Revista CDM Digital #46

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ano 15 - edição 46

novembro de 2017

revista corpo da matéria CURSO DE JORNALISMO PUCPR

Caminho das eras As linhas ferroviárias fizeram parte das vidas de gerações. E ainda hoje integram o cenário urbano e social de Curitiba.


CIDADES Trilhos do tempo

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SOCIEDADE Espaço ainda não ocupado Nada além do horizonte

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EDUCAÇÃO Entre os leitos da escola A justiça é para todos

Corpo da matéria Ano 15 - Edição 46 - Novembro de 2017 Revista Laboratório do Curso de Jornalismo PUCPR Pontifícia Universidade Católica do Paraná R. Imaculada Conceição, 1115 Prado Velho, Curitiba PR

COMPORTAMENTO Uma vida mais verde

DECANA DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES

Eliane C. Francisco Maffezzolli

COORDENADOR DO CURSO DE JORNALISMO

Julius Nunes

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ECONOMIA Entre linhas e fios

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CIÊNCIA Os movimentos anticiência

REITOR

Waldemiro Gremski

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Relações do incosciente Adianta contar até 10?

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CULTURA Das telas às estantes

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COORDENADOR EDITORIAL

Julius Nunes

COORDENADOR DE REDAÇÃO/JORNALISTA RESPONSÁVEL

Paulo Camargo (DRT-PR 2569)

COORDENADOR DE PROJETO GRÁFICO

Rafael Andrade

ESPECIAL: A VIDA QUE NINGUÉM VÊ Vocação ou profissão? Pais moleques! Pai, mãe e filho? O avesso #PraCegoVer Aprisionadas pelo abandono Vidas esquecidas

Alunos - 6º Período Jornalismo PUCPR Anna Laura Pereira Ferraz, Ana Lucy Fantin Gonçalves, Carolina Naús Piazzaroli, Cristielle da Silva Barbosa, Débora Gonçalves de Macedo, Erica Hong Cabrera, Guilherme dos Anjos de Almeida, Igor Arendt Ramos, Ivo Tragueto Neto, Jaqueline Dubas, Julyana Lara Dal Bo, Kátia Francisca de Oliveira, Kevin Da Silva Cruz, Luiz Felipe Naime Elias, Bernardo Thomé Vasques, Maria Tereza Seabra Soares de Britto, Bruna de Castro Bonzato, Mateus Henrique Bossoni, Pedro Paulo Corrêa de Freitas, Sarah Jennifer da Silva de Lima, Thais Camargo Silva, Yasmin de Brito Soares, Alan da Silva, Amanda Maria Paes Rodrigues, Ema Cristina Moura de Oliveira, Gabriel Callegari Gonçalves, Giovanna Rell De Cosmo Martins, Guilherme Novakoski Bandeira, Hanna Siriaki Lenartovicz, Joshua Raksa Vieira, Julia Favaro Linhares, Leanderson Sergio Mendes Moreira, Lívia Mattos dos Reis, Luciano Francisco Schmidt Vieira, Marcus Vinic’us de Souza Ribeiro, Michel Cordeiro Moreira, Rafaela Trevisan Cortes, Rebeca Carolayne Franco Ribeiro, Vinicius Paiva Scott

A luta contra o espelho Desejo concreto É preciso falar sobre autismo O paladar infantil

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Imagem de capa: Luciano Francisco Schmidt Vieira 6ºP Jornalismo

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Trilhos

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áquinas ligeiras cruzam as vias de asfalto da cidade. Seu tráfego é administrado pelos semáforos e símbolos que guiam as pessoas em seus trajetos. Entre um sinaleiro e outro, um berro. Uma buzina de algo maior que qualquer carro. Um alerta que começa de longe e se aproxima em um escândalo sincopado até gritar nos ouvidos de todos. O trem apita avisando que passa, costurando Curitiba em seus trilhos seculares.

do tempo

Mais do que uma inconveniência no trânsito, os trilhos fazem parte da paisagem urbana. Quem mora perto deles ou cruza suas vias convive com a maquinaria ferroviária de diferentes formas.

Luciano Schmidt Vinicius Scott

Mesmo quem mora há dezenas de quadras das vias de ferro pode ouvir o alerta do trem dependendo da hora do dia ou da noite. A Rede Ferroviária Federal já foi a maior empresa da América Latina, com mais de 100 mil funcionários. A Vila Oficinas, hoje parte do bairro Cajuru, era onde morava a maioria dos funcionários em Curitiba. Lá está a oficina administrada pela Rumo, empresa que adquiriu as concessões em 1997.

Curitiba tem uma história particular e muito rica que se desenvolveu em torno das ferrovias. Preservar essa memória é conhecer melhor o espírito da cidade.

Cruzamentos no tempo Os trilhos de trem invadem a cidade de Curitiba, em áreas residenciais onde existem casas coladas nos trilhos os moradores reclamam do impacto e do barulho. É o que disse Marcelo Fiedler, coordenador de relações governamentais da Rumo, empresa que possui quatro concessões no país, incluindo a malha sul.

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Toda vez que o trem passa por uma rua, a locomotiva precisa apitar para alertar os carros. E, além disso, há as moradias próximas ao trilho em situação de ilegalidade. Na periferia, esses terrenos são acessíveis para a população de baixa renda. Isso acontece porque Curitiba cresceu sem planejamento e abocanhou os trilhos. O coordenador conta que o ideal é o trem não passar por dentro da cidade e que há um padrão internacional chamado de “contorno urbano”, em que o trem circula pelos limites do município em áreas industriais. Mas tirar a ideia do papel não é fácil — afinal os trens circulam em trilhos centenários da época de dom Pedro II e um orçamento milionário é necessário para construir novos trilhos. O principal cliente dos trens que passam pela cidade é o agronegócio. A maioria carrega milho e soja destinados à exportação no porto de Paranaguá. E passar pela cidade diminui a eficiência da operação: em vez de percorrer os trilhos a 80 km/h, o limite é de 20km/h para evitar acidentes. Fiedler conta que a Rumo se interessa em renovar a frota para trens importados, mais velozes e menos poluentes. Entretanto, a concessão da empresa vence em dez anos e ninguém arrisca investir nesse prazo apertado. Por isso, o embate atual de Fiedler é antecipar a renovação da concessão e garantir mais 30 anos de uso para convencer os investidores a efetuar as melhorias nos trilhos e quem sabe retirar esse transporte centenário das nossas ruas. Enquanto isso, a Rumo trabalha em diversos projetos sociais para reforçar seu impacto positivo junto à comunidade. Jornalismo PUCPR Revista CDM

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União e memória A Unifer é a União dos Aposentados e Pensionistas Ferroviários do Paraná e Santa Catarina, criada em 1991, para apoiar ex-ferroviários na garantia de seus direitos. É uma associação que congrega 500 membros da comunidade ferroviária e organiza eventos para manter os laços e memórias destes trabalhadores. É na Rua dos Ferroviários, número 127, que os sócios da Unifer se reúnem. O bairro é o Cajuru, região que concentra oficinas de manutenção dos trens e residências de gerações de trabalhadores. Lá também funcionava o centro de treinamento para diversos ofícios ferroviários. Eram mais de cem funções, como relembra Itamar Rose, o presidente da União. Ele trabalhou muitos anos com a formação dos ferroviários e teve contato com trabalha-

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dores de diferentes frentes, desenvolvendo métodos de formação para funções que não existiam no mercado. Até 1997, o governo federal administrava a Rede Ferroviária Federal S.A. Neste ano, foi feita uma concessão que transferiu a administração das ferrovias para a iniciativa privada. A concessão foi desastrosa do ponto de vista do trabalhador. Grande parte foi demitida, mantendo só o que a concessionária considerava essencial. Novos funcionários foram trazidos com uma nova mentalidade, causando uma ruptura com os velhos modos. “Nada contra isso, contanto que se preservasse um certo espírito ferroviário. Mas eles têm um jeito de administrar muito diferente do nosso. Então, pouco importa se a pessoa gosta da estrada de ferro e mesmo tendo um bom desempenho, às vezes eles tiram para colocar outro.”

“É preciso mostrar para as pessoas que existe uma história e essa história está viva. ” Itamar Rose, presidente da Unifer

Grande parte das linhas foi extinta por falta de interesse financeiro. Linhas de passageiro foram abandonadas e restaram as vias llucrativas destinadas ao transporte de carga. Um argumento para justificar as concessões era o rombo financeiro enorme. Era um prejuízo de US$ 1 milhão por dia aos cofres públicos, conforme a Rumo. Itamar reconhece que havia ferrovias que não tinham condições de se manter sozinhas e tinham as contas pagas pelo governo federal. Ferrovias em regiões sem produção industrial serviam como cabides de emprego através de indicações políticas. “Só que não dá pra ser nem tanto ao mar nem tanto à terra. Do jeito que estava, estava errado? Estava. Dava pra ter resolvido? Dava.” Itamar seguiu dando o exemplo da ferrovia estatal italiana, bancada por recursos públicos por ser um meio de transporte que aquece a economia.

Pátio histórico das oficinas administradas pela Rumo.

“Dói no nosso coração ver que nós temos uma história, uma tradição, e que o poder público Luciano Schmidt

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não se preocupa muito com preservar nada disso. Infelizmente, as pessoas veem isso com dificuldade, afinal, não dá voto, não traz nenhum retorno pro político.” Mas o presidente se alegrou ao lembrar de uma iniciativa que reformou a estação ferroviária da Lapa para promover passeios num pequeno trem de passageiro. “É preciso mostrar para as pessoas que existe uma história e essa história está viva. É só fazer uma maria-fumaça funcionar e pronto, a história está viva.” Nessa história recente, uma figura se destacava, uma função que era cobiçada mas muito respeitada. O maquinista é aquele que move a locomotiva,. Tudo deve funcionar para que ele desloque toneladas de metal por trechos de distâncias quilométricas. “Mas não vejo o trabalhador ferroviário de hoje como uma pessoa representativa nesse esquema”, lamentou Itamar. Esse pesar foi interrompido pela despedida de Nery Carvalho, o vice-presidente que se retiraJornalismo PUCPR Revista CDM

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va nesse momento. Segundo o colega, Nery foi o chefe do departamento de recursos humanos por décadas e tem uma característica peculiar: quando lhe dizem o nome de algum colega aposentado, ele é capaz de lembrar o nome completo, o número da matrícula e onde trabalhou. Está tudo armazenado na cabeça desse senhor de 78 anos.

O telegrafista

Assim como esses dois senhores, toda a equipe dirigente da Unifer trabalha de forma voluntária, com um gosto por manter essa memória “até o mais amargo fim”. O presidente sabe que a associação uma hora vai acabar. Ele, que vai completar 60 anos, é um dos mais jovens. Segundo ele, os ferroviários hoje tem uma rotatividade alta, portanto é difícil que alguém venha a se aposentar.

João Barbosa queria ser maquinista, mas a mãe não deixou. Mas isso não abalou sua paixão pela estrada de ferro. Com 16 anos já começou a operar o telégrafo na estação de Engenheiro Bley, na Lapa. Era 1940, o começo de uma jornada que só acabaria com sua aposentadoria em 1968. O controle do tráfego era feito pelos grafistas, que desenhavam os gráficos dos trajetos dos trens em tempo real, função também realizada por ele.

O telégrafo foi por mais de um século o meio de comunicação mais importante para os ferroviários. Os impulsos elétricos atravessavam todo tipo de distância e levavam as mensagens codificadas pelo telegrafista, que tinha um trabalho indispensável para toda a operação ferroviária.

“Às vezes, nos dias de folga eu nem ia para casa só pra ficar manobrando as locomotivas.” João Barbosa, ferroviário aposentado

Apesar de todos os cuidados, os acidentes aconteciam. Barbosa, como é conhecido, tem 93 anos ainda lembra claramente do que aconteceu em 1938. Era fim de ano e um trem com os vagões bagageiros subia a serra, saindo da estação do Marumbi em direção a Engenheiro Lange. Eram cinco trabalhadores: o maquinista, seu ajudante, o foguista e o chefe de trem na locomotiva, além do manobreiro que viajava no bagageiro. Uma curva aguda logo após a saída de um túnel exigia uma velocidade exata. Apesar da habilidade do maquinista Paulico, de quem Barbosa lembra bem, algo de errado aconteceu. O inquérito chegou à conclusão de que ele se descuidou e atravessou o túnel com uma velocidade excessiva, quando chegou ao fim acionou os freios, mas mesmo assim a composição saltou do trilho e tombou no barranco ao lado da curva. Morreram quatro, e a tragédia seria maior se não fosse o barranco, pois o trem cairia em cima da estação Engenheiro Lange. Essa e outras memórias são indeléveis na mente do antigo telegrafista e a sua paixão pelas locomotivas não diminuiu. “Eu adorava. Ficava na estação e os maquinistas me ensinavam a operar o trem. Às vezes, nos dias de folga eu nem ia para casa só pra ficar manobrando as locomotivas.”

Trabalho duro Arílio Ferreira (foto) tem 81 anos, é um dos sócios da Unifer. Ele entrou na ferrovia como mecânico de vagão, trocando os conjuntos de duas rodas chamadas de rodeiros. Cada um pesava 500 quilos e a força bruta era a ferramenta para movê-lo. O vagão era levantado com macacos enquanto os mecânicos consertavam cada detalhe dos rodeiros. E é esse instrumento presente em todo carro que também era usado para mover vagões inteiros quando eles descarrilavam dos trilhos. Arílio entrou na época em que o sistema de combustão das locomotivas estava sendo substituído. As máquinas a fogo, alimentadas com carvão e lenha eram trocadas por máquinas a diesel. Mas ele ainda ouvia as histórias de seus colegas que trabalhavam nas locomotivas, atravessando os extensos túneis da serra, engolfados pela fumaça densa do carvão. O pai de Arílio foi maquinista e enfrentou as condições de trabalho brutas dos anos 30 a 60, e já avisava o filho fascinado pelo universo ferroviário: “Se quiser entrar, entre. Mas é duro.” Luciano Schmidt

O passado se faz presente nas linhas que cruzam a cidade, nos locais que foram entrepostos para as locomotivas e, principalmente, nos corações e mentes das pessoas que viveram nesse mundo, que parece até outro mundo, no qual a rede ferroviária era parte essencial e integrada da vida da população. É preciso estar atento para a história que se faz presente.

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oucas notícias veicularam a morte de Marcela Prado, uma das mais importantes militantes transexuais do Brasil. Ela foi conselheira municipal de saúde de Curitiba, integrante da Articulação Nacional das Transgêneros (ANTRA) e uma das fundadoras da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT). Morreu em 2014, mas deixou seu nome como legado no Transgrupo Marcela Prado. Localizado em frente à Praça Carlos Gomes, em Curitiba, está o transgrupo. Em um edifício simples, no quarto andar, ali se encontra uma sala repleta de projetos, metas e assistência à comunidade LGBTI. Sabrina Mab Taborda é uma mulher transexual. Militante, estudante de Design de Moda, é uma das coordenadoras do Marcela Prado. Sabrina conta que o transgrupo foi criado para promover ações de atendimento e acompanhamento psicológico, consultoria jurídico (principalmente com questões relacionadas ao nome social), assistência para a preparação na inserção ao ensino superior, campanhas e palestras de prevenção ao vírus HIV, entre outros. Mas a principal discussão no transgrupo é mostrar à sociedade a diferenciação da questão da identidade de gênero e orientação sexual.

Espaço ainda não ocupado

A comunidade LGBTI luta por um lugar maior no ensino superior e no mercado de trabalho Mateus Bossoni Sarah Lima Thais Camrago Yasmin Soares

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Em sua trajetória universitária, Sabrina tem passado por algumas experiências inusitadas. A estudante relatou uma situação que considerou engraçada. Ela ri enquanto conta: “Meu coordenador me falou que fizeram meio que uma aposta pra saber quem era a trans que estava na faculdade, porque era novidade, e eu não fui citada”. Orgulhosa de quem se tornou, a estudante ressalta a importância da desconstrução dos preconceitos quanto à aparência física das pessoas LGBTI e questiona: “O que

é parecer ser trans?”. Este foi apenas um exemplo da realidade de uma transexual no ensino superior. Apesar desse relato, Sabrina tem boas recordações e amizades em seu curso. Renata Borges, mulher transexual, cabelos negros, sorriso cativante e futura engenheira pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em Apucarana, conta que o transgrupo foi um divisor de águas para sua a vida e carreira profissional. Há alguns anos, trabalhava como comerciante em lojas de calçados e roupas. Foi quando deixou as prateleiras para subir ao palco. Renata participou do Miss Curitiba Trans em 2015 e sentiu que tinha o dever de fazer algo para ajudar pessoas como ela. Foi aí que se juntou ao Transgrupo Marcela Prado. “Eu vi uma grande diversidade, tanto sobre o palco quanto fora. Foram mais de 700 pessoas diversas para prestigiar o movimento”, relata. E assim passou a se dedicar a atividades com palestras e debates. Mas não foi só na instituição que sua vida criou forma. Com muita dedicação, a estudante decidiu se aprofundar nos livros e entrar numa faculdade. Com mais de dez anos tentando ingressar no curso de Medicina, Renata passou na Universidade de Morón, na Argentina. Conquistou também uma vaga em Direito, na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Com o tempo foi se apaixonando Sarah Lima

Sabrina Taborda é uma das coordenadoras do Transgrupo Marcela Prado.

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pela área de exatas, sendo aprovada também nos cursos de Matemática, da UFPR, e pelo Sistema de Seleção Unificada (SISU), em Engenharia Têxtil, também na Federal. Optou, por fim, pela Engenharia Têxtil. No curso que é frequentado, majoritariamente,

Com a finalidade de capacitar o público LBGTI para o mercado de trabalho, o governo do estado do Paraná lançou este ano o “Pronatec LGBTI”, com parcerias da Secretaria de Estado da Justiça, Trabalho e Direitos Humanos (Seju) e do Transgrupo Marcela Prado, com o objetivo de democratizar a educação.

“Tudo para nós é um pouco mais difícil. Principalmente o convívio dentro de sala de aula, onde geralmente somos hostilizadas.” Renata Borges, estudante de Engenharia Têxtil por homens, a estudante encara desafios, como ser uma das primeiras transexuais na área de engenharias. Diferentemente da realidade de muitas trans, Renata teve o apoio de seus pais para entrar no ensino superior, tendo todo o incentivo aos estudos. Apesar do suporte familiar e de amigos, a realidade continua sendo cruel, mas esperançosa. “Tudo para nós é um pouco mais difícil. Principalmente o convívio dentro de sala de aula, onde geralmente somos hostilizadas. Pra gente, é mais difícil em relação a tudo isso, mas enxergo a inserção das LGBTIs como um grande passo de inclusão social”, confessa. A ponta de esperança é lançada quando existem incentivos governamentais para a inserção da comunidade LGBTI no ensino superior. A estudante defende que programas como o SISU e cotas (sociais e raciais) auxiliam na inclusão social, reduzindo assim a defasagem das diferenças. 12

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O projeto oferece duas modalidades para os alunos. A específica, onde as turmas são formadas de 25 alunos exclusivamente LGBTIs; e a compartilhada, na qual, em um primeiro momento, são abertas as inscrições para a comunidade e, após determinado período, as vagas remanescentes são abertas ao público em geral promovendo assim uma aproximação. O programa, que atualmente aguarda retorno do Ministério da Educação — órgão responsável pela implementação dos cursos — finalizou no dia 13 de agosto uma pesquisa de levantamento, juntamente ao Transgrupo Marcela Prado, para identificar as principais áreas de interesse do público. Entre os cursos profissionalizantes mais desejados estão o de Cabeleireiro(a), Micro Empreendedor(a) Individual e Gestor(a) de Microempresa. Já entre os cursos técnicos os mais procurados são o Técnico(a) em Recursos Humanos, Técnico(a) em Estética e o de Técnico(a) em Informática.

Alunos recebem apoio para provas de concursos e vestibulares. Um exemplo dos resultados de ações como essa é o Plano Estadual de Políticas Públicas de Promoção e Defesa dos Direitos LGBTI. Resultado de propostas aprovadas durante a 1.ª e 2.ª Conferências Estaduais LGBT, o plano foi lançado no Paraná em 2013, sendo elaborado em processo coordenado pela Seju.

As cores da superação Qual é a primeira palavra que vem à mente quando você pensa em transexuais e travestis? Se pensou em prostituição, saiba que essa é a triste realidade da maioria. Aliás, poucas são as mulheres, ou homens trans que encontram outra maneira de sobreviver financeiramente. Não é exagero dizer que essas pessoas estão esquecidas na sociedade. De acordo com uma estimativa da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), cerca de 90% dessa população está se prostituindo, nesse momento, no Brasil. Ou seja, a cada dez travestis ou transexuais, apenas um não está nas ruas. Esse número é baseado em dados colhidos pela instituição em vários pontos do país. Conforme o Relatório da violência homofóbica no Brasil, publicado pela Secretaria de

Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), o preconceito da sociedade com travestis, transexuais e transgêneros faz com que esse grupo “acabe tendo como única opção de sobrevivência, a prostituição de rua”. Essa série de atitudes e sentimentos negativos em relação a esse grupo é chamada de transfobia. Diante desse cenário desigual, é raro encontrar exemplos de pessoas dessa comunidade que conseguiram melhorar de vida em outra função. Porém, quando são descobertas, elas conseguem destaque na mídia, frente às dificuldades que passaram. São exemplos como o de Laerte Coutinho, transgênero e chargista brasileira; e Rogéria Barroso, atriz e maquiadora, que nos permitem sonhar com um futuro mais digno para o grupo LGBTI. Em Curitiba, Megg Rayara Gomes de Oliveira se destacou como a primeira travesti a ter doutorado pela Universidade Federal do Paraná. A sua conquista memorável foi motivada pelo seu desejo de construir uma carreira acadêmica qualificada. Não foi nada fácil — Megg conta que sempre se sentiu desconfortável com o gênero masculino e, mesmo assim, teve que anular sua personalidade.

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Morena, da pele castanha escura, foi vítima de racismo durante toda a sua infância. No ensino médio, tentou se tornar invisível para não ouvir os comentários sobre a sua sexualidade. Envergonhada, confessa que não teve paciência e até chegou a brigar. “Tive que partir para a porrada algumas vezes. Não me incomodava em sentir atração por meninos ou ter gestos femininos, mas não suportava ser perseguida”, confessou aliviada.

Sarah Lima

Transgrupo trabalha ainda com assistência psicológica e jurídica.

“Não me incomodava em sentir atração por meninos ou ter gestos femininos, mas não suportava ser perseguida.” Megg Rayara Gomes de Oliveira, doutora em Educação Durante a graduação, Megg expressava o gênero masculino, mas estava em uma fase de transição, “lenta e cuidadosa”, como descreveu. Passou a se depilar, tirar a sobrancelha e deixou o cabelo crescer. Assim, sua verdadeira identidade e personalidade foi tomando corpo em sua aparência. Sozinha, em casa, era durante as noites que se sentia à vontade consigo mesma. Megg, desde o início, teve um objetivo: conseguir uma carreira acadêmica de sucesso. Por essa motivação, declara que a educação é o melhor caminho para reverter o quadro de transfobia na sociedade e no mercado de trabalho. Para o futuro, otimista, Megg pretende orientar as pesquisas de outras travestis e transexuais. “Quero causar! Quem sabe compor uma banca somente com professores LGBTIs. Será um babado”, comentou. 14

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Sarah Lima

A profissão que luta Profissionais da educação também atuam na conscientização dos alunos A maioria das pessoas diz que não se pode mudar o mundo sozinho. Que se apenas uma pessoa deixar de jogar o lixo no chão, ou se apenas um homem parar de ser machista, não fará diferença. Porém, nas palavras de Max Weber, o homem não teria alçando o possível se, repetidas vezes, não tivesse tentado o impossível.

tar quando declarou sua orientação sexual para a sua família. Assim como os heteros, que não precisam identificar sua sexualidade para fazer parte de um meio, ele também não quer criar estereótipo sobre sua identidade pessoal. “Evidenciar as diferenças é se afastar da igualdade”, declarou.

Wemerson Damasio é um desses homens que tenta mudar o mundo por meio do seu cotidiano. Desde criança sempre quis fazer o impossível e, no ensino médio, encontrou a forma perfeita de concretizar seu plano. Foi em uma aula de Português que percebeu o quanto a figura do professor é importante, não só pelo número de pessoas que ele atinge, mas também pelo conhecimento humano que transpassa para seus pupilos.

Essa é uma pequena parte da história de um homem que procura melhorar o lugar em que vive. O professor que minimiza as diferenças entre os gêneros e trata todas as pessoas como iguais, valoriza não só os às características individuais de cada um, como também a humanidade presente em todos nós.

Acervo pessoal

Há dez anos, Wemerson realizou o sonho de ser professor e é visível o seu amor pela profissão. Militante da educação e do diálogo, acredita que as aulas são a melhor forma de combater as diferenças e ensinar que a igualdade e o respeito são essenciais para o convívio social. Como professor, Wemerson assume a responsabilidade de ensinar a ideologia de gênero aos alunos, para que eles entendam a realidade da comunidade LGBTI.

O grupo se reune nas terças, quartas, quintas e sextas.

Homossexual e casado, enfrentou vários preconceitos por ser gay, mas se orgulha de ter resolvido todos as situações de maneira pacífica. Com expressão espantosa, ele me criticou quando utilizei o termo “assumir” para pergun-

Professor luta contra preconceito em sala de aula. Jornalismo PUCPR Revista CDM

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Nada além do horizonte

Em um mundo cada vez mais globalizado, em cidades pequenas ainda há quem nunca tenha saído de onde mora Gabriel Callegari

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Gabriel Callegari Joshua Raksa Marcus Ribeiro Rafaela Cortes Revista CDM Jornalismo PUCPR

iagens sempre foram um fascínio aos olhos do ser humano. Em 1873, o escritor francês Júlio Verne lançava a história de um inglês, Phileas Fogg, que fez uma aposta milionária com os amigos de que conseguiria dar a volta ao mundo em 80 dias, e o fez. O livro rendeu um Globo de Ouro e o Oscar de melhor filme à versão adaptada para as telas de cinema pelo diretor Michael Anderson em 1957. A aventura inspirou muitos viajantes, inclusive Charles Valey, um ex-bilionário norte-americano que, aos 46 anos, já teria visitado os 193 países reconhecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Hoje, ele detém o status de homem mais viajado de todo o planeta. A distância de 2.882.291 quilômetros trilhados pelo viajante nem se compara aos pouco mais de 30 km que separam Piraquara do centro de Curitiba, a maior distância percorrida pela dona de casa Alzira Castro da Luz em seus 57 anos de vida.

e seus sete irmãos se mudaram então para a região central ­­– nenhum deles nunca ultrapassou os territórios da cidade –, na época ainda conhecida como Deodoro.

De chinelos e meia, Alzira conta que o lugar que mais gosta da cidade é sua casa. Ela passa a maior parte de seu tempo realizando trabalhos domésticos e cuidando de seus três netos e um bisneto. A atenção para a família é o principal motivo pelo qual ela não vai muito além do bairro onde mora desde que se casou, quando tinha 16 anos.

A história vivenciada pela dona de casa não é muito diferente da que vive seus dois filhos que também moram na cidade ou de seus pais, que nunca conheceram além de Piraquara. Para o sociólogo Samuel Vidilli, esse fato se configura diferente de um isolamento social, no qual não há condições para que aconteça um deslocamento. Segundo ele, esses casos curiosos são consequências da própria cultura local – presente que, às vezes, encara a saída do território como a perda de origens e da corrupçao da pessoa para a vida moderna das cidades, uma tradição que se perpetua de geração para geração.

O casamento foi o motivo da segunda mudança de casa que ela teve dentro de Piraquara. A primeira foi quando a barragem da cidade, localizada próxima à Serra do Mar, alagou o terreno da família de Alzira. Ela, seus pais

Durante a vida de casada, estar em casa foi muito comum devido aos cuidados que tinha com os dois filhos e o marido, um agente penitenciário que morreu há 12 anos. “Eu cuidei dele até o fim da vida e olha que não foi fácil. Quando ele estava em casa, era porre o dia inteiro, quebrava as coisas, dizia que ia largar tudo, passava 20 dias fora sem dar satisfação, sofri”, conta. Mesmo com a maior parte dos netos já ao menos na adolescência, Alzira não tem muita vontade de largar a rotina de cuidados com o lar e diz não ver muitos atrativos na cidade onde nasceu e se criou: “Não tem muita coisa pra ver por aqui, só o Parque das Águas e... mais o quê?”, questiona.

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sociedade Rafaela Cortes

Um dos maiores contatos com culturas diferentes que personagens como estes chegam a vivenciar (além do que é proporcionado pelas tecnologias) são os estrangeiros que chegam até suas cidades. É o que acontece com Piraquara. A maior parte da cidade-dormitório, localizada ao norte da capital paranaense, é tomada pelos rios que abastecem os curitibanos e áreas de preservação que conservam porcentagens mínimas do que sobrou de Mata Atlântica. O que resta dos 227 mil km² é habitado por aproximadamente 93 mil habitantes, uma proporção que vem crescendo em um ritmo acelerado devido a programas de habitação, como a Cohab e Minha Casa Minha Vida, que trouxeram o que Alzira chama de “muita gente estranha” para a região.

palmente porque os novatos não conseguem se adaptar exatamente à cultura daqueles que viveram a vida toda ali. “Um estrangeiro sempre será um estrangeiro, por mais que ele viva aquela cultura nova nunca conseguirá a assimilar por completo, não porque não quer, mas porque não consegue viver como um nativo, afinal ele não é”, explica o estudioso citando o sociólogo Georg Simmel. Nas palavras de Damião, o que mais se conserva da cultura do interior é o contato próximo com a vizinhança e com a natureza. A possibilidade de estar próximo de um bioma rico foi um fator influente para a decisão que teve de

“A América de Baixo é uma cidade maravilhosa (se referindo a um bairro de Morretes), a gente comia laranja, mimosa, banana, mamão. Tem tudo por lá.”

Damião Alves de Lima, natural de Sabáudia (norte do Paraná) não simpatiza muito com os novatos. “Antigamente, você entrava no ônibus e cumprimentava todo mundo. Hoje você já não conhece mais ninguém. Antes, o pessoal até avisava quando tinha gente diferente, mas agora não dá mais. É todo dia gente nova na região. Tá tendo muito roubo… Piraquara tá feroz”, lamenta com voz e mãos trêmulas o topógrafo aposentado de 56 anos que não sai da cidade desde o início dos anos 1980.

Marlene Coutinho, dona de casa

Segundo Vidilli, o estranhamento ou “medo” que os nativos têm em relação aos que chegam à cidade é normal, apesar de não o considerar saudável. Ele explica que isso acontece princi18

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não sair mais do local. Há 60 quilômetros dali, em Morretes, Marlene Coutinho, de 83 anos, conta como a fauna e flora se tornaram a riqueza daqueles que não tinham muito dinheiro. “A América de Baixo é uma cidade maravilhosa (se referindo a um bairro de Morretes), a gente comia laranja, mimosa, banana, mamão. Tem tudo por lá”, lembra da época em que ela morava a dois quilômetros para dentro da mata em uma casa de madeira onde sobe o Rio Marumbi. O primei-

Vizinhos: Damião visita Alzira constantemente, para lhe fazer companhia. ro emprego de Marlene também tinha origens naturais: colhia jasmins para uma fábrica de papel e até mesmo as roupas que usavam eram cuidadosamente feitas pela mãe. O motivo por nunca ter saído da pequena cidade de pouco mais de 16 mil habitantes foi a necessidade de cuidar dos pais que envelheceram rápido. A irmã mais velha e outra muito próxima de Marlene a ajudaram na função e até construíram outras duas casas no terreno

da família. Dos outros 16 irmãos, a maioria foi para Curitiba ou cidades do Paraná, alguns morreram morreram ainda na infância. Com o passar do tempo, hoje, Marlene é a única que permanece em Morretes. Sem ter de quem cuidar, limitada por uma cadeira de rodas e no estágio inicial da doença de Alzheimer, Marlene passa o tempo na varanda contando os vagões.

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Jaqueline Dubas

Entre os leitos da escola Crianças e adolescentes têm o direito de continuar seus estudos durante tratamento médico, por meio da escolarização hospitalar e domiciliar. O sistema é referência no Paraná Ivo Tragueto Neto, Jaqueline Dubas, Kátia Oliveira e Kevin Cruz

A

bre-se uma porta de vidro. O local? O Hospital Erasto Gaertner, em Curitiba, referência em tratamento ao câncer. Ao entrar no quarto está Sara, uma menina de 13 anos. Sentada na cama, de pijama rosa e verde, com desenhos de rosquinhas de chocolate, e uma touca azul e rosa, ela aguarda a chegada da professora. Sara Carolina Shamanski está no primeiro ano do ensino médio do Colégio Estadual Jayme Canet. Desde o diagnóstico de sua doença (meduloblastoma, um tumor do cerebelo de rápido crescimento), a estudante e seus pais sabiam que os estudos poderiam ser prejudicados, quando se iniciasse o tratamento. O colégio entregava as tarefas diárias aos pais, Marcela e Ivan, para que ela fizesse os deveres em casa. 20

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Com o tempo, o tratamento de quimioterapia e radioterapia fez com que Sara ficasse mais tempo internada. Foi então que os pais foram atrás de informações para que sua filha não perdesse o ano letivo. Foram até a escola e receberam o auxílio para buscar o apoio da escolarização hospitalar. “O tratamento vai até a primeira quinzena de dezembro, então ela terá aulas aqui dentro do Erasto. É muito importante porque, assim, ela não perderá o ano”, explica a mãe. Ivan conta que quando a filha não está internada, ou seja, em período de descanso em casa, por três vezes na semana ela vai ao hospital somente para ter aula com as professoras do Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar (Sareh). Orgulhosa, a mãe relata que ela já fala em ser médica veterinária,

Sara estuda no leito do Hospital Erasto Gaertner.

gosta de estudar e se empenha para aprender os conteúdos, mesmo estando no hospital. Com o livro de Português e um lápis, Sara presta atenção na aula da professora Fabiana. Diferentemente da escola, a aluna está sentada na cama interligada a aparelhos que ajudam em seu tratamento. A professora Fabiana Ribas leciona no leito, e explica: “Antes vejo se a Sara está bem para ter a aula. Caso esteja medicada, não é possível. Quando vejo que ela está podendo estudar, temos aula aqui no leito”.

Vergília Belém, Dayane Nascimento, Viviane Maito e Maria Elisa Bartosilvicz, todas de jalecos lilás, são professoras do ensino fundamental e trabalham com o Programa de Escolarização Hospitalar (PEH), da rede municipal de ensino. Já Leila Lirino, de jaleco verde, é docente do já citado Sareh, pertencente ao governo estadual.

Jalecos

No HC, o modelo de educar é a escolarização hospitalar, diferente da educação hospitalar: o professor tem o papel de ajudar o aluno a aprender o que está previsto em sua grade

Em outro ponto de Curitiba, pacientes aguardam sua vez de serem atendidos na recepção do maior hospital público do Paraná, o Hospital de Clínicas (HC), da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ao subir até o 13.º andar, na porta ao lado do elevador, está escrito, bem visível, em letras coloridas: escolarização hospitalar. Quando ela se abre, a visão é de que estamos entrando em uma sala de aula. Na sala, estão presentes cinco professoras, todas de jalecos, porém coloridos – são quatro lilás e um verde.

“Às vezes, a criança está no segundo ano, e devido ao tratamento, a gente ainda está trabalhando conteúdo do primeiro ano. A parte defasada a gente vai revisando pontualmente e percebemos que os resultados são bastante satisfatórios. Conseguimos avançar na questão da alfabetização, por exemplo, e a gente percebe um avanço da criança e vemos que a

curricular e faz um parecer para a escola de origem do paciente. A professora Viviane explica que todo o processo de avaliação, aplicação do conteúdo, até a avaliação final é feito em horas.

Educação hospitalar • •

Processo que visa ao desenvolvimento físico, intelectual e moral da criança; Voltada para o lúdico, ou seja, para as brincadeiras e atividades que desenvolvem a criatividade.

Escolarização •

Voltada à aprendizagem e alfabetização;

A escolarização domiciliar é realizada na casa do paciente caso não esteja apto a frequentar a escola;

Previsto em lei, assim como o direito à educação.

A duração e a estrutura de aula depende da condição de saúde e da dificuldade do paciente e também da disponibilidade do professor

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educação

família se envolve”, conta a professora Dayane Nascimento, a novata da equipe de escolarização do HC.

se quando colocarmos o pé aqui pela manhã, o aluno estará no leito. Ele pode ter recebido alta ou não estar vivo”, relata Viviane.

Viviane ressalta que o compromisso social feito no hospital é o currículo escolar de cada criança. Por isso, é necessário elas saberem até onde os professores podem intervir na vida de seus alunos. Eles têm a função de ensinar e não podem ir muito além disso.

Os professores que lecionam em hospitais são “romantizados” pela maioria das pessoas por um trabalho feito para garantir o direito à educação previsto pela Constituição Brasileira. Viviane constantemente é questionada pelas pessoas sobre seu local de trabalho e, ao

Kevin Cruz

educação

“Meu trabalho não é lindo, é necessário.” - Viviane Maito, professora do HC Para trabalhar com escolarização hospitalar, os professores necessitam ter um perfil, pois as dificuldades e desafios são diárias. “Tem que ter paixão e interesse. Então depois, na prática, você vai se aperfeiçoando e não larga mais”, relata Maria Elisa. Outro desafio colocado pelas docentes é que ser professor em ambiente hospitalar é diferente. “Nós não podemos planejar uma aula em casa e achar que vai aplicar no hospital, porque nós não sabemos

responder que dá aulas em hospitais, a maioria das reações é de admiração por achar “lindo” o trabalho dela. “As pessoas acham que usamos nariz de palhaços e brincamos com as crianças. Nós não somos ‘Doutores da Alegria’. Então, precisamos colocar as coisas no devido lugar para que a realidade da gente chegue para as pessoas”, e enfatiza: “Meu trabalho não é lindo, é necessário”.

Kevin Cruz

Mesmo se conhecendo a pouco tempo, a professora Viviane e Ana Clara já compartilham um grande vínculo. 22

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educação

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faço a triagem dos alunos do dia, pois, aqui é um hospital de trauma, os pacientes ficam dois ou três dias internados. Logo, no período da tarde, os professores chegam e fazem atendimento educacional.”

PEH X Sareh Os dois programas oferecem apoio educacional aos alunos que estão impossibilitados de frequentar a escola devido à internação hospitalar ou tratamento de saúde, mas:

O Programa de Escolarização Hospitalar faz parte da rede municipal de ensino e trabalha com crianças do Ensino Fundamental I (1.º ao 5.º ano).

O Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar pertence à rede estadual de ensino, que abrange os alunos que estão no Ensino Fundamental II (do 6.º ao 9.º ano) e o Ensino Médio.

Pediatria

escola. Ela diz que esse serviço induz a crian-

No setor de Pediatria do Hospital de Clínicas está Ana Clara Barcelos, de 6 anos. No momento da aula de Matemática. Ela segura o lápis e olha para o nada, pensando em qual número vem depois do 19. Enquanto isso, a professora em seu lado dizia: “Vamos lá, até o 30!”, para que ela conte até o final.

ça, a pensar e criar, deixando-a mais ocupada

Internada há três dias, a menina teve aula com a professora Viviane no leito da pediatria. A causa da internação foi uma crise de asma, que nunca havia se manifestado, mas que foi confirmada pelos médicos. A pequena, com um pique gigantesco para fazer as atividades, disse

fessora diz: “São seus”. Com as mãos esticadas,

“Eu gosto de estudar”, com os olhos brilhantes e aquele sorriso no rosto, fazendo a tarefa aplicada pela professora. Claudiane Barcelos, mãe da pequena paciente, elogia o serviço de escolarização e afirma que os estudos aplicados pela escolarização hospitalar são de boa qualidade, assim como na

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No HUC, as aulas são planejadas a partir do interesse do aluno. Os professores trabalham com conteúdo didático e também atividades lúdicas. Niura conta que o hospital recebe pacientes de diferentes classes sociais, alguns são crianças que estão fora da escola em situação de abandono e passam por trauma psicológico. Sendo assim, a pedagoga observa a importância de implantar um projeto educacional social dentro da escolarização hospitalar. Em 2015, surgiu o Projeto Interdisciplinar, no qual professores de diversas áreas podem trabalhar com os alunos. Esse projeto consiste em conteúdo de educação social, aborda a violência, privação de liberdade, drogas, entre outras abordagens.

no leito. No fim da aula, Claudiane conta que Ana re-

Dentro do Sareh do Hospital Cajuru, outro projeto está sendo desenvolvido, a Biblioteca Solidária. O espaço atenderá tanto os alunos quanto aos colaboradores. Niura mostra os livros que já estão sendo catalogados.

cebeu alta e então a pequena se levanta para se despedir da professora, com uma caixa de lápis de cor, uma tesoura e uma borracha nas mãos, para devolver. Ela se surpreende, pois, a pro-

Educação para todos Em outra realidade de estudos em ambiente hospitalar, no Hospital Universitário Cajuru (HUC), quem coordena o setor escolar é a pedagoga Niura Bicalho. Seu papel é organizar o trabalho para os professores que fazem parte do Sareh. “Eu chego pela manhã,

Para a psicóloga Iolanda Galvão, do Hospital Erasto Gaertner, a Escolarização Hospitalar é reconhecida pelo Ministério da Educação, o que é muito importante: “A partir de 2007, a Escolarização Hospitalar começou a ser vista como política pública, tanto que neste ano completamos dez anos. Temos alunos que após passarem pela escolarização hospitalar, são colocados novamente no meio acadêmico e continuam sua jornada estudantil. Hoje temos relato de estudantes que já estão na faculdade”. A escolarização hospitalar e a escolarização domiciliar são previstas em lei por se enquadrarem no direito à educação prevista pela Constituição Brasileira. Apesar de o sistema paranaense ser forte na sua atuação, o mesmo não ocorre em alguns pontos do país. Existem programas de educação hospitalar em todo o Brasil, porém, a maioria não consegue alcançar efetivamente o seu propósito. Por isso, o Ministério da Educação planeja uma revisão no sistema de escolarização domiciliar para tentar solucionar os pontos falhos e conseguir atender os seus objetivos. Kevin Cruz

insiste em devolver, e a professora novamente

exclama: “São seus!”. A menina para, olha para cima, nos olhos da professora, e sorri, demonstrando agradecimento.

Reconhecimento

A pedagoga Niura Bicalho coordena o setor de educação hospitalar do Hospital Cajuru. Jornalismo PUCPR Revista CDM

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educação

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A justiça é para todos

Auxílio jurídico eficaz é um benefício exclusivo dos ricos? Escolas de Direito de universidades públicas e privadas unem a necessidade de ensinar com a necessidade de ajudar nos Núcleos de Práticas Jurídicas dos cursos de Direito Guilherme Novakoski Lívia Mattos Michel Moreira Rebeca Franco

“S RESUMO DO FLUXO DE ATENDIMENTO NOS NPJs

e uma mulher engravidar de mim, eu a mato.” Essa era a frase que Ana Rita Crauss ouvia constantemente de seu ex-marido, agressivo, chegando do bar todas as noites. Tentativas de agressão, humilhações e ameaças são algumas das atitudes que Ana precisou suportar durante três anos de casamento. Agora, a auxiliar de serviços gerais em uma escola em Curitiba faz parte de um grupo que, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é formado por um milhão de famílias brasileiras constituídas por mães solteiras. Aos seis meses de vida, Bruno Henrique, o filho de Ana Rita, viu o pai ir embora. Hoje, com 1 ano e sete meses de idade, não recebe qualquer ajuda financeira legal. O maior questionamento dela é “como criar uma criança, recebendo do ex-marido apenas um pacote de fraldas e seis litros de leite por mês?”. Mesmo empregada, a profissional não consegue arcar financeiramente com um processo jurídico para obter a pensão do filho. Após procurar vaga em toda a cidade, não conseguiu uma creche para a criança e atualmente paga R$ 600 mensais para arcar com as despesas de uma babá. Mesmo adulta, recorre mensalmente à mãe, Nascia Francisca

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Josefa Crauss que, com 57 anos, a ajuda no pagamento das contas. Nesta situação de baixa renda e sem condições de bancar um advogado particular, Ana encontrou no Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) a esperança para um futuro melhor. Agora, a auxiliar desloca-se do bairro Uberaba com a satisfação de quem conseguiu dar entrada em um processo jurídico. A situação familiar de Ana Rita faz parte de uma das áreas de maior atuação do NPJ. Aberto à comunidade, ele é organizado pela Escola de Direito e tem o auxílio dos alunos do último ano do curso, que são obrigados a realizar atividades sociais para se formar. Além da PUCPR, Curitiba ainda conta com NPJs em outras instituições de ensino, como a UniCuritiba, Universidade Positivo e Universidade Federal do Paraná. O coordenador do curso de Direito da PUCPR, Antonio Kozikoski, explica que o NPJ costuma atender mais comumentemente os moradores da região próxima ao campus, mas está à disposição de toda a comunidade que se enquadre na situação de vulnerabilidade e

necessidade do suporte jurídico. Já a coordenadora do Núcleo de Práticas Jurídicas da Universidade Positivo, Taís Ambrósio, explica que a universidade adota uma outra via de atuação, descentralizada e em parceria com juizados, fóruns e postos de Defensoria Pública, além dos projetos junto aos Tribunais Superiores e ao Ministério Público, com grande demanda para a regional da Cidade Industrial de Curitiba (CIC), atendida pelo curso. Ambos os coordenadores reforçam a dualidade benéfica exercida pelo Núcleo de Práticas Jurídicas, no que consideram um salto para a justiça social cidadã, bem como para a desenvoltura acadêmica dos estudantes. No outro lado do espectro, os coordenadores defendem os benefícios advindos da prática empírica, experimental, nas várias faces do exercício do Direito, para além da bolha da teoria. Com um front de atuação formado pelo corpo docente das universidades, além dos advogados especializados para levar os processos às vias oficiais, os estudantes podem ser ao mesmo tempo aprendizes e mentores, a serviço de cidadãos como Ana Rita, que agora espera a próxima ligação, na esperança de novidades. Jornalismo PUCPR Revista CDM

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comportamento

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Uma vida mais verde

João Vitor explica que eles estudam o espaço onde a horta será colocada, desde o tamanho do ambiente até a exposição à luz solar, para, então, decidir a profundidade dos vasos, a terra utilizada e os produtos que poderão ser cultivados. Para ambientes muito pequenos, não é recomendado o plantio de verduras. Os mais ideais para estas ocasiões são os temperos, explica Mateus.

Para produzir os próprios alimentos, muitos estâo investindo em hortas domésticas, mesmo em espaços reduzidos Ana Lucy Fantin Débora Macedo

A

os 3 anos de idade plantou sua primeira batata. Com 11, já tinha sua própria horta. Hortaliças, verduras, legumes, tubérculos e frutas. Tudo isso fazia parte da vida cotidiana de Henrique Zolet, 19 anos, até que, por conta dos estudos, teve que se mudar para uma selva de pedra. Henrique conta que não imaginava que sentiria tanta falta de ter seu alimento fresco a poucos passos, sempre que quisesse. “Era tão natural que eu nem percebia. Apenas quando me mudei, passei a sentir falta. Muitas vezes, na hora de cozinhar, falta alguma coisa que eu esqueço de comprar no mercado, pois, antes, eu tinha dentro da minha própria casa.” Zolet morava no interior de Santa Catarina, mais especificamente em Chapecó. Lá, junto com sua família, cultivava uma horta que lhes proporcionava alimento fresco e saudável à mesa. Agora, residindo em Curitiba, sem conseguir superar a falta que faz uma horta, ele improvisou sua plantação de temperos em seu apartamento de 90m². Com apenas algumas garrafas pets, um pouco de terra e algumas mudinhas, Henrique tem manjericão, orégano, hortelã, alecrim e pimentas a sua disposição, penduradas na parede da pequena sacada de seu prédio. Nada comparado ao que tinha em Chapecó, mas pelo menos agora suas refeições 28

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têm o sabor de temperos frescos, colhidos na hora. Outra prova de que não há desculpas para criar uma horta doméstica são as soluções criadas pelos alunos de agronomia, João Vitor e Mateus. Sabendo da importância de consumir alimentos orgânicos, cultivados domesticamente sem o uso de agrotóxicos, os estudantes criaram seu próprio negócio: a empresa Coma Bem Hortaliças e Hortifruti. Desde então, os jovens se dedicam a fazer hortas domésticas personalizadas de acordo com o espaço disponibilizado pelo cliente. Dessa forma, os estudantes vão até a casa do comprador, fazem uma avaliação do espaço e do ambiente e, então, produzem a horta – vertical ou horizontal, com os produtos desejados pelo cliente: temperos, verduras ou frutas plantados por eles mesmos.

Variedade

Plantação doméstica de manjericão.

crédito: Débora Macedo

as mais profundas, com mais de 60 cm, e as mais rasas. O manjericão, alecrim, pimenta, sálvia, capim cidreira e louro são alguns exemplos que estão no primeiro grupo. Enquanto isso, cebolinha, salsinha, orégano, coentro, manjerona e hortelã estão entre as menos “espaçosas” e podem ser plantadas em pequenos recipientes.

A engenheira agrônoma especialista em hortas orgânicas Roseli Salles dedicou sua vida aos estudos sobre hortas domésticas e suas melho- Roseli, além de indicar a plantação, também res aplicações para o dia a dia. Roseli também dá o exemplo em sua casa. Tem dois filhos: um concorda que não é necessário muita coisa para menino de 15 e uma menina de 4, mora em

crédito: Débora Macedo

Horta doméstica com diversos temperos.

“Há uma infinidade de coisas que se pode cultivar. É claro que cada espaço tem suas limitações, porém para plantar, basta encontrar o que mais se adequa ao local disponível e plantar.” - Roseli Salles, agrônoma se ter uma horta, basta querer. “Há uma infinidade de coisas que se pode cultivar. É claro que cada espaço tem suas limitações, porém para plantar, basta encontrar o que mais se adequa ao local disponível e plantar.” Roseli classifica as plantas em duas categorias:

apartamento, tem sua própria horta horizontal e incentiva a família a ter contato com a natureza. Maria Julia já teve seu primeiro sucesso plantando uma batata doce em um potinho com água, que até a publicação desta matéria já deve ter virado alimento para a pequena. Jornalismo PUCPR Revista CDM

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economia

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Entre linhas e fios

Costureiras contam como conseguem se manter apesar da crise Anna Laura Ferraz, Bruna Bonzato, Maria Seabra

de corte e costura. Não é difícil perceber a importância que este detalhe tem na vida da costureira, que conta emocionada: “Quando eu comecei, não sabia muitas coisas, então orava. Depois, vinha na minha mente tudo o que eu precisava fazer.” Os valores das costuras de Ana variam de acordo com o modelo que seus clientes pedem. “Um vestido é a partir de R$70, já os de festa são em torno de R$350 e R$400.” Os ternos masculinos saem em média R$350, mas, caso você queira apenas um ajuste ou conserto de zíperes vai gastar de R$15 a R$25. “Sempre me procuram para diminuir roupas, ajustes de modelo e até mesmo mudança de modelos, daí o preço é relativo.” O salário também varia de acordo com o mês (de um salário mínimo e meio a dois), já que alguns são mais movimentados do que outros. Após terminar de montar a calça, Ana dobra a peça e a coloca em uma pilha de roupinhas infantis. Enquanto

As pedrarias do vestido são todas costuradas ã mão. Bruna Bonzato

“Esse trabalho não é mérito meu. Foi Deus que pôs esse dom em minhas mãos.” - Ana, costureira

A máquina de costura que acompanha Sebastiana há 23 anos. Bruna Bonzato

A

s olheiras evidenciam as noites mal dormidas por conta do trabalho. Ana, como prefere ser chamada pelos seus clientes, amigos e familiares, costura uma pequena calça. O tecido colorido contrasta com as cores neutras de sua máquina de costura, que esteve com ela por boa parte dos 23 anos de trabalho como costureira. Filha de um lavrador de café, nasceu em Paranavaí, norte do Paraná, e depois de se mudar para Telêmaco 30

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Borba, trabalhou em uma loja de roupas e calçados por quase 16 anos. Após a morte do pai, mudou-se com a mãe em 1990 para São José dos Pinhais e, quatro anos depois, com a falência da confecção de lingerie na qual trabalhava, conseguiu realizar o sonho de costurar. Com suas unhas compridas, ela manuseia as agulhas com cuidado e após fazer uma marcação na peça, revela que nunca fez um curso

Bruna Bonzato

as estampas se misturam, a costureira desabafa sobre a falta de estabilidade econômica que a profissão traz, mas, como uma provocação, afirma que, para um bom profissional, nunca falta trabalho. “Na realidade, esse trabalho não é mérito meu. Foi Deus, na sua infinita bondade, que pôs esse dom em minhas mãos e me ensinou tudo o que eu sei hoje em dia.” Os fios são organizados de acordo com suas cores.

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Sua formação em Desenho Industrial precedeu o curso de Administração, que mais tarde a levou ao curso básico de montagem de peças. Entre especializações e pequenos investimentos, Patrícia Amaro teve seu primeiro contato com a máquina de costura caseira, uma simples ferramenta que aguçava a sua curiosidade, mas que, em breve, iria mudar o rumo de sua profissão.

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tam em um ateliê caseiro, onde Patrícia atende cerca de 150 clientes ativos, recebendo entre dez e 15 pedidos de oupas/trajes feitos sob medida e em torno de três consertos por mês. “Todo mundo sempre tem alguma coisa para costurar. Comecei não cobrando, e depois passei a cobrar para custear meus aperfeiçoamentos, porque tudo é um investimento”, aponta a costureira, natural de Umuarama.

é a flexibilidade de horários, segundo Patrícia, que também não omite as desvantagens de trabalhar por conta própria no ramo da costura. “A maior dificuldade é a exploração de mão de obra. Muitos acham que é só uma costurinha e não entendem que existe todo um processo. Então, na maioria das vezes, querem pagar

Bruna Bonzato

Mudanças de mercado

“A maior dificuldade é a exploração da mão de obra.” Patricia, costureira muito pouco. Se você não correr atrás do seu objetivo financeiro, ele não vai garantir o final do mês.” Mesmo diante dos desafios diários que envolvem a sua profissão, a costureira afirma que a sua satisfação é ver os clientes felizes e, é claro, voltando.

Há 15 anos radicada em Curitiba, a desenhista achou na costura a possibilidade de aliar uma maior atenção à sua família ao trabalho caseiro, que teve início com serviços gratuitos e, aos poucos, foi ganhando forma e aperfeiçoamento. Oportunidades e confiança passaram a andar juntas e a trilhar o caminho de seis anos de experiência com a costura que, hoje, resul32

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Para quem está começando, Patrícia aconselha investir em acabamentos, cursos e práticas. “Se envolva com seu cliente, crie um ambiente agradável de trabalho, cuide dos prazos e não tenha medo de arriscar. Quando se conquista um cliente, pela criatividade e pela excelência do seu trabalho, você cria uma estabilidade.” Outro ponto positivo do trabalho autônomo

Peças e mais peças são produzidas todos os dias.

Bruna Bonzato

De acordo com a economista Victoria Gonçalves, em momentos de instabilidade econômica, principalmente, quando ela causa uma alta no desemprego e queda na renda da população, é muito comum que o trabalho informal volte a crescer. “No caso das costureiras autônomas, que trabalham em uma área bastante especializada do segmento no mercado da moda, há otimismo para quem quer seguir neste caminho”, encoraja. Entretato, ela afirma que a concorrência é muito grande e ressalta a importância da inovação no processo de produção ou no produto em sí. “É preciso se atentar às mudanças contínuas do mercado consumidor, oferecendo um produto de qualidade sem perder o foco do negócio, além de reduzir os custos para otimizar os lucros”, ressalta a economista.

As costuras são feitas com muito cuidado.

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Os movimentos anticiência

Trazendo ideias já abandonadas pela ciência séculos atrás, grupos se tornam cada vez mais numerosos Leanderson Moreira

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explicações para o formato de nosso planeta, que também afirma estar a Terra localizada no centro, cercada pelos demais astros, está correta. Para Trovão e todos os seguidores de sua página, as teorias que sustentam a ideia do globo nunca foram provadas. A ideia da Terra plana foi amplamente aceita no mundo por muito tempo, e apesar de soar estranha para a maioria das pessoas hoje em dia, ela continua sendo suportada. Os chamados “terraplanistas” se multiplicam com a ajuda da internet, e afirmam que já são milhões por todo o mundo.

leigos para apresentar conceitos que desafiam a Física”, afirma ele, se referindo ao conceito do viés de confirmação. Ele continua: “Não existe nenhum cientista sério que já tenha provado que a Terra seja plana, usando cálculos matemáticos. Somente elucubrações e teorias da conspiração”. Em 2012, o climatologista e professor da USP Ricardo Felício foi entrevistado por Jô Soares em seu programa noturno, falando a respeito do aquecimento global. Na entrevista, o pro-

“A ciência só está certa quando concorda comigo.”

Pode haver verdade nesta última afirmação. Em um mundo globalizado em que o presidente dos Estados Unidos da América, o empresário e bilionário Donald Trump, coloca em dúvida a própria existência do aquecimento global, se torna natural que seu posicionamento ecoe em todo o restante do mundo. Começa-se a duvidar do que a ciência “diz saber”, e perde-se a verdadeira noção de como ela funciona.

Paulo Miranda (Pirula), youtuber

“A ciência só está certa quando concorda comigo.” Essa frase é o título da palestra apresentada por Paulo Miranda Nascimento, biólogo e doutor formado pela Universidade de São Paulo (USP). Na internet, ele é mais conhecido pelo apelido “Pirula”, e é dono de um canal no Youtube com mais de meio milhão de inscritos. Desde 2011, Pirula, que também é cientista, se dedica a postar vídeos semanais a respeito de assuntos que envolvem o mundo científico. Ele frequentemente fala sobre sua árdua tarefa como divulgador de conhecimentos, e como 34

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cada vez mais a ciência vem sendo tratada como uma religião, em que a “fé” ou vontade de acreditar se sobrepõe aos métodos replicáveis, os quais representam o alicerce do conhecimento científico. Do outro lado do espectro, temos frases como “o movimento da Terra nunca foi provado” e “a Teoria da Relatividade foi inventada”, proferidas por Samuel Trovão, criador da página “A Terra É Plana”, com mais de 70 mil curtidas no Facebook. Para ele, uma das mais antigas

Não mais a ciência é um conjunto de conhecmentos obtidos comprováveis e testáveis, mas uma ideia abstrata que requer fé. Aqueles que compartilham desse posicionamento, então, vão em busca de outros estudiosos que concordem com seus pontos de vista, por mais escassos que eles sejam dentro da academia. Esse fenômeno é conhecido como confirmation bias, ou viés de confirmação, tema sobre o qual Pirula costuma falar com bastante frequência.

fessor desmantelou, com seus argumentos de autoridade, o que ele disse ser uma farsa. O vídeo viralizou na internet em poucos dias. A posição de Felício, respeitado por seu aparente status dentro do meio acadêmico, deu luz a um pensamento antes pouco difundido. Subitamente, pessoas que nunca antes tinham se interessado pela ciência acreditavam estar sendo “acordadas” para a verdade, numa analogia estranhamente parecida com a revelação bíblica recebida por Moisés da parte de Deus.

Essa referência bíblica não parece estar longe da verdade, já que Trovão afirma que existe um viés religioso em seu interesse pelo tema e pela teoria da Terra plana como como centro do un Eduardo Freitas, acadêmico e geógrafo, reafir- teoria da Terra plana estão inúmeros pesquisama este posicionamento. “Os defensores da te- dores especializados no assunto. “Nós já temos oria da Terra plana se baseiam em argumentos cientistas, geofísicos e físicos com doutorados questionáveis, de supostos ‘cientistas’, que por ou em processo de conclusão de doutorados sua vez se valem da falta de conhecimento dos que já assumiram o fato de que a Terra é plana. Essas pessoas já sofreram muita retaliação, inJornalismo PUCPR Revista CDM

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ciência

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o papel de fonte, já que sua área de especialização é focada justamente na Astronomia. Este fato, relevante para o jornalismo, é bastante diferente do foco do conhecimento científico. Enquanto no texto jornalístico não existe a necessidade de que o especialista cite a origem

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de seus argumentos (já que se supõe que ele os possua através de estudos na área), no meio científico acontece algo diferente.

A palavra de um cientista precisa clusive no ambiente acadêmico. A ciência atual estar sempre embasada no que outros cientissó reconhece quem é a favor do consenso”. tas já estudaram e disseram antes dele. E é esse Freitas rebate esse argumento, citando o fato de mecanismo que torna o conhecimento, paraque comumente aqueles que acreditam nessa doxalmente, elitista, o que pode afastar aqueteoria “utilizam termos técnicos para parecerem les menos empenhados em entender o que se é mais verossímeis”. Ele continua dizendo que a dito, tornando-os mais propensos às teorias da teoria “é bem imaginativa, baseada em conceitos conspiração. ultrapassados há quase mil anos e útil somente Aguiar tem ciência deste fato, dizendo que para seus defensores, que ganham audiência em “para combater a pseudociência, precisamos, seus vídeos e posts”. antes de tudo, estabelecer programas sócio-poQuando recebemos a resposta de Douglas Ro- líticos que facilitem o ingresso à educação, e, drigues Aguiar, acadêmico e administrador da então, ensinar a importância da lógica na orpágina “Universo Racionalista” (com quase dois ganização do raciocínio, o impacto dos vieses milhões de curtidas no Facebook), por texto, ela cognitivos na percepção da realidade, e como continha nove páginas. Nelas, Aguiar explanava avaliar os dados, as evidências e a qualidade de em detalhes todas as dúvidas que trouxemos até um estudo”. Para ele, as teorias conspiratórias ele. Além disso, havia fontes, o que é pouco usu- como a da Terra plana, surgem num contexto al em entrevistas. Isso porque Douglas preenche de analfabetismo científico e má compreensão dos aspectos fundamentais da ciência. 36

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Teorias conspiratórias famosas Paul McCartney morreu em 1966

Uma das teorias mais famosas, é a de que Paul McCartney, cofundador da banda The Beatles e lenda do rock, morreu em um acidente de carro no ano de 1966, depois de uma briga com o amigo de banda John Lennon. A história fala que o carro explodiu depois de capotar, e Paul não teria conseguindo sair, morrendo carbonizado. A polícia britânica chamou seus colegas de banda que, depois de reconhecerem o corpo, decidiram continuar com a banda e contaram com um concurso de sósias organizado pela Revista Teen Beat para achar o novo Paul. O planeta é oco e seres habitam o seu interior A teoria da Terra Oca circula no meio cientifico a centenas de anos, sendo um dos primeiros a acreditar nela o astrônomo e matemático britânico Edmund Halley, que viveu no século 17. Halley, que também foi responsável por calcular quando o comenta que recebeu seu nome passaria pela Terra novamente, era fascinado pelo campo magnético do planeta e percebeu que o campo variava com o tempo, e isso só era possível com a existência de vários campos, chegando a conclusão de que a Terra era oca e composta por quatro esferas, uma dentro da outra.

Já no século 18, o norte-americano John Symmes, concluiu que, além de ser oco, o planeta possuiria duas entradas, localizadas nos polos, levando o governo americano a realizar um expedição à Antártida para encontrar as entradas, obviamente sem sucesso. O grande teatro do homem pisando na Lua A teoria é de que o homem nunca pisou na Lua e de que tudo não passou de um filme produzido pelo cineasta Stanley Kubrick em um estúdio em Hollywood. A teoria de que este fato teria sido uma fraude se apoia em “evidências”, para as quais não haveria explicação mais lógica. Uma dessas “evidências” é o fato de que a bandeira tremulando é algo impossível, já que não há atmosfera na Lua. Na verdade, a bandeira não se mexia com o vento, apenas enquanto o astronauta Buzz Aldrin a colocava. Apesar disso, os fatos e argumentos costumam não fazer muita diferença para quem acredita nessa teoria.

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Outros físicos reafirmaram essa ideia, chegando a afirmar que existia um sol dentro do planeta, que oferecia luz e calor aos “habitantes superiores” que estavam lá. Jornalismo PUCPR Revista CDM

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saúde

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Relações do inconsciente Os sonhos podem ser ser utilizados como ferramentas para autoconhecimento e reflexão Erica Hong

“M

eu irmãozinho sonhava que meu avô estava indo para o céu, assim... dando tchau, e, no dia seguinte, meu avô morreu.” Michele Christie Boldt, 20 anos, é de família evangélica e nunca foi de ignorar sonhos. Tanto para ela quanto para a família, os sonhos sempre foram muito fortes e cheios de significados. Desde que era pequena, sua mãe perguntava a respeito deles e até hoje eles compartilham suas experiências.

Para Carl Jung, fundador da Psicologia Analítica, o inconsciente se manifesta de maneira metafórica, ou seja, de maneira não literal. E esse contato com a linguagem metafórica está evidente no contato com expressões artísticas, nas pinturas, na música, na expressão corporal, nos mitos e contos de fadas, assim como nos próprios sonhos. Por isso, muitas vezes, quando lembramos de um sonho, ele parece não fazer sentido, “sem pé nem cabeça”. O trabalho com sonhos visa a resgatar esse sentido.

Os sonhos, manifestações cotidianas da nossa mente que muitas vezes não levamos a sério, podem trazer consigo um significado, como defendia Sigmund Freud em sua obra, A Interpretação dos Sonhos (1900), os sonhos representavam um mistério, além de ser um fenômeno psíquico, no qual são realizados desejos inconscientes. Ou seja, o inconsciente tenta resolver, por meio dos sonhos, conflitos existentes que podem ser recentes ou mais antigos.

A psicóloga Larissa Ramalho Flor explica que as análises dos sonhos são feitas em conjunto com o paciente, sempre visando ao lado pessoal do indivíduo, o que determinada imagem

Terapeuta do Grupo Vivencial dos Sonhos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Carla Zafalon Gouveia explica que o inconsciente é tudo aquilo que não podemos perceber, sentir e compreender por meio da consciência, mas ele é parte de nós também. “O trabalho com os sonhos nos possibilita entrar em contato com esses conteúdos inconscientes.” O projeto busca trazer um espaço de autorreflexão, em direção ao autoconhecimento, por meio dos sonhos.

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“Teve uma questão no grupo em que todo mundo naquele dia trouxe um sonho de infância. Foi uma coisa bem louca, e há alguns assuntos no sonho que realmente impactam, como as questões do inconsciente que são trazidas à tona”, relata Michele.

“O trabalho com os sonhos nos possibilita entrar em contato com esses conteúdos inconscientes.” –– Carla Zafalon Gouveia, psicóloga em seu sonho significa para ela, se ela consegue fazer alguma associação com alguma questão na sua vida. Após isso, é feito uma amplificação, na qual as significações das imagens dos sonhos são relacionadas a questões culturais no contexto em que este indivíduo está inserido. “Na psicologia analítica, temos esse viés mais simbólico, em que, por exemplo, uma pessoa sonha com água, então pergunto, o que a água remete para você? Qual o significado? Têm alguma situação na sua vida que te traga uma Jornalismo PUCPR Revista CDM

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emoção lembrando de água? E, então, podemos trazer um significado mais universal desse símbolo”, exemplifica Larissa.

Larissa destaca que realmente há essa relação muito forte entre o corpo e a mente, sendo

“Existem muitos aspectos nossos que estão em potência e em latência no nosso inconsciente, e que também nos estruturam, mas a gente não tem consciência daquilo.” –– Camila Sydol, estudante de Psicologia O inconsciente, para Camila, está sempre tentando se integrar à consciência, trazendo aspectos pessoais que ainda não estão bem desenvolvidos. “Quando a gente nasce, somos apenas o inconsciente e o ego vai brotando do self, vai brotando e vai se constituindo. Existem muitos aspectos nossos que estão em potência e em latência no nosso inconsciente, e que também nos estruturam, mas a gente não tem consciência daquilo”, comentou. Camila também é pesquisadora na área de psicologia analítica, com enfoque nos sonhos. Ela acrescenta que a importância de prestar atenção ao sonho está na forma com que o in40

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Segundo Carl Jung, o inconsciente se manifesta de maneira metafórica. Cristielle Barbosa

Como uma forma de entender o que está acontecendo em sua vida, Camila Sydol faz terapia jungiana, e leva relatos de seus sonhos para direcionar seus pensamentos. “Minha perspectiva mudou depois que comecei a estudar e me envolver com a análise de sonhos. Consigo pensar melhor sobre situações e sentimentos que eu tenho. Além de me ajudar bastante na vida acadêmica. Tornei-me uma pessoa melhor”, disse.

consciente tenta se manifestar, como também de outras maneiras. Por exemplo, um sintoma como pedra no rim, pode ser uma manifestação do inconsciente, porém, como é um sinal físico, somente tratar o sonho não vai adiantar, é necessário tratar fisicamente também. Mas todas as dores do corpo são da alma. Então, além de tratar fisicamente, você precisa voltar essa atenção ao emocional, mudar sua atitude. “É uma visão um tanto quanto positiva da vida”, conclui.

uma linha tênue chamada de psicossomática, que não é necessariamente uma causa psicogênica – atribuída a fatores psicológicos– daquele problema físico. Porém, deve-se tomar cuidado ao fazer essa relação, pois problemas físicos podem ser multifatoriais, o psicológico pode ser mais um, como também, pode não ser. “Como psicóloga eu não gosto que colocar essa predominância, mas ele é também um dos fatores. Quando a gente olha para o sintoma sob esse viés da psicologia do sonhos é muito interessante, porque realmente aquilo pode trazer algum significado interno para você, trazer algum sentido para esse sintoma”, finaliza.

Dominando o território Uma das únicas formas de se controlar o próprio inconsciente é conhecida como sonhos lúcidos. Neles, você é capaz de qualquer coisa, já que consegue controlar seus sonhos de acordo com a sua vontade, através de uma ciência chamada “onironáutica”. Um onironauta, palavra grega que significa “explorador de sonhos”, conduz os próprios sonhos. Michele relata que se lembra de um sonho lúcido em que voava. “Foi mágico, sempre quis sonhar que voava. Naquele momento, eu sabia que estava em um sonho, e pensei que queria voar, e então aconteceu! Nunca vou esquecer.” A psicóloga Gabriela Andersen Irias Martim

diz que há relatos de sonhos lúcidos, porém ainda não há comprovação científica, e é um fenômeno que tem sido estudado. “Ainda estamos partindo do relato e como nos baseamos em um ponto de vista científico, nós vamos necessitar de mais elementos do ambiente que descrevem essa situação ou de que forma isso traz alguma evidência de uma ordem científica”, afirma. Durante o sono, nossos cinco sentidos continuam funcionando, apesar de estarmos inconscientes. Essa espécie de universo paralelo no qual mergulhamos em nossos sonhos são manifestações do nosso inconsciente que podem dizer muito sobre a nossa vida. E muitas pessoas relatam que conseguem controlar suas ações nessa viagem que a mente faz. Jornalismo PUCPR Revista CDM

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Adianta contar até 10?

não queria fazer tratamento com remédios, não queria ir ao psicólogo nem nada, porém quando eu aceitei isso que as coisas começaram a fluir e eu fui melhorando.” Uma visão abissal, um desespero que pode ser comparado até mesmo à própria morte. A falta de ar, o nervosismo, a dor no peito e o infinito sentimento de aflição deixavam Heluiza em estado de alerta, como se seus pés estivessem à beira de um abismo e ela não pudesse contornar os olhos para ver se algo a ameaçava por suas costas.

Para quem sofre de transtorno de ansiedade, momentos simples tornam-se pesadelos e exigem muita força e determinação Crédito: Ema Oliveira, Giovanna Rell, Hanna Siriaki, Julia Favaro Julia Favaro

cognitivos, emocionais e fisiológicos, mas todos geram sofrimento. Ela explica que o perigo está no excesso: “A ansiedade é a resposta fisiológica, cognitiva e emocional frente a uma situação entendida como estressora. Porém, em excesso, pode trazer danos, podendo levar até mesmo a transtornos mentais.” O transtorno de ansiedade generalizada (TAG), faz com que a pessoa sofra de preocupação excessiva altas expectativas de forma incontroláveis, permanecendo por no mínimo por seis meses, aliado também à inquietação,

“É preciso que você mesmo reconheça essa doença em si.” Heluiza Sarnik, atriz

O distúrbio chega a afetar cerca de 9,3% da populaão brasileira.

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uem vê o sorriso estampado no rosto da jovem atriz e também consultora de vendas Heluiza Ramin Sarnik, de 22 anos, não imagina os monstros que ela enfrenta diariamente para lutar e conviver com a ansiedade. Um roteiro cujos novos atos ela desconhece, uma cena improvisada, um corte brutal, uma plateia em silêncio. Heluiza conta que a descober-

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ta do transtorno veio acompanhada também de um surto de depressão, quando, no fim de 2016, as luzes do seu palco se apagaram. “Eu sempre fui uma criança ansiosa, mas quando eu fui morar sozinha parece que tudo piorou. Foi então que eu tive um surto de depressão e nisso acabei sendo diagnosticada também com transtorno de ansiedade. No começo, eu relutei muito para ser internada,

Mas ela não é a única a compartilhar desse temor. O transtorno de ansiedade atinge hoje milhões de pessoas pelo mundo todo, porém, no Brasil é que o problema realmente se agrava. Segundo relatório divulgado em fevereiro pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o país é o que mais contém pessoas ansiosas no mundo, afetando cerca de 9,3% da população. Esse transtorno pode ser causado por diversos fatores clínicos e psicológicos, variando de pessoa para pessoa. Pode-se denominar tais tipos de transtornos ocasionados pela ansiedade: transtorno de ansiedade generalizada, fobia social, transtorno obsessivo compulsivo (TOC), fobia específica, transtorno do pânico e transtorno de estresse pós-traumático. Segundo a psicóloga comportamental Camila Banach, cada um desses tipos de ansiedade tem suas características específicas, sintomas

cansaço, irritabilidade, dificuldade de concentração, tensão muscular e perturbação do sono, Quem deve lidar com a TAG observa pouco a pouco o desempenho na escola ou trabalho decrescendo e a todo momento a sensação de “nervos à flor da pele”, distração, ou o famoso “deu branco”. Quem já sofreu de ansiedade generalizada foi a universitária Camila Novakowski. Ela conta que na época em que sofreu do transtorno, não tinha vontade de sair de casa, porém, Camila não se deixou abalar. Aliando consultas e atividades que a agradavam, ela evoluiu no tratamento e fortaleceu seu psicológico. “Sou uma pessoa bem mais calma agora e não sofro por antecedência. Procurar apoio das pessoas próximas a você também conta muito”, explica. Apesar de não diagnosticado, o jornalista Alessandro Pinheiro teve uma crise após se Jornalismo PUCPR Revista CDM

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Julia Favaro

uma anamnese bem profunda para conseguir diferenciá-las”. Para Ficanha, não existe segredo, a “receita” é aliar medicação e psicoterapia. Existem multifatores que podem desencadear o distúrbio com relação à ansiedade, fazendo com que, segundo a psicoterapeuta Ficanha, seja necessário levar em conta a cultura atual, estilo de vida, genética pessoal e até alimentação e personalidade, além das experiências de vida que ela teve. Pessoas que costumamos dizer que são mais negativas, pessimistas, que não vivem o aqui e agora, vivem sempre no futuro”, exemplifica.

No início, Heluiza relutou em aceitar o tratamento. deparar com problemas pessoais e profissionais que desencadearam reações como dores de cabeça e incômodo nas costas. Em seu dia a dia, ele tenta tomar algumas precauções para que não tenha problemas com uma nova crise. “Tenho que estar sempre calmo, não devo criar expectativas e não pensar muito sobre o que está me incomodando.” Por meio de pesquisas, o jornalista chegou à conclusão de que poderia ter o transtorno, e foi alertado por especialistas a procurar ajuda quando preciso. Ao perceber que há algo de errado consigo mesmo e olhar atentamente aos sintomas, tende-se muitas vezes a confundir o transtorno de ansiedade com depressão. Apesar de se distinguirem entre si, ambas têm a prevalência de casos no Brasil, no qual 5,8% da população é afetada pela depressão. Entretanto, a psicóloga 44

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Camila Banach elucida que, na depressão, os sintomas transpõe a tristeza, podendo causar alterações nas capacidades funcionais da pessoa acometida, com um fator principal: a perda do sentido da vida, junto com dores do corpo, tristeza profunda, perda de interesse em fazer coisas que antes eram prazerosas e que pode desenvolver um transtorno de ansiedade. Especialista em transtorno de ansiedade, a psicoterapeuta Lurdes Zucchello Ficanha esclarece que na depressão existe a culpa, o remorso, aspectos que na ansiedade não há, além de que, “na depressão a pessoa não tem taquicardia, nem sudorese. Na ansiedade o comum é a insônia. Na depressão, também há insônia, mas o que é mais comum é a hipersonia, que é quando a pessoa dorme bastante para querer fugir da realidade. Com isso, precisa ser feita

O neurologista Mauro Gomes Araujo elenca primeiramente os eventos traumáticos na infância e vida adulta, seguido de “estresse relacionado a doenças físicas sérias, acúmulo de estresse e abuso de substâncias, fazendo com que gere no organismo alterações no fluxo sanguíneo do cérebro e mudanças da oxigenação sanguínea, devido à aceleração respiratória, assim como explica Araujo. “Em janeiro de 2016, 80% dos meus clientes tinham algum transtorno de ansiedade. Em julho do ano passado, eram 100%. Foi aí que me chamou a atenção pela quantidade de casos que estavam aparecendo. As pessoas buscavam ajuda psicológica por outros motivos, e no decorrer do processo a ansiedade estava presente”, afirma. Para a psicoterapeuta, esse aumento se explica pelo fato de o cérebro humano não estar adaptado à era tecnológica vivenciada hoje e a situação se agrava cada dia mais, o que é previsto pela OMS: em 2020, haverá o maior número já registrado de pessoas afastadas de seus trabalhos pelo transtorno de ansiedade, depressão ou estresse. Um cenário preocupante.

Tipos de ansiedade Entenda as diferenças entre as formas que a ansiedade pode se manifestar. Estresse pós traumático: Após presenciar um acontecimento traumático, a pessoa passa a reviver o evento.

Transtorno obssessivo-compulsivo: Presença de pensamentos obssessivos e necessidade de realizar alguns rituais para suprimi-los. Fobias: Medo excessivo e irracional revelado pela presença ou antecipação da presença de um objeto ou situação que causa pavor. Generalizada: Há uma preocupação excessiva e incontrolável, geralmente associada à uma tensão muscular, insônia e irritabilidade. Social: Medo persistente de situações em que a pessoa acredita estar exposta à avaliação dos outros.

Agorafobia: A ansiedade que se sente em locais onde possa ser difícil ou embaraçoso escapar.

Transtorno de pânico: Os ataques se repetem e há alteração de comportamento associados ao medo de novas crises. Induzida por substâncias: Uso de determinadas substâncias pode desencadear transtornos. Os sintomas aparecem durante ou após a intoxicação.

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Das estantes às telas

Mãe de gêmeos, Roberto e Letícia, Luciane elaborou receitas saudáveis para crianças e as publicava em um blog que chegou a ter mais Mesmo em uma sociedade na qual páginas de 5 mil acessos por mês em 2014. Ainda viram telas a todo momento, histórias similares assim, a nutricionista decidiu compilar todas às de Gabriela não são incomuns. De acordo as suas receitas e lançar um livro, mesmo sendo com dados de 2016 da Association of Ameinexperiente no ramo das publicações. Os morican Publishers (AAP), os livros digitais, ou tivos da escolha são muito claros para Luciane: e-books, representam apenas 12% da venda de consolidação do trabalho. livros no Brasil, movimentando cerca de US$ “Apesar de eu ter conquistado muitos dos 2,4 milhões anualmente. meus leitores on-line e a internet ter me aberto Dessa maneira, levanta-se o questionamento: várias portas, sempre pensei em ter um livro ao passo que o público opta cada vez mais publicado para me afirmar como alguém impelas plataformas digitais de jornais e revistas, portante na minha área. E como sempre achei por que os livros ainda são preferidos em suas que meu conteúdo é bem único e inovador, versões físicas? pensei ‘por que não?’”, conta a nutricionista. aparelhos otimizados para a leitura, como o Kindle ou o Nook.

Mesmo com o avanço da tecnologia, muitos ainda preferem utilizar livros físicos. E-books representam 12% da vendas de livros no Brasil Bernardo Vasques crédito: Pedro Freitas

Cercado por um mar de páginas, Edilson se orgulha de sua biblioteca pessoal.

“E

les fazem eu me sentir parte da história, do contexto em que foram escritos, sem tecnologia, em máquinas de escrever”, disse Gabriela Silvestre, estudante de Direito, 20 anos, quando indagada sobre o que a fazia preferir os livros de papel aos digitais. A moça mostrava a pilha de livros ao seu lado, e quando foi pedido para que indicasse um exemplar 46

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“Apesar de eu ter conquistado muitos dos meus leitores on-line e a internet ter me aberto várias portas, sempre pensei em ter um livro publicado para me afirmar como alguém importante na minha área.” - Luciane Lima, nutricionista

que marcou sua vida, foi direto em 1984, clássico de George Orwell.

Gabriela Silvestre diz que, além de literatura, também opta pelo papel na hora de comprar livros universitários. A estudante afirma que mesmo sendo normalmente grandes e pesados, os livros físicos facilitam na hora de fazer anotações, sublinhar e adicionar, nas palavras da estudante, os “tão valiosos post-its”.

Em complemento a essa visão romântica, Gabriela contou que sente certa dificuldade em olhar por muito tempo para telas brilhantes como a do celular e a do computador, e que nunca viu necessidade em comprar

Entretanto, não são apenas os leitores que optam pelo papel. Muitos produtores de conteúdo online decidem publicar livros como forma de alavancar suas carreiras. É o caso da nutricionista Luciane Lima.

Acumulação, saudosismo ou nostalgia? Colecionadores estão por toda parte. Juntando desde objetos comuns, como camisas de futebol, a peças inusitadas, como tampas de creme dental, é difícil não conhecermos alguém com alguma coleção. E com livros isto não é diferente. Segundo uma pesquisa da agência de markeJornalismo PUCPR Revista CDM

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ting inglesa Colour & Thing, um dos motivos que fazem as pessoas não abrirem mão dos livros de papel é a possibilidade de colecioná-los, expondo-os em grandes estantes e organizando de diversas maneiras possíveis.

Por que as pessoas ainda escolhem livros físicos? Confira uma lista com os principais motivos de quem ainda opta pela opção não-digital:

O advogado Edilson Cardoso mostra sua coleção e a descreve detalhadamente. O colecionador diz que precisou deslocar seus livros para outro apartamento em função da quantidade, e que possui livros que estão em sua família desde seu bisavô. De clássicos da literatura brasileira, como Lucíola, de José de Alencar, passando pela tradicional Enciclopédia Barsa, e chegando a uma infinidade de livros jurídicos, a coleção de Cardoso se espalha por mais de 50 compartimentos de um quarto destinado especialmente a ela.

O advogado relata sua dificuldade em manter uma forma de organização por muito tempo. Ao longo dos mais de 40 anos em que coleciona livros, já dispôs seus exemplares de diversas maneiras: autor, ano de lançamento original, gosto pessoal e até mesmo já etiquetou uma gaveta com a classificação “livros que me fazem espirrar”.

Olhos que veem são que sentem A dinâmica de uma sociedade tecnológica tem gerado novos objetos de estudo para diversas áreas, incluindo a Medicina. A leitura constante de livros em plataformas digitais, como computadores, celulares ou tablets está diretamente associada a prejuízos causados à visão. O oftalmologista Pedro Serenski conta sobre 48

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Curiosidades sobre o consumo de livros

A experiência tátil: o toque do livro, o peso e cheiro do papel, as páginas marcadas. Isso é difícil de emular nos livros digitais;

A experiência de coleção: muitos leitores amam mostrar sua biblioteca pessoal em estantes;

A experiência de aprendizado: muitos acham mais fácil estudar com vários livros abertos na mesa, em comparação à várias janelas em um dispositivo eletrônico;

Distração

Gosto 15% 25%

Qual o principal motivo para as pessoas lerem?

A experiência de revenda: você pode trocar um livro usado por créditos na loja, vendê-lo ou dá-lo. Mesmo que você possa dividir eBooks, não é a mesma coisa;

11% Religião

7% 5%

7% Escola/-

Escola Faculdade

A experiência de compra: livrarias são mágicas. Compras online são experiências solitárias.

Outros

Não Não sabe Sabe

um novo termo que vem ganhando força na comunidade médica: a Síndrome da Visão de Computador.

Trabalho

Ambiente de trabalho tecnológico Escola

Esta síndrome ocorre em pessoas que passam muito tempo em frente a telas do computador ou do celular, seja no ambiente de trabalho ou por lazer. A constante emissão de luz pode gerar sintomas como dor de cabeça, dificuldade de foco na visão, fotofobia e ardência nos olhos. O oftalmologista alerta que muitas pessoas, além de passarem horas utilizando computadores no trabalho, continuam expondo a visão ao realizarem leituras digitais em casa, se tornando mais propensas a terem desconfortos na visão.

19%

Atualização Atualização Cultural cultural

Crescimento Crescimento 10% pessoal Pessoal

No trabalho, as pessoas tendem a utilizar mais de e-books e plataformas virtuais para leitura

3 9

88

Trabalho

61

14

25

Legenda: Em papel

Digital

Ambos

Fonte: Câmara Brasileira do Livro

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Para que um homem torne padre, os estudos chegam a exigir dez anos de dedicação e trabalho espiritual Texto: Jaqueline Dubas e Kátia Oliveira Edição: Ivo Tragueto Neto e Kevin Cruz

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Kevin Cruz

Vocação ou profissão?

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ilberto Rodrigues de Oliveira Filho é seminarista e está prestes a se formar como teólogo, após quase dez anos de estudo. Ele frequenta o Seminário São Vicente de Paulo, da Congregação da Missão Província do Sul, em Curitiba, onde ingressou em 2008, e estudou por cinco anos. Agora, é estudante de Teologia, após ter também cursado Filosofia.

G

seminarista Cláudio Serralheiro conta que a decisão de se tornar padre, foi bem diferente da maioria dos casos, pois ele acabou ingressando no seminário com quase 28 anos. Geralmente, essa jornada se inicia na adolescência. A dificuldade, no caso de Serralheiro, se deu, por conta de trabalho. Trabalhava desde os 14 anos, mas sempre teve essa vontade no coração e não desistiu.

O rapaz tem paixão pela missão. Um dos seus sonhos é fazer um trabalho missionário na América Latina, mas não despreza outras possibilidades. Hoje, ele está no último ano de Teologia, o que falta para se tornar o que deseja, e conta que, desde os 8 anos, ele queria estudar e seguir esse dom. Sua jornada iniciou-se aos 23 anos.

Até que um dia, Claudio conheceu os salvatorianos, congregação que busca mostrar Jesus como Salvador do mundo. Hoje, ele

Foi a partir do Concílio de Trento em 1563, com o objetivo de condenar as novas doutrinas protestantes, além de reafirmar os dogmas da fé católica, que foram criados os seminários nas dioceses, voltados para a formação da razão e da fé do futuro presbítero da Igreja. Antes disso, o homem que desejasse ser padre, recebia as ordens sacras, ajudando seu bispo local. Depois disso, o Concílio Vaticano II e o Código de Direito Canônico elaboraram mais detalhadamente como deve ser a formação do clero. Hoje, para ser padre, há duas opções, com no mínimo oito anos de estudo. A primeira é ingressar em um seminário por dois anos e depois seguir fazendo duas graduações, Teologia e Filosofia, ou inverter esse caminho, e primeiro fazer os cursos e, mais tarde, o seminário. Com uma aliança na mão esquerda, que representa seu casamento com Deus, o 50

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cursa Filosofia, realizando um de seus sonhos. “Acho que Deus faz as coisas na hora certa. Se eu tivesse entrado antes, ou em outra ordem religiosa, que não fosse a dos salvatorianos, talvez as coisas não dariam tão certo, como hoje.”

Vida no seminário Ao contrário do que pensamos, viver num seminário não é um bicho de sete cabeças, cheio de regras, de alienação do mundo real. Há quem diga que é uma vida muito restrita e distante da realidade. No entanto, Serralheiro conta que, para ele, “é muito gratificante ter um estilo de vida, no qual podemos dedicar todo nosso tempo para servir a Deus.” Arquivo Pessoal - Claudio Serralheiro

Mesmo tendo dificuldades, Claudio nunca desistiu do sonho de seguir a vida no seminário. Jornalismo PUCPR Revista CDM

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comportamento me acostumando, e hoje isso não mexe mais comigo.” Gilberto analisa sua vida religiosa como vocação.

Kátia Oliveira

Da agricultura para o sacerdócio

Gilberto frequenta o seminário São Vicente de Paulo desde 2008. Ele conta que, no seminário, também são feitas atividades domésticas. Todos têm uma escala da semana e fazem de tudo, inclusive cozinhar. Lá, também, recebem visitas da comunidade, pois é um lugar que as pessoas podem frequentar, livremente. “Acham que o seminário é um lugar fechado, inatingível,

Castidade Para Claudio Serralheiro, quando você faz votos de castidade, você não é melhor ou pior do que ninguém, você não tem uma relação maior ou menor com Deus. Trata-se da forma que você escolheu para se relacionar com Ele. Porém, “as pessoas acham que

“Se eu tivesse entrado antes, ou em outra ordem religiosa (...), talvez as coisas não dariam tão certo como hoje.” - Cláudio Serralheiro, seminarista inacessível, mas não é isso, muito pelo contrário. É tudo muito tranquilo.” Para Gilberto, a vida no seminário é comum. Ele segue uma rotina, levanta às 5h30 e, às 6h15, é o momento de oração na capela, e logo depois tomam o café da manhã. Então, eles vão à faculdade e, na parte da tarde, fazem seus afazeres pessoais e domésticos da casa. “Vivo lá com mais dois padres, então é mais tranquilo. Às vezes, há casas com 20 pessoas”, disse rindo. 52

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a falta do ato sexual, é o mais difícil. Para mim, não é. O mais difícil é ficar longe dos familiares. O difícil é entender que você não vai ter uma pessoa ao seu lado, para construir uma família”, disse. Já para Gilberto, essa questão foi complicada. “No começo, foi difícil, pois eu imaginava como seria minha família, ou, quando via um casal com seu filhinho, ficava pensando que estava abrindo mão disso, que não teria essa oportunidade. Mas depois fui

Ao chegar à igreja, a frase é automática: “Sua benção, padre?” “Deus o abençoe.” Alto, sorridente, sem batina, com uma roupa comum. Este é o padre Moisés Mittelstaed, da Paróquia Universitária Jesus Mestre. Nasceu na cidade de Crissiumal, no Rio Grande do Sul, fronteira entre Brasil e Argentina, uma cidadezinha do interior onde o modo de vida é simples, e “a fé é o alimento das pessoas”, diz ele. Mittelstaed é tradicional de família católica, da Paróquia Sagrado Coração de Jesus. O padre escreveu o livro Basta Que Eu Saiba, no qual conta como é a vida interiorana e como respondeu à vocação religiosa. “Eu não tive um chamado. Houve um momento em que um padre que me conheceu, e me disse que iria fazer minha inscrição no seminário, Não foi o primeiro. E aí, eu fui. Hoje, sou padre, mas ainda não sei exatamente o que é, porque a cada dia é um aprendizado.” Até os 23 anos, o religioso viveu na roça, se especializou em Agroecologia, para trabalhar na lavoura junto aos seus pais. Mas a vida foi o encaminhando para a religião. Começou participando de grupos de jovens, fez missões religiosas, catequese, por vezes representou a comunidade em congressos, e, assim, foi nascendo o gosto pela congregação. Por isso, todos falavam: “Você vai ser Padre”. Moisés conta que seu projeto de vida era construir uma família, viver na roça, mas a missão religiosa foi mais forte. “Meus pais

falam que, se por acaso eu quiser sair da vida de sacerdote um dia, as portas estão abertas.” Para o padre, de 39 anos, sua vida é normal. Ele vai ao trabalho de bicicleta, faz caminhada, vai ao cinema, a restaurantes. “Amanhã mesmo vou escalar uma montanha. É meu dia de folga. Parece que padre é um bicho estranho, mas não é (risos)”, relata. Diferentemente de outros sacerdotes, Mittelstaed conta que ser padre em uma paróquia dentro da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, lhe deu uma vida financeira segura, pois ele tem horário a cumprir e recebe salário pelo trabalho desenvolvido como em qualquer outra profissão. “Eu desenvolvo um trabalho religioso, cumpro horários, tenho folga e recebo pelos dias trabalhados”, explica o sacerdote.

Serviço Missas na Paróquia Universitária Jesus Mestre, localizada no campus da PUCPR em Curitiba

• • •

Segunda a sexta - 7h20 e 18h30 Sábado - 17h Domingo - 11h

Adoração ao Santíssimo

• •

Quinta-feira, das 12h às 13h 1º sábado do mês - 16h

Atendimento Sacramental

• • • •

Celebrações de batismo Catequese para adultos Casamentos Confissão e atendimento

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Pais moleques!

Sarah Lima

Quando a realidade de ser pai na juventude se torna um desafio e uma responsabilidade Mateus Bossoni Sarah Lima Thais Camargo Yasmin Soares

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uno, Os Garotos da Minha Vida e Simplesmente Acontece são alguns filmes que registram acontecimentos voltados à gravidez na adolescência. Apontam e discutem os desafios, rejeições, medos, angústias, anseios, planos e a incerteza do futuro. A maternidade e paternidade precoce são discutidas, ainda que existam falhas nas abordagens. A falta de informações relacionadas à paternidade precoce é visível. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) do ano de 2016, mostram que há 5,5 milhões de crianças brasileiras que em sua certidão de nascimento consta apenas o nome da mãe. Diferentemente das estatísticas que abordam somente números relacionados à maternidade precoce, existem jovens que assumem as responsabilidades e os desafios de ser pai na juventude. Um exemplo deles é Richard Ágape Kramer, de 17 anos que sempre sonhou em ser pai, talvez não tão cedo, mas a vida reservou essa surpresa. Estudante de um curso técnico em Meio Ambiente, o jovem ainda não concluiu o ensino médio e espera ansiosamente por sua filha Rebeka. A esposa, Michelle Ágape Kramer, de aparência cansada por conta dos quase nove 54

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meses de gestação, esboça sorrisos quando fala do nascimento da filha. Após um ano e três meses juntos, veio a notícia: Michelle estava grávida. Nesse sentido, o apoio dos pais foi essencial para a aceitação e tranquilidade durante esse momento. Residentes da região metropolitana de Curitiba, Richard e Michelle já moravam juntos quando descobriram que iriam ser pais. Michelle conta que a primeira pessoa para quem contou que estava grávida foi sua sogra, antes mesmo de Richard saber. “Elas têm uma relação ótima, não fiquei chateado por minha mãe ter ficado sabendo antes que eu”, explicou. Assim que Richard soube da notícia, ficou com receio, mas contente. Seu maior medo foi contar aos pais (sem saber que a mãe já tinha conversado com Michelle), que ao contrário

“Eu quero saber como será esse ‘serumaninho’.”

Richard Ágape Kramer, estudante

do que esperava, ficaram contentes e ansiosos pela chegada de Rebeka, que acaba de nascer. O pai relata o quanto está ansioso pela chegada da filha, ainda mais faltando tão pouco para o nascimento. “Eu quero saber como será esse ‘serumaninho’”. Se ela tem cabelo claro ou escuro, se ela puxou a minha cor de pele ou a dela, se puxou a minha cor de olhos ou da família dela. Estou muito ansioso para conhecer, para pegar ela no colo, para sentir, sabe?”. Para o psicólogo Rael Dill de Mello, especializado em assuntos juvenis, é importante esclarecer que não há um consenso científico

de qual a idade certa que uma pessoa pode se tornar pai ou mãe. “Talvez a maior questão seja o desenvolvimento do pai. Então, às vezes

O jovem casal enfrenta

a pessoa tem um estudo não concluído, uma rotina de vida social da qual acaba abdicando por conta da nova responsabilidade de ter um filho. Ao contrário de casais mais velhos, que têm uma estabilidade maior ou mesmo ter planejado um filho”, explica Mello.

juntos os desafios e responsabilidades.

Mesmo com as dificuldades que já passaram e as que virão, o pai de Rebeka acredita em sua mudança como pessoa. “Agora é tudo novo, partindo da responsabilidade. Antes eu não tinha responsabilidade nem por mim direito, porque meus pais sempre me mantiveram. Jornalismo PUCPR Revista CDM

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comportamento

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Aí você casa e vai ter uma filha bem em seguida. São duas responsabilidades. Você tem que amadurecer de uma hora para outra, não tem outra opção.”

Arquivo pessoal

Ivo assumiu a responsabilidade de ser pai aos 19 anos.

Faltando pouco para a chegada de sua filha, o futuro pai acredita que junto a responsabilidades, o amadurecimento é também importante. “Um homem só amadurece de verdade quando cuida de outro ser”, revela.

Arquivo pessoal

Ivo Monteiro junto de seus cinco filhos comemora a união de sua família. 56

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Rael Dill de Mello, psicólogo Ouvia de algumas pessoas que seus pais “estavam errados” ou que “não saberiam criá-la”. Apesar disso, a jovem nunca deixou se abalar, e continua admirando seu pai por sua determinação e, também, por preservar os laços familiares, mesmo com a distância. Ela mora em Paranaguá e seu pai, Ivo Monteiro, vive em Curitiba. Porém, mesmo em meio à correria do dia a dia, o contato entre eles é mantido.

O passado no presente De acordo com índices de 2015 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as características de uma mãe adolescente no Brasil é predominantemente negra ou parda (69%), 85,4% delas não completou o ensino médio, 92,5% se dedicam a afazeres domésticos e 59,7% não estudam e nem trabalham. Diferentemente da maternidade, os dados sobre o futuro de um pai na juventude ainda são mínimos.

“Talvez a maior questão seja o desenvolvimento do pai.”

“O principal empecilho foi que não tínhamos onde morar. As condições eram as mais adversas que se possam imaginar”, relata Ivo Monteiro Junior, motorista, 39 anos, de aparência serena e singela. Ivo foi pai aos 18 anos, recebeu a notícia assustado após a namorada da época contar que sua menstruação estava atrasada e achar que estava grávida. A confirmação da notícia veio com o teste de gravidez positivo, com uma mistura de euforia e medo. Apesar do inesperado, Ivo Monteiro constata que não sentiu arrependimento em nenhum momento.

Vinte e um anos depois de ser receber a notícia de que seria pai, Ivo conta que não faria nada diferente. Mesmo diante de todas as dificuldades que enfrentaram, Ivo sempre foi um pai presente na vida da filha. Faziam juntos tudo aquilo que gostavam, assistiam a desenhos e conversavam sobre diversos assuntos.

do papel social que o menino assume depois”. As responsabilidades divididas precisam ser vistas como uma necessidade de criar vínculos, de pai para filho e de mãe para filho. Assim como maternidade é sinônimo de afeto, carinho e cuidado, a paternidade também deve ser. Sarah Lima

Richard recebeu a notícia com medo da reaçao de seus pais, mas feliz.

Ivo deixou claro que, em todas essas ocasiões, inclusive nas sessões de cinema, ele sempre se divertia mais do que qualquer um. Para ele, as coisas aconteceram exatamente da forma que tinham de ser.

Do outro lado da história está Erica Banques Monteiro, filha de Ivo Monteiro, já com seus 20 anos de idade, conta que ter pais jovens não afetou em nada sua infância e criação.

Os papéis sociais estabelecidos sobre paternidade e maternidade ainda são alarmantes, como relata o psicólogo Rael Dill de Mello. “É aquela velha história do brinquedo, de que de menino é um carrinho, de menina um bebê, brinquedo de menino é um foguete, de me-

Com suas memórias, Erica relata que quando criança, nunca se sentiu diferente de seus colegas de escola e amigos, mas que já sofreu preconceito pela idade de seus pais.

nina um bebê, de menino é uma bicicleta, de menina um bebê, uma mamadeira, é um carrinho de bebê. É óbvia essa relação de identidade da mulher na infância com a representação

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Pai, mãe e filho? Familias brasileiras cada vez mais fogem do padrão tradicional Erica Hong e Carolina Piazzaroli

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ães e pais solteiros, divorciados que unem suas famílias, casal de homossexuais que têm filhos de um relacionamento heterossexual anterior, crianças que são criadas pelos avós, homossexuais que adotam: as possibilidades são diversas. Diante de tanta diversidade, o que era considerado “normal” antigamente tomou uma forma muito mais abrangente. O que antes poderia ser considerado como “alternativo”, hoje em dia tenta ganhar visibilidade e espaço diante de tantos padrões.

na segunda ganharam a guarda provisória dos irmãos. Antes de ser adotada, Jessica, hoje Jessica Harrad Reis, morava com a mãe e o irmão em uma comunidade no Rio de Janeiro. Por conta da situação em que se encontravam, Jéssica e seu irmão passaram a fazer parte do programa Família Acolhedora, que visa a resgatar crianças vítimas de violência doméstica, negligência ou em situação de vulnerabilidade social.

Para Jéssica, hoje com 14 anos, quem constrói a família são as pessoas. “Não precisa ter um Foi pensando em representatividade que Toni padrão, apenas ser um grupo de pessoas que Reis e David Harrad fundaram, em 1992, a se amam e compartilham momentos”, afirma. ONG Grupo Diz ainda que Dignidade, levava uma que luta pelos vida como direitos LGBT. qualquer outra O casal hopessoa da comoafetivo é o munidade, mas primeiro do não era feliz Paraná a oficomo é agora. cializar a união “Quando eu estável, e comfui adotada Simone pletou 25 anos fiquei muito de casamento Cordeiro, psicóloga feliz. Na verem 2015. dade, não criei Alysson foi o primeiro a ser adotado pelo casal, muita expectativa, mas fiquei muito feliz.”

“Um ambiente seguro, favorável, de afeto e amoroso faz muito mais diferença positivamente na vida da criança do que quem ocupa o papel de pai e mãe.” —

Lucas e a irmã foram criados pela avó desde pequenos, apredenderam que desde cedo que família é construída com amor e cuidado. Foto: Cristielle Barbosa

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no ano de 2011. No início, a adaptação foi difícil e cheia de obstáculos, de acordo com Toni e David, e a superação dessas dificuldades tornou a relação com o garoto ainda mais especial. O casal ainda queria uma menina, e em 2014 foram convidados para ir ao Rio de Janeiro conhecer a Jessica, de 11 anos. Porém, ela tinha um irmão: o Filipe, de 8 anos. Toni e David se apegaram aos irmãos logo à primeira visita, e

A nova família tem regras como qualquer outra, e os filhos obedecem a um sistema criado pelos pais para se organizar e planejar, além de ajustar o comportamento. Toni e David acreditam que essa imposição de limites é necessária, principalmente por conta da adoção tardia, já que as crianças não aprenderam desde cedo a conviver com regras. Segundo a psicóloga Simone Cordeiro, só há necessidade de acompanhamento psicológico Jornalismo PUCPR Revista CDM

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quando há problemas. “Se a família é bem resolvida nisso, não há necessidade, acho que o problema maior é o da sociedade que muitas vezes têm preconceito, não compreende e aí, sim, a família precisa ser tratada.” O único cuidado para o qual Simone chama a atenção é para o autoconhecimento e manutenção da saúde mental do casal, para criar um ambiente favorável para os filhos. Entretanto, isso vale tanto para casais homoafetivos, quanto para heterossexuais. “O que eu vejo hoje são pais que não buscam se autoconhecer e aí tem muita dificuldade na compreensão e na educação dos filhos como um todo.” De acordo com o Instituto Brasileiro de adoção entre tantas formações de família, é cada vez mais comum também que casais homossexuais criem seus filhos de casamentos héteros

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anteriores. Foi o que aconteceu com Mônica Mello, 41 anos. Ela se separou do marido após 14 anos de união, e se assumiu lésbica. Seus filhos, Caio e Miguel, de 17 e 13 anos, sempre moraram com ela. Mônica relata ter sofrido preconceito dentro da própria família e de seu círculo de amigos, principalmente por questões religiosas. Mônica conversou com cada filho quando completaram 7 anos, explicou que era gay e que não era uma escolha. “Apesar de eu não ter entendido antes o que me faria feliz, quando percebi, não pensei duas vezes”, conta. Mônica acredita que a melhor forma de enfrentar o preconceito é falar abertamente sobre o assunto. A psicóloga afirma, ainda, que não há necessidade dos papéis sociais mãe e pai.O que

Pai e mãe em dobro

Para ele, família é um grupo de pessoas que se apoiam e estão sempre presentes de alguma forma. “Esse padrão de família brasileira ficou para trás. Para mim, família não tem padrão. É você quem cria o padrão”. Ele também foi criado pelos avós, apesar de seu pai estar sempre por perto. “Não trocaria a família que tenho por nenhuma outra.”

Muito mais do que mimar e fazer todas as guloseimas que os netos tanto gostam, os avós, muitas vezes, assumem também o papel de mãe e pai. Foi assim com Lucas Mayer, 22 anos, estudante de Publicidade e Propaganda, e sua irmã, Ana Carolina Mayer, 24 anos, criados pela avó materna desde que eram crianças.

Em relação à constituição familiar, são consideradas situações em termos de disfuncionalidade e funcionalidade. Para cada família, o modelo pai, mãe e filho não garante o sucesso da família ou do desenvolvimento da criança, explica Simone. “É o como a família se organiza para cumprir esses papéis, independen-

realmente deve ser levado em conta é a forma como a criança é conduzida e como ela é educada. “Um ambiente seguro, favorável, de afeto e amoroso faz muito mais diferença positivamente na vida da criança do que quem ocupa o papel de pai e mãe.”

“Minha mãe morreu de câncer de útero quando eu tinha apenas três meses, então não cheguei a conhecê-la. Desde então, meu pai cuidou da gente, mas por conta de alguns problemas, minha avó nos acolheu”, conta Lucas. Para Lucas, família vai muito além de laços sanguíneos ou do padrão pai, mãe e filho. Ele afirma que existe um falso padrão de família brasileira, que há uma imposição de um padrão de família feliz, como essas de comerciais de margarina. “Isso não existe na realidade brasileira, muitas pessoas possuem famílias diferentes disso”, diz. “Família, para mim, é a base para tudo, é onde aprendemos o que é o amor”, afirma Bárbara Garcia, 23 anos. Ela é estudante de Enfermagem e foi criada pelos avós. “Eles têm uma visão sobre as coisas e eu tenho outra. Às vezes completamente oposta da opinião deles”, comenta. Ela acredita que a construção da família parte simplesmente do amor e do cuidado entre seus membros. Widderhoff partilha do mesmo pensamento.

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“Família, para mim, é a base para tudo, é onde aprendemos o que é o amor.”— Lucas

Mayer, 22 anos

temente de como ela é formada. Há muitas situações que podem afetar gravemente o desenvolvimento de uma criança. Por exemplo, uma ruptura, de que forma essa separação é conduzida e como criança é inserida nesse contexto.”. “O que a gente precisa definir é que o que importa dentro do processo e do sistema familiar não é quem é pai e mãe, mas sim quem ocupa as funções maternas ou paternas. Então independentemente se é uma tia, se é uma avó, se é um irmão, é importante que essas funções estejam bem definidas, e não necessariamente se é um homem ou uma mulher”, conclui a psicóloga. Jornalismo PUCPR Revista CDM

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O avesso

que motivou a socióloga Carmen Lucia Meyer a não fazer uso de qualquer tipo de aparelho eletrônico foi o fato de ela não ter tido acesso a aparatos do gênero na infância e adolescência. Após a vida adulta, ela não viu necessidade de iniciar um contato com qualquer tipo de tecnologia.

Apesar de estarem em meio ao cenário em que há o uso excessivo de aparatos eletrônicos, existem pessoas que optam por não fazer uso deles Crédito: Ema Oliveira, Giovanna Rell, Hanna Siriaki, Julia Favaro Giovanna Rell

“As pessoas acham que sou velha, antiquada e que estou fora da realidade. Muitos se surpreendem e não acreditam que não possuo até mesmo um número de celular. Costumam dizer que por causa disso sou desatualizada, principalmente no ambiente de trabalho.” A partir da era digital e popularização dos smartphones, é raro encontrar pessoas que não tem contas em redes sociais ou que optam por não usar celular. Entretanto, quem está desse lado defende seus motivos. “Sem esses aparelhos, sinto-me mais livre, pois não preciso ficar o tempo toda ligada, com alguém ou alguma coisa me cobrando respostas imediatas”, comenta Meyer. De acordo com a psicóloga Camila Banach, o novo modo de vida que a era digital lhe proporcionou exige reflexão quanto à socialização, pois autores da psicologia alegam que o uso excessivo da internet pode causar isolamento social. “Existem comportamentos muito espe-

cíficos que começam a ser exibidos, fazendo com que os indivíduos literalmente troquem a vida real pela virtual, pois encontram mais satisfação nesse mundo anônimo do que aquela desfrutada na realidade, ou seja, estão escondidos atrás da tela”, explica. A psicóloga esclarece que o termo “dependência de internet” foi estabelecido em 1995 por Jacob Goldberg, que a classificou como um comportamento compulsivo e patológico, podendo ser diagnosticado, pois, para ele, a utilização excessiva da ferramenta causa prejuízo em seu funcionamento físico, psicológico, interpessoal, conjugal, econômico e social. “Deve-se, primordialmente, avaliar o grau de prejuízo social, financeiro, afetivo e profissional desencadeados pelo uso patológico da internet. Pesquisas futuras responderão se a internet e as novas tecnologias devem ser entendidas como uma das principais causas das novas síndromes psiquiátricas do século XXI ou apenas um novo campo de expressão dos velhos problemas”, afirma. Segundo o neurocientista, coach e doutorando em cognição/emoção Julio Cesar Luchmann, o impacto do uso abusivo de equipamentos eletrônicos afeta principalmente os mais jovens, pois o cérebro ainda está em formação

“Muitos se surpreendem e não acreditam que não possuo até mesmo um número de celular.” Carmen Lucia Meyer, socióloga Para a estudante Giulia Martins, ter deixado de usar celular melhorou seus estudos em 100%.

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e isso ocorre devido à radiação.”Precisamos, por exemplo, de 7.5 hertz de frequência para produzir serotonina durante o sono, porém, o celular gera em torno de 2.5 gigahertz, ou seja, 2.5 bilhões de hertz”, exemplifica. O neurocientista ainda afirma que a exposição excessiva à radiação causa alterações na pequena glândula cerebral responsável pela síntese de hormônios, atuando indiretamente no controle funcional de diversos órgãos, sendo denominada hipófise. Com isso, “sua desregulação altera o metabolismo e processo emocional, principal causador de patologias como a depressão”, explica. Um fator levantado por Luchmann é que os celulares estão gerando uma fragmentação de concentração, pois a capacidade de atenção

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contínua é de 40 minutos, em média. Porém, a fragmentação faz com que esse tempo diminua drasticamente. “Não conseguimos manter o foco por mais de três minutos hoje. Aliás, a média de tempo que as pessoas levam hoje para responder o whatsapp é de um minutos e 35 segundos”, conta.

horários e, desse modo, cortar completamente as distrações com redes sociais. “Eu me sentia muito exausta por conta das horas seguidas de estudo, tive vários problemas de saúde por causa da má alimentação e do estresse, mas consegui mais tempo para descansar no fim do dia, pois as redes sociais não tomavam mais tanto do meu tempo e eu acabava nem sentindo vontade de entrar no Facebook, instagram ou qualquer outro dispositivo”, diz Giulia.

Com relação à educação, o neurocientista afirma que o excesso de informação inútil e falsa pode ser prejudicial ao aprendizado. Foi levando isso em conta que Giulia Martins, de 18 anos, deixou de fazer uso de todas as suas redes sociais no terceiro ano do ensino médio, época de cursinho e vestibular, que requer total atenção e empenho. Ela relata que devido à falta de tempo para manter a rotina de estudos, decidiu fazer uma tabela para controlar seus Tecmundo

Dos 1.095 entrevistados, 81% deixaram de utilizar o Facebook e passaram a ser mais felizes e menos solitários, assim como afirmam, além de dizerem que houve um aumento nas atividades sociais, uma diminuição dos problemas de concentração e os benefícios não se limitam a isso. E aí, vai continuar no Face?

Julia Favaro

Com os resultados positivos que obteve após a ter optado por deixar as redes sociais de lado, a estudante que atualmente cursa Psicologia na Universidade Federal do Paraná (UFPR) repete o mesmo comportamento hoje no período de provas. “Ainda faço isso em algumas épocas do ano, por exemplo, em semanas de prova ou épocas em que percebo que a minha concentração e o meu foco estão diminuindo e que estou distraída usando as redes sociais. Daí, acho melhor reduzir em 100% o uso”, explica. “Hoje em dia eu uso o celular muito menos do que usava quando fazia cursinho, mas fiz essa escolha só porque depois desse tempo sem usar eu percebi que não era tão necessário assim e que essa opção é libertador. Ter deixado de usar tanto o celular está me fazendo muito bem, a cada dia me sinto melhor mais viva e perceptiva e por isso, posso dizer que melhorou minha vida em vários aspectos”, conta.

Segundo a Happiness Research Institute, uma semana sem redes sociais já garante resultados positivos.

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Realmente, a redução do uso de dispositivos eletrônicos melhora a qualidade de vida, fato apontado pela estudante. Um estudo realizado pelo The Happiness Research Institute, na Dinamarca, concluiu que deixar de utilizar aparatos tecnológicos garante resultados positivos já na primeira semana.

Ao deixar de usar o facebook as pessoas se sentem mais felizes e a cada dia menos solitárias. Jornalismo PUCPR Revista CDM

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#PraCegoVer Apesar das políticas públicas adotadas, inclusão social dos deficientes se encontra em um estágio primário Guilherme Novakoski, Lívia Mattos, Michel Moreira, Rebeca Franco

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ucas Radaelli é uma pessoa ativa nas redes sociais, sempre fazendo comentários e postando fotos no Twitter, Facebook e Instagram, porém, sem enxergar nada. Nasceu cego do olho esquerdo e, aos 4 anos, perdeu a visão do direito. Apesar do tempo com visão parcial, não se lembra da aparência de nada. Quando indagado se via apenas escuridão, respondeu: “Eu não enxergo tudo preto, eu enxergo nada. Não consigo imaginar o que é uma cor. Eu não tenho essa percepção. Então é nada. Se não parece fazer sentido é porque não faz. Eu não consigo te explicar, da mesma forma que você não consegue me explicar o que é cor verde, por exemplo”. Lucas conta que tem uma vida normal. Tem os mesmos objetivos, sonhos e práticas de uma pessoa sem deficiência. A diferença, segundo ele, está em como realiza as coisas: se vai mexer no computador ou celular, precisa de um leitor de telas; se vai assistir a um filme, será com audiodescrição; para jogar um baralho, ele deve ser adaptado em braille. Porém, o objetivo final, sobre tudo, é o mesmo dos “visuais”.

recebendo um diagnóstico de Retinopatia Diabética no estágio inicial da doença, há três anos, acabou desenvolvendo a chamada “baixa visão”, em que o paciente apenas distingue as nuances de luz e de sombra.

“É tudo projetado para quem enxerga.”

Para ela, o choque inicial foi descobrir que teria que aprender a lidar com o mundo novamente. “Eu tive que me readaptar, aprender a usar mais meus sentidos e, infelizmente, perder boa parte da minha autonomia”, relata. Além disso, Elisabeth ainda conta que percebeu, na pele, as falhas de inclusão na cidade. “É tudo projetado para quem enxerga”.

Elizabeth Barbosa Leite , aposentada

arquivo pessoal

Lucas Radaelli, é uma pessa ativa nas redes sociais, e conta como é sua experiência online.

Elizabeth Barbosa Leite, diferentemente de Lucas, tornou-se cega quando já adulta. Massoterapeuta nascida em Manaus, a senhora, de 52 anos precisou lidar com a perda da visão no mesmo momento em que estava começando a se adaptar à cidade de Curitiba. Mesmo 66

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Lívia Mattos

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Dia a dia Radaelli é fluente nas línguas portuguesa, inglesa e alemã, e atualmente estuda japonês. É formado em Ciência da Computação, tendo iniciado os estudos na Universidade Federal do Paraná (UFPR) mas, com dificuldade para entender os diversos diagramas e gráficos presentes nas Ciências Exatas, conseguiu uma bolsa de estudos na Alemanha, onde havia um centro de adaptação de materiais da área para deficientes visuais. Lucas foi à Alemanha apenas com seu cão-guia e conta que, no princípio, foi uma experiência assustadora. Ele não tinha o domínio da língua e era a primeira vez que morava sozinho. “Lembro de um dia em que meus pais me mandaram o dinheiro da minha bolsa do Brasil e eu tinha que ir sozinho ao banco pegar. Pesquisei no Google Maps o caminho de quantas quadras eu tinha que andar, em qual ponto eu iria parar e até a metade do caminho, foi tudo bem. Porém, quando cheguei à estação onde devia descer, a porta não abriu e fui parar em outro lugar, sem saber onde estava. Essas coisas aconteciam direto no início.” No fim dos sete meses em que ficou no exterior, já havia se adaptado a tudo e tinha uma vida mais tranquila. Hoje, o jovem é programador da Google, trabalha no escritório da empresa em Belo Horizonte e mora com a namorada. Já Elizabeth mora completamente sozinha, com os três filhos residindo em estados diferentes, ela anda pela cidade apenas com o auxílio de sua bengala e conta que muitas vezes prefere se virar sozinha a depender da ajuda de desconhecidos. “As pessoas têm muita ignorância para se relacionar com os cegos, saem nos puxando de repente e tem gente que nos trata como se tivéssemos doença mental”, expõe. 68

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A senhora, que fala bastante sobre o assunto e inclusive dá dicas de dificuldades que passa no dia a dia, afirma gostar de se envolver em atividades culturais, e atravessa a cidade todas as terças-feira para participar de um coral. Nessas idas e vindas, se depara com várias adversidades, como quando se perdeu na Rua XV de Novembro por conte de um carro oficial que estava parado em cima do piso tátil da avenida. “Há outras coisas que não tem como eu saber. Essa faixa de pedestres, por exemplo, eu não saberia que é na diagonal se você não me falasse”, conta, sobre a faixa próxima ao terminal do Pinheirinho, região onde mora.

“Eu não consigo imaginar o que é uma cor.”

Lucas e Elisabeth fazem parte de uma parcela de 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual no Brasil, conforme dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, e assim como a maioria da

Conheça o “Be My Eyes” Aplicativo promove o exercício da empatia em prol da inclusão Você já pensou em “emprestar” seus olhos para alguém? É isso que o aplicativo “Be My Eyes” faz. Por meio da plataforma as pessoas que têm deficiência visual podem receber auxílio de voluntários cadastrados para “enxergar”. Se o cego precisa saber a data de validade de um alimento ou a cor de uma peça de roupa, por exemplo, basta iniciar uma chamada de vídeo com uma pessoa cadastrada e ela informará o que ele precisa saber.

Lucas Radaelli, programador

população, também acessam as redes sociais. Para que os cegos possam lidar com os textos virtuais, vídeos e imagens, existem vários recursos tecnológicos e iniciativas populares que facilitam a utilização da internet por cegos, é o caso da hashtag PraCegoVer, criada pela Coordenadora de Educação Especial do Estado da Bahia, Patrícia Silva de Jesus.

o mundo, incluindo grandes marcas e perfis governamentais, que utilizam a #PraCegoVer para descrever suas publicações.

O projeto #PraCegoVer, segundo Patrícia, surgiu da necessidade que tinha de se comunicar, por meio de imagens, com os amigos cegos nas redes sociais. “Quando aderi ao Facebook, eles me adicionaram, então eu não me permitia postar fotos sem descrever. Em resumo, ‘enxergar’ a existência de pessoas com deficiência nas redes sociais, foi minha motivação”, conta. Hoje a campanha tem adeptos por todo

Segundo dados do World Report on Disability 2010, a cada cinco segundos, uma pessoa se torna cega no mundo. E, segundo o Vision 2020, do total de casos de cegueira, 90% ocorrem nos países subdesenvolvidos e até o ano de 2020 o número de pessoas com deficiência visual no mundo deve dobrar. Para auxiliar o relacionamento dos que enxergam com os cegos, dona Elisabeth dá a dica: “Não esqueça que não enxergamos, mas também lembre que somos inteligentes, se quer ajudar, fale antes de nos tocar e use indicações corretas, como ‘esquerda’, ‘direita’, ‘frente’ e ‘trás’”.

#PraCegoVer Na página Pra Cego Ver, no Facebook, há dicas de como fazer a descrição visual da melhor forma possível a hashtag 1 Coloque #PraCegoVer. o tipo de 2 Anuncie imagem: fotografia, cartum, tirinha, ilustração, etc.

3

Comece a descrever da esquerda para a direita, de cima para baixo (a ordem natural de escrita e leitura ocidental).

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Informe as cores: Fotografia em tons de cinza, em tons de sépia, em bran-

co e preto (se a foto for colorida, não precisa informar “fotografia colorida”, porque você vai dizer as cores dos elementos da foto na descrição e a indicação ficará redundante). todos os 5 Descreva elementos de um determinado ponto da foto e só depois passe para o próximo ponto, criando uma sequência lógica.

com perío6 Descreva dos curtos (se pode falar com três palavras, não use cinco). legal começar com 7 Éelementos menos importantes, contextualizando a cena e ir afunilando até chegar ao clímax, no ponto chave da imagem. adjetivos. Se 8 Evite algo é lindo, feio, agradável a pessoa com deficiência é quem vai decidir, a partir da descrição feita. Capriche! Jornalismo PUCPR Revista CDM

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Aprisionadas pelo abandono

nitenciária feminina. Em vez de ser levada ao educandário, acabou ficando numa cela junto com uma presa conhecida por escravizar as colegas para conseguir itens básicos. Paula foi presa durante um roubo de um celular e R$ 100, ocorrido próximo à região do terminal Guadalupe – onde morava, consumia e traficava drogas. Passou cinco anos na prisão sem visitas e nunca esqueceu das palavras que ouviu do policial que a prendeu: “É só mais

O descaso do estado e da família no sistema penitenciário feminino dificulta a segunda chance para mulheres presas Joshua Raksa Marcus Ribieiro Rafaela Cortes

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Joshua Raksa

egunda-feira não é o dia preferido de muitos, mas promete ser ainda mais odiado para as presas do complexo prisional feminino de Piraquara, localizado a 20 quilômetros de Curitiba. Este é o dia de visita na cadeia, mas a maior parte das detentas sabe que não receberá ninguém. Na fila de espera, os visitantes (mães, esposas e filhas) se destinam majoritariamente a ala masculina. No aguardo das presidiárias, nada mais do que duas ou três pessoas. Das 450 mulheres em regime fechado, cerca de 250 a 280 estavam abandonadas em 2016, segundo o Departamento Penitenciário Estadual do Paraná (Depen-PR). O sentimento de abandono, nos relatos das ex-detentas, é o que melhor descreve a prisão desde o primeiro dia até para quem já está em liberdade. As presa que não recebem sacolas de assistência dos familiares são obrigadas a fazer parcerias com as colegas, trocando serviços de limpeza e favores sexuais para conseguir itens básicos, como sabão, papel higiênico, roupas ou comida diferenciada. Foi caso de Paula, de 24 anos. Em 2009, ela Paula venceu a vida pós-cadeia: hoje ela está livre, foi presa aos 17 anos equivocadamente na pe- trabalha e mantém contato com o seu filho.

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Na opinião do pastor Fabiano Pires Martins, fundador da ONG de ressocialização para presas Casa de Passagem da Associação Social Reconstruindo Sonhos, o sistema prisional, de uma maneira geral, não reabilita mulheres nem homens. Na opinião dele, a falta de atividades e acompanhamento evita que o preso crie novas perspectivas. O teólogo ainda relata que, quando saem do sistema prisional, muitos cometem o primeiro

“Eu não tenho ninguém que me ama. Se eu sair, vou voltar para as drogas. Melhor ficar aqui, que tenho onde dormir. Não vou ficar com medo de dormir na rua.” Paula Fernanda - ex-detenta uma vagabunda, para nós é como indigente”, lembra ela com lágrimas nos olhos. Quando a família de Paula finalmente a procurou nas delegacias da região para informar o falecimento da mãe, as autoridades responsáveis informaram que a filha teria sido morta e dada como indigente. A ex-detenta lamenta e confessa que não ter o apoio da família é a parte mais difícil após sair do presídio. Há casos de mulheres que não têm nem vontade de sair do sistema prisional. “Eu não tenho ninguém que me ama. Se eu sair, vou voltar para as drogas. Melhor ficar aqui, que tenho onde dormir. Não vou ficar com medo de dormir na rua”, conta Paula sobre os pensamentos de suas colegas de cela. Algumas, segundo ela, sem aparato jurídico, nem mesmo sabiam quanto tempo ainda tinham para cumprir.

delito na próxima esquina, uma vez que não tem dinheiro para transporte, não sabem onde estão e a maioria não recebe orientação de onde podem ficar até adquirir melhores condições de sustento. Marcos Muller, diretor da penitenciária feminina de Piraquara, reconhece que os projetos existentes em parcerias com organizações não governamentais ou religiosas são insuficientes. Ele justifica a precariedade do setor com a falta de verba: “Existe um investimento maciço em segurança, está se priorizando este lado e não o tratamento penal neste momento”, argumenta. Durante o tempo que Paula ficou na prisão (de 2009 a 2014), ela conta ter visto os projetos sociais reduzirem ano após ano. Nas palavras da ex-detenta, na falta do que fazer, as mães são as mais privilegiadas. No caso dela, poder cuidar do seu filho na creche da penitenciária a Jornalismo PUCPR Revista CDM

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fez adquirir uma rotina mais confortável. Para a paranaguense Mychelle Sobrenome, condenada a três anos de cadeia por tráfico de drogas, a precariedade mais evidente é no tratamento dos dependentes químicos, como era o caso dela. Segundo ela, o único auxílio eram remédios para dormir se houvesse crises de abstinência. Por conta disso, teve muitas dificuldades mesmo após sair da prisão. Em um período de poucos anos, enfrentou mais de oito recaídas. A falta de qualidade para o convívio nas cadeias é frequente motivo para rebeliões no sistema prisional, assim como a que aconteceu em março de 2017. Na época, a penitenciária Feminina do Paraná (PFP) acabava de receber cem detentas a mais, totalizando 400 presas. Na ocasião, a presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná, Petruska Sviercoski, alegou que a vulnerabilidade das presas e falta de condições também prejudica a vigilância, dando brechas para motins.

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Na opinião de quem trabalha com a ressocialização dos ex-detentos, como os funcionários do Escritório Social, a maior dificuldade ao adquirir a liberdade é a conseguir tirar a prisão da cabeça das ex-detentas. No relato deles, anos consecutivos de normas e convívio com pessoas que compartilhavam histórias de vulnerabilidade e crime limitam a visão das mulheres para uma realidade diferente.

vez em desistir do projeto que realiza por vontade própria em parceria com a Igreja Batista. Na opinião dele, lidar com as mulheres é complicado. Elas têm personalidade forte, brigam entre si e exigem ainda mais atenção do que os homens. No caso de menores de idade, o pastor chega a dar o próprio nome para ajudar a ex-detenta a cumprir a medida e fica sujeito a se responsabilizar-se caso ela deixe alguma tarefa de lado, como comparecer à escola, ir ao dentista ou psicólogo.

Joshua Raksa

Katiane dos Santos * não precisou de muitos dias em liberdade após cumprir 12 anos de prisão por tráfico para voltar a receber propostas criminosas. Ela mostra na tela do celular diversos convites: “Deixo cinco quilos (de cocaína) e o que fica é teu”, diz uma das mensagens no aplicativo de conversas. Segundo ela, essa seria a oportunidade de recomeçar a vida – já que perdeu todos os bens que o tráfico lhe trouxe, pagando advogados enquanto estava na prisão. Mesmo assim, diz fugir ao máximo de tudo que possa incriminá-

-la e está em busca de um emprego formal, mas todas as tentativas até agora foram recusadas. Para Mychelle, a busca por emprego formal também foi difícil. Quando estava cumprindo o regime semiaberto e usando a tornozeleira eletrônica diz não ter conseguido nenhuma oportunidade. Em várias situações só foi recusada no momento em que revelou seu passado no complexo prisional. Hoje ela finalmente se orgulha da sua história. Superou o vício com a ajuda do marido, restabeleceu o convívio com a família – em que todos são usuários de drogas, trabalha como vendedora e ajuda a cuidar dos netos. Depois de tantos apuros, agradece a Deus por ter conseguido escapar da taxa de reincidência criminal, em que 24,4% da população carcerária volta para o sistema prisional, de acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2015.

A parte mais difícil As mulheres que Martins recebe na sede da ONG em Colombo sabem da possibilidade de abrigo gratuito quando alguém faz a ponte dentro da cadeia por meio de projetos religiosos ou sociais. Por lei, as ex-detentas também podem recorrer ao Escritório Social – responsabilizado por propor vagas de emprego, moradia e demais necessidades para quem acaba de sair da prisão. No entanto, o pastor relata que existe uma dificuldade grande, mesmo por parte das instituições não governamentais, em manter os projetos ativos. Ele mesmo conta que já pensou mais de uma

Na ONG Casa de Passagem da Ação Social Reconstruindo Sonhos, as ex-detentas participam de projetos de reintegração, ajudando na distribuição de alimentos. Fonte: Departamento penitenciário do Paraná

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Vidas esquecidas

dinheiro que adquirem à compra de alimentos, sendo esse o principal e, muitas vezes, o único destino da renda que às vezes sacia a fome, mas que quase nunca sobra para lazeres. Desprovidos das condições necessárias para uma vida estável e segura, os moradores da vila se desdobram como podem para alimentarem a si mesmos e aos seus parentes e crianças, catando papel, fazendo jardinagem ou vivendo de doações para sobreviverem.

Uma realidade precária, proxima a um dos bairros mais nobres de Curitiba Anna Laura Ferraz Bruna Bonzato Maria Seabra Bruna Bonzato

Entre os vários aspectos que fogem do saneamento básico e de condições mínimas de habitação, destaca-se o rio que atravessa a comunidade. Antes era fonte de água potável, lazer, pescaria e utilidades domésticas dos moradores, e agora se tornou depósito de lixo dos vizinhos condôminos, separados da vila por altos muros que escondem a realidade precária dos habitantes da comunidade.

A falta de infraestrutura do lugar afeta a saúde das crianças.

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uitas realidades distintas são vividas nos bairros de Curitiba e uma delas é a comunidade União do Paraná, localizada no Campo Comprido. Situada na rua José Baggio, próxima a rua Eduardo Sprada, a vila abriga aproximadamente 20 famílias que vivem em situação precária, um contraste com o conforto e luxo dos condomínios, estabelecimentos e shoppings dispostos pela Avenida do Batel, vizinha da comunidade. 74

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Lado a lado, os modos de vida extremamente divergentes salientam a gritante desigualdade social aos olhos de quem quer ver, mas só os que de fato querem enxergar sentem o manifesto da comunidade União do Paraná e das famílias que lá resistem entre numerosos entulhos, pilhas de lixos, carros abandonados, eletrodomésticos velhos e muita vegetação. Com uma renda mensal que varia de R$200 a R$300, os habitantes da vila limitam o pouco

Eliane de Jesus, líder da vila, foi a primeira moradora da comunidade. Mudou-se para lá ainda jovem, em 1978, aos 13 anos de idade. Depois de um tempo, junto com seus país,

Bruna Bonzato

Na comunidade, as casas são todas feitas de tapume.

“Temos que juntar 1000kg de papel para conseguir R$200.” - Leidivina Alves, dona de casa

passou a receber pessoas do Norte e de Minas Gerais que vieram para Curitiba e não tinham onde morar. O lugar ficou de herança e ela continuou o trabalho que seus pais começaram. Com a dificuldade de quem sobrevive dia após dia com o que o hoje oferece, e com a resistência de quem luta contra a dura realidade da comunidade, Eliane afirma que a sua situação atual é resultado de uma longa caminhada contra o álcool e as drogas. “ Fui andarilha de rua, dormi na praça, conheci pessoas boas, más, ricas e pobres, fui empregada doméstica, trabalhei para prefeito em Belém

Bruna Bonzato

A expressão sofrida é comum entre os moradores. Jornalismo PUCPR Revista CDM

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do Pará, fui uma pessoa bem responsável.”Em tom de conformismo, a líder expressa a dificuldade de quem vive em condições mínimas de habitação, mas também de quem persiste dia após dia. Para Eliane, o que sustenta la vida em comunidade é o compartilhamento, tanto de alimentos quanto das dificuldades. Aos 24 anos de idade, Leidivina Alves é outra moradora da comunidade União do Paraná que resiste diariamente aos problemas ocasionados pelas más condições do lugar. O rio, que antes era limpo, hoje em dia é um esgoto responsável por levar inundações e doenças aos moradores, que, de acordo com Leidivina, perdem móveis, roupas e alimentos. “Fora os ratos e cobras que entram em casa”, desabafa. Conseguir sustento também não é fácil, segundo Leidivina. “No Natal, nós não temos dinheiro para comprar alimento, porque catamos papel e ele está muito barato, então temos que juntar uma caçamba de 1.000 quilos para conseguir R$200.”

investimento na educação

sora, os carrinhos das crianças, perdi tudo”, relata. Invisível aos olhos dos que vivem ao lado, a vila permanece cada vez mais ofuscada pelos condomínios luxuosos que só crescem, ocultando a situação precária de quem vive lá. Unidos pela exclusão social e pela realidade a qual foram destinados, os moradores da vila União apoiam-se uns aos outros para enfrentar o cotidiano.

“É aqui que a discussão começa.” - Marcos de Franco, sociólogo fonte: IPPUC

Juliana de Andrade, 30 anos, também relata os problemas trazidos pelas constantes enchentes, enquanto conta algumas de suas dificuldades enquanto moradora da vila. “Tem finais de semana que alguns filhos meus que não moram comigo vem ficar aqui, e não tem espaço, não tem cômodo, não tem nada, é bem complicado”. Além disto, Juliana é a que mora mais perto das áreas de enchente e uma das que mais sofrem nos períodos de chuva intensa. A vizinha, Roseana Aparecida, conta que em uma das últimas enchentes conseguiu salvar apenas a geladeira de sua casa. “Perdi pia, colchão, a cama que ganhei de uma profes76

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Localizada na Rua José Baggio, a comunidade União do Paraná é praticamente invisível na capital paranaense.

Segundo o sociólogo Marcos de Franco, o contraste da Comunidade União do Paraná com o seu entorno mais abastado se acentua por existir um “centro mais desenvolvido que atrai populações de áreas que apresentam menores oportunidades de existência”. Ele também explica que o lugar é bastante estratégico, afinal, os moradores têm o seu sustento por locais que são economicamente mais dinâmicos, como o caso dos catadores de papel, por exemplo. De acordo com o sociólogo, o grande problema é que estas áreas ocupadas, na maioria das vezes, são locais de ocupação proibida, como é o caso da União do Paraná, que fica à beira de um rio. “Por serem áreas reservadas, o estado não pode colocar ali atendimento para estas populações, exatamente por serem locais de preservação”, explica o sociólogo. Franco defende que a falta de oportunidades e de condições econômicas tende a agravar em situações como esta e defende que são necessárias diversas medidas, desde aquelas que assegurem mais qualidade de vida nas áreas rurais, permitindo ao cidadão um maior desenvolvimento na região, além de instrumentalizar as cidades de pequeno e médio porte para que elas se tornem mais atrativas que os grandes centros. Mas, para Franco, o principal é investir na educação, permitindo que as pessoas desenvolvam o seu potencial em condições mais dignas. “Claro que o assunto não se esgota aqui. Pelo contrário, é aqui que a discussão começa”, afirma.

Bruna Bonzato

O lixo jogado no rio se espalha por toda a comunidade. Bruna Bonzato

As casas são impovisadas com materiais que são encontrados por perto ou recebidos através de doaçoes. Bruna Bonzato

Moradores vivem em meio a entulhos e móveis velhos. Jornalismo PUCPR Revista CDM

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A luta contra Título curto o deespelho matéria

Como falou Felipe, muita gente, de fato, passa por isso. De acordo com dados de 2015 do Ministério da Saúde, 90% dos adolescentes brasileiros sofrem com acne – aparecimento frequente de cravos devido ao acúmulo de sebo na pele. Quando o cravo sofre infecção por bactéria, se torna espinha. Além disso, a acne se manifesta em metade dos adultos do país.

Dia volendis in pore, nullicipsam, core quaectios modit arumque earunto conseque Presente em praticamente todos reium sit aut quia volores ercides eruptae re dolorundest, omnit errovid ererfer os adolescentes brasileiros, a nationsendis non ne estotaecatem et fugiasp erruptatum aut fuga. Susam faceper acne se manifesta na pele, mas ionsecea si tem sandendunt aut est, exerfer uptaerumet am, culpa nus event pragera consequências sérias na turiorro cum volupides maximpelent odicim velent.as repraes est lam.Imagnistio. mente Ut occusti as aut eiur, tecae essin rati omnimus

O estudante conta que, quando começaram a aparecer espinhas em seu rosto, na oitava série do ensino fundamental, ele pensou que seria algo passageiro, uma fase que terminaria rapidamente, algo normal para a idade. Entretanto, viu seus amigos superando o problema enquanto ele permanecia repleto das incômodas marcas. Por isso, resolveu procurar ajuda médica.

Bernardo Vasques Crédito repórter

Como falou Felipe, muita gente, de fato, passa por isso. De acordo com dados de 2015 do Ministério da Saúde, 90% dos adolescentes brasileiros sofrem com acne – aparecimento frequente de cravos devido ao acúmulo de sebo ode nãooser o problema de saúde na pele. Quando cravo sofre infecção por mais perigoso que existe, e muita bactéria, segente tornapassa espinha. Além disso, a acne por isso. Mas o efeito se manifestaéem metadea dos do país. psicológico péssimo: parteadultos mais difícil é se sentir bem com você mesmo”, disse Felipe Como falou Felipe, gente, do de último fato, passa Fontana, de 17 anosmuita e estudante ano isso. do ensino médio, ao dados apontar principais por De acordo com deos2015 do efeitos que a acne tem sobre sua vida. Ele vem Ministério 90% dos adolescentes enfrentandodao Saúde, problema desde os 14 anos. brasileiros sofrem com acne – aparecimento frequente de cravos devido ao acúmulo de sebo na pele. Quando o cravo sofre infecção por bactéria, se torna espinha. Além disso, a acne se manifesta em metade dos adultos do país.

“P

O estudante conta que, quando começaram a aparecer espinhas em seu rosto, na oitava série do ensino fundamental, ele pensou que seria algo passageiro, uma fase que terminaria rapidamente, algo normal para a idade. Entretanto, viu seus amigos superando o problema enquanto ele permanecia repleto das incômodas marcas. Por isso, resolveu procurar ajuda 1

Revista 78CDM Revista Jornalismo CDM Jornalismo PUCPR PUCPR

médica.

da acne, já que o óleo obstrui os poros da pele e promove o acúmulo de sebo, gerando o aparecimento das inflamações.

De acordo com seu dermatologista, o caso de Felipe tratava-se de um quadro de intensidade 3, no qual a pele, além de apresentar cravos e espinhas, desenvolve cistos e nódulos inflamados. Neste cenário, além de bastante aparentes, as lesões na pele também geram muita dor.

crédito: nome e sobrenome

Para as meninas, há duas maneiras de lidar com o problema. Pelo menos segundo Roberta Klechowicz, 20 anos, estudante de Engenharia de Produção, que só recentemente se viu livre da acne, que a acompanhava desde os 16. Para ela, as mulheres conseguem encarar isso de uma maneira mais simples no começo, pois são bastante familiarizadas com maquiagem e cosméticos em geral, e utilizam truques para esconder cravos e espinhas.

“O problema maior é que você Felipe descobriu que sua pele não se sente bem consigo apresentava oleosidade bastante elevada, uma condição propícia mesmo.” - Felipe Fontana, para uma manifestação crônica

Felipe descobriu que sua pele apresentava oleosidade bastante elevada, uma condição propícia para uma manifestação crônica da acne, já que o óleo obstrui os poros da pele e promove o acúmulo de sebo, gerando o aparecimento das inflamações.

Felipe Fontana relata que a acne, para ele, teve mais efeitos psicológicos do que físicos – o

bem consigo mesmo, de jeito nenhum. Eu me sentia feio, não gostava de sair muito e nem conseguia me relacionar direito com mulheres”, conta.

estudante

De acordo com seu dermatologista, o caso de

Um gesto simbólico: as mãos no rosto de Rodrigo Ribeiro escondem as marcas de um trauma.

Felipe tratava-se de um quadro de intensidade 3, no qual a pele, além de apresentar cravos e espinhas, desenvolve cistos e nódulos inflamados. Neste cenário, além de bastante aparentes, as lesões na pele também geram muita dor. Felipe Fontana relata que a acne, para ele, teve mais efeitos psicológicos do que físicos – o problema afetava muito sua autoestima e trazia dificuldades em sua vida social. “O tratamento é bem simples. Apesar de exigir disciplina, não é algo que traz muito sofrimento. O problema maior é que você não se sente

Por outro lado, conforme o problema se agrava e as inflamações demoram a passar, Roberta acredita que a instabilidade emocional pode ser maior nas mulheres do que nos homens. “A maioria das mulheres é muito vaidosa, eu sempre fui. Sempre procurei cuidar da minha pele com vários tipos de produtos e, mesmo assim, sofri muito com acne. Quando eu não conseguia mais disfarçar com maquiagem e, quando vi que aquilo não passaria tão rápido, foi desesperador”, relata a estudante. O principal problema da acne é à longo prazo, alerta o dermatologista Lincoln Zambaldi. De acordo com ele, a acne por si só é inofensiva Jornalismo PUCPR Revista CDM

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e, se devidamente tratada, o paciente se livra dela sem consequências. Entretanto, o dermatologista constata que é preciso ter cuidado. Exposição frequente ao sol e o hábito de espremer espinhas e cravos pode levar a marcas permanentes na pele. Além disso, interromper o tratamento antes do fim também pode deixar cicatrizes. Zambaldi explica que o tratamento é feito de formas diferentes de acordo com a intensidade do caso. Em graus de intensidade 1 e 2, normalmente a higiene frequente acompanhada do uso de esfoliantes já resolve o problema. Antibióticos são raros nesses cenários. Já os casos de intensidade 3 e 4 são normalmente tratados com medicamentos. O mais comum é a isotretionina, um derivado da vitamina A que corrige a oleosidade na pele e evita que a acne continue. O medicamento normalmente gera efeitos colaterais, como enjoo e secura nos olhos e garganta. Por isso, é imprescindível que seu uso tenha acompanhamento profissional.

Passam os anos, não passam as espinhas A adolescência é a época da vida na qual a pele é mais oleosa, mas isto não quer dizer que a oleosidade acaba na vida adulta. Dessa maneira, a acne também é algo que se manifesta em pessoas mais velhas, como é o caso do dentista Rodrigo Ribeiro. Aos 43 anos, os cuidados contra cravos e espinhas são parte de sua rotina. Ribeiro faz sessões de esfoliação e peeling com esteticistas, além de utilizar produtos especiais de higiene e até tomar suplemento alimentar com vitamina A. Apesar de encarar a situação com bom humor ao dizer que se sente adolescente de novo, o 3

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dentista diz ser rigoroso nos cuidados em função de seu trabalho, uma profissão que exige que a higiene esteja até na aparência. “Querendo ou não, um dentista com a pele bonita e livre de acne transmite uma sensação de muito mais higiene ao paciente. Acredito que não é só o consultório ou os instrumentos de trabalho que devem estar limpos, mas o profissional, também. Por isso, me cuido bastante”, conta o dentista.

Tipos

Situações mais frequentes Hormônios

Cosméticos

Evitar ficar estressado e ter uma dieta balanceada já pode ser o suficiente para evitar o aparecimento de de cravos e espinhas. Apenas em casos mais extremos, o uso de remédio se torna necessário.

Bactérias: formação de células mortas produz um ambiente adequedo para o crescimento de bactérias causadoras de acne.

Estresse: embora não tenha uma relação direta com o aparecimento, o estresse pode representar um aumento de acnes na pele.

Cosméticos: Alguns tipos de cosméticos, como protetores solares, cremes hidratantes e máscaras faciais não ideias para determinado tipo de pele, podem ser prejudiciais pelo fato de serem bastante gordurosos e oleosos. O acúmulo de maquiagem na pele também causa obstrução dos poros, o que facilita a formação de cravos e espinhas.

Comidas: alimentos calóricos e com alto teor de gordura favorecem no surgimento das infecções. Doces, leite, carboidratos e frituras são alguns dos principais aliados para a formação de acnes, pois alteram a produção hormanal e estimulam a inflação da pele.

Remédios: certos medicamentos podem causar como efeito colateral reações de inflamação na pele. O uso de corticóides e anti-inflamatórios podem podem potencializar a formação de acnes.

Genes: ter uma genética propícia é um dos principais fatores para a formação de acne, principalmente naqueles que têm espinhas em excesso ou muito grandes.

Remédios

Genes

Causas A acne pode aparecer na pele das pessoas de diversas maneiras. Pode estar relacionada com o estilo de vida, exposição a determinados ambientes ou até pode ser algo de seu organismo.

Hormônios: alto nível de secreção no sangue durante a puberdade. É o principal fator do surgimento de acne na pele. Outra maneira de ocorrer o aparecimento dessas infecções no corpo é através do aumento da produção de um hormônio masculino chamado androgênio, pois ele atua no aumento de oleosidade na pele, deixando-a mais propícia à produção de acne.

Bactéria

No corpo e na mente Não é apenas de sintomas físicos que vive um acneico. Muitas das manifestações do problema são de ordem emocional. De acordo com a psicóloga Glória Kubrusly, a acne gera uma queda muito grande na autoestima, podendo gerar dificuldade no traquejo social e até reclusão do paciente, que não se sente à vontade para frequentar ambientes como festas ou bares. A baixa autoestima, segundo a psicóloga, é um dos principais gatilhos da depressão. Glória acredita que juntamente com o tratamento médico, o acompanhamento psicológico em casos mais intensos de acne é imprescindível.

Estresse

Comidas Jornalismo PUCPR Revista CDM

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desejo/ concreto

Luciano Schmidt

A paisagem urbana está recheada de ofertas dos mais diferentes serviços. Os mais inusitados oferecem consultas a oráculos e trabalhos espirituais Luciano Schmidt Vinicius Scott

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uais são os amontoados orgânicos de desejos que percorrem as ruas da cidade? Seus desejos e temores sedentos por respostas mergulham no desconhecido. Conhecer o futuro é um mistério que poderia ser vendido no varejo, mas é anunciado em postes com uma simplicidade peculiar. Apesar dos aparelhos eletrônicos, os antigos oráculos ainda fisgam a imaginação. A variedade de anúncios de serviços espirituais nas ruas é evidência desse fascínio.

da. A bebida alcoólica é deixada para sua pomba-cigana, que desce para a Terra e toma uma dose. Ela conta que cada orixá tem sua bebida, e já deixa uma taça na frente da estátua de uma moça de vestido vermelho. Sou alertado de início que aqui não é templo de milagres. A maioria chega desesperada, a demanda principal é pela amarração do amor. São homens amargurados pelo divórcio ou separação e que desejam voltar à amada. Madalena não gosta de criar falsas esperanças e

“Aqui não é templo de milagres.”

Para entender melhor o que leva aos desejos e ofertas por serviços espirituais, entramos em contato com uma mãe de santo cujo número flagramos em um poste. Ela nos ofereceu a oportunidade de fazer uma consulta e ter um contato direto com esse mundo de mistérios.

A mãe de santo Madalena entrou no mundo espiritual aos 7 anos com sua primeira iniciação e hoje faz leituras em um pequeno galpão no fundo de um quintal no bairro Guaíra, em Curitiba. O quarto é coberto por imagens de ciganas, duendes, velas e até um martini como oferen82

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sempre explica que esse ritual complexo é para fortalecer os elos por meio de uma refeição com maçãs, melão e coração de boi para os orixás e deixa em uma encruzilhada ou embaixo da copa de uma árvore. A mãe de santo faz antes de qualquer rito uma consulta pelas cartas ou búzios da pessoa, para descobrir seu passado, futuro e os orixás que a protegem. Sem esse contato inicial, nenhum progresso espiritual é possível. O objetivo de Madalena não é se sustentar com as consultas, inclusive vive de favor no terreno. O que deseja é aconselhar as pessoas

Soluções para os mais diferentes problemas são anunciadas pelos postes da capital.

para viverem um contato profundo com a espiritualidade e resolver sua vida amorosa, financeira e familiar.

Leituras E assim como começa com todos seus clientes, Madalena faz seu jogo de cartas ciganas e lê o meu passado e futuro. Ela inicia com perguntas sobre trabalho, amor e família. Respondo, corto as cartas e assim que são viradas ela começa as explicações: nunca fui feliz no amor, preciso me cuidar com fofocas e que serei traído dentro da minha casa. Ao fim da leitura de cartas, ela me aconselha que embora já me decepcionei amorosamente, devo curtir o momento e que tenho uma “viagem boa” pela frente. Ela relê as cartas para confirmar as previsões e surgem coisas diferentes: um homem vai aparecer para me ajudar, preciso me cuidar com o roubo e um familiar vai ficar doente. Madalena pega as conchas sobre a mesa azul e sacode as mãos enquanto invoca orixás em iorubá. Compreendo nada - de repente, ela

solta as conchas e decifra meus orixás: o primeiro é Oxóssi, “reina na minha cabeça”, é o caçador dono das matas que prospera em suas empreitadas. A segunda é Oxum, deusa do amor e do encanto, a que me traz doçura no rosto (segundo ela). E, finalmente, o meu exu é o Tranca Rua das Almas, que abre caminhos e tirar obstáculos. Quando as consultas se encerram me retiro do galpão azul e retorno para a morada da mãe de santo. Cachorros latem e um porquinho guincha. Suas filhas estão na cozinha sentadas em uma mesa azul com uma panela com molho de tomate. A família resguarda as noites de domingo para preparar cachorros-quentes e servir aos moradores de rua na Praça Tiradentes. Retornando ao centro da cidade, penso em quantas pessoas procuram serviços como o de Madalena para ter alguma luz na vida. Enquanto alguns a buscam em programas religiosos na televisão ou nos mais variados santuários, uma magia peculiar reside nas ofertas das cartomantes e mães de santo que agem de maneira independente das organizações espirituais. Jornalismo PUCPR Revista CDM

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É preciso falar sobre autismo

cada 50 crianças, sendo sua prevalência maior em meninos, na proporção de três homens para cada mulher. No entanto, o assunto ainda é um tabu e é preciso falar sobre a doença.

Mesmo com o crescimento no número de casos, o Espectro Autista ainda é um transtorno que muito poucos conhecem Ana Lucy Fantin Débora Macedo crédito: Ana Lucy Fantin

A pedagoga e palestrante Glaucia Kemmer, de 50 anos, tem cinco filhos. O quarto, Victor, tem 23 anos e é autista. Ela conta que, quando criança, o garoto era absolutamente normal: falava, conversava, caminhava e brincava com os irmãos. Mas foi após o terceiro ano de vida que Victor passou a apresentar algumas alterações em seu comportamento. Glaucia sentiu a necessidade de procurar um especialista no assunto e, então, recebeu o diagnóstico de que seu filho era, sim, muito especial. Ao contrário de boa parte dos autistas, que não costumam ser muito afetivos, Victor é extremamente carinhoso, tanto em casa, quanto na escola. “Nós conquistamos isso aos poucos”, declara a mãe. “Ele gosta de estar perto das

pessoas, se dá muito bem com os professores e, inclusive, gosta muito de ir para a escola.” Glaucia afirma que Victor é uma pessoa como tantas outras: gosta de viajar, ir ao shopping e adora assistir a filmes e desenhos animados. Uma de suas grandes paixões é o Mario Bros que, há mais de dez anos é o seu personagem favorito, ao qual se refere como “amiguinho”. “É como se os personagens tivessem vida. Ele carrega os bonecos para todos os lados. A aparência é de um adulto, mas, por dentro, é como um menino de 12 anos de idade.” A mãe ressalta a necessidade da afetividade dos pais com relação aos filhos autistas. “É preciso se adequar a essa outra realidade, fazer com que eles se sintam amados e sejam tratados como pessoas normais, não como alguém diferente”, disse ela. Por isso, Glaucia tenta passar essas lições em suas palestras para as mães que, assim como ela há 20 anos, tiveram que mudar crédito: Ana Lucy Fantin

Com o sorriso estampado no rosto, qualquer obstáculo pode ser vencido.

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uitos planos para o futuro podem ir por água abaixo quando uma criança é diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA), distúrbio que, geralmente, aparece nos três primeiros anos de vida e que prejudica a capacidade de se comunicar e interagir. Ao receber o diagnóstico, muitos pais pensam nas dificuldades e nos desafios a serem 84

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enfrentados pelas próprias crianças afetadas e no sofrimento resultante da falta de inclusão social e escolar. De acordo com dados disponibilizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2015, estima-se que 1% da população mundial tinha autismo. No Brasil, com níveis de comprometimento classificados em graus leve, moderado ou severo, a síndrome atinge uma a

Momentos de descontração são essenciais na rotina de qualquer criança. Jornalismo PUCPR Revista CDM

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sua maneira de viver e de ver o mundo. Leni Milek é mãe de Isadora, de 7 anos, e de Artur, de 4. Ambos têm autismo. De acordo com uma pesquisa realizada neste ano pela Escola de Medicina da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, foi constatado que, quando a filha mais velha é autista, a chance de o filho mais novo novo ser, se for menino, é de 16,7%.

hora. “Ele me deixa quase louca, mas não tem o que fazer. É só ter paciência e saber controlar”, explica a mãe aos risos. Leni ressalta que na escola de seus filhos a inclusão é muito trabalhada e que os professores, assim como a maioria dos colegas, possuem um cuidado muito especial com eles. Os outros alunos talvez não entendam ainda as necessidades de Artur e Isadora e o que é,

“É preciso se adequar a essa outra realidade, fazer com que eles se sintam amados e sejam tratados como pessoas normais, não como alguém diferente.” - Glaucia Kemmer, mãe de um autista A menina foi diagnosticada aos 3 anos. Quando foi parando de falar as poucas palavras que pronunciava, foi ficando agitada e deixou de acompanhar os primos, que têm a mesma idade de Isadora. Já Artur começou a apresentar os mesmos sintomas da irmã antes dos 2 anos. Leni conta que é muito comum que Isadora e Artur tenham surtos, independentemente do lugar: em casa, no shopping ou no terminal de ônibus. No entanto, a menina já mostrou avanços na sua personalidade: hoje, ela é mais paciente, sabe esperar e já consegue conversar com os pais, com alguns familiares e com a nova professora, o que não acontecia antes. “É questão de muito limite. É uma coisa repetitiva, cansativa, mas necessária.” Enquanto isso, Arthur ainda é muito retraído e impaciente. Chora, deita no chão, grita e esperneia quando não consegue alguma coisa na 86

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crianças, elas começaram a tratar o Artur de um jeito muito melhor, até mesmo paternal. É bem legal essa relação que elas vêm tendo com ele”, relata o estagiário.

seu filho e na busca por seus direitos. Além disso, a UPPA tem o objetivo de conscientizar a sociedade sobre o autismo e levar informação a todos.

Adriana Czelusniak é voluntária da União de Pais pelo Autismo (UPPA), fundada há oito anos por um grupo de famílias que queriam fazer mais para mudar a realidade do autismo.

Seus voluntários trabalham também com a capacitação de professores, para que o docente esteja preparado para receber um aluno especial, entendendo suas necessidades e de sua família. “É com informação e conhecimento que essa inclusão pode acontecer de verdade”, finaliza Adriana.

Uma das bandeiras da UPPA é a inclusão de pessoas com TEA na escola e no mercado de trabalho. A organização orienta os pais e familiares na busca de uma escola ideal para

realmente, o autismo, mas respeitam e ajudam sempre que é preciso. “É até bonito de ver”, comenta emocionada. Entretanto, nenhum dos irmãos conversa com outras crianças e não se relacionam com ninguém. “É bem complicado. Essa é a maior dificuldade deles.” Apesar disso, entre os dois, existe um carinho muito forte e um bom relacionamento, dentro de um mundo que poucos conhecem. Augusto Klenk é estudante de Psicologia e estagia como profissional de apoio do pequeno Artur, filho de Leni, em uma escola da prefeitura. O jovem conta que o garoto se adaptou rapidamente a ele e que as outras crianças da escola não costumavam dar muita atenção ao pequeno, que não conversa com ninguém. Mas Augusto foi firme para conseguir a inclusão e convidava as crianças a ajudá-lo com o menino. “Depois de conversar com as outras

Fonte: Escola de Medicina da Universidade de Harvard. Jornalismo PUCPR Revista CDM

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O paladar infantil

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Leanderson Moreira

Crianças tendem a ser comedores exigentes, recusando alimentos por diversos motivos. Mas e quando esse comportamento não se encerra na infância?

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do que o termo em inglês. Isso porque, como é consenso na comunidade científica, o número de crianças que rejeitam determinados alimentos por conta de seu gosto, cor, textura, aroma ou mesmo aparência, é bastante elevado. Nelas, essa característica não é preocupante, mas já pode significar sinais do transtorno em alguns casos, segundo a psicóloga Laís Cardoso. Ela também cita o termo “alimentos seguros” para nomear aquilo que os pacientes com Tare comem.

“Se um ambiente é agradável e novos alimentos são oferecidos sem coação, a criança fica muito mais suscetível a desenvolver preferência por eles.” Lais Cardoso, psicóloga

Pexels

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a dieta de Welison Kelvin, 15 anos, o mais recorrente é a não mistura dos alimentos. Existe por parte do garoto uma enorme resistência a experimentar novas comidas e um forte apego ao hábito: alimentos se repetem à exaustão, tornando sua dieta pouco variada. Apesar disso, sua mãe garante que em seu último check-up não havia sido encontrado nada de errado com a sua saúde física. Apesar da dieta restrita, seu corpo parecia lidar bem com aquela situação. Nos países de língua inglesa, o termo picky eater é o mais comumente utilizado para se referir a esse que é um dos transtornos alimentares mais vistos na atualidade, o que por si só pinta uma imagem errada na cabeça daqueles menos informados. Picky, traduzido de maneira literal, significa “exigente”. Ou seja, dizer que alguém come de maneira exigente é uma forma bastante eficaz de ostracizar aqueles que possuem esse transtorno. Não é difícil encontrar, depois de uma breve pesquisa na internet, dezenas e dezenas de “testes”, em sites de entretenimento, para você descobrir se é um picky eater. Todos eles, quase sem exceção, tratam do assunto apenas como uma excentricidade encontrada em algumas pessoas, o que não é de todo mentira. Apesar disso, a questão é muito mais profunda. Por trás de tudo isso, existe o Transtorno Alimentar Seletivo (TAS), atualmente renomeado como Transtorno Alimentar Restritivo Evitativo (Tare). No Brasil, o termo mais utilizado é “paladar infantil”, o qual possui uma acuidade maior

Preferências alimentares são comuns em todos os indivíduos. Uns não gostam de brócolis, outros de tomate. Alguns não comem carne vermelha, e há inclusive aqueles que não comem carne nenhuma. A maior parte dessas preferências, porém, é consciente, seja ela pelo motivo que for. Mesmo quando alguém não ingere determinado alimento por seu gosto, essa pessoa sabe que o motivo da não ingestão é algo específico (no caso, o gosto do alimento). No caso daqueles com Tare, essas preferências excedem os motivos que eles conseguem explicar conscientemente, fazendo com que Jornalismo PUCPR Revista CDM

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Leanderson Moreira

Welison não costuma misturar alimentos e come a mesma comida repetidamente eles evitem grupos de alimentos inteiros (vegetais, por exemplo), mesmo que exista uma infinita variedade dentro desse grupo. Hanna Loureiro, 22 anos, é professora do ensino fundamental e parece ter adaptado para si a designação comumente utilizada no Brasil, se referindo as comidas que não costuma comer como “adultas”. Entre essas comidas, estão diversos tipos de vegetais e frutas, o que é comum em pessoas com o transtorno. Para Hanna, isso não é um grande problema no seu dia a dia, embora ela relate já ter saído de diversos eventos com fome, porque não havia nada que ela comesse por lá. E o caso da professora está longe do extremo do transtorno. 90

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O caso da escocesa Jennifer Radigan, 17 anos, ficou bastante conhecido na mídia internacional quando, em 2015, ela revelou em uma entrevista, só comer batata frita e queijo. O caso de Jennifer é especialmente preocupante porque mesmo com o diagnóstico, a garota acabou fazendo retrocessos, já que, na infância, ela costumava comer outros alimentos, os quais acabaram sendo abandonados com o tempo. Não é necessário dizer que os prejuízos a saúde física de Jennifer foram diversos. O Tare é definido, clinicamente, como comportamento de esquiva ou restrição na ingestão alimentar. Apesar de não existir uma regra, a maioria dos alimentos consumidos por quem

sofre desse transtorno é processado, como sanduíches encontrados em restaurantes de fast foods, segundo Cardoso. Por conta disso, começam a surgir problemas que excedem aqueles puramente sociais, e começam a afetar a saúde física do indivíduo. Isso porque esses alimentos nada saudáveis acabam causando deficiências de nutrientes e vitaminas nos pacientes, que devem estar o tempo todo sob acompanhamento médico. “Cada caso deve ser analisado como único”, diz Cardoso. Para ela, é muito importante a participação da família no desenvolvimento alimentar da criança, especialmente até os sete anos de idade. “Se um ambiente é agradável, e novos alimentos são oferecidos sem coação, a criança fica muito mais suscetível a desenvolver preferência por eles”. Cardoso ainda acrescenta que a preocupação dos pais por ver a criança não se alimentar, faz com que eles estabeleçam “acordos”, o que seria bastante prejudicial. Apesar disso, os motivos da causa do Tare ainda são muito controversos e não há um consenso dentro da comunidade científica. Alguns estudiosos acreditam que o transtorno se relacione as papilas super aguçadas, que tornam o sabor de todos os alimentos mais intensos. Questões psicológicas também podem fazer parte do fator desencadeante desse transtorno, como a relação sensorial que temos com a comida. Cor, cheiro, aspecto e textura dos alimentos tem um impacto negativo nessas pessoas, por algum motivo subconsciente. Esta relação negativa com a comida também pode

surgir de traumas, como crianças com pais muito rígidos, que as obrigam a comer determinado alimento, causando repulsa devido ao abalo emocional. Além do óbvio problema de saúde, o transtorno também desencadeia problemas menos óbvios. As pessoas com Tare passam a sentir vergonha de sua alimentação limitada e de não conseguir encontrar facilmente o que comer, e com isso começam a se isolar, preferindo comer sozinhos e evitar eventos sociais que envolvem alimentação. Cardoso afirma que “a criança pode sentir-se intimidada pelos demais e, à medida que vai crescendo, seu constrangimento sobre sua forma de alimentar-se a torna muito reservada”. Hanna se relaciona com essa situação, afirmando perceber isso desde a infância. Dentro da comunidade científica, o tratamento do Tare é uma medida viável. Especialmente quando existe um prejuízo social/emocional ou físico associado a ele. Cardoso, porém, alerta sobre a importância de que haja um acompanhamento psicológico assim que os pais e profissionais de saúde perceberem os primeiros sinais do transtorno, “para evitar a progressão do transtorno e futuras falhas de saúde devido à alimentação não saudável”. Assim como na maioria dos transtornos alimentares, este tratamento também deve ser multiprofissional envolvendo psicólogos, nutricionistas e psiquiatras. Assim, cada um desses profissionais conseguirá acompanhar o paciente e ajudá-lo a lidar com todos os aspectos do transtorno.

Jornalismo PUCPR Revista CDM

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