CDM 50 - Digital

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ano 16 - edição 50 | dezembro de 2018

revista corpo da matéria CURSO DE JORNALISMO PUCPR

Faça meme, não faça guerra Fenômeno da internet mobiliza opinião pública e faz rir com a situação política e social do país


Corpo da matéria Ano 16 - Edição 50 - Dezembro de 2018 Revista Laboratório do Curso de Jornalismo PUCPR Pontifícia Universidade Católica do Paraná R. Imaculada Conceição, 1115 Prado Velho, Curitiba PR REITOR

Waldemiro Gremski DECANA DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES

Eliane C. Francisco Maffezzolli

COORDENADOR DO CURSO DE JORNALISMO

Suyanne Tolentino De Souza COORDENADOR EDITORIAL

Suyanne Tolentino De Souza COORDENADOR DE REDAÇÃO/JORNALISTA RESPONSÁVEL

Paulo Camargo (DRT-PR 2569)

COORDENADOR DE PROJETO GRÁFICO

Rafael Andrade

Alunos - 6º Período Jornalismo PUCPR Heloisa Negrão, Amanda Sant’anna Mann, Ana Clara Maia Braga, Bruna Carolina Kopeski, Camilla Aparecida Farias Ginko, Bruna Toti de Freitas, Daniel Marin de Moura, Eluiza Spath Brunnquell, Gabrielly Victória Duarte Zem, Guilherme Coutinho da Rocha, Isadora Look Azevedo, João Francisco de Oliveira Cepeda, Larissa Bartoski de Sena, Luca Matheus da Rocha de Goes, Luiza Romani Fogaça de Souza, Marçal Dequêch de Oliveira, Marcus Vinicius Vitolo de Campos, Mariana Prince Gomes Cardoso, Marina Darié Adorno Kotzias, Rafael Augusto de Oliveira Sábio, Raphaella Hayssa Lacerda Piovezan, Ruan Felipe da Silva, Rute Cavalcanti Miranda, Talita dos Santos de Souza, Victoria Faria Bittencourt, Vinícius Rodrigues Neumann de Freitas, Yuri Maruan Barbosa Bascope, Patricia Souza Guaselle de Jesus, Isabella Beatriz Fernandes Rocha, Gabriel Lopes Witiuk.

Imagem de capa: Guilherme Coutinho da Rocha 6ºP Jornalismo

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SOCIEDADE

Corrida memética

Feminismo grisalho

Depois dos 18

Registros de uma despedida

Filhos da esperança

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SAÚDE

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COMPORTAMENTO

Quando comprar se torna um vício?

Esotéricas

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GASTRONOMIA Semente do Brasil

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ESPORTES

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Por trás das 4 linhas

ESPECIAL: A VIDA QUE NINGUÉM VÊ Caso de emergência

Babel black

U.ni.for.me

Além da solidão

Os faróis que perderam a luz

Fora do casulo

Fome do saber

A desvalorização dos educadores

Estilo é para todos

Compassos da vida

Curitiba, a Coreia brasileira

Para saber o título, role o D20!

Um mergulho nas piscinas

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CORRIDA

MEMÉ TICA

Quando memes deixaram de ser apenas imagens engraçadas para influenciar no cenário político brasileiro Crédito Eluiza Brunnquell Guilherme Coutinho Talita Souza

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o meio do expediente de trabalho, na fila do supermercado ou no trânsito. A qualquer instante, uma piada pode surgir na cabeça de Rodrigo. Com a ideia pronta, ao chegar em casa, ele escolhe uma imagem, escreve a frase que imaginou em letras garrafais e monta mais um novo meme que será curtido, comentado e compartilhado por milhares de pessoas. Rodrigo Halatki é um analista de sistemas, de 39 anos, e lida diariamente com mapeamentos de processos e análise de dados. Ele, assim como os 1,5 milhão de seguidores da página “Capinaremos” – plataforma em que divulga suas obras no Facebook – vê o mundo por meio dos memes. O que surgiu como um interesse em 2008 nos blogs de humor se tornou um hobby. Diariamente, até seis imagens são criadas e postadas por ele no grupo Capina Meme Factory. Assim que avaliadas por seus mais de 20 mil integrantes, elas seguem para publi-

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cação e podem cumprir seu papel de informar e divertir. Além da criatividade, temas e acontecimentos em pauta na imprensa geram inspiração para a produção de conteúdo. “Quando estreou o filme Os Vingadores - Guerra Infinita, era uma enxurrada de memes sobre esse tema. Na Copa do Mundo, a mesma coisa. Agora, nessa época de campanha eleitoral, obviamente a frequência dos memes falando de política e zoando os candidatos aumentou bastante.” Entre piadas sobre situações cotidianas, personalidades públicas e últimos lançamentos do cinema, o tema política chama mais a atenção. Para o mememaker, termo usado para identificar produtores de memes, no período eleitoral, com a alta quantidade de debates e declarações dos candidatos, as fontes de piadas ficam ainda mais disponíveis por conta da visibilidade alcançada com a exposição. Resultado? Os memes eclodem na rede. Halatki


explica: “Grandes acontecimentos, grandes polêmicas sempre atraem a atenção dos mememakers. A prisão do Lula, o impeachment da Dilma, coisa grande. Coisa que todo mundo tá falando vai gerar meme. Então isso é inevitável”, diz Rodrigo Halatki. Como geralmente se pautam em um candidato específico, o conteúdo divide opiniões entre seus apoiadores e adversários. Rodrigo chama de “mimimi” o comportamento de alguns integrantes do grupo que se ofendem quando seu “político de estimação é zoado”, mas ainda sim defende os memes: “Meme de política eu acho válido fazer, sim. Quanto mais a gente instigar o povo, instigar o debate – mesmo que alguns não consigam manter um debate racional a respeito. Eu acho que a gente deve incentivar os memes, e de uma forma ou outra,

“O meme é um tipo de informação rápida, simples, que você leva segundos para ler e passar adiante.” Renato Frigo, pesquisador da Unicamp

eles acabam fazendo isso, incitando a galera a entrar no debate”, finaliza. Estereotipar políticos, modificar bordões e aumentar motes são práticas comuns no Brasil. A primeira charge política registrada em nossa história data de 1822, quando o sistema ainda era colonial. O jornal O Maribondo (variação linguística popular de marimbondo) publicou uma ilustração com um cidadão português sendo atacado pelos insetos que deram nome ao periódico. À época, com a massiva parte da população do país analfabeta, imagens eram uma estratégia acessível para realizar críticas aos assuntos mais relevantes.

Hoje, no contexto da cibercultura, essa prática ganhou o nome de meme. Um conceito estabelecido pelo pesquisador Richard Dawkins que se relaciona com a biologia, remetendo aos genes transmitidos de geração em geração. Os memes são, assim como os genes, ideias repercutidas construídas coletivamente. “Essa versão dos memes que vemos todos os dias no Facebook é a última variação desse conceito do Dawkins”, afirma o pesquisador Renato Georgette Frigo, da Universidade de Campinas (Unicamp). O publicitário, autor da dissertação de mestrado “Política, Memes e o Facebook no Brasil: em

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Considerado o primeiro meme disseminado na internet, O jogo consiste em uma brincadeira em que se perde quando se lembra do jogo, sendo obrigatório anunciar em voz alta. Depois dele, derivaram várias imagens e até representações offline.

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20 18 Foram selecionados também os memes relacionados a política a fim de demonstrar o poder informativo do meme. Ao longo de 22 anos, os memes que mais se destacaram no Brail são ligados a personalidades e/ou se relacionam a acontecimentos factuais, principalmente escândalos políticos. 2013

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busca da ciberdemocracia”, defende os memes como ferramentas de democratização da discussão política no país, principalmente por conta da facilidade que oferecem em entender um conteúdo, bem como as charges do século XIX. “O meme é um tipo de informação rápida, simples, que você leva segundos para ler e passar adiante. É justamente nesse fato de ser compartilhado tão rápido que eles ajudam também na política. Nesse aspecto, ele funciona como a publicidade, porém com uma velocidade maior”, explica. Frigo traz para essa discussão a relação com a publicidade: anúncios também se utilizam de imagens e textos

acaba revelando coisas muito sérias da nossa condição social: “Na arte circense, o palhaço é a condição humana. Ele é aquele que provoca o riso nos outros, um riso democrático de representatividade. O palhaço é o que representa a principalmente nossa condição política. Quando a gente olha pro meme, a gente reconhece isso”. Essa discussão é central em um dos grupos de pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF). Formado por um conjunto de pesquisadores em diversas áreas da comunicação, o Museu de Memes, do qual Ramos faz parte, não só é palco de sérias discussões sobre o tema como também abriga um acervo virtual de memes que retratam os assuntos históricos mais recentes da história do país em forma da sátira (leia mais no box). O pesquisador afirma que enxerga o meme como um fenômeno social, não necessariamente uma forma de arte, mas uma forma de linguagem em si. “Existe a internet e as pessoas usam o meme para se comunicar ali dentro como uma linguagem. E aí o meme tem várias funções, uma delas é fazer uma provocação política. Há memes também que não são necessariamente on-line, exemplo das lendas urbanas”, completa.

FÁBRICA DE MEMES

relacionados para tentar levar uma ideia adiante através de compartilhamentos, curtidas e visualizações. O meme se diferencia, no entanto, pela sua origem na coletividade. “Às vezes, a mídia de massa fala o que viraliza, mas não se vê ela construindo meme. Até porque o meme é uma construção coletiva, e só se constitui se fizer sentido para o outro, se o riso for coletivo. Caso contrário, ele é só mais uma imagem lançada na rede.” Para Rangel Ramos, pesquisador em comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), a força do humor é perceptível em um país que elege Tiririca. Ramos comenta que o meme casou com o brasileiro ao exercer a função de representatividade e

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Mesmo sendo um conteúdo espontâneo e sem compromisso com a veracidade, se engana quem pensa que a produção de memes não exige organização. No Facebook, rede social mais utilizada no Brasil (76% da população do país acessa pelo menos uma vez ao dia, de acordo com a última Pesquisa Brasileira de Mídia, de 2016) cada uma das páginas virais têm um grupo destinado exclusivamente à criação e deliberação sobre novos memes. Sandro Sanfelice, administrador da página “Capinaremos”, que conta com mais de 1,5 milhão de curtidas, relata a dinâmica de produção de conteúdo na plataforma. Qualquer pessoa pode entrar nesse grupo, criar o seu meme e publicá-lo na timeline. Os demais membros vão “promover” esse meme


por meio de comentários e curtidas, numa espécie de curadoria interna”. Sobre o site, ele comenta que começou de forma despretensiosa, com textos, notícias comentadas e curiosidades. Logo, depois acabaram esbarrando nos memes entre 2008 e 2009, o que acabou gerando uma visibilidade significativa. Somando todas as publicações, a página tem atualmente um alcance estimado de 8 milhões de pessoas, mas o número varia de acordo com a visualização dos memes. Entre as publicações mais populares do último mês, com mais de 27 mil compartilhamentos, está uma imagem que relaciona oito candidatos à Presidência a heróis e vilões do Universo Marvel. Para Ramos, o meme pode ser entendido como uma linguagem, uma forma das pessoas começarem a entender e se interessarem por política. Segundo ele, assim como a ironia, o meme tem o poder de expressar um posicionamento político e deslegitimar o outro. “O meme, como discussão pública, carregado de ironia e sátira, vem com esse teor de ‘o seu discurso, duro e enrijecido não serve para mim’. Então, o indivíduo tira sarro, faz a piada, coloca a Marina com a cara do ET, o Temer com a cara do vampiro”, exemplifica. Apesar de serem de consumo rápido e apresentarem informações superficiais ou apenas um lado do fato essa ferramenta também serve como mobilização política, “para chamar as pessoas para a votação, para aumentar a percepção de um dado jornalístico, como uma pesquisa de opinião ou uma citação famosa de um político. O termo meme vem de memória então nesse sentido eles nos ajudam a não esquecer de fatos que podem ser decisivos na hora de votar”, completa o pesquisador. De quantas propagandas eleitorais do ano passado você consegue se lembrar? E quantas são as piadas sobre as mesmas campanhas que vem à sua memória? Independentemente da sua opinião em relação ao mundo memético, o fato é que os brasileiros com acesso à internet têm mais tempo de exposição aos memes do que os minutos destinados à campanha eleitoral obrigatória na televisão. Mas, diferentemente dela, a piada contida no meme pode nos levar a outros caminhos além do riso.

Meme marketeiro

Há mais de 10 anos trabalhando com marketing político, Sulamita Mendes defende os memes por conta da característica despojada dos brasileiros. “Com as redes sociais, tudo fica mais transparente. Por isso, como gestora de crise de imagem e de marketing político, oriento que se tenha uma plataforma de propostas de governo muito clara porque, a qualquer momento, alguém pode ressaltar algumas de suas ações. Sem ter deslize, os memes já aparecem. Imagina se der ‘pano pra manga’, será um prato cheio.” Sulamita revela, ainda, que usaria o meme para promover um candidato, principalmente se ele não for conhecido. “Hoje as pessoas discutem sobre as propagandas que conhecem e isso faz com que sejam mais críticas. Por isso, se os memes forem muito amadores, vão chamar muito a atenção para o negativo e não positivo”, finaliza. Museu de memes

Idealizado pelo professor Viktor Chaves, em 2011, o Museu de Memes é um grupo de pesquisa mantido pelo curso de Estudos de Mídia e pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF). Enquanto os alunos da graduação são responsáveis pela produção de conteúdo e organização dos ciclos de debates “#memeclubes”; os discentes e docentes da pós-graduação realizam trabalhos de pesquisa e produção científica relacionados ao tema. Rangel Ramos, integrante do grupo, comenta sobre sua dinâmica “Funciona como uma extensão de um campo de pesquisa da UFF. Lá, tentamos dar um caráter mais acadêmico para a pesquisa de memes, além de montar um acervo para que outros pesquisadores possam ter acesso e entender o meme como essa nova linguagem da cibercultura, conclui.

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Feminismo grisalho O feminismo não morre com a idade. O corpo envelhece, mas a cabeça pode permanecer eternamente jovem Ana Clara Braga Bruna Toti de Freitas

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om a casa cheia de filhos, genros e netos, Rosi ri: “Acho que eu faria um textão na internet e acho que participaria de uma passeata”, ao ser questionada sobre como seria a sua participação no movimento feminista atual. Aos 69 anos, Rosi Salomão tem história para contar. Foi militante ativa contra a ditadura militar brasileira e viveu de perto os ecos da segunda onda do feminismo. Segundo a historiadora Beatriz Zechilinsk, a segunda onda foi mais radical pois impulsionou a revolução sexual e atraiu massivamente as jovens. “Foi uma discussão sobre o corpo. sobre sexualidade, sobre a opressão masculina no espaço doméstico. Focava-se muito que o privado é político”. Diferentemente da primeira, que tinha como principal pauta a conquista por direitos políticos, como o voto, a segunda trouxe à tona a frase “Liberação das Mulheres”. Beatriz aponta que o fato do feminismo da segunda onda ter sido mais agressivo, muitas idosas podem temer esse rótulo até hoje. Diante de tanta propaganda contra o movimento, é natural que se autointitular feminista para essas mulheres seja desafiador. A segunda onda feminista acabou em 1980, dando início à terceira, que, segundo alguns historiadores, perdura até hoje. A casa de Rosi era um aparelho e, quando casou, sofreu pressão do

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marido para abandonar a militância. Quando engravidou de sua primeira filha, a pressão foi maior, veio também de dentro do movimento. Seus colegas que lutaram ao seu lado falaram para ela desistir. “Um dos meus amigos me disse: Rosi você fez uma opção de vida, é melhor que você nos deixe. É uma coisa pesada de se dizer, ele poderia ter dito: vamos à luta! Mesmo eu estando grávida, mas ele me deu incentivo para parar.” Hoje, ela sabe que essa era mais uma manifestação do machismo. A decepção é visível ao lembrar que a pedidos, bastante enfáticos, do marido, ela queimou livros e panfletos de sua época de luta. Uma ato simbólico que representava o passado sendo deixado para trás, como folhas queimadas. “Inclusive, nem sei se você sabe o que é, mas eu queimei o livro vermelho do Mao Tse Tung, que me dói até hoje pensar que foi rasgado e queimado porque eu estava grávida e não podia mais participar do movimento.”

“ Um dos meus amigos me disse: Rosi você fez uma opção de vida, é melhor que você nos deixe.” Rosi, aposentada


Ana Clara Braga

Rosi ainda guarda os livros de sua época de ativista.

É fácil reconhecer Maria Lorenci em meio à multidão. Seus cabelos azulados e jeito expansivo se destacam em qualquer paisagem. Aos 60 anos, teve uma vida cheia de “perrengues”, como gosta de dizer. Entrou na faculdade de Engenharia Civil em 1975, um curso extremamente masculino, em uma época extremamente machista. Perdeu o marido cedo, antes de completar os estudos, e ficou com dois filhos para criar. Sua militância não teve data para começar, Maria acredita que sempre foi feminista. “Nunca busquei pensar: nossa agora estou levantando uma bandeira. Eu simplesmente peguei a bandeira e fui!” .

nós queríamos de todo o jeito seguir, mas nós tínhamos medo”.

“ Nunca busquei pensar: nossa agora estou levantando uma bandeira. Eu simplesmente peguei a bandeira e fui!” Maria Lorenci, engenheira civil

A segunda onda feminista aconteceu quando o Brasil vivia a ditadura militar. Assim como qualquer movimento social, o feminismo foi abafado e difamado. Dessa época veio o estereótipo de mulher “mal amada”, “feia”, “revoltada”. Rosi lembra que era difícil se juntar ao movimento na época, porque nenhuma mulher queria ser associada aos absurdos designados às militantes. A ativista Betty Friedan, apesar de ideias brilhantes, era diminuída por sua aparência. “Ela trazia ideias que

Maria reflete muito sobre sua luta junto ao movimento feminista no século passado. Em época de governo militar, a inquietação era grande. “Nos anos 70, nós vivíamos mais que uma ditadura. Era a ditadura do pai, ditadura do marido, ditadura do governo, ditadura dos costumes,” Para ela, ver hoje em dia as novas gerações de mulheres, incluindo sua filha, tendo mais liberdade fez toda a luta valer a pena. Quando se fala do ativismo atual, ela tem algumas críticas. Acha que grupos que colocam homens como o “mal do mundo” passam do ponto. Para ela é preciso ver a relação homem-mulher como uma parceria. “Eles são tão vítimas desse sistema como nós, o que não os desculpa das grosserias!”. Outro ponto que Maria ressalta e que

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Ana Clara Braga

Todas as últimas quartas-feiras Maria se encontra com outras mulheres do coletivo “Marianas” para discutir literatura feminista.

vale como reflexão ao feminismo atual é que existem feministas ferrenhas que saem para protestar, mas não preocupam em ensinar suas mães com calma sobre escravidão que talvez elas vivam. Rosi se considera uma feminista mais moderada por ter largado tudo tão facilmente pela vida familiar. Apesar de sua escolha, criou suas duas filhas com ideias feministas falando para elas, desde pequenas, que mulheres têm o mesmo valor que homens. Para ela, a mulher deve trabalhar e ter sua

Coletivo Marianas Maria Lorenci leva seu ativismo a sério. Todas as últimas quartas-feiras ela se encontra com outras mulheres do coletivo “Marianas” para discutir literatura feminista. O grupo conta com mulheres de diversas faixas etárias que tem como objetivo dar visibilidade para nomes femininos da literatura brasileira e mundial.

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vida, sem deixar de cuidar da família, agregar. Uma visão diferente de suas amigas que pensam que as mulhe-

“ Ela trazia ideias que nós queríamos de todo o jeito seguir, mas nós tínhamos medo.” res vivem apenas para agradar seus maridos.“Você quer passar suas ideias para ela, mas não consegue, elas não vão entender. De dez amigas, duas pensam como eu e o resto…” Nem toda feminista da terceira idade, diz Rosi, vai fazer textão no Facebook ou ir a passeatas, mas quem sabe uma boa parte sim. A aposentada acredita que o feminismo atual deve pautar mais questões das mulheres de idade como sexualidade e aparência, e esconder e criar tabus. Sua neta Alice, 19 , crê que sua avó é diferente.


“Muitos dos ideais feministas que ela defendia na época estão muito incrustados na sua personalidade, mesmo que ela não defenda nem clame mais por esses ideais. Ela é uma mulher extremamente independente e forte.” “Se Madonna Louise Ciccone passa por isso, imagina nós mortais!”, disse Maria em tom de bom humor. O preconceito com mulheres de mais idade lhe toca profundamente, lhe deixa furiosa. É impossível compreender como a sociedade pode excluir pessoas com tanta experiência apenas pela data de nascimento, imagine dentro de um movimento social. “Nós, as feministas históricas, estamos sendo preteridas pelas mais novas. Isso é uma burrice sem tamanho porque todas nós temos uma puta [sic] história para contar

que pode resolver muita coisa.” A engenheira é enfática ao dizer que está mais do que na hora das mulheres da terceira idade serem agregadas ao movimento, já que todas têm um mesmo propósito. A população brasileira com mais de 60 anos cresceu 18% nos últimos cinco anos, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Porém, esses mesmos idosos, que hoje representam mais de 30 milhões de brasileiros, foram milhões de jovens com sonhos, vontades, anseios e sede de revolução. sandam culpa veliquati vel imus.fuga. Labo. Ehendit et labo. Is eaque comnien dessusa piciam, nonecabo. Et po-

Idosas e Feministas

Conheça brasileiras que mudaram a história do feminismo no Brasil

BERTHA LUTZ 82 anos - Criou as bases do feminismo no Brasil. - Conhecida como a maior líder na luta pelos direitos políticos das mulheres brasileiras. - Em 1929, ajudou a criar a União Universitária Feminina - Com 81 anos foi convidada a integrar a delegação brasileira à Conferência do Ano Internacional da Mulher. NÍSIA FLORESTA

NÍSIA FLORESTA

74 anos

MIÊTTA SANTIAGO

- Considerada a primeira feminista do Brasil. - Primeira mulher a escrever em um jornal brasileiro. - Fundou um colégio somente para meninas em 1838, causando espanto na sociedade machista da época. - Defendia o direito à educação científica para mulheres.

92 anos - Foi advogada e sufragista. - Pioneira na defesa do direito das mulheres ao voto. - Foi a primeira mulher a votar e a ser votada no Brasil. - Fundou a Liga de Eleitoras Mineiras.

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Depois dos 18 Adolescentes residentes em abrigos e lares enfrentam o desafio de assumir a independência ao atingir a maioridade Bruna Kopeski

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m meados de 2017, Clerverson Roberto Nascimento, então um adolescente tímido, de 16 anos, se mudou pela terceira vez para um abrigo em São José dos Pinhais. O motivo era por negligência da parte da mãe, que de acordo com o garoto, não tinha condições para comprar medicamentos que necessita. “Cleverson tem psoríase grave, uma doença de pele que não tem cura, fazendo ele inchar e, consequentemente, aparecendo manchas e placas vermelhas em toda pele. Devido a isso, ele tende a usar roupas para se esconder, sempre de luva preta e um moletom com touca deixando apenas o rosto de fora”, relata a assistente social da Fundação Iniciativa Thaisa Hernandez. A mesma situação ocorreu em meados de 2007, quando Cleverson tinha 6 anos, e em 2014, quando tinha 13 anos. Ficando por um período de um ano, Cleverson sempre retornava à casa. Mas, desta vez, a volta para casa pode ser definitivo.

que acolhe crianças e adolescentes afastados do convívio familiar por motivos de violência ou negligência. A fundação possui suporte para acolher 20 crianças e adolescentes, mas atualmente tem apenas oito adolescentes e quatro crianças. O abrigo onde Cleverson mora é uma casa com dois quartos, com camas e beliches, uma sala, cozinha e um grande quintal. Mãe social há 15 anos, Elisabete Korczagine afirma com empolgação que até esquece as panelas do almoço no fogo, queimando uma delas. “As crianças têm uma boa estrutura aqui, e uma ótima assistência médica. Além do mais, são sempre induzidas a trabalhar e ganhar seu dinheiro para gastar da maneira que quiserem.” Atualmente, de acordo com o Conselho Tutelar do bairro Boa Vista, existem 463 crianças e adolescente residentes nos abrigos em Curitiba. Quando eles completam 18 anos, precisam

Muito bem estruturadas as Casas Lar acolhem crianças e adolescentes auxiliando-os em seus futuros.

Com pais separados e quatro irmãos, sendo três irmãs mais nova e dois irmãos mais velhos, um deles assassinado e outro preso, Cleverson seguia sua rotina de todo fim de semana visitá-los. Até que em uma tarde conheceu sua madrinha afetiva. “Ela foi fazer uma visita no abrigo onde eu estava, conversou comigo e acabou se apegando a mim, e decidiu ser minha madrinha”, conta o adolescente. Em maio de 2018, Cleverson mais uma vez se preparava para outra mudança, saiu do abrigo em São José dos Pinhais e começou a morar na Fundação Iniciativa, no bairro Uberaba, em Curitiba. A fundação é uma unidade

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Isadora Look


deixar às unidades de acolhimento para começarem a vida de adulto com independência e autonomia. A diretora de Proteção Social Especial da Fundação de Ação Social de Curitiba (FAS), Aline Javornik, explica que existem três possibilidades para os adolescentes que completam a maioridade e são residentes de abrigos: têm a possibilidade de voltar para seus familiares, quando os têm; morar com os padrinhos do Projeto Dindo (ler boxe nesta página); ou, dependendo do histórico do adolescente, residir em uma das três repúblicas que o governo dispõe. No dia 18 de Janeiro de 2019, daqui a exatamente quatro meses, Cleverson fará 18 anos sabendo que quando sair da casa lar não voltará nunca mais. Quando completar a maioridade, ele tem duas possibilidades para escolher: morar com a madrinha afetiva ou de voltar a viver com a mãe. O adolescente conta qual é a sua preferência: voltar para casa. Mas garante não saber como está atualmente a situação financeira da família: “Eu prefiro nem perguntar, mas eu imagino que tenha melhorado”, confessa Cleverson.

DECISÕES DA VIDA ADULTA O destino final de um adolescente que completa 18 anos e precisa deixar as unidades de acolhimento, tendo eles familias ou não, dependem deles. Se os adolescentes não querem voltar para os familiares, ou se o Conselho Tutelar decide que essa não é a melhor opção, eles podem morar com os padrinhos ou ir para as repúblicas. Para ir a uma dessas repúblicas é preciso ter um perfil específico. Necessita ter mais autonomia, trabalhar e estar estudando. Escolher voltar para a casa nunca foi uma opção para o adolescente Israel de Moura Bitencourt, de 18 anos. Morou na fundação desde os 12 anos e relata que a primeira vez que chegou na casa lar, estava assustado com o novo caminho que estava trilhando. Morando em abrigos desde seus 8 anos, devido a uma denuncia anônima alegando que sua mãe, Célia, não

tinha condições financeiras para cuidar dele, foi morar na instituição cristã Missão S.O.S Vida. “Mudar para um abrigo foi o melhor para mim e para a minha mãe, pois ela realmente não tinha condições”, conta o adolescente. Mesmo com o nervosismo de mudar para um lugar novo, Israel logo se acostumou com a casa lar. Sua rotina diária era acordar às 6 horas para ir à escola, almoçar, trocar de roupa para ir trabalhar e, no fim do dia, voltar para casa. Esse trajeto durou até 2017 quando Israel conheceu sua madrinha afetiva, Michele. Logo, mais uma função foi acrescentada na rotina da sua vida: visitá-la todo fim de semana. “Conheci minha madrinha em novembro de 2017, ela foi à fundação, nós conversamos e ela decidiu me apadrinhar”, relata Israel. A relação do adolescente com a madrinha afetiva apenas melhorou com o tempo. Após completar 18 anos, o adolescente decidiu morar com Michele e relata que sua rotina atualmente não é muito diferente da de quatro meses atrás, quando ainda morava na fundação, contudo, ele conta, com um sorriso no rosto, estar amando morar com os padrinhos. Para quem mora nas repúblicas, existe um acompanhamento da equipe da FAS, em que é feito um Plano Individual de Atendimento (PIA). Os jovens podem permanecer até dois anos, e dependendo da situação, podem até ter residir por um tempo a mais. Quem apresentadeficiência mais grave, pode ser acolhido em um lar de adultos, dependendo do seu perfil.

Projeto Dindo

Conheça o projeto que ajuda crianças desabrigadas Um projeto que habilita e prepara pessoas que têm o interesse em apadrinhar crianças e adolescentes residentes de unidades de acolhimento em Curitiba e região metropolitana. As crianças têm a possibilidade de conviver com a família do padrinho ou madrinha nos fins de semana, feriados ou férias. Existe também a possibilidade de receber desses padrinhos afetivos financiamento para atividades de educação e lazer, ajudando no desenvolvimento da criança.

Para os adolescentes que têm 14 anos de idade e estão nas unidades, existe uma preparação de aprendizagem para o mundo de trabalho e vida adulta, no qual vários cursos são ofertados. Todo acolhimento tem que ser provisório. Para a criança que não tem possibilidade de retorno, o juiz destitui o poder familiar para que ela possa ser adotada e tenha a oportunidade de crescer em um ambiente familiar, o que é o ideal para o futuro dela, explica a diretora de Proteção Social Especial da FAS, Aline Javornik.

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Registros de uma despedida Um diário escrito na década de 1990 revela os sentimentos de quem viu alguém muito próximo morrer de câncer Gabrielly Zem Marina Darie

Ipsuntio. Et hariasi nvellab iur, non prae maximusant milit aut dolorio volupta voloreperum, quaest parum.

Arquivo pessoal Arquivo pessoal

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ueria poder me transformar em cura para penetrar o seu corpo e tirar toda a dor que você sente. Fico olhando para você e simplesmente não consigo acreditar que a linda, maravilhosa mulher, que é minha mãe, está prestes a morrer.” Esse trecho é encontrado no meio de um caderno empoeirado e datado com o ano de 1992. A autora, Cristiane Duarte, tentava colocar em palavras a dor de conviver com um ente querido que possui uma doença terminal. Ela começou a escrever um diário aos 20 anos, assim que sua mãe, Vera Lúcia, descobriu que tinha câncer de mama. De dezembro de 1992 a fevereiro de 1995, Cristiane relatou todos os detalhes da luta de sua mãe contra a doença e todas as angústias que ela, como filha, sentia ao passar por essa situação. Vera Lúcia tinha 36 anos quando, depois de encontrar um ‘’carocinho’’ no seio, foi diagnosticada com câncer de mama. Mãe de três filhos, sendo a filha do meio excepcional e completamente dependente dos seus cuidados. O filho caçula acabara de completar sete anos e a primogênita, Cristiane, aos 18 anos, tinha se tornado mãe. Após ser diagnosticada com a doença, Vera precisou passar por uma mastectomia, datada no diário com o dia 3 de março de 1993. Depois desse procedimento, o tratamento que incluía radioterapias e quimioterapias se iniciou. “Essa foi a pior parte de todo o processo de recuperação pós-cirúrgico. Os efeitos colaterais se intensificaram e agora com um adicional: seu

Durante essa viagem, Vera descobriu o primeiro caroço no seio.

Arquivo pessoal

cabelo começou a cair. Os vômitos se tornaram muito frequentes o que fez ela começar a emagrecer. Tontura, sono e tristeza também passaram a ser parte da sua rotina diária.” Outros sintomas do tratamento da enfermidade são a menopausa precoce, infecções e baixa imunidade. Segundo o Instituto Oncológico Inorp, a mortalidade do câncer de mama entre os anos de 1980 e 2000 aumentou 57%. Vera Lúcia tentava fugir dessa estatística: ao finalizar as sessões de quimioterapia, ela recebeu alta. Mas, um mês depois do término do tratamento, Vera teve uma recaída. Afinal, a doença que mais acomete mulheres no mundo nem sempre traz notícias felizes. ‘’Começaram a aparecer caroços por todo o seu corpo, até mesmo na sua cabeça. Nós da família começamos a desconfiar que havia algo de errado. Sem comer, de cama novamente, nem banho mais ela toma. É difícil de aceitar que isso realmente está acontecendo.’’ A oncologista Flávia Bianchi afirma que o medo da doença retornar toma conta das famílias das pacientes.

“É difícil de aceitar que isso realmente está acontecendo.” Trecho do diário

Isso muda o relacionamento entre os entes, que não conseguem proteger a pessoa doente e se sentem impotentes, de acordo com a médica. Cristiane conta que sua mãe precisou de um atendimento de emergência e depois dessa consulta, o médico solicitou uma conversa a sós com os familiares dela. As notícias não poderiam ser piores: ‘’Não tem jeito fácil de falar isso… Ela vai morrer. E se não voltar a se alimentar direito, tem no máximo 30 dias de vida.’’

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Cristiane ainda se emociona ao folhar seu diário.

Hoje aos 46 anos de idade, Cristiane relê o diário e se emociona. Ela explica que à época sentia-se sozinha e viu no diário um lugar para expressar seus sentimentos: ‘’Eu era muito nova e eu não tinha amigas, não tinha com quem conversar… Eu tinha uma filha pequena e ficava muito tempo com ela. Então eu achava que escrevendo, colocando ali as palavras, a minha dor ia passar.’’ Um ano depois, Vera contrariou as expectativas dos médicos e começou a reagir. O diário de Cristiane contém o registro: ‘’Mamãe levantou da cama, voltou a comer e até mesmo a se arrumar. Dia após dia ela começou a ficar mais forte.’’ De abril a dezembro de 1994, Vera surpreendeu a todos que ouviram dos médicos que ela não teria mais do que um mês de vida. Nas palavras de sua primogênita, ‘’tudo estava voltando a ser como era antes e ela nem tinha precisado passar pela quimioterapia novamente’’. A rotina da família voltou para os eixos durante aqueles oito meses. No entanto, em dezembro de 1994, Cristiane registrou em seu diário:

DEZEMBRO DE 1994 ‘’Dores no peito frequentes. Fraqueza. Olhar triste. Ela tenta esconder que está recaindo. Mas eu sinto a dor em seu olhar. Os caroços já tomam conta de todo o seu corpo, a cabeça está tomada e seu rosto também.”

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Tentei fazer algo mas ela não permite que eu procure por ajuda.’’ Os registros do mês de fevereiro de 95 no caderno de Cristiane mostraram um agravamento repentino no estado de saúde de Vera. Por conta disso, a família acabou optando por montar uma enfermaria dentro de casa e contratar uma profissional para auxiliar nos cuidados dela dentro do conforto de sua residência. O quadro da doença já era irreversível, por esse motivo a família buscava por maneiras de tornar as coisas mais fáceis para Vera e ao mesmo tempo aproveitar ao máximo a presença dela. Ao recordar da história da mãe, Cristiane conta que mesmo nos momentos mais difíceis ela tentava se mostrar firme. Segundo ela, a pessoa doente sofre ao ver a dor dos entes queridos: ‘’a gente tem que se mostrar forte e tem que tentar fazer com que ela viva aqueles momentos ali bem’’.

FEVEREIRO DE 1995 ‘’Acordei com barulho de oxigênio. São 9 horas da manhã e eu fui dormir às 4h da madrugada, fiquei abanando a mamãe. Estão instalando tubos de oxigênio para ela, mas depois de ver como ela está hoje, percebi que eles são apenas para prolongar a vida dela em alguns minutos, se tivermos sorte, talvez horas.’’


Cristiane relatou que naquele dia, Vera chamou um por um, amigos e familiares e se despediu de todos, principalmente das crianças. Uma delas, foi seu filho mais novo: João, com nove anos na época. “Eu cheguei e peguei na mão dela. Eu fiquei ali e comecei a entender o que que podia estar acontecendo. Meu pai me chamou e falou que eu ia ficar sem a minha mãezinha, que Deus ia chamar a minha mãezinha para ficar com Ele lá no céu. Foi aí que eu entendi que já não tinha mais o que fazer.’’ Em meio a tanta confusão para um menino, as memórias boas permaneceram. A mais marcante era a rotina matinal dos dois: Vera vestia João de manhã cedinho para ele ir ao colégio. Sem deixar o caçula passar frio, o enrolava nas cobertas e preparava um achocolatado bem quente antes de ele sair. O dia 27 de fevereiro de 1995 foi o último dia de vida de Vera Lúcia. O último dia de luta para ela, mas também o primeiro dia de luto para a família.

Cristiane relata que após o falecimento da mãe, ela sentia que havia desaprendido a viver. Enquanto você está vivendo aquela situação você não pensa, só vai vivendo, aí quando a pessoa vai embora você para e fala ‘Meu Deus como vai ser daqui pra frente?’´’ Cristiane conta que com o tempo aprendeu a conviver com a saudade e que apesar desta ter sido a pior parte de sua vida, hoje ela vê esse diário como uma bela história de superação. ‘’Eu me recordo muito de eu escrevendo essas páginas e eu pensava que não tinha saída. Parecia que eu estava andando em círculos e aquilo ali nunca ia acabar e que aquela tristeza não ia passar’’, recorda ela. “E hoje, lembrando disso tudo, relendo essas páginas, eu vejo que para tudo tem solução, que a gente só não pode desistir.‘’ A psicóloga Roberta Flausino dedica seu tempo ao estudo do luto. Segundo ela, esse processo possui cinco fases: a negação, a raiva, a barganha, a depressão e por último a aceitação. Ela explica que alguns autores trazem um ‘’Modelo De Processo Dual’’, que nada mais é do que uma oscilação, ou seja, a pessoa mesmo triste consegue sair para trabalhar ou para jantar com amigos, por exemplo.

Memórias da vida de Vera - seu casamento e festas de aniversário de familiares.

‘’É aquele paciente que vai pra tristeza e depois é puxado pra vida. Esse é um processo de luto normal, natural.’’

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HISTÓRIAS CRUZADAS Os anos 90 também foram marcados pelo câncer na vida de Maria Lúcia Sbrissia. Hoje, aos 68 anos, ela conta: ‘’Um dia eu apalpei meu seio e tinha um nódulo. Eu fui imediatamente para o médico e a resposta veio que ele era gravíssimo’’. Vera e Maria não foram unidas apenas pela doença, mas pelo mesmo nome composto: ‘’Lúcia’’. Diferentemente da história de Vera, essa é contada em tom de superação. Maria passou por uma mastectomia e, posteriormente, por seis sessões de quimioterapia. Segundo ela, o tratamento completo contra o câncer chegou a durar cinco anos. Apesar da gravidade da doença, ela não se deixou abalar: ‘’Eu não queria morrer, eu queria viver. Queria curtir a vida’, relata Maria.

Maria conta que depois de fazer uma mastectomia, ou seja, uma cirurgia de retirada da mama, acabou passando por algumas situações que a incomodaram: ‘’Eu tinha uma vizinha muito curiosa, a gente não era muito amigas, ela veio me visitar e tentou tirar a minha coberta pra ver (a cicatriz). Eu segurei a coberta e ela percebeu’’. Para a oncologista Flávia Bianchi, a mutilação no peito é o que mais fere as pacientes de câncer. O seio, símbolo de sexualidade, feminilidade e vida, traz consigo todo o peso de ser uma mulher.

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Vinte anos após ser curada, Maria aconselha:

‘’Com o câncer, você não pode achar que vai morrer porque a tua amiga morreu. Você tem que lutar, tratar e não deixar o desânimo tomar conta”. Ela relata que também perdeu o marido para essa doença e por esse motivo seus filhos acabavam intensificando o medo de perdê-la da mesma maneira.

“Você tem que lutar, tratar e não deixar o desânimo tomar conta” Maria Lúcia, aposentada

Maria Lúcia Sbrissia após 20 anos do diagnóstico.

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Por isso, quando a doença é diagnosticada, um sentimento de vazio é sentido. “A gente define que aquela mulher está perdendo tudo ao mesmo tempo e ainda tem chance de perder a vida”, explica.

“A gente define que aquela mulher está perdendo tudo ao mesmo tempo e ainda tem chance de perder a vida.” Flávia Bianchi, oncologista

Mesmo sendo a segunda doença com maior incidência no mundo, o câncer de mama tem cada vez mais chances de ser curado. Um estudo feito pela Concord-2 e publicado pela revista de saúde “The Lancet” mostra que, no Brasil, de 2000 até 2005 a taxa de sobrevida aumentou de 78% para 87%.

Para Flávia, os fatores para que isso tenha acontecido é a variedade de tratamentos existentes atualmente e o número de campanhas incentivando a conscientização da enfermidade. “As mulheres mais velhas veem o câncer como uma punição, mas a forte divulgação mostra que a doença tem potencial de cura.” As histórias cruzadas dessas mulheres mostram duas batalhas com finais diferentes contra a mesma doença. O que elas passaram refletiu diretamente na vida de todos os seus entes queridos, principalmente os de Vera que precisaram passar por um processo de luto por uma pessoa muito próxima. Para ambas as famílias, contudo, as perdas no caminho deixam rastros do verdadeiro significado do que é viver,

Maria Lúcia com seus três filhos: Marcos, Luciane e Adilson.

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Filhos da esperança Inseminação artificial e fertilização in vitro estão cada vez mais comuns no Brasil. Apesar de serem métodos caros, muitos casais optam por esses procedimentos Heloisa Negrão e Rute Cavalcanti Miranda

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m seu segundo ano de casamento, o casal Rafael Luis Grigoriu e Edilean Souza e Silva quiseram ter o seu primeiro filho. Em inúmeras tentativas que fracassaram, o casal resolveu procurar um especialista para incentivar a gravidez de Edilean. O primeiro médico que buscaram foi o ginecologista, que auxiliou Edilean com o primeiro método de incentivo à gravidez chamado coito programado, porém não deu certo. O casal G.M. e L.M. ( que não quis se identificar) diz que o primeiro procedimento indicado também foi o coito programado e que o médico em 2010, não pediu qualquer exame específico.

Após o exame de Rafael, foi descoberto que ele tem fibrose cística. Por isso, eles não conseguiam engravidar. A fibrose cística é uma doença hereditária, que afeta todo o organismo e também pode ser a causa da infertilidade masculina. Segundo o médico Alessandro Schuffner, pós-graduado no Jones Institute for Reproductive Medicine nos Estados Unidos, a doença pode ser diagnosticada no homem pelo exame genético na vida intrauterina e pelo teste do suor em jovens, já que os que têm a doença apresentam um nível de cloreto de sódio mais elevado no corpo.

“Ela queria fazer o ultrassom e na hora que o médico pegou deu para ver uma bolinha dividida em duas e falei para ele ‘não sei se é ali mas estou vendo duas’.” – Rafael Luis Grigoriu, assessor de TI

O coito programado é um método indicado na fase inicial, que com o auxílio de medicamentos faz com que a mulher ovule nos horários programados e assim aumente as suas chances de engravidar. O passo seguinte seria a inseminação artificial, em que os espermatozóides são coletados para inserir no colo do útero da mulher. Marília Gabriela Nunes, por sua vez, relata que o coito programado foi a solução para engravidar. Ela tem a síndrome do ovário policístico - distúrbio hormonal, definida pelo aumento dos ovários, trazendo como consequência cistos. Para realizar o procedimento ela teve apenas que fazer o exame transvaginal em série.

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Heloisa Negrão


O casal G. M. e L. M. conta que, quando foram até uma clínica especializada em fertilização, se depararam com os preços altos dos exames e até mesmo do procedimento de inseminação artificial e por esse motivo decidiram esperar por seis anos. “Em cada ano de espera ficamos mais ansiosos, começamos a planejar como seria o quarto, o enxoval, em qual escola iríamos levar. Foi uma tristeza para nós quando não deu certo.” G.M. relatou que, após esses seis anos, foi submetida a exames muito caros. Apenas quando viram que estava tudo certo com ela, que solicitaram para seu marido e acabaram descobrindo que ele tinha uma baixa contagem de espermatozóides assim como Rafael, por isso o casal não conseguia engravidar. Edilean e Rafael comentam que após o diagnóstico da doença, eles começaram a fazer o primeiro procedimento que foi a fertilização in vitro. Já sabiam que esse era o melhor método para os dois. G.M. e L.M. informaram que só conseguiram fazer uma vez o procedimento de inseminação artificial, por causa de suas condições financeiras. Se o procedimento de inseminação artificial não trouxer efeitos em dois ou três meses, a próxima etapa é a

Logo em seguida, são levados para o laboratório para serem analisados por um profissional. Quando os óvulos estiverem fecundados e os espermatozóides preparados, é iniciado o processo de fertilização. Iniciou-se então um processo demorado e angustiante para Edilean e Rafael: a fertilização in vitro, que traz não somente cansaço físico mas um grande desgaste emocional, já que o procedimento pode dar errado. De acordo com o 10º Relatório do Sistema Nacional de Produção de Embriões, de 2016, publicado pela Anvisa, a média de oócitos por mulher, produzido a partir dos ciclos de fertilização in vitro realizados em 2016, foram de 9,0 e de 7,8 no Paraná. Os oócitos são os gametas femininos, ou seja, óvulos que não atingiram a maturidade. Já a média da taxa de fertilização foi de 73% e 68% no Paraná. A Região Centro-oeste foi a que apresentou a maior média de oócitos por mulher, com 10,4 quando comparado a nacional, com 9,3. Todo o esforço e tempo de espera de Rafael e Edilean foram recompensados. Na terceira tentativa da fertilização in vitro, veio a grande novidade, de que dos embriões colocados, dois deles vingaram. Passaram-se, então, quatro meses desde que eles souberam que estão grávidos de duas meninas: Gabriela e Isabela.

“Em cada ano de espera ficamos mais ansiosos, começamos a planejar como seria o quarto, em qual escola iríamos levar.” – G.M., secretária fertilização in vitro, em que é feito o mesmo estímulo só que de uma forma mais potente. O procedimento é feito com o auxílio de um remédio anestésico, para a paciente não sentir dor. São aspirados os folículos, que são estruturas que guardam e protegem os óvulos até ocorrer a ovulação.

Glossário Folículos: estrutura ovariana que contém os óvulos. Oócitos: gameta feminino. Fibrose cística: doença que afeta principalmente os pulmões causando dificuldades respiratórios e ainda não existe cura, os doentes tendem a morrer cedo, entre 20 a 40 anos. Também causa infertilidade. Reserva ovariana: quantidade estimada de óvulos que a paciente tem ainda em seus ovários, usualmente medida pela contagem de folículos antrais e mais recentemente pela dosagem do hormônio AMH. Síndrome do ovário policístico: distúrbio hormonal, definido pelo aumento dos ovários. Cisto de ovário: são bolsas cheias de líquidos que se formam sobre ou dentro do ovário.

O casal lembra do dia em que souberam que eram duas meninas. “Nós descobrimos que são gêmeas não idênticas. Agora estamos na parte mais gostosa, que é nos preparamos para a chegada delas. Nunca passou pela nossa cabeça que daria certo dois embriões e viriam gêmeas”, diz Edilean.

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Quando comprar se torna um vício? A ansiedade em jovens e adultos pode se manifestar por meio do consumismo desenfreado Camilla Ginko

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Camilla Ginko

jeyse Marciniuk, de 27 anos, sente-se perdida no meio de suas roupas e sapatos. Por trás da moça ruiva, alta e inteligente, existe uma pessoa viciada em comprar. Nessa vida estressante, em meio à correria, à rotina diária, sempre há tempo para uma única satisfação: o prazer em gastar. Satisfação essa que está relacionada diretamente ao sentir o cheiro de alguma roupa, alegria de possuir sapatos novos, e a felicidade de sair de uma loja, elegante ou até mesmo mais simples, cheia de sacolas. “Comprar é uma sensação inexplicável porque eu me sinto bem gastando.” Não se sabe ao certo quando essa vontade incessante de comprar roupas e sapatos se iniciou. A única certeza é que gastar tornou-se o melhor remédio para a ansiedade de Djeyse. Olhar as roupas na vitrine faz seus olhos brilharem. Compra porque gosta mesmo! E se sente bem assim, seja o que for, qualquer tipo de roupa, marca, modelo. Mas como explicar essa sensação? É uma das perguntas que talvez Djeyse não saiba responder. Poderia ser uma doença? Fica o questionamento no ar. O nervosismo muitas vezes toma conta dela. Isso é de certa forma “normal”, por conta de tantos gastos e de seu salário não cobrir tudo: ela vive endividada. O resultado de tudo isso é, por fim, seu cartão de crédito passando do limite,

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Djeyse apresenta sua coleção de vestidos. mas seus pais sempre que podem dão uma “ajudinha”. Djeyse assume que não sente arrependimento depois de gastar um bom dinheiro em somente uma loja, em um único dia. Um dos únicos arrependimentos que sente é chegar em casa e não gostar mais da roupa, mas sabe que no outro dia pode voltar e trocar por outra peça, coisa que para ela, não é nada difícil, pois adora ir aos shoppings. Marcio Glodzinski, de 30 anos, não se sente perdido no meio de suas roupas, mas confessa-se desorientado na hora de escolher qual cor de camiseta das melhores marcas vai levar. Ao contrário de Djeyse, Marcio não recebe ajuda de ninguém, e não gosta de lojas simples. Ele prefere as melhores, as mais caras. “Gosto de qualidade e de coisas novas”, diz Marcio.


Ele não se considera um consumista descontrolado, apenas é apaixonado por camisetas. Sempre que vai a alguma loja, leva logo três ou quatro, nunca fica satisfeito apenas com uma. Assim como Djeyse, ele não consegue explicar qual a sensação no ato de comprar, só percebe que, quando sai de alguma loja, sente um alívio. “Se eu fico muito tempo sem comprar, fico agoniado. Somente quando vou a uma loja da cidade e compro camisetas, que essa aflição passa.” Cerca de 36% das pessoas consumistas fazem compras para aliviar o estresse, sendo esse o seu tipo de lazer favorito, conforme a pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito e da Confederação Nacional de Lojistas (SPC). As classes que mais compram sem necessidade são C, D e E. Djeyse poderia ganhar o dobro do seu salário que não seria suficiente para tantos gastos, e não se importa com isso, pois sempre dá um jeito de ir pelo menos três vezes por semana a uma loja e comprar nem que seja uma simples calça jeans. Mas como ela sustenta tantos gastos? Nem ela sabe ao certo. Sabe apenas que seu salário vai todo em roupa. Onde colocar tanta roupa? A curitibana está precisando de mais um guarda-roupa para guardar as inúmeras peças e sapatos que acumula. Algumas ficam em sua cama, por falta

de espaço. Há vezes que joga tudo no chão para conseguir dormir ou dorme junto com sua irmã. Mesmo assim, nunca procurou qualquer tipo de ajuda ou algum educador financeiro. Apesar de seus pais oferecerem suporte aos gastos, eles incentivam a busca por um tratamento. Em 2017, o limite do cartão de crédito de Djeyse extrapolou, chegando a gastar R$ 20 mil. Então, recorreu aos pais mais uma vez, para que quitassem a dívida. “A pessoa vai comprar mais do que precisa, coisas que nunca vai usar. A compulsão está ligada a uma ansiedade, que você precisa de alguma forma aliviar”, diz a psicóloga Mari Angela Calderari Oliveira. Para ela, o consumo é um comportamento que advém de uma impulsividade. No funcionamento do cérebro, existe uma função chamada de controle inibitório. É a capacidade que o cérebro tem de receber informação que uma determinada ação precisa parar, mas quando esse controle está disfuncionado, pode acontecer o comportamento compulsivo e levar ao consumo. Comprar coisas é uma maneira de suavizar essa ansiedade. Um dos tratamentos que possibilitam o alívio é a psicoterapia. Outra forma de aliviar é buscar outras fontes de prazer, mas muitas vezes é necessário um tratamento à base de remédios, reforça a psicóloga. Camilla Ginko

Dicas de um especialista José Eduardo Moreno, educador financeiro orienta sobre a situação Conforme o Instituto de Psiquiatria do Hospital de São Paulo, 3% da população brasileira sofre por comprar compulsivamente. Segundo Moreno, somos bombardeados a todo momento com informações de como ser bonito, cheiroso, bem-sucedido. “Os amigos das redes sociais sempre parecem ter uma vida melhor do que a nossa. A atriz nos incentiva a comprar o perfume, e assim o mundo segue sendo incentivado a consumir mais e mais.” A facilidade para adquirir produtos, seja pela internet ou presencialmente, parcelando no cartão de crédito ou crediário, é apenas mais um incentivo. “Sempre antes de comprar algo é necessário fazer três perguntas: ‘Eu quero? Eu preciso? Eu posso pagar por este produto?’. Se uma das respostas for negativa, é melhor reavaliar a compra, deixando para um outro dia, quando a vontade pode ter passado”, aconselha o educador.

Marcio mostra uma de suas camisetas preferidas. comportamento | revistacdm 25


Cinco mulheres contam suas experiências com o esoterismo e explicam as suas formas misticas de ver a vida Daneil Moura e Luca Matheus

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ão coisas dos astros, das cartas ou da física quântica. Ordenados, ou não, é o suficiente para desenhar o caminho para a evolução espiritual, que criou uma nova interpretação do mundo para essas mulheres: Júpiter, Mel, Luísa, Elizabeth e Crystina. Mel, Luísa e Júpiter formam uma família que foge do padrão convencional. Júpiter é filha biológica de Luísa e Mel, uma mulher trans. Luísa é astróloga, Mel, taróloga, e Júpiter o fruto desse amor, sentimento esse que é o maior ingrediente para a família.

Mel Bevacqua trabalhava em sua barraca de produtos naturais na Feira da Conceição, Florianópolis, a chamada Ilha da Mágia.cEra naquela barraca de esquina, caminho para a região boêmia da cidade, que Mel tirava seu sustento. Ela deixava o seu baralho de tarô junto aos seus produtos. Mas o público, logo, não parava só para comprar os artigos naturais e sim para matar a curiosidade e desvendar os segredos do oculto: tirar, na sorte, uma carta

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do baralho de tarô de Mel. Sem cobrar um valor específico, colocava apenas uma placa que dizia “Tire uma carta e dê a sua contribuição”, ao lado de uma caixa para receber o valor oferecido. Ao lado, um livro para guiar as diversas interpretações sobre a carta tirada. Não tardava para que, volta e meia, Mel tivesse que explicar a leitura das interpretações para as pessoas que ali passavam e ficavam curiosas com o que cada carta tinha a oferecer. Com o baralho que ganhou de sua mãe, ela não trabalhava com as consultas, mas já era interessada pelo assunto e estudava tarologia com amigos e colegas, mas sempre seguindo a sua intuição. Foi durante os verões, de 2013 e 2014, que ocorreram mais de 5 mil consultas, “Era muito, muito, mas muito tarô, teve uma vez que teve direito até a tradução simultânea em mandarim, para um turista chinês”, conta. Neste período, uma outra jovem mulher morava na mesma cidade, e claro, frequentava a mesma feira que Mel. Foi tirando uma carta

Daniel Moura

Amuletos de proteção na sala de estar do casal


naquela barraca de esquina da feira, que, Luísa Lentz conheceu Mel. “Eu tirei a carta do Diabo. Uau! Até então, assustador, uma figura com fama maléfica para mim”, revela. Uma carta de insatisfação e de muitas interpretações, nem sempre negativas. Luiza dirigiu suas perguntas a Mel, mas logo foi embora.

Entre as idas e vindas da vida, os encontros e desencontros as tornaram cada vez mais próximos. Chegaram a trabalhar juntas, em um hostel, para juntar dinheiro e fazer a vida que sonhavam. Logo que se casaram, prometeram uma a outra que iam ter um filho, morar juntas e abrir uma escola de bruxaria.

A questão é que Luísa já era apaixonada por astrologia desde criança. Aos 7 anos, já namorava as vitrines das lojas de produtos esotéricos. “Ao som do álbum A Dança dos Signos, de Oswaldo Montenegro apresentado pela minha mãe, eu decorava os signos do zodíaco”, declara. Além da astrologia, sua mãe também a apresentou para o baralhos de tarô, mas de uma forma diferente, acompanhando a mãe em consultas com sortistas. Por isso, os via como algo distante e proibido, e por ser tão especial no âmbito do seu íntimo, se identificava mais com a astrologia.

Foi então o momento em que Júpiter entra na história, uma semana depois da promessa, a bebezinha já estava fecundada. A recém-nascida marca o início na vida do casal para Curitiba e da criação do próprio negócio, uma empresa que oferece consultoria astrológica, tarô, cursos esotéricos e claro, os produtos naturais de Mel.

A Dança dos Signos (1983), de Oswaldo Montenegro, foi apenas o primeiro contato e início de uma linda trajetória de estudo e entrega. O arranque inicial para disparar a paixão por astrologia foi dado, logo a garota começou a ler e aprender, tornando-se autodidata no assunto.

Júpiter no colo de Mel, ao lado de Luísa. Daniel Moura

Na infância, Mel teve um contato direto com a sua cultura ancestral. Afrodescendente, ela foi criada ao lado de rituais, receitas, tarô e muito amor. Mas somente aos 20 anos de idade, conheceu o valor por trás dos signos e significados.

Com mandalas, desenhos, esculturas e muitos objetos de proteção espalhados por toda a casa. Mel, Luísa e Júpiter estão mais que protegidas, sendo até mesmo um filtro de energia. “Quando vamos atender alguém que tenha, por exemplo, um histórico de brigas familiares, a gente briga antes da pessoa chegar. E, por incrível que pareça, depois tudo se resolve e até melhora”, diz Luísa sobre as forças que atuam em seu trabalho. “Ao mesmo tempo que a gente perde (energia) a gente ganha, é tudo na base da experiência”, mostrando uma evolução a cada consulta que realiza na sala de estar.

Ela estava num bar, sozinha, perto da faculdade, apenas bebendo uma cerveja, quando encontrou um senhor que já conhecia de outras festas. Papo vai, papo vem, ele revela que estava esperando um rapaz para uma conversa de iniciação na astrologia. O dito rapaz nunca chegou, e foi essa a oportunidade de Mel. “Me dê uma aula”, sugeriu. Um caminho sem volta para quem já havia dedicado-se ao conhecimento do oculto para repassar ensinamentos e ajudar outras pessoas por meio da tarologia.

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No calor do momento, contando todas as histórias e todas as lembranças vindo à tona, surge um intervalo na entrevista com uma interjeição, logo quando Mel diz que “o tarô queria que ela fizesse isso, para vida”. Era hora de Júpiter, a filha do casal se alimentar, alí mesmo, Luísa não se acanha, como toda boa feminista, vestindo um body escrito feminist e começa a amamentar a pequena. Logo, o casal, sorrindo, expressa alegria do fruto que gerou durante toda esta história.

SAGRADO FEMININO Dentro de todo esoterismo que nos leva a um novo mundo de conhecimento, há também um envolvimento com um conhecimento pessoal mais aprofundado, essa é a história da Elizabeth Sussi, do candomblé, estuda tarô e também pratica o sagrado feminino. Prática que consiste nos cuidados e conhecimento compartilhado entre mulheres principalmente sobre o poder e consciência do ciclo feminino. “É a volta do matriarcado, a divindade de ser mulher, de ter um útero, de menstruar”, conta a estudante de Direito. Rituais, estudos, conversas e reverenciar. É, basicamente, isso que resulta os retiros de mulheres que defendem o sagrado feminino, com uso de cristais, fogueiras, defumadores, livros, ervas e com muitos outros amuletos, esse conhecimento e estilo de vida é passado. Elizabeth prática um ritual muito peculiar na visão de uma sociedade machista: aceitar a seu ciclo menstrual. “Recolho a minha menstruação e na Lua Cheia faço um pequeno ritual, em que enterro o meu fluido na terra e agradeço e peço o que preciso para a mãe natureza”, revela. O estudo do sagrado feminino, no caso de Elizabeth, é muito mais intuitivo do que científico, usando sempre o conhecimento que encontra em alguns livros e rodas de conversa, a estudante de direito prioriza o que sente.

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TERAPIA ENERGÉTICA Crystina Figueredo, uma autodidata universalista, usa sempre como base a física quântica para explicar a sua mediunidade e o mundo em que vivemos. “Eu nasci paranormal. Desde pequena eu tive contato com outros níveis e dimensões”, revela. Com 11 anos, pela necessidade de entender o que estava acontecendo, ela começa a estudar sobre a espiritualidade. “Naquela época, não tinha internet. Então, eu tinha que pesquisar nos livros. Eu lembro que o primeiro livro que eu li foi A Divina Comédia de Dante Alighieri e depois toda coleção do (lama budista) Lobsang Rampa e continuei estudando”, conta a estudiosa. Pela facilidade por ter muitos livros em casa, graças à coleção de seu pai, Crystina sempre estudou muito e o que não encontrava em casa, encontrava na Biblioteca. Com o suporte de seus guias espirituais, Cristina sempre usou seus estudos como base de seus conhecimentos. “Com 16 anos, eu pedi para fechar a minha paranormalidade. Eu não sabia lidar com tudo aquilo”, desabafa.

“O Big Bang expandiu e criou tudo que existe, tudo que existe é um buraco negro, que a gente chama de deus.” Crystina Figueredo, universalista. Aos 18 anos, ela teve seu primeiro contato com a física quântica através do livro Minhas Viagens, de Richard Bach. Depois desse primeiro contato Crystina não parou mais, todos os livros que ela encontrava sobre o assunto, eram estudados. Então, com a chegada da internet, por trabalhar em uma empresa de telecomunicação, em 1983 ela já tinha dois computadores em casa. Com essa facilidade e acesso a assunto diversos, a estudiosa começou a fazer parte de grupos de pesquisa ufologica. “Na época eram grupos sérios de pesquisa, muito diferente do que se tem hoje. Que você encontra uma monte de informação em que você não consegue filtrar nada”, desabafa.


Daniel Moura

Tudo que aparecia de curso, palestras e estudos ela participava. Também fez parte de Grandes Escolas Iniciáticas (grupos e organizações fechadas para estudos esotéricos), estudando a Magia, Teosofia, Eubiose e Rosa-cruz. Sempre em contato com outros seres, sendo eles de luz ou mais densos. Depois de inúmeros cursos, Crystina aprendeu a lidar com a energia e campo magnético das pessoas, começando a fazer reuniões em casa para familiares e amigos, nas quais esse conhecimento era passado. Com o interesse das pessoas, ela começou a fazer pequenos atendimentos, sem cobrar nada, ativava e mexia com a energia da pessoa. “Coisas incríveis aconteciam, mudavam drasticamente a vida das pessoas, mas sempre para o lado positivo. Nunca tive mestre. Meu mestre esta dentro de mim”, declara. “Hoje a física quântica não existe sem a espiritualidade e a espiritualidade não existe sem a física quântica”, revela. Segundo a esotérica, a física quântica já comprovou por pesquisa que o mundo em que vivemos é pura holografia, a massa que existe no universo cabe em uma cabeça de alfinete. “O universo é uma grande harmônica, tudo é frequência e ressonância, ação e reação”, revela. Depois de todo o estudo e a comprovação científica do assunto, ela usa o acesso a outras frequências energéticas para ajudar as pessoas. “Dentro de todos os níveis de frequência, existem várias seres, algumas com seres planetários e outras com celestiais”, revela. Para Crystina, algumas pessoas têm a capacidade de se conectar com esses seres de outras dimensões. Crystina trabalha com a limpeza das frequências energéticas das pessoas nas terapias energéticas que oferece, sempre respeitando a lei maior, junto com seus guias de outras dimensões, ela pede autorização para trabalhar para reorganizar as energias das pessoas.

Para ela, estamos a caminho da quinta dimensão, como vivemos na dimensão ímpar saltamos da terceira para quinta, passando sem perceber pela quarta. Mas, para isso, a elevação de consciência planetária é necessária, uma trajetória individual mas sempre em rede.

Altar de amuletos esotéricos na casa de Júpiter, Mel e Luísa.

“A única forma dos seres evoluírem é através do amor e é isso que os seres celestiais vêm ensinar para nós. O amor incondicional, é uma contemplação, sem dualidade”, fala. Crystina tem mais de 47 anos de estudo da espiritualidade e física quântica. Mel tem uma relação de amizade com seu baralho de tarô. Luísa, ao som de Oswaldo Montenegro se conecta cada vez mais com os astros. Elizabeth agradece todos os dias por ter nascido mulher e Júpiter tem como referência todas as crenças, estudos, fé e amor em comum com todas essas mulheres, que, como ela, são esotéricas. Leia mais Você encontra matérias exclusivas e todas as edições de revista CDM no Portal Comunicare. Confira! portalcomunicare.com.br

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Semente do Brasil Das xícaras ao coração, a bebida secular que conquista os brasileiros a cada dia Amanda Mann Marcus Campus

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ão é à toa que a bandeira do Brasil Imperial, à época da monarquia, tinha como um de seus elementos um ramo de café. Desde então, a produção cafeeira desenhou a história social, econômica e cultural do país. Sua semente está, até hoje, enraizada no coração do povo brasileiro. Hoje, o país está entre os maiores exportadores do mundo. Segundo projeção recente divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), serão produzidos um recorde de 57,2 milhões de sacas de café até o fim deste ano. Mais do que uma bebida matinal e corriqueira, o café tornou-se um estilo de vida que conquista cada vez mais seguidores. Em cada canto do planeta, as cafeterias se multiplicam, oferecendo novos conceitos, inovadores

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modos de preparo e combinações surpreendentes, que enriquecem, cada vez mais, essa preciosidade. “Muitos clientes procuram explorar os mais inusitados sabores e aromas de cafés. É uma cultura. Assim como para quem tem o conhecimento dos vinhos, o café cria apuração criteriosa no paladar de seus amantes”, comenta Christina Bittencourt, sócia-proprietária da cafeteria Mitrê. Por influência europeia, Curitiba está cheia de cafeterias para todos os gostos: dos tradicionais aos mais exóticos, dos grãos locais aos importados. De acordo com pesquisa feita pela Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC), nove em cada 10 brasileiros com mais de 15 anos bebem café. “Para quem conhece e aprecia as notas dos cafés, frequentar as diferentes cafeterias da cidade é como fazer


Escritor, historiador, ator e barista, OtĂĄvio Linhares ĂŠ um grande apreciador do cafĂŠ brasileiro.

Amanda Mann

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uma viagem sensorial que desvenda sabores inigualáveis. Nenhuma semente é como a outra e, por consequência, os resultados são únicos”, revela o empresário Carlos Augusto Henrique, grande apreciador da bebida. Além de todas as opções tradicionais, os baristas, profissionais especializados em desenvolver novos meios de preparo da bebida, aproveitam para brincar com as possíveis combinações, realizando experimentos muito bem-sucedidos ao misturar chocolates, bebidas alcoólicas e até mesmo frutas com o grão. “Acordes novos surgem de combinações inusitadas que agradam ao paladar de quem tem paixão pelo café, e até mesmo conquistam quem não é muito fã da bebida convencional”, relata Júlio César de Souza, barista em Santo André, ABC paulista. Há também aqueles que nem sempre foram tão apaixonados pelas excentricidades do café. ‘’Eu costumo brincar que caí no mundo do café por acaso e depois que me apaixonei por ele, foi um caminho sem volta’’, contou Rayanne Garret, dona do Workafe, site que compila cafeterias work-friendly. Esses estabelecimentos oferecem estrutura para que seus clientes trabalhem enquanto degustam um bom café.

Rayanne escreve, também, sobre as peculiaridades da bebida. ‘’Além disso, acredito que ela une as pessoas. Desde a produção dos grãos até o café chegar à nossa xícara, existem diversos processos, com muitos detalhes e que envolvem muitas pessoas. Conhecer essas etapas e suas histórias é fundamental para entender o que você está consumindo.’’ O Lucca Café (no bairro Batel), segundo Rayanne, é um dos pioneiros no Brasil quando falamos em inovação, isso porque é uma referência na capital paranaense e ‘’comporta diversos nichos de público’’ de forma inusitada. A cafeteria se intitula como ‘’o maior garimpo de cafés do Brasil’’ e abre seu espaço no segundo andar, todos os finais de semana, para workshops, cursos e degustações. É de se imaginar que uma bebida secular, marcada por histórias, também possa servir de inspiração na hora de aguçar o lado artístico de alguém. O barista premiado, escritor, com três livros publicados e dono do café 4Beans Coffee Co., Otávio Linhares, discorre sobre como suas duas paixões, o café e a literatura, se entrelaçam. ‘’Acho que o diálogo com os cafés especiais está mais no sentido de admirar a complexidade

Em 1860 o Brasil produziu 26 milhões de sacas de café, tornando-se exportador do grão.

Amanda Mann

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97%

dos brasileiros consome café

Hot & Cold

curiosidades

de outubro Dia Mundial do Café!

+ 3,5

Noprimeirotrimestrede 2018, mais de

50 cafeterias foram

mil cafeterias especializadas em cafés!

+ 1.000

01

abertas em Curitiba!

pedidosdeaberturadecafereriasna capitalparanaensedejaneiroàmaio desse ano!

Fonte: Fábio Aguayo, presidente da Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas (ABRABAR).

sensorial da bebida tanto quanto oferecer aos leitores essa complexidade. A literatura também tem esse poder.’’ Foi por acaso, em 2002, depois de um sonho fracassado de ser professor, que Linhares entrou no mundo das cafeterias. Quando descobriu uma vaga de emprego disponível no Lucca Café para quem tivesse aptidões na língua inglesa, mal sabia que sua trajetória já estava traçada. Desde então, o barista aprimora seus estudos que o levaram até a Europa, à Suiça, para competir no Campeonato Mundial de Baristas, em 2006. No ano

aceitável. Para quem aprecia o bom café para o dia a dia, é uma opção que deve ser levada em conta pelo conforto que esse produto oferece”, afirma Henrique. Quando o aroma inconfundível de café fresco toma conta do ambiente, é raro quem recuse uma xícara. Suas variedades são inúmeras. Há um para cada momento do dia: o da manhã dispensa apresentações, e pode ser combinado com leite, para dar um toque suave à bebida e acordar qualquer pessoa; o preto e sem açúcar, do meio da tarde, e mesmo os mais ousados, que ficam

“Acho que o diálogo com os cafés especiais está mais no sentido de admirar a complexidade sensorial da bebida tanto quanto oferecer aos leitores essa complexidade.’’ Otávio Linhares, barista. anterior, Otávio conquistou primeiro lugar no 5º Campeonato Brasileiro de Baristas. A cultura de tomar café revolucionou todo o mercado desse segmento nas últimas décadas e isso pode ser notado pela popularização das máquinas portáteis de café expresso. “É possível ter em casa esses modelos de cafeteiras de cápsulas que preparam, de forma rápida e prática, bebidas com qualidade profissional por um custo benefício

saborosos se harmonizados com diferentes iguarias, quase se tornando um drinque “gourmetizado”. Para Otávio Linhares o café desperta interesse até mesmo por quem não é apaixonado pela bebida. ‘’Uns vem para estudar o grão; outros querem levar nossos cafés para o seu negócio. Alguns comparam as marcas dos cafés especiais. E às vezes, é apenas por curiosidade mesmo.’’ gastronomia | revistacdm 33


Por trás das 4 linhas Atletas contam suas trajetórias e a realidade da profissão no país do futebol Larissa Sena Mariana Prince Victoria Bittencourt

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stentação, carros de luxo, casas em locais privilegiados e jatinho particular. Essa é a realidade muitas vezes associada a jogadores de futebol profissional. Engana-se quem pensa que todos são favorecidos desse jeito. No país do futebol, são poucos os que conseguem usufruir de uma vida luxuosa. Infelizmente, o glamour é para poucos e salários atrasados, precariedade nos alojamentos e na alimentação é algo comum. O fato é que ser jogador de futebol é uma profissão como qualquer outra, porém isso é ignorado. Afinal, grande parte das pessoas acha que a única obrigação de um jogador é treinar e fazer gol em uma partida. Mas esquecem que longe dos campos existem as contas dos mês que precisam ser pagas e as obrigações diárias que todos temos. Todo mundo já conheceu uma criança que desejava, com o coração esperançoso, ser o futuro Neymar. A expec-

Victoria Bittencourt

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Para muitos entrar no futebol profissional é se sujeitar a enfrentar dificuldades.


Victoria Bittencourt

coberto por um empresário que o levou para jogar no Botafogo, sem vínculo contratual com o clube. A carreira não deu certo no time carioca e, sem desistir do sonho de se tornar jogador profissional, Diego começou a rodar por estados do Brasil: jogou no Internacional de Porto Alegre, no Cruzeiro, de Belo Horizonte, e em times do interior de São Paulo. Não conseguiu se firmar em nenhum desses times, até que recebeu uma proposta para ir para o Londrina. “Foi o ápice da minha carreira na base”, conta Diego, que ficou durante três anos no time do interior do Paraná.

Diego jogou em vários clubes mas atualmente está em busca de uma nova oportunidade para viver seu sonho.

tativa para ser um jogador renomado é grande e milhares de jovens deixam suas famílias em casa para ir atrás desse sonho e, em grande parte das vezes, se surpreendem com a realidade dos clubes. Muitos são jovens que nunca viveram longe de casa, como Luiz Henrique Beltrame, hoje com 20 anos de idade. Quando ainda tinha 16 anos saiu de sua cidade natal no Paraná para jogar em Presidente Prudente, interior de São Paulo. “Foi a primeira vez que saí de casa para jogar em outra cidade. No começo fiquei empolgado, mas quando saímos de casa assim tão cedo, começamos a amadurecer e a ser responsável, porque nesses momentos você não tem pai e mãe para te ajudar”, conta o jogador. O carioca Diego Santos também passou por essa experiência. Ele jogava no Duquecaxiense, time da cidade de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, e tinha apenas 15 anos quando foi des-

Ele jogou dois campeonatos paranaenses sub-19 pelo Londrina, chegando a ser vice-campeão em uma das ocasiões. Depois disso, foi emprestado para o Iraty Futebol Clube e conta que mesmo sendo do time profissional existiam muitas dificuldades, diferente de quando estava no Tubarão. “Faltava tudo praticamente, mas mesmo assim a gente continuou jogando. Era muito complicado, tinha dias que não havia comida para todo mundo, às vezes uma galera comia e outras pessoas ficavam com fome. O ambiente onde a gente dormia também não era muito agradável, mas era a oportunidade da vida de cada um estar ali”, relata o atleta. O lateral Dick Guarujá, que já teve passagens pelo Coritiba e Paraná Clube, também sofreu com a precariedade dos alojamentos no começo de sua carreira. Uma de suas maiores lembranças é da cozinheira de um time que jogou. Dick conta que ela tinha unhas postiças compridas e estava sempre com a ponta dos dedos machucados e inflamados, chegando até a ter pus por conta de infecções. Mas também lembra que mesmo com a situação embaraçosa e anti-higiênica, ele e os outros jogadores eram gratos por ter o que comer depois dos treinos.

“O ambiente onde a gente dormia também não era muito agradavel, mas era a oportunidade da vida de cada um estar ali.”

Infelizmente, a falta de comida ou uma alimentação inadequada é bem comum em times de Diego Santos, atleta profissional de futebol menor visibilidade. Luiz Hen

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rique revela que quando estava no interior paulista, passou por situações parecidas como a de Diego. “Lá, nós tínhamos três refeições no dia: café da manhã, almoço e o jantar, que era entre 17 e 18 horas, era nesse horário porque treinávamos e nós chegávamos ‘mortos’ de fome. Outros clubes tinham o lanche da noite, mas lá, como era um clube da 4ª divisão paulista não ofereciam mais uma refeição. Também não recebia salário, dependia dos meus pais, então nem sempre tinha dinheiro. Quando chegava mais a noite dava fome de novo, matávamos a fome tomando água ou tinha que ir dormir mais cedo”, declara Luiz. Atualmente no futebol sueco, Paulinho Guerreiro tem uma história um pouco diferente do Luiz e do Diego. Ele também começou sua carreira novo, tinha 16 anos quando estreou pelo União Barbarense, porém o time era da cidade onde morava com sua família, no interior paulista. Você se engana se pensar que, por ainda estar perto dos pais, Paulinho não passou por dificuldades. Para poder realizar o sonho de ser jogador, ele treinava todos os dias das 7 horas até 18h30. “Nesse intervalo de almoço, eu tentava ir pra casa pra dar tempo de almoçar e voltar, mas às vezes não dava. Então eu parava no meio do caminho, subia no pé de manga, matava a fome e voltava pro treino”, conta o jogador, que mesmo treinando diariamente, nunca abandonou os estudos. A REALIDADE DOS SALÁRIOS ATRASADOS

era um serviço muito duro, mas sempre tive esperança de voltar a jogar futebol profissionalmente.” A oportunidade apareceu novamente em 2016, quando o Comercial, time do interior do Mato Grosso do Sul, o chamou para jogar o campeonato estadual, mas as coisas não saíram bem como o esperado. “Fui vice-campeão do estadual matogrossense e não tinha salário certo. Sempre atrasava e até hoje não me pagaram, mas aquela foi a chance que eu tive de estar na vitrine do futebol, joguei campeonatos como a Copa do Brasil e também a Copa Verde, a qual foi responsável de me trazer até o Maringá Futebol Clube”, desabafa. Quem passou por uma situação parecida foi o carioca Diego Santos, quando jogava pelo Iraty. Ele só recebia em dia porque estava emprestado e pertencia ao Londrina, que era quem pagava seu salário. Mas o resto dos meninos que jogavam com ele não recebia nada porque o Iraty não tinha como de pagar. Com isso, a maioria dos jogadores abria mão do salário para continuar jogando na

Antônio Furtado Firmino Júnior, mais conhecido como Júnior Prego, também passou por dificuldades no começo da carreira. “Fiquei um tempo no Vitória [da Bahia] até que não deu certo. Voltei à minha cidade, em Fátima do Sul, no Mato Grosso do Sul, e não tive mais propostas de nenhum time, fiquei desempregado e minha família sempre foi muito humilde, eu não podia ficar em casa parado. Trabalhei em um mercado na minha cidade e também Luiz Henrique Beltrami, atleta profissional de futebol fazendo ‘meio fio’ nas ruas,

“Quando chegava mais a noite dava fome de novo, matávamos a fome tomando água ou tinha que ir dormir mais cedo.”

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O atleta Luiz vivendo um de seus primeiros momentos em um grande clube paulista

Arquivo pessoal


“(...) até hoje não me pagaram, mas aquela foi a chance que eu tive de estar na vitrine do futebol.” Júnior Prego, atleta profissional de futebol esperança de continuar no mercado e alguém os levar para um time maior e com mais estrutura. VÁLVULA DE ESCAPE Hoje com 34 anos, Dick iniciou sua carreira no futebol profissional aos 20. Vindo da periferia do Guarujá, o atleta viu muitas pessoas próximas e amigos se perdendo no mundo do crime e achou no futebol uma saída para não ter o mesmo destino. No início ele jogava apenas por amor, não imaginava que um dia o futebol seria sua principal fonte de renda.

Mariana Prince

Para poder jogar, Dick saia da sua casa no Guarujá e ia até a cidade de Jabaquara. “A gente ia de bicicleta, atravessa a balsa. Quando eram dois períodos [de treino] a gente ficava no alojamento e voltava a noite, às

vezes não tinha bicicleta, então um ia levando o outro. E, assim, a gente era feliz demais porque a gente amava jogar futebol”, conta. Apesar de não estar jogando em nenhum time no momento, o jogador faz parte de um projeto chamado “Atletas de Cristo”, no qual tem contato direto com meninos carentes que têm o sonho de se tornarem jogadores profissionais, mas não tem condições financeiras de pagar escolinhas particulares. VOLTA POR CIMA Bruno Reis, mais conhecido como Índio, iniciou sua carreira no Inter de Limeira, clube de São Paulo. Começou atuando na categoria de base do time e, em 2011, teve a oportunidade de subir para o elenco principal, jogando a Copa Paulista. Ainda em São Paulo, teve passagens pelo Rio Preto e também pela Portuguesa Santista. Nem só por dificuldades financeiras e por falta de estrutura passam os jogadores. Assim foi com Bruno: “Eu jogava no Rio Preto, o técnico não ia muito com a minha cara. Ele me mandava ficar treinando separado, todo mundo em campo, e eu ficava dando voltas em torno do campo, muitas vezes fazia isso chorando, louco para ir embora, isso durou por volta de dois meses”, desabafa o jogador. Atualmente, o atleta está no Operá

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Paulinho realizou o sonho de jogar profissionalmente fora do país. Arquivo pessoal

rio Ferroviário Esporte Clube, time de Ponta Grossa. Foi campeão da quarta divisão (série D) em 2017 e hoje vive outro momento importante em sua carreira: conseguiu o acesso para a segunda divisão (série B) do Campeonato Brasileiro. “É o sonho de todo jogador fazer história num clube, ser reconhecido e eu estou vivendo esse momento, entrando para a história do clube. Então a alegria é imensa”, conta o jogador.

longa história no futebol internacional. Jogou em times do Azerbaijão, Emirados Árabes Unidos e atualmente está na Suécia. “Acho que é o sonho da maioria dos jogadores né, era o meu também”, finaliza Paulinho ao falar sobre jogar fora do Brasil.

Victoria Bittencourt

PERSISTÊNCIA PARA SEGUIR O primeiro salário que recebeu como atleta profissional foi de R$ 300. Com os salários sempre atrasados, Paulinho conta que nunca colocou qualquer time na justiça e não foi isso que o fez pensar em desistir. Com apenas 1,75m de altura o jogador é considerado baixo para um jogador de futebol e, por isso, muitos clubes não o queriam, o que o deixava constantemente triste e quase fez com que parasse de seguir seus sonhos. “Isso foi a pior coisa na minha carreira, não esqueço. Eles não me julgavam pela qualidade do futebol e sim pelo meu corpo e pela altura. Sofri muito”, conta. Aos 32 anos, Paulinho já passou por times como Bragantino, XV de Piracicaba e Paraná Clube, e tem uma

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As estruturas tanto dos estádios quanto dos alojamenos dos clubes do interior geralmente são precárias.


A falta de calendário

Clubes do interior não conseguem jogar durante o ano inteiro e tem dificuldade em crescer O futebol é um esporte que vive de aparências. É comum ouvir que “todo jogador de futebol é rico”, porém a realidade não é bem assim. Figuras como Neymar Jr não são um parâmetro de comparação quando o assunto é futebol profissional. Segundo dados divulgados pelo Departamento de Registro e Transferência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em 2016, quase 83% dos atletas profissionais no Brasil recebem menos que R$1 mil por mês e menos que 3% recebem mais que R$ 50 mil. É aquele velho ditado popular: muitos têm pouco e poucos têm muito.

“Quando você não tem calendário você tem que fazer contratos pequenos e isso é péssimo, a gente perde jogadores” Arif Osman, presidente do Foz do Iguaçu Outro problema que assola os atletas que atuam no futebol brasileiro é que a média da duração de um contrato entre um jogador e um clube no Brasil é de 11 meses, sendo a menor no mundo inteiro segundo a Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol (Fifpro). Isso é reflexo do desequilíbrio que existe no calendário do futebol nacional. Como é o caso do Foz do Iguaçu Futebol Clube, que em 2018 teve um calendário de apenas quatro meses para o time profissional. “Quando você não tem calendário você tem que fazer contratos pequenos e isso é péssimo, a gente perde jogadores. Todos os 26 jogadores que nós tínhamos, ou foram vendidos ou foram emprestados, ou a gente rescindiu porque às vezes termina o contrato e a gente tem que

rescindir”, conta o presidente do Foz, Arif Osman. Arif também afirmou que o clube “mantém os pés no chão” e não faz contratos que não consiga pagar. O time paga para seus jogadores no máximo cinco salários mínimos, para conseguir pagar as contas em dia e não atrasar o salário desses atletas, algo muito comum no país. Outro time que passa pela mesma situação é o Rio Branco Sport Club, de Paranaguá. O maior campeonato que disputam é o paranaense e, dependendo da campanha que fizerem, já é comum que no mês de abril o time já não tenha mais calendário. “Todos os anos o foco é conseguir uma classificação para a série D do Campeonato Brasileiro”, explica o técnico da categoria de base, Mauro De Lazzari. Caso o time consiga ter uma boa campanha pelo campeonato, as chances de terem um calendário maior no ano seguinte são grandes. Por conta das dificuldades que enfrentam, além do fator calendário, o clube não possui uma boa renda financeira. A equipe disputa apenas o Campeonato Paranaense e todos os anos tem somente uma categoria de base. Nesta temporada, o Leão da Estradinha conta com um time sub-1, que está jogando o Campeonato Paranaense da categoria. O projeto do técnico Mauro De Lazzari é contar com um sub-19 para o próximo ano. “O objetivo é revelar jogadores para que partam para o futebol profissional”, diz. Outro fato importante de se destacar é que Mauro não recebe nada para ser técnico dos meninos da base e manter seu projeto. Para não depender do clube, que não dá muita ajuda financeira, o técnico conta com um grupo de pessoas e amigos que ajudam a manter esse time de garotos que estão em busca de seus sonhos.

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Caso de Emergência Gabrielly Zem Marina Darie

Estudantes de Medicina abusam de remédios como a Ritalina para enfrentar as exigências acadêmicas e a pressão psicológica que sofrem no curso

ATENÇÃO: PODE CAUSAR DEPENDÊNCIA FÍSICA OU PSÍQUICA

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possibilidade de salvar vidas foi o que interessou T*., estudante da Faculdade Evangélica, a ingressar na área da saúde. Aprovado no curso de Medicina em 2016, o menino ainda não sabia a realidade que o aguardava: dormir quatro horas por semana seria necessário, para conseguir conciliar a preparação para as provas e o plantão médico. Desde a época dos estudos pré-vestibular, a expectatva é grande para a tão esperada aprovação. A rotina é intensa para conseguir se destacar nos processos seletivos. A relação candidato por vaga para os aspirantes a médicos chega a 56,54 na Universidade Federal do Paraná (UFPR). É nesse momento que muitos jovens se sentem despreparados e buscam ajuda psiquiátrica, para tentar dar aumento exacerbado dos batimentos

de conteúdo repassada pelos professores. Por isso, não foi uma surpresa para B. quando ela conheceu seus colegas de sala, na Universidade Positivo: vários faziam uso de Ritalina. Até mesmo ela, que tinha parado de tomar a droga após o término do cursinho, voltou a ingerir de vez em quando. Dessa vez, sem acompanhamento de um especialista. “Você começa a se desesperar quando percebe que seus companheiros estão aprendendo, estão sabendo fazer as coisas e você não está igual a eles. Você não sabe fazer uma manobra, não consegue examinar o paciente de tal maneira e não consegue identificar uma doença… Você começa a se sentir inferior”, comenta. Ela pedia comprimidos emprestados de amigos que tinham receita, principalmente na véspera de uma avaliação ou de um seminário. Ela afirma que além da pressão colocada em si mes-

“Você começa a se desesperar quando

percebe que seus companheiros estão aprendendo, estão sabendo fazer as coisas e você não está igual a eles.” -B.*,estudante

cardíacos, espasmos musculares, insônia, perda de peso e dependência. A médica confirma que há uma procura pelo fármaco com o objetivo de aumentar a performance, mas alega que para receitá-lo é necessário realizar diversos processos. “O diagnóstico engloba exames de funções psíquicas ou mentais. Avaliamos o humor, consciência, juízo, inteligência, volição e cognição”. Em caso de dúvidas, o especialista também pode consultar um psicólogo ou realizar exames laboratoriais e de imagem. Ao conseguirem a aprovação do vestibular, a rotina de aprendizado intensa dos futuros médicos não termina. É necessário estudar diariamente para conseguir acompanhar a enxurrada de

ma para saber tudo, alguns professores exigem o conhecimento exagerado dos assuntos: cobram até matéria que está nas linhas de nota pé da bibliografia recomendada. Mas B. defende: “Os professores cobram muito da gente, mas eles querem que a gente seja o melhor possível. Que a gente se forme bons médicos generalistas.” A acadêmica entende que o “empréstimo” de medicamentos, como a Ritalina, é uma situação irresponsável, mas ela só parou realmente quando algo ruim aconteceu. Em um dia de estudo, ela tomou um comprimido de Venvanse, uma versão mais potente do remédio, pois tem uma meia vida no sangue muito maior, segundo a psiquiatra Gisele Stocco.No dia seguinte, o mal-estar tomou mente. “Me senti super mal e não fisicamente —

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não estava enjoada nem com dor de cabeça. Eu estava muito triste, fiquei chorando o dia inteiro. O que aconteceu é que o remédio não caiu bem para o meu sistema nervoso. Ele agiu como um depressor.” Após esse incidente, B. passou por outro momento de baque. Em um dia de aula, ela foi até o banheiro da sua universidade. Enquanto entrava, uma menina era retirada de lá inconsciente. Mais tarde, foi descoberto que a jovem, que estava a um ano de se formar em Medicina, tinha realizado uma tentativa de suicídio. “A gente tem esses problemas de tomar remédio, de apelar para a Ritalina, mas no fim das contas a maioria (dos alunos) vai para o psiquiatra e toma antidepressivo ou ansiolítico. O curso de Medicina é o que tem a maior taxa de suicídio.” De acordo com um estudo feito pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo, médicos, em geral têm uma taxa de morte por suicídio 70% maior do que o resto da população.

M.A*. estudante da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) relata uma situação muito parecida com a de B., mesmo estudando em instituições diferentes na capital paranaense. A rotina de aulas, que acontecem em período integral, é complicada. O intervalo para almoço, de 45 minutos, é muitas vezes encurtado para que os estudantes possam se deslocar para o hospital conveniado à instituição, para que o aprendizado tenha continuidade. Nesses casos, a alimentação deixa de ser uma prioridade. Quando chegam em casa, é preciso estudar até o horário de dormir. “É muita coisa junta, você não consegue fazer tudo e tem que priorizar alguma matéria. É isso que deixa a faculdade tão puxada”, conta M.A.. Ele acorda às 5h30 diariamente e vai dormir às 23 horas. Isso, quando não é uma semana de provas. Em seu primeiro ano do curso, M.A. relata que em um período de sete dias, passou por

“(...) o remédio não caiu bem para o meu sistema nervoso. Ele agiu como um depressor”

Crédito: Gabrielly Zem

- B. *, estudante

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Crédito: Gabrielly Zem

“A faculdade é uma competição do início ao fim, pelos melhores e para os mais fortes, custe o que custar.”

- M.J. * , estudante

dez avaliações. Para aguentar, ele admite que tomou Ritalina algumas vezes, sem a prescrição de um médico. O estudante declara que, normalmente, colegas que sofrem com algum tipo de doença psiquiátrica distribuem remédios para quem pede. Ele também conta que já presenciou uma situação infeliz na própria universidade:”Teve um caso de um colega da minha turma que estava há mais de dois dias sem dormir, porque ele estava tomando Venvanse para estudar. A gente teve duas provas nesse dia, e depois delas saímos da sala para tomar sol. Esse menino saiu do bloco de cadeira de rodas. Nos falaram que ele tinha desmaiado, porque estava muito fraco e, provavelmente, sem comer.” Apesar disso, M.A. reitera o que B. já tinha declarado. Para ele, o que deve ser destacado é a saúde mental dos futuros médicos, que não está tão boa assim. De dez a 15 pessoas em sua sala fazem uso de medicação para tratamento de depressão e ansiedade. “Eu acho que isso é pior do que usar o

medicamento psiquiátrico para estudar. Quando você usa remédio, é a sua escolha pelo menos. Com quem desenvolve esses distúrbios não é assim… é a rotina que fez eles ficarem desse jeito.” O estudante também relata que já houve caso de suicídio no espaço acadêmico. Em um curso de Medicina, os gastos econômicos, psicológicos e físicos são colocados em prova e são passados de turma para turma e de professor para aluno há décadas. M.J*., estudante da Universidade Federal do Paraná, relata: “A faculdade é uma competição do início ao fim, pelos melhores e para os mais fortes, custe o que custar. Tempo, relacionamentos e saúde mental, muito fica de lado para que se consiga tirar o diploma e ser um bom médico”. Ele confirma que além de muitos usarem remédios, tanto para potencializar a rotina de estudos, quanto para doenças mentais, nos fins de semana muitas dessas pessoas também fazem o uso de drogas recreativas, como ecstasy, maconha e LSD. comportamento| editoria | revistacdm 43 43


Os três acadêmicos mencionaram que a coordenação de seus cursos entende a rotina que eles passam. Campanhas são feitas para conscientizar sobre o suicídio e psicólogos são destinados somente para consultoria de estudantes de Medicina. O professor de Pediatria Victor Horácio, da PUCPR, admite que os alunos do curso precisam ter foco além do normal. “O estudante vive em uma rotina que é de aulas praticamente durante o dia inteiro. Para que ele possa ter um bom aproveitamento, ele precisa ter um nível de concentração maior do que outros alunos dos cursos meio período.” Horácio comenta que os docentes têm conhecimento do “empréstimo” de remédios, além da vulnerabilidade psicológica dos pupilos. Ele reitera que abordagens para tratar desses temas não são incomuns.

Na UFPR não é diferente. O ex-coordenador do curso, especialista em Ginecologia e Obstetricia, Edison Luiz Almeida Tizzot, afirma que ao estudar ou trabalhar com a Medicina, desafios emocionais e técnicos acontecem regularmente. Ele também admite que a depressão, que acomete de 20% a 30% dos acadêmicos, pode gerar consequências mais graves. “ Já tivemos casos dolorosos de suicídio. Eles são pontuais, mas ocorrem e já ocorreram no passado. É nesse ponto que nós trabalhamos.” A prevenção de casos como esse é feita pelo incentivo da relação entre professor e aluno, assim como o interesse dos próprios estudantes alertarem alguma situação anormal.

“Já tivemos casos dolorosos de suicídio. Eles são pontuais, mas ocorrem e já ocorreram no passado.”

Crédito: Gabrielly Zem

- Edison Tizzo, ex-coordenador de Medicina da UFPR

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Casos de suicídio de estudantes de Medicina pelo Brasil Os casos de suicídio de estudantes de Medicina se repetem por todo o país. Um estudo realizado pela American Medical Association concluiu que cerca de 11% dos acadêmicos da área apresentam tendências suicidas e 27% tiveram quadros de depressão ou sintomas depressivos – o número é até cinco vezes maior do que a média.

2018 Março Faminas

Julho Unioeste

Agosto UFRGS

Em março de 2018, a Faculdade de Minas (Faminas) registrou o quarto caso de suicídio de alunos do curso de Medicina em um intervalo de cinco meses. Em novembro de 2017 dois casos foram relatados e segundo integrantes da faculdade, nessa mesma época, outros cinco estudantes teriam tentado contra a própria vida em um intervalo de 40 dias. Entre fevereiro e março de 2018, ocorreram mais dois casos de suicídio de alunos de Medicina da universidade.

Julia Fernandes dos Santos, 21 anos, estudante de Medicina da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), cometeu suicídio em Julho de 2018. A jovem foi encontrada enforcada e depois do caso, os estudantes da Universidade iniciaram debates nas redes sociais sobre a pressão que enfrentam no curso.

Estudantes da Faculdade de Medicina (Famed) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) criaram uma página no Facebook chamada ‘’Previamente Hígido’’. No perfil há relatos sobre distúrbios emocionais e tentativas de suicídio.

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Babel black Negros, gays e periféricos: a realidade de jovens que vivem na Casa do Estudante Universitário do Paraná (CEU) Daniel Moura Luca Matheus Góes

U

ma movimentação constante; conversas; risadas; sussurros; sempre com estudantes nos corredores. A sensação quando você chega à Casa do Estudante Universitário (CEU) é de uma solidão compartilhada. As possibilidades de diálogos são inúmeras ao encontrar a ‘véia’ de alguém pelos corredores. Esse o termo utilizado para qualificar o colega de quarto de alguém. Uma grande república, no centro de Curitiba, que abriga mais de 250 estudantes, de várias universidades da cidade. Higor Jezheel mora há dois anos e sete meses na casa, com seu cabelo black power e olhar intimidador, lembra um militante negro americano dos anos 70. Luta pela sua cor e também por ser homossexual. Saiu de Londrina, norte do Paraná, para estudar Farmácia em Curitiba na Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Eu já sabia que a vaga era minha, porque eu tinha todos os requisitos básicos para morar na CEU, o único problema é ter que esperar a liberação da residência.” No ápice da adolescência, Higor foi expulso da casa dos pais aos 15 anos. A sua condição sexual foi o motivo da expulsão e então fez morada na casa

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de uma tia até os 16 anos, completando um ano longe dos pais. O rapaz voltou para a casa da família somente com o objetivo de se preparar para o vestibular, já tendo experiência no mercado de trabalho desde os 15 como jovem aprendiz, ele se virava. Com a distância da família, mesmo em Londrina, foi forçado a amadurecer precocemente, o garoto que mostra o seu estilo por meio de roupas de identidade própria, brincos, sandálias e o corte black power, não sentiu um impacto tão grande ao sair do interior para morar na capital. Com uma relação desgastada, relaciona-se com a mãe de um forma mais fria e de suporte financeiro. “Ela trabalha como faxineira, então ela recebe por dia a diária. E quando preciso de algo, é a ela quem recorro.” O jovem cotista racial e social na UFPR viveu na casa de parentes distantes até conseguir a aprovação de entrada Daniel Moura

A partir da esquerda: Higor, José e Kevin. Os três estudantes são amigos e colegas de CEU.


na CEU, com quem quer que fosse o seu colega de quarto, essa escolha é feita por afinidades pessoais, ainda com a possibilidade de ser designado, pela casa, para um colega aleatoriamente. “Pois é assim que acontece, é como se fosse um casamento. Você se acostuma a conviver com a pessoa. Muitas vezes ela pode virar um amigo para sempre. Mas, em alguns casos, parece que essa véia nunca existiu.”

entrar na fundação, pois não existiam opções de universidades para ingressar no curso de Engenharia Florestal, em Salvador. Então, preferiu sair do estado da Bahia e vir até o sul do país, por escolha própria, para dar início aos estudos de curso superior. Ele acredita que a qualidade de vida na cidade é muito maior do que a sua realidade na periferia na capital da Bahia.

A Casa do Estudante Universitário (CEU) é uma fundação que completou 70 anos, em 2018. Desde 2013, a instituição também aceita mulheres como residentes. A residência recebe alunos pré vestibulandos e do ensino técnico profissionalizante.

O processo seletivo exige diversos documentos de comprovação de renda do morador e dos pais. A principal requisição da fundação é que os pais não residam em Curitiba. A banca, última etapa da seleção, é formada por três moradores da casa que decidem se o candidato à vaga está apto, ou não, a residir no local por meio de uma entrevista.

Para residir nas alas da instituição, a burocracia faz com que o ingresso na casa seja desafiador. Passando pelo processo de aguardar o edital de vagas, o envio da extensa documen-

Quando Higor chegou à casa, de mãos vazias e com um espaço desocupado destinado ao seu nome, reclamou que não teve oportunidades para trazer consigo qualquer mobília senão um colchão que recebeu de doação. Em tese, a fundação deve oferecer ao estudante uma cama com colchão, uma mesa e uma estante, porém o que sobrou foi algo deixado pela antiga véia que ele substituiu, que no caso não era nada além de um guarda-roupas embutido e uma pia, mobília presente em todos os quartos da casa.

“Eu morando no centro de Curitiba tenho acesso a coisas que eu não tenho na periferia de Salvador.” - José

Cardoso, estudante de Engenharia Florestal tação, a espera para a divulgação dos selecionados para prosseguir com uma banca que definirá se estaria apto a ser a véia de outro estudante. Higor começou a chamar a CEU de lar somente um mês depois de todas essas avaliações. A fundação também é morada, durante o período de estudos, de José Cardoso Neto, um jovem de 26 anos, também com seu cabelo crespo volumoso, estudante de Engenharia Florestal, na Universidade Federal do Paraná, se desvinculou do calor de Salvador para enfrentar o frio da capital paranaense em busca de uma nova realidade. José também teve de passar pelas mesmas etapas burocráticas antes de

A vida, entre as alas dos quatro andares do edifício, é agitada. Estudantes por todos os lados. Os sons de gente chegando e saindo são constantes. Um show de identidades que passam e vagam por todos os quartos nos três primeiros andares. É direito do morador ter água, luz, café da manhã e internet, com uma velocidade não muito favorável para quem a utiliza. Há também uma exigência para que o aluno cumpra oito horas de serviço, alternadas ou não, nas áreas de gastronomia nos almoços de domingo, limpeza de corredores, organização da biblioteca no quarto andar, TI, jardinagem, manutenção e portaria.

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Todas essas horas podem não ser cumpridas, mas, daí, o morador deve pagar uma taxa extra no valor mensal. Duas semanas depois de sua chegada, o seu colega de quarto partiu. “Ele deixou tudo que tinha para mim, foi aí que eu consegui o móveis que eu tenho hoje”, revela. Agora, Higor está na sua quinta veia e uma vasta experiência em lidar com colegas de quarto. José teve alguns problemas em relação as suas veias. “Tudo deve ser acordado e você praticamente nunca tem privacidade”, desabafa o estudante. Pois nem sempre há uma concordância entre os dois. Por mais que a escolha da véia ocorra por afinidades, o problema está em não conhecer muito bem os candidatos antes de entrarem. São os veteranos que escolhem os calouros, no dia da banca. Por esse motivo, a primeira impressão durante a visita da banca significa muito para que a pessoa consiga ter uma boa experiência dentro da fundação. José, com o seu semblante introspectivo, revela que o quarto é o seu refúgio: “Você ter a sua privacidade é muito importante. Agora com a minha veia atual, às vezes, eu consigo esquecer que ele está no quarto e consigo fazer as minhas coisas, mas ao mesmo tempo é bom ficar sozinho no quarto”. Kevin Lucas Braga Dias, 22 anos, também é morador da fundação. Veio de Bauru, São Paulo, para Curitiba estudar engenharia cívil. Primogênito de cinco filhos e de pais separados, mantém uma boa relação com a mãe mas a história não se repete com o pai, que ele passou oito anos afastado antes de voltar a estudar aos 19 anos. Mas logo partiu para dar início a sua nova jornada. Estudante da Universidade Federal do Paraná, optou estudar na capital paranaense pela reputação que a universidade tem. “Pois, não me sinto seguro e nem confortável nessa cidade, por conta dos inúmeros casos de racismo e preconceito que sofri”, diz ele. Negro, gay e cotista, Kevin já passou por casos de intimidação na

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cidade por conta de suas características. Chegou à fundação em fevereiro de 2018, mas já sofreu com várias adversidades quais ele comenta; “Por mais que eu esteja acostumado a viver com bastante gente, nada se compara com uma casa com 250 moradores.” Logo, fez amizades na casa, o que ajudou com que o estudante se relacionasse melhor com os outros moradores. O seu cotidiano envolve diversas dessas personalidades que habitam no lugar, portanto Kevin gosta de relacionar-se com os amigos e colegas como se fossem uma família, sentindo-se seguro na fundação pois nunca sofreu racismo ou ataques homofóbicos dentro da fundação. Já em um supermercado da cidade, foi seguido pelo segurança a cada corredor que passava para fazer compras. No Restaurante Universitário (RU), o jovem aguentou ouvir da funcionária da própria universidade dizer o porquê de ela ser contra as cotas raciais dentro da instituição de ensino; “Disse que eram privilégios e que era um absurdo, sendo que todos são iguais”, reclamava sobre o discurso. Mas o caso mais marcante e de impacto para o estudante foi em uma lotérica. Enquanto o estudante aguardava o troco na cabine de atendimento, após pagar um valor maior de sua conta, atendente duvidou da palavra de Kevin quando ele disse que não havia recebido o troco. Ele questionou de maneira educada e a moça não retribuiu da mesma forma, causando um enorme desconforto no estudante. Após um tempo de discussão, as câmeras do local foram verificadas e, então, as imagens provaram o que Kevin dizia. A vida desses jovens é um pouco diferente dos outros estudantes, esses garotos vivem muitos dilemas, alguns compartilhados mas a maioria individual e íntima. Eles vivem a universidade 24 horas por dia, a instituição está presente em todos os momentos. Jovens, negros, periféricos e homossexuais. Higor, José e Kevin continuam com suas vidas, em busca de melhores oportunidades, nos corredores da CEU.

Comércio paralelo

Comercio de pizzas e bebidas dentro da casa. A CEU, como uma pequena comunidade, não perder o comércio paralelo de produtos. Nesse caso, antigamente eram vendidas pizzas e bebidas. Um dos moradores, vizinho de quarto de José, tinha um forno elétrico no quarto, que era seu equipamento de produção de pizzas. Mesmo com o cheiro desagradável de comida do quarto ao lado, José e os outros moradores da casa não reclamavam e o tratavam muito bem, afinal, ninguém queria problemas com o dono das pizzas. O outro comerciante da casa era o fornecedor de bebidas das alas, com uma geladeira no quarto, era praticamente o único que tinha bebidas geladas no quarto. Por uma questão burocrática, foi proibido o comércio de qualquer tipo de produto dentro da instituição. José, Higor, Kevin e os outros moradores, ficaram sem pizza e sem bebida gelada no quarto.


“Cada um com uma cultura, costume e jeitos diferentes do meu.” -

Higor Jezheel, estudante de Farmácia

Daniel Moura

Daniel Moura

Daniel Moura

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U·ni·for·me sm Como diferentes profissionais enxergam a obrigação de vestir a mesma roupa todo dia Eluiza Brunnquell, Guilherme Coutinho e Talita Souza

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elos corredores do Comando do Corpo de Bombeiros do Paraná, no centro de Curitiba, onde um exército de policiais militares está sempre pronto a atender ocorrências, as unhas vermelhas da capitã Rafaela Diotalevi - no mesmo tom da pintura do prédio dos caminhões da corporação - se destacam em um mar de uniformes cinzas. Há 13 anos na profissão, Rafaela fez parte da primeira turma feminina a ingressar no Corpo de Bombeiros depois de se formar no ensino médio, concluído no Colégio Militar de Curitiba. “Não havia mulheres no corpo de bombeiros, então foi um desafio e uma incógnita. Eu não sabia como iria ser e hoje consigo ver que era

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Talita Souza

uma carreira que realmente iria ficar. Teve bastante coisa difícil pra fazer, quebrar barreiras, quebrar tabus. Mas depois de todo esse tempo, eu vejo como foi gratificante. Sou bem feliz, bem grata por ter começado.” Depois de se tornar soldado e passar pelo curso de oficiais, ela atualmente tem o título de capitã. Apesar de ter as mesmas exigências que seus colegas homens quanto ao zelo pelas vestimentas de trabalho, Rafaela afirma sua feminilidade dentro dos limites que lhe são impostos. “Na parte feminina, a gente tem todo um acervo de coisas que pode ou não usar: o quanto usar de maquiagem, qual o tom do batom, o quanto de sombra, quan-


tos brincos, que tamanho de brinco, tamanho de unha, cores e tons de esmalte. Uma coisa precisa ficar clara: a mulher precisa usar a farda e ela tem o direito de ser feminina”, diz Uniformes impecáveis são só uma das exigências no militarismo. Defeitos como furos, rasgos ou falta de limpeza denunciam falta de compromisso com o exercício da profissão. Dentro do regulamento, no entanto, é possível encontrar uma certa diversão entre as

gosto de me arrumar, ficar bem bonitona, é claro: salto alto e saia.” O uniforme, segundo o dicionário Michaelis, é definido como o adjetivo masculino ou feminino, “que se caracteriza pela ausência de variação, diversidade, intensidade, modo, grau”. A padronização da vestimenta se multiplica nos mais diversos contextos: espaços religiosos; escolas; ambientes corporativos; companhias aéreas; entre outros. Ele ganha vida no século

“O quanto usar de maquiagem, qual o tom do batom, o quanto de sombra, quantos brincos, que tamanho de brinco, tamanho de unha, cores e tons de esmalte. Uma coisa precisa ficar clara: a mulher precisa usar a farda e ela tem o direito de ser feminina” Rafaela Diotalevi, bombeira variedades de trajes, que vão desde o operacional - a farda cinza com distintivos e identificação pessoal, até equipamento de proteção individual para combate a incêndios - composto por um macacão com listras fluorescentes, bota e capacete. Além desses, cada atividade demanda uma roupa, seja salvamentos aquáticos ou em altura, por exemplo. Solenidades, por outro lado, exigem o fardamento de gala. Um paletó branco com botões dourados e boina. A honra em usar o uniforme é constante dentro e fora do trabalho, mas fora do quartel, a relação é outra. Além do reconhecimento e credibilidade, o fardamento carrega responsabilidade. “Eu particularmente prefiro deixar a farda no quartel, faço deslocamentos sem ela. Mas independentemente de estar com a farda ou não, eu sempre vou ser bombeira, sempre vou zelar pela segurança, atender uma ocorrência quando acontecer perto de mim.” “Eu não posso estar fardada e negar atender uma ocorrência, ou não poder atender ali. Tem momentos que eu tenho que tirar a farda visto que eu vou ter que zelar pela segurança dos meus filhos, por exemplo. Fora do quartel adoro usar um tênis, roupas casuais, ficar bem confortável. Mas para sair

XIX, com a Revolução Industrial, e começa a se tornar uma realidade dentro de empresas cujo trabalho é industrial, manufaturado e urbano. Desde então, faz parte do cotidiano de milhares de pessoas ao redor do mundo.

Talita Souza

Todos os dias com o mesmo uniforme, o olhar sempre atento, monitorando quem passa pelo portão, dentro de uma pequena cabine branca, entre um bom dia e outro, Jaílson se destaca quando o assunto é segurança e bom coração. Segurança há nove meses, Jaílson Firmino conta que gosta de usar uniforme, uma maneira de identificar o seu serviço, e claro, de não gastar suas roupas, como brinca. Ele acre

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Identidade de jaleco O jaleco tem sua origem na Idade Média. Ele surgiu como proteção para a peste bubônica junto com luvas, chapéu, máscara e uma proteção especial para o nariz. No século XIX, os tecidos eram de cor escura e quanto mais manchados fossem, indicavam prestígio pois demonstravam que o médico tratava de uma grande quantidade de pacientes. Provou-se que um número alto de doenças decorriam da falta de assepsia nos hospitais, o que levou a comunidade médica a adotar jaleco limpo e na cor branca. O médico Edson Neto esclarece que o uso do uniforme é necessário para a prevenção de doenças infecto-contagiosas e identificação do profissional durante o período do plantão. “A utilização do jaleco não modifica meu senso de responsabilidade. Não me sinto diferente ou mais especial por usar”, afirma. Para ele, apesar da indiferença que sente ao usar o jaleco, percebe distintas reações nos pacientes. “Já houve casos em que o paciente me perguntou se eu poderia tirar o jaleco, pois relatou que se sentia desconfortável e ansioso. Em outros casos, a vestimenta deixa o paciente mais confortável”, exemplifica. dita que não são os uniformes que definem caráter. “A personalidade é independente do que você vestir, tá no interior.” “Se nós não mudarmos, não será a roupa que irá nos mudar”, completa ele. Muitas vezes ouviu as pessoas falando “guardinha” ou querendo menosprezá-lo, mas alega que se existe sua profissão é porque ela é importante. Quando o assunto é aparência, não mede palavras: “A gente não deve julgar pela aparência, mas sim pelo que está em nosso interior. São as nossas atitudes, nossos atos, nosso modo de falar, de tratar as pessoas, isso é o

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que importa. A roupa não influencia em nada”. Além disso, para ele, são as atitudes das pessoas que demonstram se ela tem uma boa índole ou não, o uso de uniforme para ele, é apenas uma identificação de trabalho, e não algo para querer menosprezar outras pessoas. Do ponto de vista da sociologia, a uniformização é uma vantagem de controle para as instituições. “Você de algum modo o impede de ter qualquer tipo de autonomia identitária, identidade própria ou particular. A padronização é uma forma de transformar trabalhadores em peças de engrenagem da fábrica. Como você tem as máquinas, você também tem outra peça: o trabalhador”, explica o especialista Leonardo Carbonieri Campoy. A exigência de uma padronização por parte das empresas só começa a mudar a partir da década de 50, período em que as relações de trabalho são repensadas e surgem conceitos como flexibilização, terceirização e “liberdade do trabalhador”. Nos anos 60, se consolida a ideia de que o trabalhador poderia render mais se tiver mais liberdade. Segundo Campoy, papel do uniforme é fundamental na construção identitária do indivíduo. “Pense no seguinte: aqui no Brasil, muitos almejam virar trabalhadores, têm como espécie de sonho vestir um uniforme, pois isso significa carteira assinada, estabilidade no emprego e direitos trabalhistas. O uniforme molda e modula a identidade do trabalhador, assim como a do aluno e outras identidade que acabam sendo padronizadas por estilos específicos de roupas e adereços.” Em alguns casos, no entanto, a imposição do modo como se vestir pode significar um conflito. Soldado do Exército há pouco mais de seis meses, Paulo Roberto (nome fictício) confessa que a padronização da vestimenta, além de exigências de rotina no Exército, o incomoda. “A farda sempre tem que estar limpa e bem passada. É o primeiro passo para eles tirarem sua identidade pessoal e inserir você em algo totalmente padronizado e homogêneo”, diz.


Paulo Roberto

Para ele, a farda traz um peso ainda mais pessoal. “Eu nunca quis servir ao Exército Brasileiro Acabei sendo um dos únicos não voluntários escolhidos para servir ao quartel. Fui convocado, pois eles precisavam de alguém que estudasse Comunicação Social lá dentro.“ Ele ainda confessa: “Depois de um tempo, eles autorizam você a comprar a farda, já que esse uniforme disponibilizado não é de primeira-mão. Eles não te obrigam a comprar, mas você, para se sentir um pouco melhor e mais aceito, acaba comprando”. “A roupa diz sobre pertencimento, seja um pertencer para se reconhecer com o outro ou o oposto, como exclusão.” É o que afirma a psicóloga Nayara Trocoli. Para ela, a influência do uso de uniforme na identidade do

indivíduo depende do contexto no qual ele está inserido e pode afetá-lo individual ou coletivamente. “Em casos extremos, a padronização visa eliminar a individualidade, o ‘eu’ do indivíduo.” Porém, há circunstâncias em que usar uma mesma vestimenta traz benefícios: “Podemos pensar, por exemplo, em uma gincana escolar com alunos usando camisas padronizadas para representar um grupo de trabalho. Isso pode ajudar o grupo a trabalhar melhor, que se reconheça entre si, fortalece as metas, traz uma unicidade”. Esse sentimento de pertencimento e construção também é pode ser observado em bandeiras de partidos políticos ou camisetas de times, por exemplo.

Obrigatório ou não? Na empresa ServPoli, prestadora de serviços de portaria e limpeza, o uso do uniforme é obrigatório. A exceção é o setor administrativo, não há necessidade do uso. “O uniforme é importante por inúmeros fatores, como a identificação do colaborador”, esclarece Guilherme Yudi, diretor da empresa. Segundo ele, dessa forma o funcionário se sente inserido, gerando segurança e uma sensação de valor para o colaborador. Coordenador da empresa de marketing digital GhFly, Nicollas Paulino revela um panorama diferente. “Acreditamos que se dermos espaço para a pessoa se expressar do jeito que ela é, irá se sentir confortável e desempenhar melhor seu papel na empresa”. Paulino afirma que a dinâmica funciona por conta de uma mentalidade presente nos funcionários da empresa. “O feedback dos funcionários geralmente é muito positivo em relação a isso”, finaliza.

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Ruan Felipe

Além da solidão N Idosos no meio rural padecem por falta de sáude, apoio e autonomia Camilla Ginko e Ruan Felipe

a tranquila zona rural de Almirante Tamandaré, mesmo a poucos quilômetros da região urbana de Curitiba, Matilde Poncheke vive uma realidade totalmente diferente dos dias movimentados da capital. Sua casa de 150 anos traz consigo a simplicidade da vida do campo, e que mesmo após anos difíceis trabalhando na lavoura, a mulher de vida sofrida encontrou forças para se profissionalizar e virar professora, ofício que exerceu por 30 anos. O pai de Matilde manteve as tradições de sua família. Vivendo na região do bairro Tanguá, passou seus ensinamentos da vida rural a seus filhos.

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Matilde relata que desde pequena seu pai lhe ensinou a trabalhar na lavoura, tendo como rotina diária a retirada do leite de suas três ou quatro vacas ao nascer do sol para o café da manhã antes de ir à escola. Após as horas de estudo, o dia se encerrava em meio à lavoura com os filhos ajudando no sustento da família.

mento causa ainda mais desgastes no corpo idoso de Matilde durante cada solitária viagem do campo à capital. Agravando a situação, Matilde frequentemente se lesiona devido à quedas. A última lhe deixou um olho roxo. Ela ainda brinca: “Vão pensar que eu levei um soco no rosto”. Na ocasião, não recebeu ajuda de nenhuma pessoa, nenhum filho, nem vizinho. Ninguém pode ajudá-la, pois a região onde mora é afastada e seus filhos moram longe.

“Antigamente, apesar de tudo, a gente vivia mais dignamente.” Matilde Poncheke, aposentada Ao chegar o período de se aposentar, a saúde de Matilde estava longe de ser aquela que a motivava quando lutava por uma vida melhor. Sofrendo de transtornos bipolares, a professora realiza o tratamento da doença com certa dificuldade devido ao alto valor das consultas e à distância do médico, que atende em Curitiba. O desloca-

“Antigamente, apesar de tudo, a gente vivia mais dignamente”, destaca Matilde, que agora se sente abandonada pelo Estado, tendo gastos mensais de um total de R$ 600 em remédios. A professora explica que, devido ao alto custo do remédio, o governo não é capaz de disponibilizá-lo de graça. Tal valor, juntamente às consultas realizadas a cada três meses, acaba sobrecarregando a mínima renda que a mantém viva, é mais um relato de abandono de idosos que ninguém vê. Camilla Ginko

Aposentada, Matilde vive solitária na zona rural de Almirante Tamandaré.

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Casos semelhantes ocorrem também em outras localidades. Na cidade de Contenda, município próximo a Curitiba, a história de seu Zé, único nome pelo qual se identifica, se assemelha ao abandono de Matilde. Morando numa chácara e recebendo raras visitas de sua filha, seu Zé se encaixa no frequente desamparo de pessoas idosas. O agricultor, que não teve estudo e se mantém com a ajudas do governo e de uma cooperativa regional, relata o sentimento de tristeza pela falta de companhia e desprezo dos filhos. “É triste, sabe? Eles mal aparecem por aqui, e quando vêm, a gente percebe que é na má vontade. Eu já nem lembro qual foi a última vez que minha filha veio aqui e não brigou comigo. Fico acabado.”

por falar demais. O segundo caso se deve à solidão, que quando encontra um ombro amigo para desabafar, tropeça nas palavras devido a tanta informação acumulada que deixou de se expressar. A alegria por ter quem o ouça, faz com que o agricultor não consiga decidir o que falar por primeiro. Acaba misturando diversos assuntos em um só.

“É triste, sabe? Eles mal aparecem por aqui, e quando vêm, a gente percebe que é na má vontade. Eu já nem lembro qual foi a última vez que minha filha veio aqui e não brigou comigo. Fico acabado.” seu Zé, agricultor

Os vizinhos, que fazem de tudo para serem a companhia de seu Zé e manterem viva a esperança de felicidade do tal homem, relatam que a situação é complicada, e que mesmo com os esforços, a solidão deixada pela família pesa bastante no dia a dia do agricultor. José Venâncio da Silva, mestre de obra e agora aposentado, sempre que possível dedica seu tempo para dar atenção a seu Zé, conversando, criando proximidade, e até levando o almoço de domingo a chácara do pobre homem para que ele se sinta com uma nova família. Na região, seu Zé é conhecido por sempre ajudar os outros e também

Em relação à saúde, a cooperativa dos produtores de batata faz um trabalho importante não só para seu Zé, mas para todos que ali desenvolveram suas vidas. Passando de chácara em chácara, um motoboy vai recolhendo os pedidos de consulta, nada muito avançado. Oftalmologia e clínica geral são os atendimentos. Como os procedimentos de saúde não têm vínculo com o governo estadual,

Felipe

Fiéis companheiros de seu Zé, que abandonado, encontrou sua família nos animais.

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as consultas são realizadas na sede da própria cooperativa, necessitando de uma contribuição de R$ 10 por avaliação, além de ser requisitada a carteirinha da cooperativa. A ação serve como suporte aos idosos da região, que futuramente serão grande maioria no país. Atualmente, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) O número de idosos cresceu 18% em cinco anos, ultrapassando os 30 milhões em 2017 no país. Inúmeros destes casos dependem da ajuda de outras pessoas de fora do seu círculo familiar após serem abandonados. Lucia Helena Linheira-Bisetto, professora doutora do curso de Enfermagem da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) destaca o envelhecimento como um processo comum e que, aos poucos, o idoso acaba perdendo sua autonomia e se tornando mais dependente. A enfermeira ressalta que um dos maiores problemas na idade avançada acaba sendo o risco de queda, como no caso de dona Matilde e do seu Zé, que vivem no meio rural. O perigo é ainda maior.

“Todo idoso, de uma maneira geral, têm um maior risco de queda, associado a lesões, como fraturas do punho, braço, fêmur entre outros ossos. Porém, o idoso da área rural, que realiza atividades agropecuárias, está mais exposto a acidentes. Isso ocorre porque com o envelhecimento, os reflexos diminuem, assim como os movimentos e a visão.” A enfermeira ainda relata que doenças como a depressão, esgotamento físico e em alguns casos até de alimentação inadequada, são mais comuns em idosos que vivem sozinhos. Tais doenças estão diretamente envolvidas à solidão, e que uma simples companhia é capaz de proporcionar diversas ações positivas na saúde dos idosos. Leia mais Leis que asseguram a pessoa idosa garantindo prioridade com relação à saúde, cidadania, e políticas sociais. http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm

Ruan Felipe

Amigos de seu Zé , companheiros que são a família do homem do campo. sociedade | revistacdm 57


Os faróis que perderam a luz Inviabilidade dos faróis do saber afasta antigos frequentadores e impede a presença de novos Marçal Dequêch Vinicius Freitas

A

o longe pode-se notar um contraste em meio as pequenas casas e colégios situados em Curitiba. Sua arquitetura, extremamente peculiar para um centro público, varia desde estruturas árabes até pequenos faróis, referenciando a grande estrutura que um dia foi a maior do mundo, o Farol de Alexandria. Idealizado para ser um centro público de auxílio à população e estudantes de escolas públicas, os Faróis de Saber aparentemente foram esquecidos no tempo. Com o objetivo de proporcionar suporte à pesquisa e planejamento pedagógico, as bibliotecas contam com profissionais, que proporcionam e facilitam o contato com as tecnologias disponíveis nos centros, e um grande acervo de livros, que variam entre literatura e contos até artigos e teóricos. Além disso, na maioria dos centros, há disponibilidade de acesso à internet e também tecnologias avançadas, como uma impressora 3D. No bairro CIC, encontra-se Kevin Dantas, de 13 anos. Seu jeito curioso e faz com que seja querido pelos

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Haroldo Marconi funcionários e frequentadores do centro. Para Kevin, estar nesse local é Mesmo com algumas extremamente gratificante, o centro reformas recentes, é um dos poucos locais que o garoto os faróis do saber pode, de alguma forma, ter contato ainda guardam boa com livros e computadores. “Aqui eu parte da estética anuso para ler livros de vez em quando, tiga. Por conta disso mas eu venho mais mesmo para a ver muitas pessoas não coisas na internet” conta o garoto, somais os frequentam. bre seus costumes no Farol da Praça Frei Miguel (CIC). Além disso, ele é um entre muitos dos que lotam as filas de espera de agendamento para uso do único computador disponível. “Aqui é bem legal. Eu até costumava ler mais livros, mas agora procuro tudo o que eu preciso na internet, além de jogar também”, complementa.


A História Criado em 19 de novembro de 1994, com o intuito de ser uma pequena rede de bibliotecas espalhadas por Curitiba, o primeiro Farol do Saber se localiza no bairro Mercês, e carregava o nome do escritor brasileiro Machado de Assis. Sua arquitetura, composta por um centro de estudos e um farol, marca registrada de todo núcleo, é inspirada nas obras egípcias da Biblioteca de Alexandria e do Farol de Alexandria, símbolos de sabedoria e difusão. Todas as unidades, dispõem de um acervo médio de 6 mil obras e diversas delas com acesso à internet, como parte de projetos. Atualmente, Curitiba conta com 54 unidades distribuídas por diversos bairros. Seu sucesso, no começo das atividades, incentivou outras cidades brasileiras a criarem outros Faróis do Saber, como Ribeirão do Pinhal, Boa Vista da Aparecida e Paranavaí, todos municípios do Paraná.

As irmãs Siqueira, Poliana e Fabíola, estudaram por quatro anos no Escola Municipal Albert Schweitzer – localizado a menos de uma quadra das instalações do Farol do Saber da CIC – e nunca foram incentivadas a visitar ou emprestar livros. “Além da estrutura que não é muito atrativa, a gente nunca foi incentivado a conhecer ou entrar lá. Na escola, tinha tudo o que precisava. Se não me engano, eu entrei uma vez, e foi só para usar o computador mesmo”, diz Fabíola. A irmã concorda e acrescenta: “O Farol antes era usado por quem não tinha como emprestar livros de outro lugar, depois passou a ser pelo uso do computador, majoritariamente e agora, como muitas pessoas já têm internet, parece não ter muito mais gente que visite”. Jhennifer Almeida, 29 anos, viveu o mesmo que boa parte dos ex-frequentadores do Farol Frei Miguel. “Eu ia para fazer pesquisa, pois há uns 15 anos era a única fonte de pesquisa que nós tínhamos. Naquele tempo, havia pouquíssimos computadores, portanto para usá-los

era somente com horário marcado. Então, optava sempre pelos livros.” Porém, como diversos outros, “parei de frequentar pois com o passar do tempo nosso acesso à tecnologia foi melhorando a cada dia. A estrutura foi sendo depredada por alguns usuários e isso nos desmotivou a utilizar o farol do saber. Portanto deixou de ser viável frequentar”, conta. Outra unidade que costumava ter muito mais empréstimos, porém agora já não os faz mais, é o Farol do Saber e Inovação Rocha Pombo. Localizado Junto à Escola Municipal Papa João XXIII. A constância nos empréstimos se dá apenas por alguns dos alunos da escola, que continuam a ler por incentivo dos professores. Ao entrar pela porta principal, já é possível ver os três computadores sempre em uso, ocupados por pequenos olhos atentos à tela, acompanhando cada movimento do mouse. Mateus Vaz, 14 anos, já é frequentador assíduo do Farol, porém também não costuma ler ou estudar muito lá. O adolescente, conta que, apesar de antigamente gostar de emprestar livros de literatura, hoje se atrai pelas aulas de Modelagem 3D e Programação, além de preferir estudar em casa ou com os amigos. Essas aulas são regalia que poucos faróis podem oferecer, já que nem todos têm uma estrutura adequadamente equipada. Para Ronaldo Guimarães, 42 anos,que mora no bairro Portão, a falta de segurança aparente nas áreas em que os Faróis do Saber estão localizados geram desinteresse. “Esses centros são extremamente importantes para a comunidade, porém a região não facilita um acesso fácil. Sempre quis ir lá para ver como é, mas tenho medo”, afirma Ronaldo. Agora com quase 25 anos de existência, os Faróis do Saber parecem ser coisa do passado. Aparentemente esquecidos no tempo, eles não atraem mais tanta atenção quanto costumavam durante seus anos inaugurais. Com o advento da internet, os livros e, com eles, o movimento nos centros de literatura, deixaram de iluminar os caminhos de milhares cidadãos.

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Fora do casulo A Epidermólise Bolhosa é uma doença genética pouco falada. Os portadores de EB tem sonhos, angústias e histórias que vão muito além da enfermidade Ana Clara Braga e Bruna Toti

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simplicidade e carisma de Juliano chamam mais atenção do que as marcas que a Epidermólise Bolhosa causou no seu corpo. Juliano Oliveira, 43 anos, descobriu a doença quando ainda tinha poucos dias de vida, devido a algumas manchas embaixo da unha, que evoluíram para grandes machucados pelo corpo. Não há nenhum constrangimento em contar sobre como foi a infância de um menino um pouco diferente dos outros, muito pelo contrário, as palavras saem com facilidade e prazer.

infância tranquila. Apesar de machucados e cuidados a mais, corria e brincava , era uma criança que fazia coisas de criança.

Tauni Vieira, 23, é estudante de Psicologia. É uma moça alta de cabelos curtos e sorriso tímido. A Epidermólise Bolhosa faz parte de sua vida desde o nascimento, mas essa é só mais uma característica de uma garota que faz questão de ser mais do que um diagnóstico.

Marido, filho, irmão e amigo. Juliano desempenha as funções com maestria, além do emprego como administrador. É com muito carinho que conta como a mãe foi importante na busca por um tratamento na sua infância,

As perguntas sobre sua condição eram iminentes, mas pela pouca idade ainda não respondia por si mesma. Seus pais faziam o papel de mediadores e esclarecedores. “Eu sempre estudei na escola que minha mãe trabalha, então ela explicava o que eu tinha para as pessoas, que elas não precisavam deixar de encostar, que eu não precisava deixar de brincar.”

Bruna Toti

A EB é uma doença rara, genética e não contagiosa que causa bolhas na pele e mucosa. Segundo a médica Jeanine Magno, existe uma falha na produção de colágeno, o que causa deslocamento das camadas da pele. Com isso surgem bolhas nas regiões de atrito e pressão. Relembrando sua infância, ela sente-se confortável. “Eu sempre aprendi que cada pessoa é diferente da outra e que tudo bem ter essas características.” A inocência e o esclarecimento de seus pais lhe proporcionaram uma

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Juliano Oliveira ao centro, ao lado de seus filhos, Artur à esquerda e Chrystian à direita.


na atenção, no cuidado e no esforço em tornar aquela adversidade, uma coisa normal. “Ela sempre fez tudo que pode.” A frase é repetida incansáveis vezes, para que não restassem dúvidas de que a mãe sempre esteve do seu lado, às vezes até demais. O cuidado com crianças com EB é redobrado, atitude com a qual Juliano não concorda totalmente. Lembra de momentos em que só quis ser uma criança normal, mas acabou sendo superprotegido pela mãe. “Ao mesmo tempo que eu caia e machucava o joelho, o amigo do lado também caia e machucava o joelho, não era tão diferente”. Os momentos mais cruciais da sua relação com a EB foram na infância e a sensibilidade com que esse período é descrito demonstra que hoje em dia essa relação é mais fácil e amigável. “E quem me conhece já sabe, mas se não for esse o caso, e você ainda não me conheça muito bem, pode relaxar! A EB não é contagiosa! E na maior parte do tempo eu não sinto dor nenhuma! Também dou conta de fazer um mooonte de coisas sozinha (mas, se eu não conseguir, vou pedir a tua ajuda sem me preocupar). Ah, e pode abraçar, apertar, beijar, segurar a minha mão e tudo mais!” - trecho retirado do blog “Panapaná”, escrito por Tauani. Por ter sido um dos primeiros casos da doença em Curitiba, o garoto foi usado como “objeto de estudo” para aulas de Medicina. Além do constrangimento causado pela exposição, com 6 anos não entendia a importância de ser cobaia para estudantes e não se sentia bem, momento que ficou marcado na sua memória. Hoje entende que a falta de preparação psicológica

naquele período afetou a maneira com que ele veio a lidar com a escola, amigos e outros espaços. Sobre a escola, Juliano lembra do cuidado que sua mãe teve em preparar os diretores e professores para o aluno que estaria por vir. “Eu acho que minha mãe preparava tão bem, que quando eu entrava na escola eu era tratado como um deus”, lembra com bom humor. A família era orientada a zelar, às vezes com excesso. “Não o Juliano não pode porque o juliano tem problema, esse ‘não pode’ ficou ecoando na minha cabeça por muito tempo”. O período da adolescência foi mais crítico para Tauani, cheio de dúvidas e crises, assim como para todos. Sem os pais para serem seus porta vozes, teve que encontrar sua própria voz e responder perguntas. Os olhares de pena e curiosidade incomodam até hoje, mas na juventude a fizeram se esconder. Enquanto os colegas ao redor namoravam, ela se privou, achando que ninguém iria se interessar por alguém com EB. Tauani recorda da raiva que sentia por conta da inconveniência das pessoas. Na fase da adolescência ainda não tinha o esclarecimento e a vontade de divulgar e conscientizar que tem hoje. Ao sair da escola, ela ingressou na faculdade de Direito. Em meio ao estudo de leis e processos, percebeu Veja também Conheça o blog Panapaná, de Tauani Vieira, onde ela compartilha um pouco sobre sua vida e sobre a EB.

O que você deve saber sobre a EB

Trechos retirados do blog de Tauani Vieira 1- Existem vários tipos e subtipos de EB. Então vai variar muito de caso pra caso; 2- Não é pra ter pena. Temos dificuldades na vida como qualquer pessoa; 3- Não estamos lutando contra a EB, ela faz parte de quem somos e ainda não tem cura. Estamos vivendo a vida e só; 4- Frases como “coitadinha”, “um dia vai melhorar”, “imagino que difícil seja a sua vida”, “até você consegue desenhar bem e eu não”, não ajudam nem acrescentam em nada. Favor evitar; 5- A gente percebe os olhares, é sério. Então, em qualquer dúvida, pergunte diretamente pra gente, evite olhar e comentar com o colega ao lado, pelo menos na nossa frente. panapanasite.wordpress.com

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que aquele não era seu lugar. Mudou para o curso de Psicologia e foi aí que as mudanças começaram a acontecer. “Neguei a EB por muito tempo na minha vida, mesmo sem perceber. E hoje vejo que o discurso de tentar ser ‘o mais normal possível’ pode ser um pouco problemático e gerar algumas fantasias. É cruel essa divisão de normal/anormal. Aprendi, depois de

“‘Não, o Juliano não pode porque

o juliano tem problema’, esse ‘não pode’ ficou ecoando na minha cabeça por muito tempo.”

Juliano Oliveira, administrador adulta, que não preciso me envergonhar por ter algumas necessidades especiais, por precisar pedir ajuda às vezes, e por ter diversidades funcionais (adoro esse termo). Isso não faz de mim uma vítima, muito menos uma coitada.” trecho retirado do blog “Panapaná”, escrito por Tauani. Juliano foi aconselhado a consultar um psicólogo. Mesmo que na época acreditasse que era coisa de “louco” e ia contrariado, sabe que foi ponto crucial para a aceitação da doença como parte do seu ser. Naquela que seria a última consulta, Juliano surpreendeu a psicóloga ao perceber sua condição de forma diferente, “ela falou do meu ‘problema’ e eu falei ‘mas eu não tenho nenhum problema’, foi ali que eu percebi que acabaram minhas consultas”. Não se recorda de preconceitos e ofensas significativos, mas se emociona ao lembrar de um caso que sofreu aos 6 anos. Em um ponto de ônibus, acompanhado do irmão, um colega de escola questionou o que Juliano tinha. Ao ouvir a resposta do irmão, o menino rebateu dizendo que o que Juliano tinha era peste. A voz de Juliano enrosca e ele lembra do soco que o irmão deu no menino. Foi um momento de empoderamento para os dois. Tauani e Juliano eram os únicos portadores de EB conhecidos em Curitiba. Então, nasceu o bebê Miguel, hoje com

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4 anos. A mãe do menino encontrou a mãe da estudante pelo Facebook e pediu dicas sobre como cuidar do recém nascido. A família fez uma visita ao recém nascido e levou um kit com curativos.“A vida com EB pode ser muito boa e normal se tiver o básico. Você tem que ter os curativos adequados, e eles são muito caros.” As bandagens não são vendidas em farmácias e conseguí-las envolve um processo bastante burocrático. Tauani usou curativos doados por anos, apenas aos 18 anos começou a recebê-los pelo governo. Agora que ela e sua família já sabem os encaminhamentos, ajudam outros portadores de EB a conseguirem o direito mais cedo. Os pais de Miguel sugeriram a criação de uma associação que ajudasse pessoas que estivesse na mesma situação. Assim nasceu a Associação Paranaense de Pais amigos e pessoas com Epidermólise Bolhosa (Appapeb) que se tornou referência no Paraná. “Agora já me permito falar mais livremente no assunto, e acho fundamental mostrar às demais famílias de pessoas com EB que uma vida cheia de momentos bons, superações e adaptações é bem possível. E tenho notado que essa representatividade faz toda a diferença. Hoje vejo crianças e adolescentes com EB super bem resolvidas, isso me enche de alegria. Mas é importante lembrar que sofrer faz parte, pra qualquer pessoa.” trecho retirado do blog “Panapaná”, escrito por Tauani. Hoje já são quase 30 pessoas com EB integrantes da associação no estado. “Antes já existiam essas pessoas, mas não conhecíamos porque elas estavam espalhadas por aí. Agora conseguimos se juntar.” A Appapeb ajuda com remédios, curativos, promove palestras para diminuir a desinformação e o preconceito com a doença. A falta de informação não atinge apenas leigos. Tauani relatou que diversas vezes foi a médicos que não faziam ideia do que ela tinha e se recusaram a atendê-la.“ Às vezes quando nasce a criança o médico não sabe o que fazer


e dá o encaminhamento errado. Faz duas semanas a gente perdeu uma menina de dois meses que tava na UTI por encaminhamento médico errado que não diagnosticou cedo a EB.” Com a criação da Appapeb, a dedicação em conscientizar pessoas sobre o que é a Epidermólise Bolhosa, a jovem de 23 passou a se reconhecer de forma mais clara. Criou um blog “Panapaná” (coletivo de borboleta) e

“Eu sempre tento deixar isso muito claro. Eu sou a Tauani. Eu não sou a EB. Eu tenho EB. Ela é uma das coisas que fazem parte do que eu sou.” Tauani Vieira, estudante de psicologia começou a escrever sobre seus sentimentos e sobre sua visão de como é ter EB. “Eu sempre tento deixar isso muito claro. Eu sou a Tauani. Eu não sou a EB. Eu tenho EB. Ela é uma das coisas que fazem parte do que eu sou.” A dermopediatra Jeanine Magno acredita que “a principal arma contra o preconceito é a informação”. Por isso a Dystrophic Epidermolysis Bullosa Research Association (Debra), associação nacional de EB, promove trabalhos de conscientização em escolas, faculdades e hospitais além de campanhas de divulgação na internet. A DEBRA conta com 825 pacientes cadastrados, sendo que a maior parte são crianças de até 15 anos. Ana Clara Braga

Tauani Vieira não tem mais receio de suas diferenças.

Ao ser questionado quando a EB deixou de ser um problema, Juliano não se recorda de uma situação exata, “Em um momento [...] eu me tornei normal, eu não era mais o coitadinho, o cara que ficava apreensivo com as mãos. Me tornei normal e eu acho que as pessoas deixaram de olhar o resto, passaram a olhar só eu Juliano, ser humano. Eu passei a ser normal.” Hoje reconhece que se tivesse um filho com EB, não o protegeria, deixaria-o andar com as próprias pernas e levar os próprios tombos. Pensa em Tauani como exemplo, “uma guerreira”. Os maiores cuidados que tem são com a pele, de forma a não machucar mais, além de usar várias meias para jogar bola, por exemplo. “É dificil o momento em que eu paro para falar sobre a doença, é muito raro. Se a gente pudesse ter mais espaços de discussão nas escolas, em eventos [...], acho que seria mais bacana”. Destaca o papel dos pais de crianças portadores de doenças, que devem incentivar os filhos a criarem asas e voarem, sem medo. “A gente acaba atrofiando não só o corpo, mas a mente”. A borboleta é o símbolo da Epidermólise Bolhosa, porque as as crianças portadoras de EB são frequentemente chamadas de “crianças-borboleta” devido à fragilidade de sua pele. Essa foi uma das inspirações de Tauani para fazer sua primeira tatuagem, mesmo ouvindo de muita gente que seria impossível. Após muita procura, achou uma pessoa com EB que havia feito tatuagem e correu atrás de seu desejo. Encontrou uma tatuadora atenciosa, que marcou em sua pele o inseto que representa a vida. “A tattoo pra mim seria um jeito de marcar a minha pele com algo que fosse arte, que fosse bonito, que fosse minha escolha. As marcas várias que carrego no corpo também fazem parte de mim e hoje já as vejo com carinho. Mas eu não escolhi tê-las, aprendi a aceitar. Já a tattoo é uma escolha, é um encontro, é uma realização e materialização de sentimentos e significados profundos que agora me penetram a pele.” trecho retirado do blog “Panapaná”, escrito por Tauani.

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Fome do saber A principal refeição do dia dos alunos é dentro da sala de aula Heloisa Negrão e Rute Cavalcanti Miranda Heloisa Negrão

S

egunda-feira, às 7h30 da manhã começa um novo dia na Escola Municipal Padre Boleslau Liana, no município de Balsa Nova, que foi inaugurada há 19 anos. A cidade têm um pouco mais de 12.337 habitantes. Os alunos estão chegando e a diretora já os aguarda para entregar os alimentos para os que estão com fome e, por isso, ficam dispersos e não conseguem se concentrar nos estudos. Casos como esses são bastante comuns no Brasil, já que de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2017, 42% das crianças entre 0 até 14 anos no Brasil se encontram em situação de pobreza e têm uma renda familiar equivalente a R$387,07. F. G., uma diretora de escola que não quis se identificar, conta que o município nunca pensou nessas crianças, já que não há nenhum projeto ou programa que abranja as quem passa dificuldades financeiras em casa, consequentemente afetando também a alimentação diária dos pequenos.

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A alimentação se tornou extensão de aprendizagem nas escolas. Dentro da sala de aula, os alunos gostam muito da refeição e, por isso, esperam ansiosas para que chegue o horário do intervalo, das 9h15 às 10 horas, para saber qual vai ser a sua primeira e talvez única refeição. Esse é o caso do aluno Cauê Roberto Lima, de 6 anos. Principalmente quando tem morango, a sua fruta favorita, que além de ser “bonita e atraente”, tem um sabor gostoso. Cauê, que tem mais três irmãos conta que muitas vezes o que come na escola é a sua única alimentação no dia. Por isso, gosta de ir ao colégio, pois recebe tanto o lanche na entrada, como no intervalo e na hora de ir embora. F.G. relatou que já viu aluno passar mal dentro da sala de aula por estar com fome. “Esse acontecimento foi anos atrás e depois disso, eu sempre busquei andar com uma barrinha de cereal ou algo do tipo, porque você não sabe o que pode acontecer na escola e dentro da sala de aula.” A diretora complementa, dizendo: “A Secretaria de Educação do Município recomenda dar um lanche antes da


aula, mas acho que o problema vai muito além disso. O que as crianças comem no fim de semana?” A hora da merenda também é o momento favorito do dia para o aluno Bredon Padilha Lima, de 6 anos, que gosta de macarrão, arroz e ovo. Quando está em casa nos fins de semana, sente muita falta da comida da escola, já que é diferente e há mais variedade do que normalmente é servido em casa a ele e seus irmãos.

ALIMENTAÇÃO COMO PARTE DO APRENDIZADO O cardápio escolhido para segundafeira, na Escola Municipal Padre Boleslau Liana é arroz doce e fruta. Todas as refeições são preparadas com muito carinho e amor pela cozinheira Jaqueline Roseira, já que a alimentação é a parte fundamental do aprendizado das crianças. Os ingredientes são escolhidos logo cedo e retirados da despensa para serem preparados com antecedência.

“Uma boa alimentação auxilia na concentração e na memória, para o processo de aprendizagem isso é fundamental.” — Viviane Millirion, nutricionista As frutas também são os principais atrativos para o paladar dos alunos, que gostam de comer como sobremesa depois da refeição, durante o intervalo. Lais Santos,de 4 anos, ama comer de tudo, assim como arroz, feijão, sopa, frutas e verduras, mimosa, uva e o brócolis, que ela chama amigavelmente de “arvorinha”, com um sorriso tímido no rosto. A nutricionista da Secretaria de Educação do município, Viviane Millirion diz que a alimentação é uma parte essencial no ensino. “Uma boa alimentação auxilia na concentração e na memória, para o processo de aprendizagem isso é fundamental.”

RECOMENDAÇÃO DIÁRIA PARA AS CRIANÇAS Não basta apenas que as refeições sejam distribuídas para as crianças, mas elas devem ser seguidas com base na seleção da Secretaria da Educação, e elaboradas mensalmente pela nutricionista Viviane Millirion. Além de serem recomendadas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), conforme a faixa etária de cada aluno. A nutricionista comenta que há cinco modelos de cardápios para cada faixa etária. “Não trabalhamos com o mesmo cardápio, mas as escolas servem um lanche para alunos que chegam com fome, que normalmente é dado antes do início da aula.” Como as crianças estão em fase de crescimento, precisam de nutrientes e muita energia para brincar. Por isso, Viviane explica que é importante formar os seus hábitos alimentares desde cedo, oferecendo alimentos saudáveis, como vegetais e frutas, para preparar o paladar delas. “Cereais integrais, carnes magras, iogurtes, assim como alimentos orgânicos são refeições ricas em nutrientes e que podem ser consumidas pelos alunos.” Alimentos industrializados como doces, produtos alimentícios e embutidos devem ser evitados, pois trazem mais chances de fazer com que os alunos desenvolvam alergias, doenças, além da diabete, pressão alta e obesidade. Entretanto ainda existem dificuldades para as famílias terem hábitos alimentares saudáveis, pois muitas delas, por causa da baixa condição financeira, acabam consumindo diariamente em casa alimentos mais práticos e baratos, como macarrão instantâneo, sanduíches, biscoitos recheados e refrigerantes, que na maioria das vezes acabam não sustentando o aluno.

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A desvalorização dos educadores Professores se sentem cada vez menos valorizados pelo governo e relatam as dificuldades enfrentadas no cotidiano da docência Larissa Sena Mariana Prince Victoria Bittencourt

M

ichelle Paola da Silva Dias, licenciada em Ciências Biológicas. Iniciou sua carreira dando aulas como estagiária em 2010 e, desde 2013, é professora do Estado e da rede privada. Ela é filha de professora, e até seus 17 anos nunca pretendeu seguir os passos da mãe porque via de perto a rotina estressante do magistério. “Minha mãe era pouco valorizada, dava tudo pelos seus alunos e pela escola, mas não tinha retorno.” Uma reviravolta aconteceu quando a jovem decidiu iniciar seu ensino médio profissionalizante, para formação de técnicos em administração. No curso, teve aula com uma excelente professora, que rapidamente despertou a docência no coração de Michelle. Um tempo depois, começou a estagiar em uma escola e ensinar conhecimentos básicos de informática para os pequenos e a experiência foi o suficiente para se apaixonar pela docência. Ela conta que é difícil se arrepender daquilo que ama fazer, mas acrescenta: no cenário atual, tem sido difícil manter-se na área. O Processo Seletivo Simplificado (PSS) é o processo de

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seleção de profissionais para exercer cargos das instituições de ensino públicas e estaduais para atender à vagas temporárias. Segundo dados divulgados pela Associação Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP), o governo do Estado, no fim de 2017, reduziu em mais de 13% o salário de professores PSS a serem contratados em 2018. A professora e pedagoga Cláudia Maria tem um longo histórico dentro do mundo da docência. Durante suas mais de três décadas atuando profissão, Cláudia passou por várias eleições e conta que a realidade os professores varia muito de governo para governo. Ela trabalhou durante gestões que priorizaram a educação e a carreira dos professores, mas também viveu a realidade em que governos tentaram “retirar” os benefícios que os docentes conseguiram conquistar em administrações passadas. Ela dá o exemplo do plano de carreira, que durante a

“Com raríssimas exceções, os governos são os grandes algozes da educação.”

Eduardo Soczek, professor


Mariana Prince

gestão do governador Roberto Requião (entre 2003 e 2010) era super valorizado, sendo um grande atrativo para entrar na profissão. Já no governo de Beto Richa (entre 2011 e 2018), a

á Eduardo Soczek Mendes descobriu ainda no ensino médio que queria ser professor já que, além de gostar muito de seus professores, acredita que é uma profissão fundamental na transformação de uma sociedade. Segundo ele, o maior desafio é a falta de incentivos do governo, que investem o mínimo em educação. Também comenta sobre como a sociedade, de um modo geral, não questiona isso e ainda acham justo o baixo salário que os professores recebem, quando comparados a outras Rosangela Oliveira, professora categorias, e culpam as greves e paralisações educação não foi prioridade: não havia feitas pelo professores pelo o fracasso verba para dar continuidade ao plano, da educação. no máximo para o reajuste anual para classe. Soczek ressalta que muitas pessoas não observam a realidade das escolas Ser professora nunca foi um sonho, públicas, que precisam lidar diariaaté que Rosangela Oliveira começou mente com estruturas precárias e a dar algumas aulas na rede estadual com uma certa frequência, ficam enpara ver como era, e acabou gostanvolvidas em escândalos de corrupção, do da experiência. Fez licenciatura e como o caso da “máfia da merenda”, atualmente está cursando a terceira esquema de desvio e superfaturaespecialização em educação. Para ela, mento na compra de alimentos para a desvalorização não parte somente escolar públicas no estado de São Paudo governo, mas sim da sociedade lo, que aconteceu entre 2014 e 2015. em geral. “Não se tem mais respeito “Com raríssimas exceções, os goverdos alunos, nem dos pais. Nas escolas nos são os grandes algozes da educaparticulares somos reféns do ‘cliente’ ção”, defende. porque eles pagam a escola. Isso é frustrante.”

“Ela gritava que o professor era um lixo, que não sabia dar aula e que ela não entendia nada do que era passado em sala.”

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Bhorel Henrique se tornou professor com 38 anos. Antes da docência, era músico e trabalhava com produção de áudio. Com 38 anos, voltou a estudar. Cursou Letras na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e logo começou a dar aulas. Já estava atuando como professor PSS no Estado do Paraná e, um tempo depois, começou a dar aula em um curso pré-vestibular. Assim como os outros professores Bhorel também sofreu desrespeitos em sala de aula, um dos mais graves foi o episódio em que um de seus alunos o atacou em redes sociais e ofendeu diretamente um de seus filhos, que tem Síndrome de Down. O ataque foi feito através de um grupo de Whatsapp composto por alunos, mas por ter sido em uma instituição particular, o professor optou por permanecer calado com medo de perder o emprego. “Se eu lutasse pelos meus direitos, neste caso estaria prejudicando ainda mais meu filho.” Rosangela Oliveira desabafa que às vezes tem vontade de fazer outra coisa pelo desgaste emocional e pelos

baixos salários, mas confessa o quão prazeroso é poder ensinar e repassar o conhecimento a outras pessoas que a admiram e respeitam-a. “Isso faz a diferença no dia a dia”. Em uma das escolas onde Rosangela trabalha, uma aluna enfurecida rasgou a prova de um professor enquanto gritava palavras de ódio. “Ela gritava que o professor era um lixo, que não sabia dar aula e que ela não entendia nada do que era passado em sala” A professora contou que a coordenação da escola e a mãe da aluna defenderam o profissional, mas isso não anulou o sentimento de tristeza do docente. Isso acaba com a autoestima da gente”. conta Rosangela. Quando questionado sobre já ter pensado em desistir da carreira, Eduardo Soczek disse que já considerou essa possibilidade, pois ele e seus colegas “apanham” de todos os lados, algumas vezes no sentido literal, relembrando o fatídico episódio de 29 de abril de 2015: quando professores e servidores públicos tentavam acompanhar a votação de um projeto que iria reestruturar o Paraná Previdência - responsável pelo pagamento da aposentadoria dos servidores do estado- e foram barrados pela Polícia Militar do Paraná, a mando do então governador Beto Richa e seu secretário de Segurança Pública, Fernando Francischini. O confronto resultou em mais de 200 feridos e ficou conhecido nacionalmente como “Batalha do Centro Cívico”. Uma pesquisa realizada e divulgada pelo IBOPE Inteligência, divulgada em julho deste ano apontou que entre

ik

ep

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Larissa Sena

2.160 mil professores da Educação Básica que foram entrevistados, 49% afirmou que não recomendariam a profissão para outros jovens, devido à falta de valorização, salários e reconhecimento.

prepara, estuda e dá uma boa aula, com um bom conteúdo para seus alunos, é muito difícil haver indisciplina e desrespeito, eu acredito nisso.” Mas acrescenta que nem sempre o professor tem controle dos alunos. Quem compartilha o mesmo ponto de vista é Soczek . “Os alunos, por incrível que possa parecer, valorizam, de um modo Diferengeral, o professor. Bhorel Henrique, professor Porém, isso depentemente do relato de muito de como o de muitos tratamos”, diz. professores, Cláudia Maria Gomes tem uma visão muito positiva em relação A valorização para com os professores a sua profissão. Ela diz que poucas é algo que se deve ser ensinado denvezes sofreu desrespeito de alunos tro de casa pelos pais e é fato que se em sala de aula. “Se um professor se os pais ensinam a valorizar o próximo, os filhos repassam o aprendizado em sala de aula.

“Se eu lutasse pelos meus direitos, neste caso, estaria prejudicando ainda mais meu filho.”

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Estilo é para TODOS Os brechós e a moda democrática no século XXI Amanda Mann Marcus Campos Rafael Sábio

Amanda Mann

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Cá Cardoso, uma das empreendedoras do brechó Lavô Tá Novo.


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os últimos 15 anos o desenvolvimento da moda Fast Fashion tem contribuído com o esgotamento de recursos naturais, como algodão e água, além colaborar com trabalhos análogos à escravidão. Esse conceito de moda surgiu em meados dos anos 1990 para designar a prática das grandes marcas e empresas de produzir em larga escala, em um curto período de tempo, para causar maior consumo das novas tendências estilísticas. Segundo dado publicado em 2017 pelo China Water Risk, a produção de algodão na China aumentou substancialmente na última década. Além disso, o insumo está entre as cinco maiores culturas que mais causam esgotamento de águas subterrâneas, de acordo com pesquisa da revista Nature. Na contramão desse consumo não sustentável, algumas pessoas têm buscado opções mais conscientes para montar seu estilo, encontrando, nos brechós, opções melhores do que as marcas varejistas oferecem.

“É a forma de Dados do Serviço Brasileiposicionamento a ro de Apoio Micro e partir do momento em àsPequenas que levamos as causas Empresas (Sebrae) mostram que defendemos para que as micro e as escolhas das peças pequenas empresas que do guarda roupa“, comercializam Carina Cardoso, designer.

artigos usados cresceram 210% em cinco anos. O número passou de 3.691 para 11.469 entre 2007 e 2012.

LAVÔ TÁ NOVO Quem diz que ideias de mesa de bar são ruins, está enganado. Foi assim que o brechó Lavô Tá Novo nasceu. Descontentes com suas vidas profissionais, Carina Cardoso, designer e Adriana Vaini, produtora de moda, começaram sua trajetória no mundo dos brechós participando de bazares em casas de amigos, igrejas e asilos. ‘’A gente foi em cada buraco. Precisávamos de uma boa quantidade de roupa para começar o brechó’’, conta Carina. Aos poucos, o brechó foi sendo construído. Hoje, quem não conhece o espaço, nem imagina que atrás da pequena porta de vidro na Vicente Machado, existe uma escada curva de metal que desemboca num cenário colorido e decorado com araras penduradas em paredes de tijolo exposto e uma geladeira vermelha retrô. As peças à venda combinam o estilo do universo que se encontra ali. Há quase cinco anos, o Lavô Tá Novo, apesar de ser direcionado ao público feminino, conquista alguns homens que encontram, nas peças, partes de seu estilo. ‘’Esses dias veio uma menina com um amigo. Ele saiu com três jaquetas e ela não levou nada.’’ Carina explica que, para o seu negócio, existem dois públicos: os fornecedores e os consumidores. Ao passo que o segmento encontra novos destinos para muitas roupas e acessórios, o público que guarnece o comércio é bastante fiel. ‘’Tem fornecedoras que trazem roupa todo mês. Tenho várias roupas com etiqueta, que nem foram usadas’’, isso mostra como o consumo fervoroso impede o ciclo sustentável do ‘’reutilizar’’. Para o designer Marcelo de Costa, os brechós revigoram o ciclo de um produto, que de outra forma, seria descartado. “Meu entendimento é de que essa sustentabilidade de que se fala está relacionada ao próprio ciclo

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Um pouco do universo dos brechós!

de vida do artefato-vestível e se restringe a ele. E não há demérito nisso, pelo contrário. No entanto, há que se pensar também de modo mais amplo sobre o ciclo dessas peças”, completa. Costa também diz que as novas gerações optam por essas lojas por se preocuparem com o impacto que causam ao mundo. “Aqui em Curitiba ainda são poucos os que atuam pelo mote da sustentabilidade, o que não impede que o público mais jovem, que geralmente frequenta estes estabelecimentos, esteja presente e compre cada vez mais deles, em busca dessa suposta ‘via alternativa’ de consumo-expressão”, conta.

Amanda Mann

DAS ARARAS À COMUNIDADE

Com o intuito de levantar verba para famílias em situação de vulnerabilidade social, a musicista Fernanda Mourão iniciou, em 2013, sua história no brechó beneficente. Não satisfeita com o grande estoque de roupas que recebia de doações, ela precisava ir além. Começou a selecionar peças, colocar à venda por preços simbólicos e retornar a verba à comuniA designer Tarcila Peressuti conta que dade. ‘’Muito mais do que o ato que sua experiência no mundo dos brechós incentiva a reutilização de peças bem sempre foi bastante positiva por enconservadas, sustentabilidade e o prócontrar roupas baratas e de qualidade prio estilo; o que rege nossa causa é que já pertenceram a outras pessoas. um amor maior em oferecer, através ‘’É uma boa forma de não descartar deste trabalho, comida a quem não ou desperdiçar roupas que ainda têm tem nada.’’ um bom tempo de uso’’. O projeto conhecido como Espaço Roupas comunicam e expõem pontos Esperança acontece em parceria ao de vista. Vestir-se é uma arte. Uma Instituto Apostólico, em São Paulo, criação de identidade. A estudante acaba sendo a preferência de muiMariana Andreatta entende o brechó tos consumidores, por unir estilo e como uma ‘’forma de posicionamento boa-ação. ‘’Bastante gente dá prefea partir do momento em que levamos rência às roupas que estão à venda as causas que defendemos para as aqui, porque entendem a importância escolhas das peças do guarda roupa’’. deste lugar.’’

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Quando brechó se mistura com arte e decoração!

Amanda Mann

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A trajetória de bailarinos que vencem o preconceito em busca da realização de um sonho Bruna Kopeski Isadora Look

E Murilo Machado Duarte : Dos rodeios as sapatilhas.

m um município do interior de São Paulo, Murilo Machado Duarte, um menino de 10 anos, frequentador de todos os rodeios da cidade, largou o sonho de ser peão para se tornar bailarino. Foi no Centro Cultural de Itápolis, com aproximadamente 42 mil habitantes, que o garoto iniciou o espetáculo de sua vida, aprendendo, passo a passo, dança de rua, contemporânea, jazz e balé. Valdir, pai de Murilo, um homem de fivelas e chapéus, apaixonado pelos rodeios, acreditava que o filho seguiria seus passos quando crescesse. No começo foi muito difícil aceitar a escolha do filho. “Ele ama vaca, cavalo, boi. Eu ia nas cavalgadas com ele, ficava em cima do cavalo andando, até levava a santa dos boiadeiros sabe? Eu era o peãozinho. Quando eu falei que eu não queria mais ser peão, e queria dançar balé, eu acho que ele surtou.”

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Isadora Look

Compassos da vida


Valdir tinha uma loja de equipamentos esportivos, dentre os materiais haviam roupas e sapatilhas de dança, para meninas. “Meu pai não gostava que pegasse as sapatilhas, ele queria que eu pegasse as chuteiras”, diz Murilo. A madrasta do jovem sempre o apoiou e ajudou a pegar o que precisava escondido do marido. Desde do início, a vida como bailarino não foi fácil para Murilo. No dia em que sua mãe, Ana Maria, o matriculou na academia de balé, seu país, separados, começaram a discutir, “Ele não vai parar de dançar por causa da sua ignorância”, disse Ana a Valdir. Mesmo com muitos obstáculos, Murilo não desistiu. O dançarino mudou para quatro escolas diferentes, dois colégios públicos e dois particulares. Os colegas, a partir do momento em

são levadas à vida adulta e adolescência e é difícil superar esses traumas. Toda noite, durante anos, no horário da novela das 21 horas, um colega de sala ligava para a casa do bailarino para xingar quem atendia o telefone. Cansado, o jovem ameaçou o menino dizendo que se ele ligasse mais uma vez, o mataria. O estudante ligou. “Eu cheguei no dia seguinte e disse que ele tinha me ligado, logo em seguida fui direto dando socos no rosto do menino, apanhei também, mas pelo menos ele não ligou mais.” Passar por preconceito na escola apenas por dançar também fez parte do repertório vivido por outro bailarino. Marcelo Augusto Silva Gomes, decidiu abandonar a dança em 1998, na época com 8 anos, devido à constante

“Meu pai não gostava que pegasse as

sapatilhas, ele queria que eu pegasse as chuteiras.” Murilo Machado Duarte, bailarino que descobriram que ele dançava, transformavam-o em chacota. “Eles me zoavam e me batiam, apenas por eu dançar, o que na cabeça deles me tornava gay.” A situações de violência só piorou com o tempo, o jovem conta que sempre revidou os ataques enfrentados. “A escola particular foi o pior erro da minha vida”, confessa Murilo. A instituição era pequena, a sala de aula do bailarino estudava tinha 13 estudantes, seis meninas e sete meninos. Era Murilo contra os seis meninos da sala de aula: “Eles me odiavam porque eu era o gayzinho que dançava”. Nesta escola, o adolescente passou por todos os tipo de posições preconceituosas, apanhou, foi humilhado é até mesmo perseguido. A psicóloga Ana Lucia Zarutzki diz à reportagem da CDM que o bullying afeta de maneira transformadora na vida emocional de uma pessoa, e essas questões, ocorrendo na infância,

violência e perseguições que enfrentou na escola. “Há 15 anos, era meio que novidade essa coisa de menino dançar. Os colegas da minha escola me excluíam, me chamavam de ‘bichinha’ e me empurravam. Foi horrível para mim”, confessa Marcelo. O bailarino conta que escolheu dançar quando tinha 6 anos, após ficar apaixonado por um programa na televisão que passava uma apresentação de balé. O brilho nos olhos do menino aumentava a cada passo da coreografia e, também, o desejo de dançar. Com o fim do programa, Marcelo decidido, pediu a sua mãe, Dulce Silva, para matriculá-lo em uma escola de balé. Dulce que sempre sonhou em se tornar bailarina, contudo, dançar não estava na coreografia de sua vida, não pensou duas vezes quando seu filho pediu para entrar em um estúdio. Começou a procurar academias entre as páginas amarelas de uma lista telefônica da época. Após a pesquisa, decidiu matricular Marcelo em

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uma das primeiras que achou, a Anjus Academia de Dança, em Ponta Grossa, cidade natal da família. Entrar em uma academia foi uma sensação maravilhosa, cada dia era incrível, conta Marcelo. “Eu esperava acabar a aula, no meu colégio, para ir ao studio.” Por ser o único menino da escola de dança, sua professora o escolhia para participar de todas as atividades, fazendo sua rotina ser puxada, porém, muito amada, pelo menos até o momento da interrupção. O período de pausa durou seis anos. O amor pela dança era maior que o sofrimento do passado. Com 14 anos de idade, voltou para o balé decidido e focado. Marcelo era um adolescente e bailarino regrado, ensaiava o mesmo passo várias vezes para chegar a perfeição. Com 17 anos um novo ato começou na vida de Marcelo. Ensaiando cada vez mais, o dançarino ganhou os papéis principais nas apresentações de balé de sua escola e decidiu fazer a audição para o Bolshoi, uma tradicional escola de dança russa com uma única sede exclusiva em Joinville, Santa Catarina.

A IMPORTÂNCIA DO APOIO Enquanto Marcelo testava sua habilidade de dança no teste de Bolshoi, em São Paulo, com 18 anos, Murilo entrou na Universidade de Campinas, para cursar dança. Foi na faculdade que o jovem pode ser quem era, sem receios, e foi capaz de visualizar um mundo que antes era desconhecido e camuflado. “A faculdade foi a libertação. Na primeira festa, um menino me beijou, e logo depois eu fiquei olhando para os lados com medo e preocupado se alguém estava olhando, se alguém iria me bater.”

Foi ainda na faculdade que Murilo conheceu seu namorado, atualmente marido, Edson Junior. “Meu pai tem muito orgulho do que eu sou, mas ele não consegue aceitar o fato de eu ser gay. Ele sempre fala para a minha madrasta que eu sou gay porque minha mãe me colocou no balé. Minha madrasta sempre respondeu para o meu pai que eu seria gay mesmo sendo mecânico, mesmo sendo pedreiro” diz Murilo. A psicóloga Ana Zarutzki afirma que o apoio dos pais frente a quaisquer escolhas dos filhos, os deixam se sentindo mais acolhidos, mais apoiados, compreendidos e seguros. “Os filhos querem ser respeitados e amados em suas individualidades e isso também se refere a suas escolhas”. Ela ainda complementa que a opinião dos pais influencia muito nas escolhas dos filhos em relação a sua felicidade. Como é o caso de Marcelo. Ter o suporte dos pais sempre foi muito importante, principalmente ao fazer o teste do Bolshoi. O pai, Alvaro Francisco Gomes, sempre chorou em todo espetáculo do filho. No dia do teste, que começava às 8 horas, para garantir que não chegariam atrasados, decidiu ele mesmo levar Marcelo para a audição. Saindo de Ponta Grossa com o destino a Joinville, pai e filho saíram na noite anterior ao exame, escolhendo dormir na praia para não perder o teste. “Meu pai e eu chegamos à Bolshoi às 8h05. A moça que recepcionava os candidatos começou um discurso dizendo que eu não poderia entrar”, conta o jovem. Com muita insistência Marcelo entrou na audição. Após quatro horas de prova, Alvaro ficou preocupado com a demora do filho. A mulher que antes tinha barrado a entrada do bailarino, acalmou o pai

“Os filhos querem ser respeitados e amados em suas individualidades e isso também se refere a suas escolhas.” - Ana Lúcia Zarutzki, psicóloga 76 revistacdm | cultura


e afirmou que quanto mais tempo Marcelo demorava para sair, significava que mais longe ele estava indo na audição. De 500 candidatos, apenas 11 foram selecionados para entrar na escola, Marcelo estava entre eles. “Balé é uma arte maravilhosa pela qual você consegue se expressar, uma arte linda que todo mundo deveria experimentar um dia. Entrar no Bolshoi foi a realização de um sonho.” Contudo, o bailarino tomou a decisão de sair do Bolshoi para estudar Direito em uma faculdade, mas se arrependeu.

Hoje, Marcelo, aos 23 anos, estuda Relações Internacionais na Universidade Positivo, mas ainda sonha em voltar ao balé. Murilo, formado na Unicamp, ingressou neste ano no Balé Teatro Guaíra, após ser aprovado em concurso público. “Minha maior conquista foi conseguir viver do que eu sempre quis, em um país em crise que não valoriza cultura, arte, eu consigo viver daquilo que eu amo, de arte, de dança, eu venci todos os preconceitos e consegui chegar onde estou”, diz, com orgulho.

Isadora Look

Durante os dias 7 e 8 de dezembro, a Companhia de Balé do Teatro Guaíra apresenta-rá a releitura contemporânea de O Lago dos Cisnes, acompanhada da Orquestra Sinfônica do Paraná.

Um fio de esperança

Em uma atual mudança de quadro o Teatro Guaíra tem 23 bailarinos, 12 são homens e 11 mulheres

Mesmo ocorrendo preconceitos no mundo da dança, há ainda um vestígio de esperança. Como é o caso do Gabriel Fraga, adolescente de 16 anos, estudante da Escola de Dança do Teatro Guaíra, em Curitiba. Sua vida regrada, segue uma contagem: “Um, dois, três, quatro, terminar de fazer o almoço. Cinco, seis, sete, oito, pegar o ônibus para ir a aula.” Com uma rotina acelerada, Gabriel prepara almoço para sua irmã mais nova, e pega o ônibus para chegar a sua aula de balé clássico às 15 horas. Às 17h10, acaba sua aula e começa os ensaios é

as aulas da companhia jovem. Essa rotina se repete há mais de dois anos na vida do bailarino, quando decidiu entrar em uma academia de balé clássico, em 2015, em uma oficina de dança no Teatro Municipal de Fazenda Rio Grande, região metropolitana de Curitiba. O dançarino afirma que fará dessa paixão uma carreira. “Sempre tive muito apoio de todas as pessoas que conheci. Sou bastante privilegiado por não sofrer preconceitos, pois sei que muitos passam por intolerância.”

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Curitiba, a Coreia brasileira Como k-pop, estilo musical da Coreia do Sul, conquistou jovens curitibanos João Francisco Cepeda Raphaella Piovezan

R

odrigo Martins conheceu o k-pop por acaso. Ele, que já era interessado pela cultura japonesa, gostava de animes e de j-rock (rock japonês), em seguida passou a escutar pop japonês e pouco tempo depois conheceu o coreano. “Eu sempre fui muito curioso para conhecer culturas em geral, sempre fui muito eclético, meus pais me criaram assim e, quando eu era bem novo, eu acabei me engajando com a cultura japonesa e, se você tá nesse mundo de cultura oriental, para você ir pro k-pop é um pulo.”

be), houve um grande crescimento no Ocidente, com muitos jovens criando grande interesse pelo estilo musical.

Mas agora você deve estar se perguntando: “O que é k-pop?”

Atualmente, um dos grupos mais famosos do meio é a boy band BTS, que já esteve no Brasil três vezes nos últimos cinco anos, a última em março de 2017, com 14 mil ingressos vendidos, os quais esgotaram

Korean pop, mais conhecido como k-pop, é um gênero musical que conta com músicas eletrizantes e dançantes e clipes coloridos e chamativos. O gênero se assemelha muito ao pop americano, tanto que surgiu na mesma época em que as boy bands americanas tomaram a mídia e faziam parte das playlists dos jovens do Ocidente. O k-pop reúne elementos de estilos musicais estrangeiros, como o pop, rock, jazz, hip hop e da música tradicional coreana. Ao longo de seus primeiros anos, conquistou o leste da Ásia, com a fundação da maior agência de entretenimento da Coreia do Sul, a SM Entertainment. Mas seu ponto de virada, foi a chegada ao mercado japonês no fim dos anos 90, ganhando muito espaço no país. Com a virada do século XXI, o k-pop cresceu exponencialmente entre adolescentes e jovens adultos do Oriente, se estabelecendo como uma sub-cultura. A partir da popularização da internet (principalmente do Youtu-

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O grande fator que levou o k-pop à popularidade em todo o mundo foi o lançamento da música “Gangnam Style”, do rapper sul-coreano PSY. Sendo o primeiro vídeo do Youtube a chegar a 2 bilhões de visualizações, fez com que a maioria dos jovens passassem a conhecer o estilo musical. Hoje a indústria do k-pop movimenta US$ 4,7 bilhões, de acordo com a Agência de Conteúdo Criativo da Coreia do Sul.

Divulgação

Boy band BTS vem fazendo sucesso entre os jovens.


A música Gangnam Style foi a de maior sucesso no estilo k-pop. Divulgação

em poucas horas. BTS também foi a primeira banda do gênero a ganhar um prêmio da Billboard em 2017 na categoria Top Social Artist, mostrando como o k-pop tem conquistado seu espaço nos últimos anos.

“O k-pop tem uma estrutura muito jovem e cativante, tem isso de criar clipes com um visual muito forte, com um apelo pra dança, e

anos 2000 e atualmente ministra aulas de k-pop no Centro Ásia. Para ele, não houve algum acontecimento específico para que o pop coreano alcançasse popularidade no país. “Eu acho que esse boom do k-pop algo que aconteceria naturalmente, porque o k-pop tem uma estrutura muito jovem e cativante, tem isso de criar clipes com um visual muito forte, com um apelo pra dança, e todo esse apelo para os adolescentes, garotos e garotas que são bonitos.”

No Brasil, não foi diferente. Com diversas coreografias se espalhando na internet, muitos brasileiros foram adquirindo curiosidade sobre o estilo. Assim, não demorou muito para que jovens se reunissem para compartilhar seus gostos e, eventualmente, formarem grupos.

Além de atrair o público jovem, a abertura para a cultura oriental facilita o advento do k-pop. Sendo uma cidade com a cultura oriental (principalmente a japonesa) já enraizada e eventos culturais, como Shinobi e Matsuri, Curitiba se tornou um dos principais polos do k-pop no Brasil, como acredita Rodrigo. “Comparada com outras cidades, à exceção de São Paulo, Curitiba tem uma abertura bem legal pro k-pop sim, porque a cultura japonesa aqui se propagou muito fácil e aí a coreana aproveitou esse espaço e as pessoas que gostavam e pegou pra eles. Você pode gostar dos dois (cultura japonesa e k-pop), as pessoas acabaram só adicionando a música coreana nas suas playlists.”

Ian Souza foi um dos jovens que se interessaram pelo gênero no fim dos

O Rebirth Dance Group foi um dos primeiros grupos de k-pop a ser criado

para os adolescentes.” YAN SOUZA, PROFESSOR DE DANÇA

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Raphaella Piovezan

em Curitiba. Atualmente, o Rebirth é um grupo de dança eclético com enfoque em pop coreano. É misto, ou seja, formado por rapazes e moças, entre 18 e 25 anos. Rodrigo conta que não tem distinção na hora de admitir dançarinos, pode ser alto, baixo, magro ou cheinho, todos são bem-vindos. “A gente mistura tudo e gosta de ver como vão ficar certas coreografias com um grupo tão misturado. Gostamos disso e, se você for pegar a área de cada um, são pessoas bem diferentes, que por si só não se somariam e aqui a gente tá se somando.” O k-pop foi porta de entrada para muitos jovens que gostavam de dançar, mas tinham vergonha. Esse é o caso de Fernanda Ogata, 24, que conheceu o k-pop pelo Youtube enquanto procurava sobre cultura japonesa. Yan ensinando coreografias para suas alunas no Centro Ásia. “Eu sempre gostei de dançar, mas eu tinha muita vergonha, então eu dançava só no meu quarto.” Ela também conta que dançava sozinha no começo porque não conhecia ninguém que gostasse de música coreana para compartilhar seus interesses, até que um dia em uma loja foi abordada por um menino que notou os bottons de k-pop que estava na sua mochila. “O guri olhou e perguntou se eu gostava de k-pop, se eu dançava, e falou que ele também dançava, que tinha um grupo e me chamou pra ver, e eu acabei entrando pro grupo.” Hoje, Fernanda só dança na categoria solo e não faz parte de nenhum grupo, mas conta que o que mais a atrai no k-pop é o fato dele ir muito além de somente dança. Também é interpretação: ela fala que não basta dançar bem, tem que interpretar o artista do qual você está fazendo cover. RODRIGO MARTINS, ESTUDANTE

“Curitiba tem uma abertura bem legal pro k-pop sim, porque a cultura japonesa aqui se propagou muito fácil e aí a coreana aproveitou esse espaço e as pessoas que gostavam e pegou pra eles.”

O polo dos grupos de k-pop em Curitiba é o Museu Oscar Niemeyer (MON), o Museu do Olho. Lá, todos os fins de semana, vários grupos se encontram para ensaiar e aproveitam o espaço aberto, vazio e os reflexos dos vidros para treinar novas coreografias e até mesmo compartilhar experiências. Hoje, os corredores do MON são tomados pelos dançarinos em grande parte os de música coreana, mas também há grupos de street dance, que antigamente eram maioria. “Antes mais grupos de street dance vinham pra cá, bem antigamente a galera ia lá pro

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Shopping Itália, mas eles começaram a barrar o pessoal e aí foram procurar um lugar pra você dançar de boa sem que ninguém reclamasse”, Rodrigo explica como o museu se tornou um ponto de encontro dos dançarinos. Mesmo Curitiba sendo uma cidade aberta a novas culturas, o preconceito se faz presente quando se trata do k-pop. Rodrigo conta que, quando os grupos de dança começaram a frequentar o Museu do Olho, em meados de 2013, muitas pessoas paravam


Raphaella Piovezan

CENTRO ÁSIA OFERECE AULAS DE K-POP Um dos principais centros da cultura oriental em Curitiba, o Centro Ásia oferece diversas atividades japonesas, chinesas e coreanas, sejam linguísticas ou artísticas. Desde o fim de 2016, Ian Souza passou a dar aulas de k-pop para quem esteja interessado em aprender ou aperfeiçoar coreografias.

Jovens treinam suas coreografias no Museu Oscar Niemeyer. e ficavam fazendo graça enquanto os grupos ensaiavam “Quando isso acontece a gente para a música e fica olhando para essas pessoas, porque eles tentam fazer graça com uma coisa que a gente leva a sério. É um hobbie, mas a gente não tá levando isso para ser piada.” Ele comenta que, atualmente, isso raramente acontece porque as pessoas já sabem que os grupos de dança ensaiam ali. Então, respeitam. Já Nathaly Stefanovicz, uma das integrantes do grupo Rebirth conta que nunca percebeu olhares estranhos durante os ensaios no museu, pelo contrário, Nathaly sempre percebeu as pessoas parando para assistir os ensaios e até para tirar fotos “Em todos esses anos dançando aqui eu nunca vi ninguém olhar torto, mas para mim é fácil falar porque eu sou uma menina e estou nos padrões aceitos pela sociedade, então quando as pessoas me olham dançando ele acham que tudo bem. Acho que os meninos podem ter percebido esses olhares estranhos porque para muita gente não é normal isso.” Jackson Valente e Rafael Martins conheceram o k-pop em 2010 quando os primeiros grupos covers de Curitiba surgiram. Por estarem dentro do meio iam a eventos e baladas voltadas a cultura Oriental, como o Downtown Tokyo, que acontecia no bar Wonka e outros mais voltados ao k-pop, como

a Hype Night. Depois de um tempo, os eventos pararam de ser realizados, então Jackson e Rafael decidiram criar um evento voltado ao k-pop para suprir essa falta. O K-pop Night Fever é um evento em formato de balada, sem lugar fixo, no qual só toca k-pop e acontece pelo menos duas vezes por ano. “Em torno de 70% do nosso público são mulheres, bastante gente LGBT. A idade mínima para entrar no evento é 18 anos devido a lei, mas temos público de pessoas de até 40 anos.” A última edição do K-pop Night contou com pouco mais de 180 pessoas.

Veja mais O Rebirth Dance Group (antigamente conhecido como V.I.P) é um grupo cover de k-pop criado em 2009. Hoje em dia se consideram um grupo de danças em geral. Formado por 6 integrantes de todos os gêneros, idades, pesos, alturas e personalidades. Eles se encontram aos finais de semana no Museu Oscar Niemeyer para ensaiar. Você pode conhecer mais do trabalho do Rebirth Dance Group nas suas redes sociais. facebook.com/rebirthdanceg youtube.com/REBIRTHDANCECOVER Instagram: @rebirth_dance Twitter: @Rebirth_Dance

Mesmo aberto a todos os públicos, o professor conta que seu público é bem segmentado, afirmando que, raramente, tem alunos homens. Normalmente, são meninas entre os 12 e 20 anos. Ainda assim, vem aumentando a procura para o curso, além de ele ter alunos fixos. “Cresceu o interesse por aulas principalmente porque as pessoas não imaginavam que existisse aula de k-pop aqui.Tenho um número bem regular de alunos, uma turma tem sete pessoas e outra, com 15. Além disso, tenho um grupo de alunas que eu treino para participar de competições.” O Centro Ásia se localiza à Rua Marechal Deodoro, n° 1.418 e as aulas se dividem em três horários: Segundas e quartas-feiras das 15h30 às 17 horas; Terças e quintas, das 17 às 18h30; e aos sábados, das 16 às 18 horas.

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Febre nos anos 1980, o role-playing game se enraizou como jogo e se mantém forte até os dias de hoje Marçal Dequêch

O

Vinicius Freitas

Há, no RPG, dados de diversas faces que determinam as tomadas de decisão dos jogadores.

ambiente estava quente, os heróis estavam exaustos por conta das diversas batalhas surgidas até o esperado momento, Habbor Crow-Mags, o destemido guerreiro, agita sua espada contra a besta. Stephanie Thosara, a poderosa curandeira, recita magias e movimenta suas mão para ajudar seus companheiros. Edward Caolho, o ágil arqueiro, estica as corda de seu arco e ajeita sua mira. E, por fim, Alfredo Baixinho, o sorrateiro ladrão, se esgueira pelas escamas da fera. O Dragão Ancião enchia sua boca com lava e fogo, carregando sua fúria e preparando para lançar uma bola flamejante. Apesar da grande sala, cheia de ouro e jóias, proporcionar espaço de esquiva, um ataque em cheio seria fatal. Habbor Crow-Mags precisa jogar o D20 para esquivar.

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O guerreiro, levantando seu escudo contra a onda de calor, repele a lava e avança grosseiramente entre as moedas e fogo. O aço da lâmina brilha, sua mão fechada empunha com firmeza o cabo da espada, erguendo-a para o próximo ataque. O dragão, ainda se recompondo de seu último jorro de fogo, não consegue acompanhar a movimentação de seu adversário. Jogue os dados!

O dado cai no chão, parando ao lado da tigela do cachorro: 5 Infelizmente, por conta da ira, o guerreiro não nota que a cauda do dragão se move com rapidez, atingindo seu peito e arremessando seu corpo contra uma das pilastras. Porém, Stephanie Thosara se prontifica para curar os ferimentos de Habbor, que seriam fatais caso não houvesse ajuda imediata. Suas mãos, empapadas por algum tipo de líquido, dançam entre as feridas do ingênuo herói. Enquanto toda essa ação acontece, Edward Caolho mira na temível besta, sua flecha é lançada.

O dado rola, caindo sobre a mesa: 20! Acerto crítico. A flecha, aparentemente inofensiva contra as escamas do avassalador réptil, é carregada com magia, capaz de penetrar os mais poderosos materiais. Sua trajetória é surpreendente, indo rapidamente contra o olho do dragão, que sofre ao sentir a perda de sua visão. Percebendo a vantagem, o pequeno ladrão Alfredo Baixinho, localizado na enorme cabeça do dragão, prepara suas adagas banhadas em veneno. Sua agilidade é formidável, girando sua arma, Alfredo ataca a ferida já aberta, a fatal peçonha começa a circular na corrente sanguínea da fera, culminando em seu fim. O mestre se levanta. A aventura estava concluída. Cada jogador, outrora herói, recebe os cumprimentos. As luzes se apagam.

Marçal Dequêch

PARA SABER O TÍTULO, ROLE O D20!

O dado se rebate na mesa cheia de salgadinhos e livros: 17


Marçal Dequêch

O RPG proporciona interação direta entre os jogadores, todos coordenados por um mestre. Todos nós, um dia, já nos imaginamos vivendo num mundo completamente novo e alternativo. Seja por meio da literatura, livros ou jogos, que de alguma forma alimentam nossos pensamentos e sustentam nossa imaginação, diversas histórias foram passadas e representadas das mais variadas maneiras. O ano de 1974 foi um marco na vida dos adoradores de ficção e jogos de tabuleiro. Sempre pensando em maneiras de aprimorar seus jogos prediletos, os dois amigos Garry Gygax e Jeff Perren criaram o primeiro Role-playing game (RPG) no porão da casa de seus pais, após uma jogatina de Chainmail com seus amigos, um jogo inspirado na temática medieval que teria, futuramente, uma extensão inovadora e característica chamada Dungeons & Dragons, o primeiro RPG da história. Após se divertirem e popularizarem o jogo entre os amigos, os pequenos investidores do mundo nerd começaram divulgar em eventos e em lojas sua maior criação. Os bons resultados foram logo reconhecidos e oito anos LIBERTE SUA CRIATIVIDADE! Dentro de um RPG, você pode ser quem quiser. Pode ser você mesmo, um elfo arqueiro, um troll de quatro braços, um anão ferreiro… Dê asas à sua imaginação! A interpretação faz parte da diversão e de cada aventura vivida! Quanto mais você “viajar” em suas ideias, mais verá surgir personagens, histórias e interações interessantes!

depois, em 1892, Dungeons & Dragons já era uma febre entre a juventude, filmes e jogos foram desenvolvidos, enraizando seu gênero como um marco para a cultura nerd e geek dos Estados Unidos. Segundo o organizador do clube de RPG da PUCPR, Juliano Venceslau, iniciar sua aventura no universo dos jogos interpretativos, como é conhecido aqui no Brasil, é simples. “Há algumas funções básicas que todo o iniciante deve seguir, recomendamos que os interessados estudem e participem de algumas sessões de RPG passivamente antes de realmente jogar. Devemos levar em conta as longas durações das partidas e sua complexidade. Sempre estamos abertos em explicar e acolher os iniciantes, hoje contamos com diversos jogadores no nosso clube”, explica Juliano. Até o fim dos anos 1990, o RPG de mesa apresentou variações e ambientações para a interpretação, segmentando-se para diversos sistemas usados até hoje.

“QUERO COMEÇAR. MAS NÃO CONHEÇO NINGUÉM DO MEIO. O QUE FAÇO?” O Clube de RPG da PUCPR oferece vagas para todos os que desejam ingressar no meio. Assim como aceita jogadores experientes, o clube está aberto aos “newbloods” (novatos) que desejam aprender. Basta ter disposição para aprender!

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A maioria das aventuras de RPG utiliza mapas para localizar seus jogadores de onde estão ou onde pretendem ir.

O CONCEITO As jogatinas de RPG são completamente colaborativas e sociais, tendo como particularidade a interpretação de seus jogadores que controlam, através da fala e gestos, os movimentos de seu personagem. Um jogo normal une todos os praticantes numa única aventura tendo, na maioria dos casos, ganhadores e perdedores. Todos esses estilos, analisados de forma abrangente, se diferem de outros jogos como cartas, tabuleiro ou esportes. Basicamente, o universo do teatro e da estratégia se unem, possibilitando partidas únicas e impossíveis de prever, tendo em vista que, para vencer, todos devem cumprir desafios impostos pelos adversários da forma que quiserem. Como na maioria dos jogos de estratégia, há regras e conceitos que definem as ações tomadas pelos jogadores que, de alguma forma, impossibilita atos improváveis para o contexto apresen-

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tado. Todo personagem deve possuir uma história, assim como no teatro, e os praticantes devem interpretá-la levando em consideração o estilo, humor, local e aparência estipulados. É essa vasta gama de possibilidades que Levou Vitor Hoffmann, 20 anos, a se aventurar nas criações do RPG. Segundo Vitor, foi a maneira que achou para colocar em uso a sua criatividade, acumulada pela rotina do trabalho como suporte e desenvolvedor de TI. “Para aprender, eu tive que me soltar mais, é como um teatro, você cria um vínculo com o seu personagem sabe?” Com relação ao número de participantes, uma mesa pode ter de duas a dez pessoas, sendo uma delas o “Game Master”, também conhecido como mestre. Será ele quem criará a história, julgará as ações propostas pelos jogadores e ditará os desafios dispostos.


Segundo o experiente mestre de mesa Daniel Dutra, há diferentes tipos de funções, cada uma possuindo uma regra particular. “Não existe uma regra única para definir funções no RPG, mas, na maioria das vezes, os jogadores costumam se reunir para escolherem sua forma de atuação para que assim não ocorra repetição”. E finaliza, destacando os benefícios que o RPG traz para o convívio. “Jogar se tornou uma rotina para mim. Semanalmente me junto com meus colegas para conversarmos e nos divertirmos juntos. Posso dizer que os jogos de interpretação me ajudaram no convívio social e na formação pessoal.” E brinca dizendo que começou a namorar por conta do RPG. Não existe um limite de tempo para jogos de RPG, tudo depende da maneira e duração que cada indivíduo localizado na mesa demora para agir. Na maioria das vezes, uma campanha bem feita pode durar dias, sendo reservado um local e data definidos para a partida.

SOCIALIZAÇÃO Marçal Dequêch

Tendo em mente os diversos conceitos que o RPG estimula, profissionais de outras áreas tendem a utilizá-lo como ferramenta para atingir os objetivos do trabalho. Exemplo disso é a psicóloga Aline Carvalho, com experiência em trabalhos de socialização, que vê na gameficação uma janela para o trabalho da introversão em pessoas de todas as idades. Jogos, para ela, proporcionam um “ensaio” lúdico de novas formas de viver uma situação. “Como profissional que trabalha a área de desenvolvimento de adultos e adolescentes dentro de uma prática clínica, eu acredito que o RPG seja uma prática ainda pouco usada e que requer, sim, um facilitador, porém pode fazer toda a diferença porque é uma área muito complexa, composta por diversos pontos chave no aprendizado e quem já trabalha com isso pode estar muito à frente”, explica Aline. Porém, cabe também avaliar o impacto do RPG como ferramenta, fazendo a leitura individual de cada um.

São muitas as variáveis, entre elas o equilíbrio emocional do indivíduo, o momento vivido e o histórico de relacionamento com outros. “Por isso, tudo o que a gente vê em excesso ou mal diagnosticado pode ser um potencial problema para a pessoa. Você pode ter alguém que vive uma insegurança e gera forças para participar de um espaço coletivo, sendo assim algo bom. Mas caso isso vire uma das únicas válvulas do que ele(a) sente, já é configurado como outro obstáculo”, pondera. A prática e a vivência do RPG devem ser externalizadas e aplicadas, também, à vida fora da mesa de jogos para que se torne, assim, um aprendizado e uma evolução constante além é claro da diversão com os amigos.

GLOSSÁRIO

Entenda algumas das gírias do RPG Acerto ou erro crítico: Ocorre quando o jogador consegue o melhor ou pior resultado possível no dado. Ficha de personagem: Contém informações essenciais para o jogo. Desde o nome e história, até as habilidades nas quais o personagem é mais eficaz. Dado ou D(x): O dado representa a aleatoriedade do mundo. Ele é associado a valores nas fichas de personagem para testar as habilidades dos personagens. Pode ter 4,6,8,10 ou 20 lados.

Saiba Mais O clube de RPG da PUCPR é de fácil acesso. Confira aqui! facebook.com/furunculodabruxa/

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Um mergulho nas piscinas do Pilarzinho O lendário centro de natação curitibano hoje existe apenas nas memórias de seus ex-atletas, muitos deles campeões das piscinas João Francisco Cepeda Raphaella Piovezan

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Arquivo

A bandeira do Clube segue sendo carregada nos dias de hoje.


O

Clube do Golfinho nasceu, pela primeira vez, em 1968 dentro do Centro Israelita do Paraná, onde muitas crianças aprenderam a nadar. A pequena equipe de natação foi crescendo, atletas não sócios começaram a participar da equipe. o que acabou incomodando os sócios judeus e conservadores - já que não judeus estavam nadando em seu clube e também por terem que dividir a piscina, que antes era usada para lazer, com os atletas que ali treinavam. Com o crescimento da equipe, a rixa entre sócios e atletas e o pouco espaço para ambos, alguns pais decidiram se mobilizar para criar um clube destinado somente à natação, onde seus filhos pudessem nadar sem problemas. Em 1974 começou a ser construída a sede do Clube do Golfinho no bairro do Pilarzinho e, em dezembro de 1975, as três piscinas do clube foram inauguradas, e assim ele nasce pela segunda vez. Era só o começo da história do que foi um dos maiores centros de natação do Brasil e o primeiro destinado exclusivamente a natação.

Mesmo sendo uma equipe campeã, a estrutura do clube tinha problemas. Os atletas que nadaram lá guardam a memória de sair correndo das piscinas com vento congelante - tipicamente curitibano - soprando no caminho para os vestiários. Ilana lembra-se, rindo dos banhos:“Não tinha água quente, então no inverno passávamos muito frio”. O Clube Golfinho não era apenas um lugar para se praticar esportes. Por ter sido criado a partir de famílias, o ambiente acabou se tornando um local familiar e amigável. Todos eram bem-vindos e tratados da mesma forma, não havia distinção de cor, gênero, idade, tamanho e classe social. Eduardo Lachica lembra que, nos anos 1980, o bairro do Pilarzinho contava com muitas pessoas de baixa renda que acabavam indo nadar no clube Foto: Raphaella Piovezan

As primeiras braçadas a serem dadas nas piscinas do Clube foram as de Ilana Kriger, filha de Berek Kriger, um dos idealizadores e fundadores do Golfinho. Ilana nadou apenas um ano na piscina construída por seu pai. Ela, como atleta da seleção brasileira de

Natação precisava treinar ao lado de sua rival, em São Paulo. Um marco para vida de Ilana, para a história do Clube Golfinho e da natação paranaense foi quando ela bateu o recorde sul-americano da prova de 200 metros costas. Esse foi o início da legião de campeões criada nas piscinas frias do Pilarzinho. Depois desse marco, não era raro ver a bandeira branca, azul e vermelha no topo dos pódios nos campeonatos regionais, estaduais e brasileiros. Era comum ver os golfinhos batendo recordes, tanto que na década de 1980 o clube se firmou como um dos mais fortes do Brasil.

As lembranças do clube ficam na memória e nas fotografias.

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Foto: Raphaella Piovezan

Eduardo, Christina e Renato lembram da época que nadavam no clube. “Tinha muita gente com menos recursos e gente com deficiência também. Havia bastante diversidade. Na hora que você entrava na água, que tava todo mundo de maiô, sunga e óculos, passava todo mundo ser igual, e todos eram tratados como igual.”

amizades e aprendeu sobre responsabilidades, a ter um objetivo, ir atrás desse objetivo, aprendemos a ganhar e a saber perder.”

“Na hora que você entrava na água, que tava todo mundo de maiô, sunga e óculos, passava todo mundo a ser igual, e todos eram tratados como igual.“ Eduardo Lachica, ex atleta.

Muito mais que apenas ensinar natação, o clube golfinho ensinou valores para aqueles que treinavam lá, não era só aprender a fazer uma braçada de peito perfeita, uma boa golfinhada ou ser o mais rápido. Os golfinhos aprendiam sobre ter responsabilidade, disciplina e comprometimento. Cristina Lachica conta que uma das coisas mais importantes que ela levou da época que nadava foram esses aprendizados “O clube foi muito importante, porque lá a gente fez

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Assim como o clube nasceu duas vezes, ele morreu duas vezes. A primeira em 2003, depois de se fundir com o Clube Juventus que faliu devido problemas financeiros. Por muito tempo ficou abandonado, virou um terreno baldio, um ponto de venda de drogas. Em 2018, morreu definitivamente. Não restou mais nada, nem um azulejo das piscinas para guardar. Nenhuma das muitas tentativas de reviver e recuperar a história do Clube Golfinho foi capaz de salvar o lugar.


Arquivo

O terreno que antes abrigava a antiga sede do clube em breve ganhará um empreendimento imobiliário. Aqueles que nadaram lá carregam muito mais que memórias, mas também certos sentimentos, como tristeza, saudade e frustração.

Já Christina transformou o sentimento de tristeza e saudade em história. Hoje ela desenvolve, junto a outros ex-atletas, técnicos e dirigentes, um documentário sobre o Clube Golfinho. “De 1990 até 2015, eu fiquei totalmente desvinculada do clube. Eu nem lembrava dele, não sabia nem que ele tinha falido. Mas aí um dia eu descobri que ele tinha sido comprado e foi quando eu pensei ‘Nossa, agora ele vai deixar de existir fisicamente’ e, quando fui procurar sobre o clube, não havia nada, nenhuma história. Senti que eu precisava fazer algo.” Foi assim que Christina começou a criar o documentário, há três anos ela recupera arquivos, fotos e relatos das pessoas que participaram da história do clube. Por mais que sua estrutura tenha sido destruída, sua história permanece viva naqueles que estiveram lá, atletas como Christine e seus irmãos e Ilana. Eles carregam em seus corações um amor incondicional pelo Golfinho.

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A sede do Clube do Golfinho no Pilarzinho no seu auge.

Depois de mais de 10 anos, a sede se encontrava abandonada em 2015.

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Renato Lachica, 48 anos, carrega a frustração por um clube não existir mais “Eu sinto uma frustração de não poder oferecer para meus filhos o mesmo ambiente que eu tive.” Eduardo carrega a gratidão por tudo que aprendeu quando nadava “A técnica e o desenvolvimento físico ficam, eu ainda nado e hoje recebo elogios por como eu nado, e também sou o mais rápido”, ele diz rindo. Ilana carrega a tristeza de ver um trabalho desenvolvido por seu pai deixar de existir .“Ainda bem que meu pai não viu tudo isso acontecer. A gente tentou ver com a prefeitura de fazer com que o clube virasse uma piscina da cidade, para que as crianças pudessem aprender a nadar lá.”

Atualmente o terreno da sede esta em construção para receber um empreendimento.

esportes | revistacdm 89


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