ‘a caixa do presente não é o presente’, mas a caixa do presente é a única coisa que você consegue ver antes de abrir o presente. Eu me achava uma caixa muito feia com um conteúdo bonito, então acaba que a beleza é a primeira impressão, muitas vezes, que você tem de alguém”. Primeira Mão: Existem outros artifícios que você tem / usa para chamar a atenção de alguém ? “Eu acho que sim, existem outros artifícios que você pode usar. Isso fica muito claro quando você observa como homens fora desse padrão se comportam, em média, comparado com homens inseridos no padrão. Na maioria das vezes, os homens fora desse padrão vão compensar sendo engraçado, meio bobo da corte, extrovertido, que não fica triste, topa tudo, a pessoa que não é chata. É meio que um mecanismo compensatório para você ser ‘digno’. Isso acontece e é real. Acho que as pessoas conseguem ser encantadas por outras coisas que não são a beleza. Outro exemplo é a inteligência, a forma cativante como algumas pessoas falam, a oratória, isso também é um artifício que chama a atenção socialmente”. PR I M E I R A MÃO

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CRÍTICA

Makeovers, o clichê nem tão engraçado das comédias românticas A influência da mídia na construção do que é belo e da importância da beleza para a sociedade Por Agnes Gava e Bethania Miranda CUIDADO! Este artigo contém spoilers, leia por sua conta e risco.

Nunca foi tão difícil de fugir do que é transmitido pela mídia. Diariamente, somos bombardeados por vídeos, músicas e propagandas que balizam as nossas discussões cotidianas. Com eles, definimos o que vamos vestir, ouvir, comer, gostar… E, todos os dias, vemos realitys, perfis nas redes sociais, videoclipes, revistas e filmes com pessoas de corpos e rostos perfeitos. É natural que, ao consumirmos esse tipo de conteúdo de pessoas bonitas e felizes, passemos a nos espelhar em suas vidas e a desejar o mesmo para as nossas. Lisa Bloom apresentou um dado impressionante em seu livro “Conversa sincera com mulheres para se manter esperta em um mundo emburrecido”: 25% das jovens americanas têm mais interesse em ganhar o programa America’s Next Top Model do que o Prêmio Nobel da Paz. O culto à celebridade nos acompanha desde os tempos mais antigos, mas, hoje, acontece de forma muito mais acentuada graças à facilidade de acesso à informação nas mídias sociais. A organização britânica Girlguiding UK realizou um estudo, em 2016, o qual apontou que 37% das meninas, na faixa etária de 7 a 10 anos, se compara constantemente com pessoas famosas. A mídia sempre foi um agente ativo na criação e manutenção de padrões de beleza, uma responsabilidade que ela negligenciou por 56 PR I M E IRA M ÃO

muito tempo. Segundo a Girlguiding UK, 70% das entrevistadas afirmou que os filmes e propagandas mostram uma perfeição impossível de ser alcançada. O cinema está diretamente envolvido nessa equação. Um gênero em específico merece atenção especial quando o assunto é perpetuação de padrões estéticos: a comédia romântica. Queridinhas dos adolescentes, as comédias românticas têm sido, por anos, verdadeiras máquinas de clichês e expectativas que, fora da tela, quase nunca se tornam realidade. Um dos clichês mais famosos de filmes do gênero é o makeover. A história é basicamente a mesma: uma garota “esquisita” e sem nenhuma habilidade interpessoal passa por uma mudança na aparência física - que consiste em tirar os óculos, mudar o cabelo, o guarda-roupa e começar a usar maquiagem - e, milagrosamente, tem sua vida social e amorosa transformada para melhor. Com certeza essa descrição te fez lembrar de alguns de seus filmes favoritos, aqueles que marcaram a sua adolescência. Mas, nesta edição, queremos propor um novo olhar, mais crítico, sobre essas histórias e separamos exemplos famosos para isso. Aparecer nessa lista não significa que o filme seja necessariamente ruim, apenas que podemos refletir um pouco mais sobre ele.


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