ano 14 - edição 42
novembro de 2016
revista corpo da matéria CURSO DE JORNALISMO PUCPR
Do arroio ao Iguaçu Vistos por todos, mas nem sempre percebidos. Um percurso pelas águas de Curitiba mostra a situação atual dos rios da cidade
Corpo da matéria Ano 14 - Edição 42 - Novembro de 2016 Revista Laboratório do Curso de Jornalismo PUCPR Pontifícia Universidade Católica do Paraná R. Imaculada Conceição, 1115 Prado Velho, Curitiba PR REITOR
Waldemiro Gremski DECANA DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES
Eliane C. Francisco Maffezzolli
COORDENADOR DO CURSO DE JORNALISMO
Julius Nunes
COORDENADOR EDITORIAL
Julius Nunes
COORDENADOR DE REDAÇÃO/JORNALISTA RESPONSÁVEL
Paulo Camargo (DRT-PR 2569)
COORDENADOR DE PROJETO GRÁFICO
Rafael Andrade
Alunos - 6º Período Jornalismo PUCPR Adriana Barquilha Duarte, Andréa Duarte Ross, Andrey Princival Gabardo, Brenda Iung, Camila Laís Borba, Caroline Ribeiro da Silva, Cecilia Tumler de Carvalho, Daniela Tank Borsuk, Érika Fernanda Lemes Boschiroli, Felipa Andressa Pinheiro Fonseca, Gabriela Bossoni Giannini, Gabriela Marques da Cunha, Gabriela Miguel Jahn, Gabrielle Campos Comandulli, Gilmar da Silva Montargil, Giordana Aparecida Chemin Tonini Marcon, Giulie Hellen Oliveira De Carvalho, Grasieli Vicente Farias, Guilherme Wordell de Oliveira, Íngridy Nayara Dias Moreira, Isabella de Oliveira Eger, Jehnifer Kammer Nogueira, Jessica Mirely Farias, Joana Ciafrino Sabbag, José Luiz Moreira Junior, Karina Tsutsui Harano, Kassio Pereira Pinto, Kiong Ée Ariele Hosseini, Lais Holzmann Cintra, Lara Fonte - Bôa De Oliveira, Larissa Camargo Saldanha, Leonardo Henrique dos Santos, Leticia Joly, Loraine de Fátima Mendes, Louise Fiala Schmitt, Lucas Aron Nogas, Luiza Romani Fogaça de Souza, Marcela Mazetto De Souza, Maria Victoria de Oliveira Lima, Marina Bittencourt Cardoso, Monalisa Rahal, Nicole Lemos Leite, Nicole Lopes Genovez, Pedro Henrique Colatusso, Renata Thais de Souza, Riana Karina De Carvalho, Rodrigo Yoshio Siguimura, Saila Caroline Rodrigues, Samantha Mahara Martynowicz, Sérgio de Oliveira Junior, Tais Coutinho Arruda, Thaís Barbosa Peixoto da Cunha, Vinicius Costa Pinto, Vitor Brunatto Ferraz, Viviani Moura
Imagem de capa: Pedro Henrique Colatusso 6ºP Jornalismo
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Revista CDM Jornalismo PUCPR
MEIO AMBIENTE
As artérias da cidade
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ECONOMIA
Heranças da terra
Criatividade LTDA.
Concursos públicos estão em alta com a crise
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COMPORTAMENTO Mais corpo, mais liberdade
26 34 Depois da meia-noite 38
Animais de estimação não convencionais
SAÚDE
Depois de nove meses
Reconhecendo o inimigo
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EDUCAÇÃO “Na moral, não é engraçado!”
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TECNOLOGIA
Vida profissional em jogo
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GASTRONOMIA Hora do chá
ESPORTES O importante é a essência
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Novidades nos jogos de 2020
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CULTURA Em sincronia com o tempo
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ESPECIAL: A VIDA QUE NINGUÉM VÊ
74 Por que adeus? 78 Gente que gosta de gente 82 Super ação sobre rodas 86 Perto do lar, longe de casa 90 Cifra da esperança 94 Estudando depois dos 40 98 Religiosas e feministas?! 102 Estilo black power 106 Mundo dos brechós 110 Consumo, logo existo 114 Profissão: invisível 118 Entre o cárcere e a rua
Jornalismo PUCPR Revista CDM
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título meio da ambiente seção
As artérias da cidade Poluição, alagamentos, inundações e enchentes são os principais problemas pelos quais as bacias hidrográficas de Curitiba passam. Problemas afetam diretamento quem vive e convive com os rios
Andrey Princival Gabardo Pedro Henrique Colatusso Vinícius Costa Pinto Viviani Moura Vinícius Costa Pinto
A
ssim como veias e artérias são vitais para a sobrevivência do ser humano, lagos e córregos são essenciais para a sobrevivência de uma cidade. Mas o que acontece quando uma pessoa não pratica exercícios físicos e não cuida da alimentação? Suas veias e artérias começarão a entupir, fazendo com que
Percorrendo as ruas que margeiam ou estão próximas aos rios da cidade, não é difícil encontrar pessoas que já presenciaram alguma vez, o transbordamento de algum rio. Dona Marli, por exemplo, que morou e hoje trabalha próximo ao Rio Belém, na região sul da cidade, conta que já sofreu, e ainda sofre,
o sangue seja transportando com dificuldade, até o momento em que ele não conseguia mais passar, a ponto de causar um enfarto.
por conta de enchentes: “Na época em que eu morava aqui, minha casa alagava. E toda vez que chovia a gente ficava pensando se a água ia entrar ou não em nossas casas”. Marli afirma que a poluição no rio piorou nos últimos 15 anos. Ela conta, desapontada, que já participou de ações com outros moradores, para tentar mudar a realidade, mas que por conta de algumas pessoas, não obteve êxito: “Nós até tentamos fazer o plantio de árvores na margem, só que os próprios moradores acharam que aquilo era uma afronta, porque aqueles
Essa analogia pode ser comparada, ao descaso com os rios, que são as artérias da cidade, vitais para o seu desenvolvimento, mas que não tiveram a importância devida, tanto dos órgãos responsáveis, como por parte da população ao longo dos anos, resultando nos rios como os vemos hoje, doentes: cheios de esgoto irregular sendo despejado diretamente em seus leitos, sem contar na poluição por conta do lixo. 4
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meio ambiente
espaços eles usavam como pasto para cavalos. Então, eles amarravam os animais nos pés das árvores e, com isso, a maioria dessas árvores não sobreviveu”, conclui. Perto dali, na Vila Torres, em outro ponto do Rio Belém, José Aparecido Silveira, conhecido como Zézinho, comenta que muitos políticos vêm até a região para pedir votos: “Aqui é um berço político. Muita gente acredita nos políticos que vêm até aqui, prometendo mudanças. Mas depois que as eleições passam, eles não fazem nada por nós”, afirma. Ele diz que o rio sempre foi poluído, e que, mesmo assim, já viu crianças entrando nas águas para brincar: “Elas entram lá correndo o risco de pegar alguma doença. Eu ouvi dizer que teve gente até que se alimentou de alguns peixes que de vez em quando aparecem. A criançada é inocente, quer brincar. E em vez de estar na escola, ou em casa, ela está ali. Essas crianças queriam estar pescando num rio que não seja poluído. Mas elas só sabem o que é
um rio limpo, pela televisão”, lamenta. Moradores do bairro Bom Retiro, compartilham os mesmos problemas enfrentados pelos residentes próximos ao Rio Belém. Lá, é o córrego Pilarzinho o motivo das reclamações. Seu Sérgio, que tem o córrego como seu vizinho de parede, há 13 anos, aponta a falta de planejamento urbano como um dos fatores responsáveis pelos alagamentos na região: “Aqui, onde nós estamos, o córrego tem quatro metros de largura e ali na outra ponte ele tem 2,5 metros, para beneficiar aqueles terrenos que estão ali em diante, que são de um político. Então, como a água vai conseguir escoar, se aqui o córrego é mais largo, e afunila ali em diante?”, questiona. Morador da região desde 1974, Norberto conta que a maior enchente que presenciou foi em 1999: “A água chegou a 1,5 metro de altura e estragou muitos móveis da minha casa. Soube de vizinhos que ficaram doentes e até de uma senhora de idade, que faleceu, por ter tido
Pedro Henrique Colatusso
Marly passa todos os dias pelo Rio Belém e sente-se impotente diante da situação .
Zezinho fez na ponte do rio um pedido de paz para a comunidade. Jornalismo PUCPR Revista CDM 5
título meio da ambiente seção
Córrego Pilarzinho é um dos afluentes do Rio Belém. Vinícius Costa Pinto
o contato com as águas, que possivelmente tinham urina de rato e esgoto misturados.” Norberto também aponta a falta de planejamento como fator determinante para as enchentes. Segundo ele, a criação do Jardim Schaffer (que fica ruas acima de onde mora) contribuiu para aumentar a incidência dos alagamentos. “Na região onde hoje é o Jardim Schaffer, a água tinha espaço para escoar. Mas com o loteamento, o solo acabou sendo impermeabilizado e, com isso, a água da chuva vem pelas galerias pluviais, e desemboca aqui no córrego, aumentando o nível dele, sem que ele tenha sido pensando para suportar tanta água.”
tão, dado esses problemas com a crise política e econômica, as coisas estão meio paradas. Em 2011 foi que o pessoal começou a se conscientizar para ter um projeto de urbanizar o rio. Mas até agora não foi feito. Por quê? Falta de interesse de administrações públicas.”
Norberto não poupa críticas à má gestão por
De acordo com o professor de Geografia, e especialista em análise ambiental, Eduardo Baptista, há uma série de problemas envolvendo os rios de Curitiba, tais como a falta de uma rede de esgoto sanitário que comporte toda a demanda; a ausência da fiscalização de redes clandestinas de esgoto; a escassez de áreas verdes na cidade, que façam com que o solo seja permeável; dentre outros. Baptista conta que fez um trabalho de monitoramento em
parte do poder público e a falta de interesse em encontrar uma solução para acabar com as enchentes e com as ligações de esgoto irregulares. “Os rios dependem de verbas federais, en-
três pontos do Córrego da Pedreira e que foi possível identificar três tipos de qualidade de água diferentes em um mesmo rio: “O primeiro ponto analisado, próximo da Universidade
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meio ambiente
Livre do Meio Ambiente, o córrego apresenta um aspecto de poluição não muito elevado, mesmo tendo a presença de esgoto sanitário. No segundo ponto, uma reserva de proteção ambiental particular, que é o Bosque das Corujas (veja boxe), os índices de poluição são baixíssimos. No ponto três, na foz do córrego com o Rio Belém, os índices são gritantes. Chega a ter três vezes o índice máximo de poluição considerada aceitável. Lá, mesmo todas as residências tendo saneamento, a maior parte delas não está ligada à rede coletora de esgoto, ou essa rede está rompida”, completa. Baptista argumenta que as redes de esgoto presentes hoje em Curitiba foram construídas na década de 1970 e que o solo mudou muito nesse tempo. Na construção de um prédio, exemplifica, a vibração do solo, causada pelos bate-estacas, pode auxiliar no processo de rompimento tanto do esgoto como das galerias pluviais: “Quando a água acha um buraco por onde pode passar, vai abrindo caminho e vai erodindo, fazendo como se fossem ‘mini-cavernas’ e, volta e meia, abre-se o teto, que pode desabar”. Segundo Baptista, teria sido esse processo que resultou na cratera aberta, em junho de 2016, na Praça Carlos Gomes, por onde passa o Rio Ivo.
Bosque das Corujas O Bosque das Corujas, no bairro Pilarzinho, em Curitiba, é uma reserva particular do Patriônio Natural Municipal (RPPNM) e tem cerca de 5 mil m² de floresta nativa. A área oficializada com RPPNM, em 2012, foi adquirida pelo arquiteto Osvaldo Navaro Alvez em 1975. Ele mora no local há 41 anos.
Cratera na Praça Carlos Gomes Quem passava na manhã do dia 22 de junho deste ano pela Praça Carlos Gomes, no centro de Curitiba foi surpreendido por uma gigantesca cratera, em uma das laterais da praça (esquina das ruas Monsenhor Celso e José Loureiro) e que ficava perto de bancos, árvores e de uma banca de revistas. O buraco teria se formado entre a madrugada do dia 21 e 22 de junho e logo chamou atenção de pedestres que normalmente utilizavam a praça para chegar até o trabalho ou colégio, e também de dezenas de curiosos. A notícia do aparecimento desta cratera gigante ganhou repercussão nos veículos de comunicação e foi destaque também em jornais de outras cidades do estado. Por conta das más condições do tempo, o buraco levou dois dias para começar a ser fechado. De acordo com a Secretaria Municipal de Obras, o motivo da formação da cratera teriam sido as fortes chuvas que caíram nos dias anteriores, aliados à obstrução e a possíveis rompimentos nas galerias do Rio Ivo, que são muito antigas e que passam por baixo da praça. Viviani Moura
Jornalismo PUCPR Revista CDM
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meio ambiente
Bacias Hidrográficas de Curitiba Curitiba possuí seis bacias hidrográficas: rio Barigui, rio Passaúna, rio Belém, rio Atuba, Ribeirão dos Padilhas e rio Iguaçu. A maior delas é a do Barigui, com 140 km², e o menor é a do Ribeirão dos Padilhas, com 33,8 km².
Bacia do Atuba Segundo o professor e especialista em Análise Ambiental Eduardo Baptista, são as mais poluídas de Curitiba e desenbocam no Rio Iguaçu.
Bacia do Belém
Bacia do Passaúna
Bacia do Barigui
É a menos poluída, de onde a Sanepar faz a captação de água para abastecimento público.
Bacia do Ribeirão dos Padilhas
Bacia do Iguaçu
Fonte: IPPUC
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meio ambiente
O engenheiro civil e professor da PUCPR Carlos Garcias afirma que o Rio Ivo é um dos mais poluídos de Curitiba, e também é responsável por parte da poluição do Belém, uma vez que, na época em que os prédios foram construídos no Centro, não existia rede coletora e os moradores faziam a ligação do esgoto direto no Ivo. Garcias afirma que há um trabalho de pesquisa e análise, desenvolvido pela Sanepar, a companhia de saneamento do Paraná, para verificar se casas e prédios, estão com seus esgotos ligados corretamente. “Quando encontram irregularidades, o morador é notificado e orientado a fazer a ligação na rede ws já são implantados vencidos, porque quando começou o seu planejamento a situação do clima era uma e hoje já é outra.” Outro fator agravante na execução das obras, é a burocracia. “O nosso maior problema não é a falta de dinheiro, não que esteja sobrando, mas o maior problema é a burocracia, os processos que envolvem a licitação e a execução de uma obra”, declara. O secretário municipal do Meio Ambiente, Renato de Lima, afirmou que está trabalhando em um quarto mapa de inundações e que hoje a capital tem um sistema de alerta que funciona em parceria com a Defesa Civil, além
de ter um sistema de gestão de risco. O Secretário diz que além dos parques já existentes, há projetos para a construção de outros parques, em outros pontos da cidade, para que atuem, como os já existentes, proporcionando áreas permeáveis para a infiltração da água da chuva, funcionando como corredores verdes. Lima lembra que outros programas estão em andamento, como a gestão de reservatórios, manutenção, despoluição e conscientização de adultos e crianças: “Eu acho que, para nós, termos um processo de despoluição que deixe a cidade com todos os seus rios com boa qualidade, temos de pensar em um projeto de 10 a 20 anos. Junto com a comunidade, vai-se conseguindo dar passos, que às vezes parecem pequenos, mas que são importantes”, finaliza. E são os pequenos passos que fazem com que dona Marly não perca a esperança de ver saudáveis os rios da cidade: “O sonho de todo mundo é ver os rios limpos, podendo entrar neles. Não sei se isso vai acontecer na minha geração, ou nas futuras. Como professora, vou continuar o meu trabalho junto às crianças para que elas se tornem cidadãos responsáveis por cuidar dos rios, e com isso melhorem a qualidade de vida delas e de todas as pessoas do planeta.”
“Para nós termos um processo de despoluição que deixe a cidade com todos os seus rios com boa qualidade, temos de pensar em um projeto de 10 a 20 anos.” Renato de Lima, secretário municipal do Meio Ambiente. Jornalismo PUCPR Revista CDM
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título da seção economia
HERANÇAS DA TERRA
Conheça a história dos descentes de italianos que aproveitaram a tradição do conhecimento agrícola passado de pai para filho, mas transformaram o método de produção Por Gabriela Giannini Fotos: Nicole Lopes
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Didio, de 87 anos, trabalha na mesma lavoura que seus pais inauguraram no século XX.
títuloeconomia da seção
Jornalismo PUCPR Revista CDM
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economia
I
tália, meados do século XIX. A população do país enfrenta péssimas condições de trabalho rural, resultado da Unificação Italiana, processo que reagrupou os oito estados independentes da nação. Em consonância com esse cenário, são divulgadas por toda a Europa as favoráveis condições da livre imigração para o Brasil, que acabou sendo impulsionada pelo contexto ecônomico do país europeu. Em terras tupiniquins, os italianos ocuparam principalmente a Região Sul. O Centro de Imigração Italiana Paranaense estima que, em 1900, o Paraná era povoado por mais de 30 mil trabalhadores italianos em lavouras. No estado, as maiores colônias de imigrantes da Itália prosperaram na Região Metropolitana de Curitiba, sendo no município de Colombo a maior concentração delas. Entre as famílias que povoaram
da família, sendo Luiz José Gasparin, de 87 anos, seu representante mais velho. Conhecido como Didio, o agricultor é o patriarca das três gerações que ainda moram na propriedade, e presenciou a evolução da produção do local. Passando, ao longo dos anos, de monocultura convencional a produtora de dezenas de hortaliças cultivadas de forma orgânica, a comunidade se destaca por realizar, desde seus primórdios, a agricultura familiar. O método de produção pode ser classificado como “agricultura familiar”, quando a mão de Revista CDM Jornalismo PUCPR
A produção em família acompanha os Gasparin desde que os pais de Didio chegaram ao Brasil, época em que os parreirais tomavam conta de grande parte das terras da Região Me-
A produção agrícola familiar é responsável por 70% dos alimentos consumidos no Brasil
Colombo está a Gasparin, habitante da fazenda Dois Pinheiros. Os mais de 60 mil metros quadrados de terra já serviram de subsídio e moradia para quatro gerações
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obra de parentes é predominante no negócio, conforme explica o agrônomo Mauricio Cesar Iung. De acordo com ele, outros critérios são a extensão de terra máxima de quatro módulos rurais - medida cuja extensão é variável de região para região do Brasil – renda máxima de R$ 360 mil por ano e, no mínimo, 50% da renda da família oriunda da atividade rural. Atualmente, a produção agrícola familiar é responsável por 70% dos alimentos consumidos no Brasil, de acordo com o senso de 2015 do IBGE.
tropolitana de Curitiba, e as uvas representavam o grande motor da agricultura imigrante. De lá para cá, os poucos parreirais que restaram em Dois Pinheiros se tornaram apenas um passatempo para Didio, que produz vinho artesanal para consumo familiar, e a subsistência da comunidade passou a se firmar em uma gama muito maior de produtos. Entre eles, abobrinha, chuchu, tomate, pimentão, vagem, couve-flor e brócolis tomaram conta, gradualmente, da produção de uva.
Risco . . . . . à. saúde . . . . . O plantio convencional, que tem como características o uso de máquinas e implementos
economia Nicole Lopes
Célia Gasparin aprendeu a cultivar com os pais, mas decidiu adotar um método de cultivo sem agrotóxicos depois da família ter apresentado problemas de saúde. para o preparo da terra, de corretivos para o solo e de agrotóxicos para o controle de pragas, foi a forma de cultivo adotada pelos Gasparin até 1998, ano em que a família decidiu adotar a produção orgânica. Essa transição se deu por
que caíram doentes [por conta dos agrotóxicos]”, conta Elison, filho de Célia, que aos 19 anos já trabalha na lavoura.
conta do adoecimento de familiares que lida-
inovação e desenvolvimento, apontam que o Brasil tem mais de 450 famílias certificadas como unidades de produção orgânica, sendo esse tipo de cultivo, responsável de 80 a 90% da produção familiar das unidades cadastradas na certificadora. De acordo com Danilo Pereira, auditor terceiri
Dados de 2016 do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), que possui foco em pesquisa,
“Por conta de agrotóxicos meu tio ficou bem mal de saúde, foi parar no hospital.” Célia Gasparin, agricultora vam diretamente com agrotóxicos. “Meu tio ficou bem mal de saúde, foi parar no hospital, e também ficamos sabendo de outros vizinhos
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economia
zado da Tecpar e agrônomo especialista em agroecologia, a agricultura familiar orgânica se apresenta nos mais diversificados modelos. “Tem desde produtor que está sobrevivendo só disso [plantação], até agricultores familiares que estão com tecnologia avançada, embalando seus produtos, gerando marcas”. A família Gasparin mantém a produção tradicional sem a utilização de muitos recursos tecnológicos, atualmente a produção conta com sete integrantes que se dividem em funções administrativas, comerciais e de produção. As
Melhorias . . . . . . . . Para Iung, a mudança da agricultura tradicional para a orgânica é benéfica para o meio ambiente, para a saúde e também para a economia. “Ao parar a aplicação de produtos químicos nas plantas e no solo, diminui o potencial de poluição do solo e águas. Quando não há exposição aos produtos químicos, o produtor trabalha mais confortável e sem riscos de intoxicação, para o consumidor, a consequência é a mesma: produtos mais seguros e sem riscos de contaminação com químicos.”
Nicole Lopes
lavouras são bastante variadas em quantidade e vegetais, diversificando-se de acordo com a estação do ano e as condições climáticas. “Agora, estamos com 70 bandejas, cada uma tem 288 mudas, o que dá 15 mil pés por semana, mas tem semana que fica o dia inteiro choven-
do”, conta Elison. “No dia da colheita, se tiver chuva, a gente colhe com chuva mesmo, agora no dia de plantar, se tiver chovendo não tem como preparar a terra”, completa Célia.
Didio Gasparin (direita) ara a terra da fazenda Dois Pinheiros. 14 Revista CDM Jornalismo PUCPR
economia
A melhoria econômica foi notória para a família Gasparin. “Na [agricultura] convencional o preço vai lá em baixo, tem que produzir muito para vender e valer a pena. No orgânico, você fala que seu produto custa tanto e eles pagam esse tanto”, conta Elison, responsável também pela parte comercial do negócio. O agricultor afirma que o mercado é generoso e não faltam locais para venda. Mercado Municipal, Passeio Público, feiras de orgânicos e venda de verduras para merenda de escolas municipais e estaduais são os principais canais de distribuição da família.
Com o retorno financeiro e a garantia de um trabalho bem executado, a família projeta que, assim como seu passado, seu futuro está no campo. A herança da agricultura familiar tende a percorrer as próximas gerações da família Gasparin. “Na nossa família, a herança permanece sim, os meninos ficam aqui e as meninas vão para fora quando casam”, explica Célia. “Acho que a falta de emprego na cidade está fazendo as pessoas ficarem por aqui, sim”, completa Elison. .
Representatividade Conheça os produtos agropecuários do Brasil cuja maior parcela é cultivada ou criada por produtores da agricultura familiar
milho 46%
carne suína
59%
feijão 70%
leite
58%
carne de aves
50%
Dados: Ministério da Agricultura/Portal Brasil
mandioca 87%
Jornalismo PUCPR Revista CDM
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economia
Criatividade LTDA. Economia criativa, coworking e casas colaborativas são tendências cada vez mais procuradas pelo público e por empreendedores Laís Holzmann, Bruna Kurth, Debora Dutra e Lara Fonte-Bôa
Laís Cintra
No Four Coworking, a área externa é também utilizada para trabalho. Qualquer pessoa pode sonhar, mas fazer esse ideal acontecer é para poucos. Quem nunca pensou em ter o próprio negócio? Mesmo diante das dificuldades, os idealizadores do Four Coworking, em Curitiba, Alessandra e Sérgio Moriya, conseguiram concretizar um sonho antigo. O casal já pensava há muito tempo na possibilidade de abrir um negócio próprio.
que estivesse alinhado ao nosso propósito: o de impactar de forma positiva a vida das pessoas. Vimos que o coworking seria um local perfeito para desenvolver nosso propósito e também nos ajudaria a alavancar outros negócios”, explica Alessandra.
Alessandra, como consultora de imagem e estilo, e Sérgio, ainda cuidando dos negócios da família.
o Four Coworking. Um ambiente profissional,
Conexões, experiências, desenvolvimento e produtividade. Esses são os pilares que regem
“Sempre tivemos um sonho de ter um negócio próprio que estivesse alinhado ao nosso propósito: o de impactar de forma positiva a vida das pessoas.”
O casal conta que, para tornar realidade esse sonho de ter a própria empresa, utópico para muitos, eles tiveram de, primeiro, passar por um período de autoconhecimento, quando Alessandra Moriya, fundadora do Four Coworking veio à tona a ideia de abrir um dinâmico e inspirador, que busca impulsionar espaço colaborativo de trabalho. “Sempre negócios diversificados, construindo relaciotivemos um sonho de ter um negócio próprio 16
Revista CDM Jornalismo PUCPR
economia
namentos, incentivando e motivando novas ideias, num processo contínuo de aprendizagem, conhecimento e, acima de tudo, propiciando um ambiente para a criatividade. “Desde a estrutura até os detalhes em nosso espaço foram pensados para proporcionar mais qualidade de vida e bem-estar aos nossos coworkers e a todos que passarem por aqui”, completa. Tentando se inserir no meio profissional, jovens formandos têm buscado opções alternativas no mercado de trabalho e encontrado nos
ativo, operante e crescendo rápido. O professor Glauco Fürsenberger, do Núcleo de Empreendedorismo e Inovação (NEI), da PUCPR, acredita que esse tipo de negócio é uma tendência que veio para ficar. “As novas gerações são mais colaborativas e estão dispostas a trabalhar em ambientes que possibilitem a troca de conhecimento e informações de modo mais informal, típico dos coworkings.
Bruna Kurth
ambientes de coworking a possibilidade de fugir de estruturas rígidas. “Os espaços ampliam possibilidades de negócios, reduzem custos, podem auxiliar os profissionais conectados a se desenvolverem pessoal e profissionalmente”, aponta.
Os custos passam de fixos para variáveis, podendo ser melhor gerenciados”, explica.
Depois de tentar o home office, quando se trabalha em casa, e de conhecer outros espaços de coworking, Alessandra viu a necessidade de construir, tanto para si quanto para outros, um ambiente que promovesse conforto, qualidade de vida e produtividade. Há pouco mais de seis meses, o Four Coworking saiu do papel, está
Assim como os coworkings, outro modelo de negócio que vem surgindo são as casas colaborativas. Segundo o site oficial do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Paraná (Sebrae-PR), o coworking é o lugar para profissionais independentes que buscam por um local
Laís Holzmann Cintra
Casas colaborativas
De cima
democrático de se fazer para baixo: trabalho, podendo desen- Alessandra volver seus projetos sem e Sérgio o convencional home Moriya; Karla office. Keiko; e Naira Demarchi. Já a casa colaborativa,
Escritório privativo da fundadora do Four Coworking.
também chamada de “aços compartilhados”, é um modelo de colaboração que vai desde um serviço profissional até uma casa aberta da qual Jornalismo PUCPR Revista CDM
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economia
Colorido e despojado, o espaço Das Nuvens incentiva a criatividade. Bruna Kurth
qualquer pessoa pode ter a chave. Os espaços compartilhados promovem a formação de redes interdependentes que podem servir de grupos que conversam entre si e podem se conectar.
“Resolvemos nos empenhar em criar espaços propícios para a criação e a mostra de bens e serviços artísticos/culturais, além de vivências focadas na construção de conhecimentos genuínos e fluidos”, explica.
Percebendo um mercado criativo promissor em Curitiba, as empreendedoras Karla Keiko, Anni Hirami e Bruna Fronza abriram o Das Nuvens, uma casa colaborativa projetada para potencializar as habilidades artísticas das
A ideia de compartilhar e ofertar serviços de criação surgiu após as fundadoras perceberem a existência de um mercado artístico grande na capital, o que não era não valorizado. O sistema de criação do Das Nuvens funciona de
pessoas. Inaugurado em 2014, a casa, diferentemente dos coworkings, atua além dos limites do trabalho, ofertando, segundo Keiko, a possibilidade do ócio criativo de qualidade.
forma que as pessoas trabalham, em colaboração, cada um na sua área, por um preço considerável para a manutenção da casa. Na hora de aceitar um novo integrante, Keiko conta que
Entenda a diferença Economia criativa Tem como objetivo aproveitar as oportunidades geradas pela globalização e pelas mídias digitais como forma de informar e enriquecer a criatividade das pessoas e construção para o desenvolvimento do país.
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Coworking É a nova forma de pensar em ambiente de trabalho. Um lugar para profissionais independentes que buscam por um local democrático de se fazer trabalho, podendo desenvolver seus projetos sem o convencional home office.
?
Casas colaborativas Reúnem empreendedores autônomos e pequenas empresas que, embora atuem em áreas diferentes, têm objetivos semelhantes. Além de realizarem seus projetos próprios, eles atuam em conjunto para promover a casa.
economia
“sempre é deixado uma coisa bem clara: nossa regra é a sinceridade acima de tudo. Mantemos um diálogo muito aberto com todos, dizendo o que tem que ser dito na hora certa e com carinho, e esperamos a mesma atitude dos residentes.”
envolvidas em algo da cabeça a alma, o interesse em dedicar tempo e energia é genuíno e surpreendente. O melhor de tudo isso é vê-las unidas, inventando juntas, cocriando historias, produzindo e colaborando”, finaliza. Segundo o Sebrae-PR, a economia criativa surgiu do termo “indústrias criativas”, que
O espaço de trabalho Das Nuvens, que fica no Edifício Tijucas, no Centro, é orgânico e imprevisível. Cada profissional colaborador tem liberdade de seguir sua própria rotina. As ra do espaço Das Nuvens
“Esse é o modelo do presente, pois já estamos o vivenciando.” Karla Keiko, idealizado-
vantagens, segundo a idealizadora, vão além da economia gerada por meio de um espaço colaborativo – a convivência com pessoas diferentes com diversas histórias e repertórios culturais enriquece a dinâmica de grupo e o trabalho criativo. Entre algumas das atividades desenvolvidas no Das Nuvens, estão: as vivências de criatividade, shows, performances, feiras e eventos, todos voltados para produções autorais.
tem como objetivo aproveitar as oportunidades geradas pela globalização e pelas mídias digitais como forma de informar e enriquecer a criatividade das pessoas e construção para o desenvolvimento do país. Fürstenberger acredita nesse modelo de negócio, que segundo ele, tem se popularizado devido à busca da
Com uma bela vista, os profissionais
Quanto ao futuro, Keiko vê nas casas colaborativas um modelo que tem se fortalecido cada vez mais e aposta nele, “Esse é o modelo do presente, pois já estamos o vivenciando. Acreditamos que no futuro as coisas vão ser ainda melhores. O melhor dessa nossa geração é: somos, por essência, proponentes, fazedores de coisas. A ação está ao nosso alcance em todas as áreas imagináveis”, e lembra ainda de outro conceito que vem sendo aplicado no mundo dos negócios, a economia criativa, “Quando as pessoas estão
do Das Nuvens trabalham no centro de Curitiba. Bruna Kurth
sociedade por produtos menos massificados, mais humanos. “De modo geral, a economia criativa vem do uso do capital intelectual de uma ou mais pessoas para fornecer produtos ou serviços. Geralmente envolve cultura, artes e produções cujos resultados são sempre diferenciados dos produtos anteriores”, explica.
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economia
Um negócio nômade
Dentro do mercado tracicional, o projeto Catarinense Bazar Itinerante, representa a aplicabilidade de modos alternativos de comércio Bruna Kurth
A idealizadora Naira Demarchi, na 11ª edição do evento, realizada em Itajaí, SC. Este novo “modelo” econômico e criativo traz uma nova proposta de consumo, muito mais consciente e sustentável. Naira Demarchi, empreendedora desde os 13 anos, despertou seu interesse para
e designers no quintal de casa, Naira criou o Bazar Itinerante – uma feira multicultural que reúne microempreendedores, artistas e artesãos da região sul do Brasil e, como o próprio nome
“Estava conectando as pessoas e não só fazendo um negócio. As pessoas dialogam com isso, elas gostam e saem transformadas.”
a economia criativa quando se deu conta do quanto as pessoas consumiam e nunca estavam realmente satisfeitas. Naira Demarchi, idealizadora do Bazar Itinerante Foi pensando numa diz, itinerante. “Iniciei em 2013 e, na época, se forma de reverter isso e conscientizar, que a falava pouco sobre economia criativa. Comecei catarinense teve seu primeiro insight para um a despertar e entender que era uma economia novo formato de negócio. que se movimentava dentro de um percentuDepois de algumas tentativas de montar eventos como brechós, reunindo amigos artistas 20
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al. O Bazar Itinerante é economia criativa em vida”, conta. A ideia se tornou um negócio
economia
criativo que permite a conexão entre pessoas. “Estamos conectando pessoas e não só fazendo um negócio. As pessoas dialogam com isso, elas gostam e saem transformadas”, enfatiza. Ao ver a conexão entre pessoas e a satisfação em desfrutarem de um serviço que as fazem interagir e se envolverem profissionalmente e culturalmente, Naira contesta a economia tradicional, considera um modelo enraiza-
Em cima, microempreAs pessoas têm, cada vez mais, optado pelo negócio próprio na tentativa de alcançar seus endedores na 12ª edisonhos. Mas, e a coragem? O professor da ção do Bazar Escola de Negócios da PUCPR Paulo César Porto Martins aponta que enfrentar o desco- Itinerante, em nhecido não é tarefa fácil, mas incentiva. “Sim, Jaraguá do é difícil, mas trilhar uma carreira como funcio- Sul, SC. nário tam- Em baixo, edibém não é ção especial tarefa fácil. de primavera, Ter sucesso em Balneário negócios.
“A economia tradicional é sólida, quadrada. A meu ver, está a caminho da falência se não mudar.” Naira
do em um sistema Demarchi, do Bazar Itinerante totalmente industrial que funcionou e ainda funciona, financeiro e mas traz consigo questionamentos e angustias. profissional “Economia tradicional é sólida, quadrada. A exige esformeu ver, está a caminho da falência se não ço, indepenmudar. Já a economia criativa sempre existiu, dentemente mas há hoje um reconhecimento maior, uma do caminho formalização. A economia criativa valoriza o escolhido.” lado humano, o valor da criação e da ideia”, completa a empreendedora.
Camboriú, SC. Bruna Kurth
A economia criativa segue uma tendência que quebra a hierarquia que há dentro de uma empresa convencional e permite que se reconheçam todas as ideias apresentadas, não limitando as pessoas em cargos, mas permitindo que todos participem. Para Fürstenberger, “com certeza seguirão influenciando e certamente irão evoluir para novos formatos, acompanhando as mudanças da sociedade”. Mas, se é um modelo de negócio que veio para ficar, ainda é cedo para saber. Outras edições desta revista, talvez possam trazer novas histórias de pessoas que encontraram a tão sonhada satisfação profissional em novos modelos de Jornalismo PUCPR Revista CDM
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economia
Concursos públicos estão em alta com a crise
O brasileiro está cada dia mais buscando novos caminhos para superar a grave crise econômica que vem assolando o país nos últimos anos. A busca por oportunidades no mercado de trabalho, esbarra na falta de vagas e de qualidade da mão de obra brasileira. É nesse contexto que os concursos públicos tornam-se uma importante e popular opção para as pessoas que buscam novas posições dentro do mercado de trabalho.
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Revista CDM Jornalismo PUCPR
Caroline Rodrigues
U
m assunto que sempre está em alta, independentemente da situação econômica do Brasil, são os concursos públicos, processos seletivos que têm como objetivo avaliar candidatos concorrentes a um cargo efetivo de um órgão ou entidade governamental. São milhares de pessoas concorrendo e buscando melhor colocação no mercado de trabalho. Muitas delas estudam durante muito tempo para conseguir a vaga almejada.
Karina Tsutsui
economia
Professores, enfermeiros, policiais, agentes de trânsito são apenas alguns dos cargos ligados ao setor público, no qual os candidatos são selecionados por meio de concurso público. E, além da grande concorrência, o candidato deve se preparar para uma prova objetiva específica e de conhecimentos gerais.
Mayra é autônoma e busca uma vaga na Prefeitura de Pinhais
Estabilidade, tanto financeira quanto no próprio emprego, é um dos motivos que levam as pessoas a prestar o concurso, como no caso do Arquivo pessoal
policial militar Douglas Ceccon, que seguiu esse caminho em busca de melhorias salariais e realização profissional. “Fiz porque queria me realizar profissionalmente e ter estabilidade financeira, e hoje trabalho com o que eu sempre quis.” A estudante Mayra da Silva, de 25 anos, relata que está em busca de uma vaga para assistente de meio ambiente na prefeitura de Pinhais, região metropolitana de Curitiba. “Estou concorrendo a uma vaga de fiscal do meio ambiente e também para o cargo de auxiliar administrativo no Parque da Ciência, para o qual o edital abre em outubro.”
Douglas, policial da PM, conseguiu seu emprego por meio de concurso público.
Ao falar de concurso público, é comum as pessoas citarem a grande concorrência e as indicações e facilidades, e esse fato pode deixar os candidatos que se preparam com meses de antecedência apreensivos. Mayra conta que não tem nenhum privilegio e seus estudos são minuciosos. “A concorrência hoje é menos importante que ter Jornalismo PUCPR Revista CDM
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uma indicação de dentro do órgão pretendido e quanto maior a competição, mais minucioso serão os meus estudos. Não tenho indicação e estou estudando com base na matéria divulgada no edital e com a ajuda de colegas que já fizeram a prova”, conclui.
Arquivo pessoal
economia
A demora no processo seletivo também está sempre em pauta. Muitos candidatos relatam que demora anos para serem convocados ou, muitas vezes, não são chamadas mesmo após serem aprovadas no concurso. É o caso de Muricy Neto, de 29 anos. O estudante relata que fez um concurso público para fiscal da Urbs, órgão que gerencia o transporte público em Curitiba, há mais de dois anos e até o momento não foi chamado. “Eu tentei para ter estabilidade financeira e no próprio emprego, já que você não é demitido por pequenas coisas”, conta.
Muricy espera resuktado de concurso público da URBS há 2 anos.
Saldo de novos empregos no terceiro trimestre de 2016 no Paraná
Extrativa mineral - 20 vagas
Serviços de utilidade pública - 24 vagas
Comércio - 385 vagas
Serviços -1.102 vagas
fonte: IPARDES 24
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economia
Douglas, por sua vez, relata que levou mais de três anos para ser selecionado, e quando foi chamado, já havia se mudado de Curitiba. “Vi na internet a vaga de policial militar e comecei a estudar por conta própria para ter estabilidade financeira. Foram três anos esperando para me chamarem e eu já estava morando em Blumenau. Retornei a Curitiba e estou exercendo minha função, mas pretendo prestar outros concursos”, conta o policial.
em 927 novas vagas. Existe também algumas pessoas que contaram que foram selecionadas rapidamente, como o caso da Laura Morita. Ela foi servidora pública por alguns anos. Ela contou que foi chamada para o cargo de analista financeiro no mesmo dia em que prestou a prova, já que o resultado foi imediato. Além disso, Laura explicou que a concorrência não era muito grande, e ela não teve problemas com os estudos, pois dominava o assunto. “ Eu já exerci o cargo de assistente de gabinete, analista financeiro e gerente da Caixa Econômica. Na minha área não havia muita concorrência
"Eu aconselho a ter foco, propósito, muita determinação e disciplina nos estudos. Assim, você verá que o esforço valerápropósito, muita determinação e disciplina. você verá que o esforço valerá a pena”, a pena." - Laura Morita, Assim, finaliza. aposentada. e o resultado saiu rapidamente. Eu não tive problemas com os estudos, pois dominava o assunto, então não senti dificuldades”, relata. E para quem vai prestar concurso público, Laura aconselha a estar focado e ter determinação nos estudos, para que o resultado final seja gratificante. “Eu aconselho a ter foco,
Loraine Mendes
Dados recentes do IPARDES Apesar da crise econômica no país, há oferta de empregos no Paraná. O setor de serviços liderou a geração de vagas no Estado em agosto, com saldo de 1.102 empregos, segundo dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes) do governo do estado. O comércio ficou em segundo lugar, com 385 novas vagas, seguido pelos serviços de utilidade pública, com 24, e a extrativa mineral, com 20 vagas. Já no mês de agosto, a capital paranaense registrou um saldo positivo
Laura trabalhou como funcionária pública e hoje é aposentada. Jornalismo PUCPR Revista CDM
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MAIS CORPO, MAIS LIBERDADE Uma indumentária pode carregar consigo diversas conquistas femininas? O bíquini vai muito além disso
Camila Borba
Texto: Camila Borba Diagramação: Thaís Cunha
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“E
ra um biquíni de bolinha amarelinha tão pequenininho, mal cabia na Ana Maria.” Você alguma vez já parou para pensar como essa música pode servir como plano de fundo para algumas das conquistas das mulheres nas últimas décadas? Ou mesmo que um traje de banho carrega um grito de liberdade? Pois bem, o biquíni, grande, pequeno, fio-dental, asa-delta, cintura alta, cortininha, tomara-que-caia, faz, sim, parte da emancipação feminina. Se o biquíni não cabia na Ana, porque ela não tentou provar um maior, vai que assim ela encontrava coragem em sair do provador. Quantas Anas, Luizas, Paulas, Luanas, mulheres, temos nesse mundo, inseguras com seu corpo, ideais, roupas, cabelo ou qualquer outro padrão imposto pela sociedade?
Micronésia, no Oceano Pacífico. Ivens Fontoura, professor de Design na PUCPR e curador da exposição “Bikini 70: A Explosão dos Anos 40”, lembra que o biquíni não foi a primeira indumentária com a intenção de ser a menor do mundo. Sua maior diferença era de ser um traje composto por duas peças, afinal o Átomo, um maiô com proporções bem inferiores do
Grande, pequeno, fio-dental, asa-delta, cintura alta, cortininha, tomara que caia.
O biquíni, desde sua criação, em julho de 1946, na cidade de Paris, pelas mãos do designer de moda Louis Réard, tinha como objetivo impressionar as pessoas tanto quanto uma bomba atômica. Isto se deve ao fato de que o biquíni nasceu no final da Segunda Guerra Mundial, na verdade, quatro dias após o primeiro teste nuclear comandado pelos Estados Unidos, no Atol de Bikini, nas Ilhas Marshall,
que as mulheres estavam acostumadas a usar, foi apresentado pelo designer Jacques Heim, três semanas antes do biquíni. “A motivação em jogo era apenas desenhar a menor peça de roupa feminina”, reitera o designer.
“Acabou toda a folia” Como tudo que é novo, o traje não foi aceito
por todos. Na verdade, ele foi proibido em vários países nos anos 50. Mesmo a França, terra natal da peça, preferiu reprimir para não acabar com maiores problemas. O Papa Pio XII, declarou o traje como pecaminoso após a primeira edição do Miss Mundo promover um desfile com as candidatas vestidas de biquíni. Mas, por outro lado, tudo que é proibido, ganha um novo olhar. Brigitte Bardot, Elisabeth Taylor e Grace Kelly, resolveram usar a fama do biquíni como Jornalismo PUCPR Revista CDM
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instrumento de sedução. É neste momento em que elas começam a quebrar paradigmas usando a peça em filmes e fotografias publicitárias. Criada em Patrocínio, interior de Minas Gerais, Hilda Müller, de 84 anos, tem lembranças de folhear as revistas da época e encontrar tra-
nunca esteve tão pequeno. O umbigo, até então escondido, ficou à mostra para quem quisesse ver, o modelo de biquíni fio-dental se tornou queridinho entre as cariocas (para coroar essa liberdade em meio a censura), o topless – uso apenas da parte de
O umbigo, até então escondido, ficou à mostra para quem quisesse ver. jes lindos. Ela, porém, nunca usou um biquíni, talvez porque morasse longe do litoral. Durante os anos 90, ela se mudou para Campinas, uma cidade menos provinciana e mesmo assim não se sentiu atraída pelo biquíni, e sempre preferiu maiô, principalmente por acreditar que ele era mais confortável. “Assimilar a ideia de usar é bem difícil, achava esteticamente bonito, mas meu pai não deixaria eu usar nem que eu quisesse. E, para ser sincera, não me incomodava porque ele era um pouco vulgar”, relata.
baixo do biquíni, deixando os seios à mostra –, foi a máxima do período. O então presidente da República, Jânio Quadros, determinou que o traje também fosse abolido do país. Não foi só o biquíni que passou a ficar menor nesta época, a silhueta feminina começa a diminuir e a pele se torna parte da indumentária. Vale lembrar que a minissaia é fruto dessa década.
Durante os anos 60, vivemos no Brasil o período conhecido como “Anos de Chumbo”, momento mais abusivo da repressão militar, graças ao AI-5 (Ato Institucional n.º 5), que endureceu a censura no país. O traje de banho
França – as pessoas não tinham acesso ao que era certo e errado, quando se falava de moda, muito menos as tendências de forma globalizada. Tanto a minissaia, quanto o topless, demoraram para chegar aos outros países.
Fonte: Exposição “Bikini 70: explosão dos anos 40”
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anos 40
A evolução do biquíni
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Lucas Boccalão, editor de moda da revista Harper’s Bazaar, lembra que neste período que antecedeu o prêt-à-porter – termo usado para se referir a roupas produzidas em massa na
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Criação do biquíni, em Paris, em julho de 1946.
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O nome biquíni se dá em razão do primeiro teste nuclear, realizado pelos Estados Unidos da América, no Atol de Bikini. Esperava-se que o conjunto ousado de duas peças fosse tão explosivo quanto uma bomba atômica.
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Ao chegar aos anos 70, mulheres e biquínis passam a conquistar mais espaço na sociedade. A Assembleia Geral da ONU declarou 1975 o Ano Internacional das Mulheres, quando os direitos femininos passaram a ser discutidos. As conquistas foram bem além do direito ao voto. É neste momento que a mulher passa a ganhar autonomia sobre seu corpo, a ter o direito pela educação e ocupar cargos públicos, anteriormente preenchido apenas por homens. “Foi um grande choque, mulheres não podiam sair de suas casas quando estavam grávidas”, conta dona Hilda com os olhos arregalados ao se lembrar da foto icônica da Leila Diniz, usando biquíni e expondo seu barrigão de oito meses, sem um homem para assumir seu filho, em 1971. Leila se tornou um símbolo de liberdade feminina e musa para muitos artistas. Ela era uma mulher muito à frente de seu tempo, não tinha pudores e falava de sua vida sem tabus.
novamente um direito que se tornou vital após anos lutando por isto. E o biquíni, onde fica nesta história? Bem, ele serviu como arma durante os protestos e teve algumas mudanças em seu formato em decorrência de um novo esporte que pousou nas areias da praia de Copacabana, a Asa-Delta. “A sombra desse veículo na areia é incrível. Parece uma pipa”, comenta Fontoura. Não demorou muito para que alguém decidisse criar um traje de banho inspirado na Asa-Delta, a parte de baixo se tornou mais cavada, deixando as curvas do corpo feminino ainda mais aparentes. Rapidamente a tendência carioca conquistou o Brasil. Neste contexto, as mulheres desfilavam o modelo de biquíni que quisessem, a liberdade neste sentido estava conquistada, biquíni, asa-delta, hot pants, não importa, o que estava em jogo é que a mulher saia de casa como queria.
O Brasil se torna a vitrini mundial de biquínis.
A liberdade antes cerceada foi
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se tornando cada vez mais real para os brasileiros. O fim da ditadura militar é um grande marco dos anos 80. Neste momento, vivemos um novo Brasil, onde a liberdade individual se torna estímulo para sair de casa. As Diretas Já nos dão
anos 50
Em decorrência disso, o Brasil se torna a vitrine mundial
de biquínis, todas as mulheres desejam ter um asa-delta para chamar de seu. A demanda mercadológica é criada e se torna um dos principais incentivos para que o Brasil assumisse a liderança na produção mundial do biquíni.
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Com as peças mais cavadas, o uso do biquíni foi proibido em vários países, como França, Bélgica e Itália.
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Atrizes como Brigitte Bardot, Elizabeth Taylor e Grace Kelly romperam com os tabus da época usando as peças em filmes .
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“Ai, ai, ai, a garota tá pra mim”
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Jânio Quadros, presidente da República, proibiu o uso das peças em praias e piscinas do território nacional.
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Em 1964, o topless começou a ganhar adeptas cariocas. Prática proibida pelo Pio XII, entre as mulheres católicas.
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“Que na palma da mão se escondia”
sociedade. O biquíni não cobria a pele, portanto não a protegia dos raios solares, res-
Revistas femininas passam a construir um discurso de emancipação feminina, e a mostrar para as mulheres que elas possuem poder de compra. A Marie Claire, revista francesa conhecida por abordar assuntos polêmicos, chega ao Brasil em 1991. Anteriormente, revistas femininas falavam de forma restrita sobre os direitos da mulher e eram focadas em assuntos como moda, beleza, filhos, família e afazeres domésticos, conta a funcionária pública, Margarete Dias, 50 anos. “Lembro das primeiras
ponsáveis pelo câncer de pele, que se tornou comum nesta época. O protetor solar acabou se tornando dupla inseparável do biquíni, que ainda passou por uma remodelação, ficando um pouco maior. Designers de moda também adequaram melhor os tecidos usados para a confecção da peça, que mo-
edições da revista, sempre tinha a quebra de um paradigma, fazendo a gente refletir quem era na sociedade”, ressalta. Nos anos 90, a preocupação com o corpo e a saúde se tornou algo recorrente na mídia e consequentemente, na
Camila Borba •
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anos 70
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A atriz brasileira Leila Diniz foi um personagem polêmico no Brasil na década. Criticada por ser muito ousada, posou de biquíni mostrando a barriga de seis meses de gravidez, no Rio de Janeiro. As mulheres grávidas da época se cobriam com batas largas e deixavam de ir à praia quando a barriga ficava muito aparente.
anos 80
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Rio de Janeiro torna-se uma vitrine de ousadia para o universo da moda praia.
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Surgem os modelos “enroladinho”, “asa-delta” e o “fio-dental”.
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lhava e secava várias vezes, durante seu uso.
a moça de biquíni”
A mídia passa a ganhar um papel importante na construção da mulher moderna, mas assim como ela ajuda a conquistar espaço e a quebrar tabus, ela cria paradigmas e padrões que fazem a mulher se sentir livre e ao mesmo tempo vivendo dentro de uma gaiola. No fim dos anos 90, a mulher passa a perceber que seu corpo é vulgarizado, seja em campanhas publicitárias, programas de TV, propagandas, ou até mesmo quando ela usa uma saia curta na rua, apenas
Os anos 2000 se iniciam completamente atrapalhados pelo Bug do Milênio – problema previsto na passagem do ano de 1999 para o 2000, quando segundo cientistas, todos os dados armazenados em computadores seriam perdidos -, quem diria que este evento era só uma amostra de todo o poder que a tecnologia ganharia na vida dos seres humanos. Neste momento, o biquíni em si não tem tanta importância, porque o que importa é possuir o corpo nas
“Eu tinha umas camisetas largas onde eu me escondia, e ainda amarrava uma blusa no quadril, o biquíni para mim é uma libertação” machismo para promover que as mulheres, se vestem e fazem tudo pensando neles, porque até então, era isto que era propagado.
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“Mas quem é que não queria, ver
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A empreendedora e Miss Brasil Plus Size 2013, Aline Zattar, 31 anos, faz parte dessas mulheres que venceram o medo do julga-
mento da sociedade. Não foi fácil, até porque pertencer ao padrão, fora do paradigma sugerido pelo mercado da moda implica não somente no corpo, mas também na autoestima da mulher, pois ela não se sente bem com
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A moda praia foi repensada diante das notícias sobre os efeitos nocivos provocados na pele humana pela exposição aos raios solares.
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A maior transformação aconteceu entre os acessórios. Saídas de praia, chapéus, toalhas, chinelos, bolsas e óculos começam a incorporar o vestuário.
anos 2000
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Ao contrário da ameaça do bug do milênio, o uso do biquíni nas piscinas e praias de todo o mundo passou a ser regido pela estética.
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porque está com calor. Os homens usam do
medidas que a sociedade criou, para dizer se você pode ou não usar o traje de banho.
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as roupas que servem para ela. Isso vem mudando nos últimos anos, aos poucos, mais mulheres plus size vêm ganhando o mercado. Quando Aline tinha 18 anos, deixou de viajar com a turma do terceirão para Búzios em sua viagem de formatura, por não se sentir segura em usar biquíni na frente de todos. O julgamento dos outros também afetou Viviane Duarte, 37 anos, jornalista e CEO do portal Plano Feminino, que sofreu de anorexia durante sua adolescência. E por mais magra que fosse, o biquíni também não caía bem
“Eu tinha umas camisetas largas onde eu me escondia, e ainda amarrava uma blusa no quadril, o biquíni para mim é uma libertação”, enfatiza Viviane, que hoje acredita que ele é uma ferramenta para esta mudança de pensamento feminino. Ela ainda não se sente completamente segura em desfilar seu corpo vestindo um biquíni, mas sabe que ao fazer isto trabalha seus medos e dá força para outras mulheres vestirem o seu biquíni e continuar este ciclo de aceitação. Segundo dados apresentados pelo Instituto Sophia Mind em 2014, 54% das brasileiras
Segundo dados apresentados pelo Instituto Sophia Mind em 2014, 54% das brasileiras estão insatisfeitas com o seu próprio corpo. nela. A comparação entre as duas é extrema, mas é o que milhares de garotas vivem todos os dias desde que as redes sociais passaram a pautar a vida destas jovens. Aline e Viviane se arrependem de terem deixado de viver momentos de suas vidas por conta de uma roupa, mas hoje, ao olharem para trás, se sentem seguras por entenderem qual o fator que pesava no momento de vestir o biquíni. O amor próprio. Ambas fizeram de suas inseguranças força para auxiliar outras mulheres a enxergarem que o mundo só acontece quando você está bem consigo mesma. 32
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estão insatisfeitas com o seu próprio corpo. Aline entendeu que seu corpo não seria como das capas de revistas cheias de Photoshop que vemos em todo mundo, ela aceitou que seria diferente, e fez deste diferente, o seu melhor. Hoje, ela é feliz, construiu sua família, se ama incondicionalmente e não deixa de pegar uma praia com seus filhos por conta de padrões impostos pela sociedade. Boccalão enfatiza que depois da internet, as distâncias diminuíram. Fazendo com o que é tendência em Milão, por exemplo, cheguem aqui rapidamente. Desta forma, a mídia
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continua decidindo o que você deve usar, mas esquece de explicar, que você deve usar o que você quiser. Que mulher nunca abriu uma revista de moda e se deparou com uma segmentação? Se você tem corpo assim, deve usar isto, se é de outro jeito, usa aquilo. Hoje, as mulheres estão abrindo os olhos e se sentindo livres para entender que isto é apenas o recomendado e não lei. Estamos vivendo um momento em que as próprias modelos, capas de revista estão mostrando ao mundo suas celulites, cicatrizes, barriguinhas salientes ou mesmo as tão temidas rugas. As mulheres estão no auge da libertação dos padrões. “Cada pessoa que vem me contar como sua vida mudou depois de me conhecer e seguir o meu exemplo de se amar incondicionalmente, me faz querer representar ainda mais mulheres, salvar elas como me salvei”, conta Aline, feliz por finalmente ter encontrado seu lugar na sociedade. Viviane trabalha todos os dias para conseguir mudar o imaginário social das pessoas. O Plano Feminino nasceu para tirar a publicidade da zona de conforto. “Não existe licença poética para o machismo, a publicidade está finalmente enxergando que ela é um dos maiores agentes de transformação”, reitera. Cada vez mais vemos campanhas tentando protagonizar mulheres de sucesso, sem expor seu corpo em biquínis. A mulher do século XXI não precisa disto para se sentir livre. Ela deixou boa parte destas amarras durante a luta. Com biquíni, sem biquíni, de saia, calça, vestido ou com tudo ao mesmo tempo, ela é quem ela é.
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Animais de estimação não convencionais Público curitibano está cada vez mais adepto a criar bichos selvagens ao invés de domésticos. Giulie Carvalho Letícia Joly Samantha Mahara
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Letícia Joly
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er um animal de estimação faz parte da rotina e da vivência de diversas famílias em todo o mundo. No Brasil, foi constatado em uma pesquisa relacionada ao ano de 2013 e divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2015, que 44,3% dos domicílios do país possuem pelo menos um cachorro, o que equivale a pouco mais de 52 milhões de cães. Gatos, aves e peixes não ficam atrás. Também segundo o IBGE, essas outras espécies juntas representam 80 milhões e vivem como animais domésticos. No entanto, também faz parte deste levantamento bichos nomeados de “outros”, sendo esses répteis ou pequenos mamíferos, e compondo dois milhões dwos animais que habitam em casas.
espécies diferentes e diversificadas. Perto de sua mudança para o apartamento no centro da capital paranaense, ela encontrou o sapo atrás de algumas caixas e houve simpatia instantânea. “Eu percebi que ele era um bicho legal já logo de cara, e desde então não nos separamos mais”, relata. Há dois anos, Carla, seu esposo, filhos e netos, Príncipe Benedito e Clara Maria dividem o espaço de casa. A empresária não esconde o quanto gosta de seu anfíbio: “Ele não é só um sapo, é meu amigo. Nós somos íntimos!”, expressa. Pesquisadores das Universidades de Miami e de Saint Louis, nos Estados Unidos, realizaram uma pesquisa com 217 adultos de em média 31 anos questionando-os sobre personalidade, estilo de vida e bem estar. O resultado revelou
“Ele é livre, pode andar por onde quiser dentro do apartamento. Já é um sapo urbano.’’ Carla Sasaki, empresária. Por mais que os animais de estimação comuns ocupem grande parte das residências brasileiras, há também os não convencionais, que
que pessoas que têm animais de estimação relataram serem mais felizes e apresentaram sinais mais saudáveis, como boas condições físicas,
requerem outra documentação, procedimento e cuidado. É o caso do Príncipe Benedito, um sapo-cururu que vive no 28º andar de um prédio localizado no Centro de Curitiba. “É o único sapo que vive nas alturas”, conta Carla Sasaki, dona e fiel amiga de seu anfíbio de estimação.
por exemplo. O estudo também mostrou que esses mesmos indivíduos que têm pets externaram autoestima elevada e caráter mais extrovertido.
Carla, empresária e também dona da gata Clara Maria, conta que Príncipe Benedito apareceu em sua vida ao acaso. Quando ainda morava em outro lugar com um ambiente mais natural, ela também criava peixes de
Domésticos e silvestres Os animais silvestres são considerados aqueles que vivem ou nascem em um ecossistema natural, como florestas, savanas, rios e oceanos. Com o intuito de reduzir o tráfico de animais silvestres no Brasil, prática ilegal que retira os animais de seu habitat natural e os vende por preços altos e sem nenhuma documentação, o Jornalismo PUCPR Revista CDM
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Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a partir de 1993, criou diversas portarias e normativas que permitem que haja criadouros de animais silvestres. A existência desses criadouros é prevista na Lei de Proteção a Fauna e na Lei de Crimes Ambientais.
determinado processo “Existem, sim, outros animais que podem ser criados e parecem se dar bem na convivência humana, basta serem adquiridos em locais autorizados de onde já saiam legalizados pelo Ibama.” explica.
O biólogo e mestrando da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Andrey Lucas Cardozo afirma que um animal retirado de seu ambiente natural nunca será o mesmo e que para eles é quase uma forma de agressão. Segundo ele, os animais domésticos comuns são resultado da seleção artificial de diversas características genéticas e fenotípicas que resultou em espécies distintas, mas que os animais que não passaram por esse processo são denominados como “domados”. Além disso, não é exclusivamente do bicho o maior prejuízo, mas de variados sistemas e cadeias envolvidas “Além dos animais, o ecossistema de onde eles foram retirados também pode sofrer com essa ação, visto que extinções locais de determinadas espécies podem causar desequilíbrios ecológicos que podem vir a ter consequências econômicas”, assegura. Cardozo acredita que uma casa com maior espaço natural proporcione maior liberdade ao Príncipe Benedito, porém, pondera que se a família estiver dando as condições necessárias ao animal, ele permanecerá bem adaptado ao ambiente, “se for legalizado e tiver todas as suas necessidades supridas (além de amor), não vejo problema”. O biólogo também explica que é importante a autorização concedida pelo Ibama para a criação de animais silvestres, mas quem não possui essa licença e quer obtê-la, deve percorrer 36
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Príncipe Benedito, o sapo de Carla, em sua nova casa. Leticia Joly
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Fiscalização e denúncia De acordo com a Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Curitiba, o ideal para quem quer criar um animal não convencional é procurar criadouros que tenham a autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). As pessoas que compram esses animais, também devem ficar atentas à nota fiscal.
“Se for legalizado e tiver todas as suas necessidades supridas (além de amor), não vejo problema.’’ Carla Sasaki, empresária.
Proteção, cuidado e amor A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, só no Brasil, existam mais de 30 milhões de animais abandonados. Ao assumir a responsabilidade de ter um bicho em casa, é preciso que algumas mudanças sejam feitas para comportá-lo. É o que explica a veterinária Desirre Oliveira, formada na Faculdade Integrada de Campo Mourão há cinco anos e assumida amante de animais. Para Desirre, a rotina e sistematização de uma casa muda ao adotar, comprar ou acolher um bicho que será criado nesse ambiente. Leticia Joly
Os dois pets de Carla tomando sol juntos.
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Depois da meia-noite Enquanto a maioria das pessoas está dormindo, alguns profissionais estão trabalhando Adriana Barquilha Gabriela Marques Gilmar Montargil
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mpregos noturnos envolvem perigos, dificuldades para se manter acordado, problemas na rotina, como pagar uma conta de água ou ver a luz do sol, atividades que parecem simples, mas que não conseguem ser feitas por pessoas que trabalham de madrugada. Jessica Caroline Santiago e Cristoffer Mario Pogan começaram a namorar e morar juntos ainda em Joinville. E trabalhava em média de 50 a 60 horas por semana e não via Jéssica no dia a dia. Comunicavam-se por mensagens porque trabalhavam em turnos diferentes. A saída para ficarem juntos foi aceitar uma oportunidade de trabalho em Curitiba, onde estão há quatro meses e que fez com que o casal conseguisse alinhar as rotinas e pudessem ficar próximos: agora os dois trabalham de madrugada, ela no caixa e ele no bar. Saem de casa por volta das 20h40 às sextas e sábados. Mas hoje, uma amiga — que também trabalha no bar — chega por volta das 21 horas para dar carona ao casal, pois o dia está chuvoso e o percurso de 1,3 quilômetros, da Rua Solimões até a Rua Visconde do Rio Branco, no bairro Mercês, não pode ser feito a pé, como de costume. Cristoffer é o chefe da área do bar. Logo ao entrar, verifica o estoque, arruma os copos, organiza as bebidas e todos os utensílios que serão usados para preparar os drinks. Ele trabalha já há cinco anos nessa rotina. Entrou à convite de amigos que trabalhavam nos bares de Joinville. Já Jéssica verifica se todas as pessoas chegaram, arruma o caixa, busca material no escritório, localizado nos fundos do estabelecimento.
— Oito minutos para começar — grita um dos seguranças. Enquanto tudo isso acontece, Fabíola Machado está no meio do seu plantão no Instituto de Criminalística. Ela é perita criminal e tem que cumprir turnos de 24 horas que iniciam às 8 horas. Sua função é atender aos casos em que ocorrem mortes que precisam de perícia. A polícia civil os aciona e ela vai até o local do crime. O seu material de trabalho é composto por uma maleta, uma máquina fotográfica e um colete à prova de balas. Quando chega até o local, Fabíola começa a fazer exames de vestígios. Depois, guarda essas provas e faz um laudo sobre o que aconteceu no local. A rotina se repete a cada vez que o instituto é acionado, com exceção das vezes em que viajar se torna necessário. Regularmente eles são chamados para locais fora de Curitiba, já que, hoje, a Criminalística da capital atende um raio de 250km. Já Sarah Diogénes, que hoje pode descansar tranquila, não tinha essa realidade alguns anos atrás. Ela trabalhou de madrugada por 16 anos no extinto Banestado. Começou como digitadora entre às 19 horas até 1. Aos poucos foi subindo de cargo e, consequentemente, estendendo os horários, trabalhou um período até às 3 horas e depois que se tornou coordenadora do setor de processamento de dados do banco ficava até as 6. Todas as transações feitas nas agências eram enviadas ao processamento, onde elas eram digitadas manualmente, conferidas e reenviadas para os locais de destino. O trabalho requeria muita responsabilidade, já que por qualquer dano de material ou queda de energia o serviço Gabriela Marquess Jornalismo PUCPR Revista CDM
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ficava atrasado e consequentemente poderia prejudicar o funcionamento das agências. A falta de luz não atrapalha Jéssica, uma vez que os ambientes que circula tem pouca luminosidade. Ela está mais preocupada em guardar bolsas, blusas e guarda-chuvas no guarda-volumes. Ela também resolve alguns problemas que começam a surgir, tendo que, às vezes, circular
de um salário no fim do mês, os funcionários recebem um valor fixo no encerramento do expediente. Jessica sofre com ansiedade e masca chiclete com frequência, cerca de dez por noite, além de consumir refrigerantes. O consumo de bebidas como energético, coca-cola e cafés pode fazer parte da rotina de pessoas que pernoitam trabalhando, pois é uma forma de manter o corpo ativo.
“No começo, a falta de rotina acabou me
deixando sem horário para comer ou dormir.”
Segundo Luciana Budke, nutricionista
pelos setores, esportiva, a cafeína é instruindo os uma substância muito colegas de trautilizada por quem balho. O que precisa se manter Fabíola Machado, perita. ninguém sabe, alerta, mas, como toda é que por trás dessa menina do balcão, tamsubstância, têm seus benefícios e malefícios. bém está uma bióloga formada pela Univille. Os principais benefícios são: melhora da concentração, auxilía na manutenção da memória, É uma das poucas contratadas com carteira melhora o desempenho em atividades fisícas. assinada, porque é costume que os estabelecimentos paguem à base de taxas. Isto é, ao invés Porém, quando é usada de modo indiscriminado, ela pode: elevar batimentos cardíacos, Gilmar Montargil causar distúrbios gastrointestinais e também aumentar a pressão arterial. A nutricionista afirma que é preciso ter cuidado com a cafeína, e que o recomendado é não passar de 400ml de café por dia, pois mais do que isso, pode influenciar na eliminação da substância pelo corpo.
Cristoffer Pogan, bebendo café, na tentativa de permanecer acordado. 40
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Os peritos que moram próximo ao prédio do IML, situado à Avenida Visconde de Guarapuava, até têm a chance de tomar um banho ou tomar um café em casa, desde que não demorem muito, pois como nos plantões apenas quatro pessoas trabalham por vez, é imprescindível a presença de todos, principalmente nos fins de semana, quando há o maior número de mortes. Fabíola cumpre cinco plantões por
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mês e o restante das horas a perita cumpre ao longo das semanas. — Hoje o corpo já se acostumou, mas, no começo, a falta de rotina acabou me deixando sem horário para comer ou dormir.
É hora de fechar o bar. Já são 5 horas. Cristoffer começa a limpar o bar e Jéssica, a fechar o caixa, um processo que leva em torno de uma hora, quando ela encerra as atividades e todos estão liberados.
Segundo a Fundação Nacional do Sono (Fundasono), as pessoas passam aproximadamente um terço das suas vidas dormindo. Porém, o cérebro não fica inativo nesse período. Pelo contrário: há uma intensa atividade fisiológica e funcional. O organismo se prepara para o dia seguinte durante o sono, produzindo hormô-
Mas todos decidem se encontrar na feira de domingo da Praça 29 de Março, nas Mercês, para comer pastel. O mesmo ritual que Sarah fazia após terminar o seu expediente no Banestado, indo com seus colegas de trabalho comer churrascos e macarronadas para aliviar a fome. E Fabíola? Fabíola ainda nem saiu do
nios e outras substâncias necessárias ao bom funcionamento do corpo. Já o Instituto Brasileiro do Sono, alerta que as doenças relacionadas a trabalhos noturnos são: ronco e apneia, insônia, bruxismo, narcolepsia, parassonias (sonambulismo, terror noturno, falar dormindo), movimentos periódicos dos membros (braços e pernas) durante o sono e síndrome das pernas inquietas. Por isso, o instituto afirma que é importante para um adulto dormir durante sete a oito horas diárias. Para Sarah, o mais difícil de trabalhar de madrugada no banco era se ficasse parada, porque o sono se tornava incontrolável. Porém no setor onde ela trabalhava, serviço não faltava.
seu expediente que terminará às 8 horas. Gilmar Montargil
Nas fotos, Jéssica Santiago, conhecida como Batata, trabalhando no caixa do Bar Pixel.
O mesmo ocorre no bar. Somente às 4h30, o ritmo de trabalho começa a diminuir. O corpo começa a relaxar e, nesse momento, Jéssica sente o peso do cansaço. “Fico muito cansada e nesse horário é muito difícil de me manter acordada.” Jornalismo PUCPR Revista CDM
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Lucas Nogas
Depois dos nove meses Grasieli Farias e Daniela Borsuk
O que é a Depressão Pós-Parto? Mulheres contam como viveram sob os efeitos de um transtorno ainda pouco falado no Brasil
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–P
arabéns, ela é linda!
– Nossa, mas você já parou de amamentar? Você sabe que leite materno é importante né? – Quando meu filho nasceu foi o momento mais emocionante da minha vida! – Você vai deixar ele com a avó? Se fosse meu filho… Nove meses de espera. 280 dias de preparação. Mas você não está preparada. “Eu não conseguia cuidar da minha filha. Na verdade, eu tinha aversão a ela. Ela chorar ou não chorar não fazia diferença. Você fica como se estivesse em outro mundo, não consegue se relacionar com a criança.”
diano exaustivo e levam à depressão. “Algumas mães têm uma preocupação excessiva com o bebê, a ponto de não conseguir colocá-lo no berço para dormir, ou ao contrário, quando têm medo de pegar o filho no colo, pois sentem que podem machucá-lo. São situações que vão deixando o dia a dia quase que insuportável. Não conseguem dormir, ou só querem dormir, ou não conseguem dar de mamar e se sentem tristes o tempo todo”, relata. Foi essa situação que Adriana passou durante suas duas gestações. A gravidez foi planejada, a gestação correu conforme o esperado, mas quando Maria Helena nasceu, Adriana se viu perdida, sem saber como lidar com a tristeza que tomava conta dela. “Já na maternidade eu percebi que estava meio chorosa, que tinha dificuldade de amamentar. Então, no começo, eu já notei que estava estranho, mas não tinha ideia de que era depressão.
“Existe a questão de não
dormir, de emendar um dia no outro. Então além de tomar remédio para a depressão, você tem que tomar outro para ansiedade ”
Relatos como o da cabeleireira Adriana Falconi, 37 anos, totalizam 26,3% das mulheres brasileiras, que, segundo um estudo da
Fundação Oswaldo Cruz, sofrem de depressão pós-parto (DPP). A doença tende a se manifestar cerca de uma semana após o nascimento da criança, quando se percebe uma tristeza profunda na mãe, dificuldade para realizar tarefas do dia a dia e falta de interesse para qualquer atividade. Cada mulher tem reações diferentes e o transtorno pode estar acompanhado de ansiedade, insônia ou fadiga, tudo de forma exagerada, incomum. A psicóloga Ticyana Begnini explica que esses são geralmente os sintomas que tornam o coti-
Foi minha ginecologista que reparou e me orientou a procurar tratamento”, conta. Porém a tristeza por parte da mãe após o nascimento de um filho é praticamente normal, tendo em vista as mudanças que ocorrem neste período, e acometem cerca de 50 a 80% das mulheres brasileiras após o parto, de acordo com a psicóloga Tyciana. O problema surge quando essa sensação de desesperança permanece, podendo causar a depressão ou, em casos mais graves, a psicose pós-parto. Quando chega a esse extremo, é estritamente necessário Jornalismo PUCPR Revista CDM
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que a mãe e o bebê tenham acompanhamento médico e apoio familiar. Na psicose pós-parto, a mãe pode chegar a ter alucinações com o bebê, colocando em risco a vida de ambos. Adriana, que teve o acompanhamento médico indicado e foi diagnosticada com rapidez, reforça que esse período é complicado. Em seu caso, procurou um psiquiatra 25 dias após o nascimento de sua filha e começou a tomar medicação, mas apenas um mês mais tarde passou a sentir que o remédio fazia efeito. Na fase em que estava, no ápice da depressão, sua mãe tinha que ajudá-la a fazer tudo e, por isso, precisou morar com ela por três meses. “Eu me sentia paralisada, só chorava e tinha uma culpa casa somente três meses depois, quando já se sentia melhor. guir fazer as funções do dia a dia.” Ela voltou para casa somente três meses depois, quando já se sentia melhor.
Hormônios Além do aspecto psicológico, este é um período de deficiência hormonal no organismo feminino. Durante a gestação, o organismo da mulher esteve submetido a altas doses de hormônios e tanto o estrógeno quanto a progesterona agem no sistema nervoso central, mexendo com os neurotransmissores que estabelecem a ligação entre os neurônios. De repente, algumas horas depois do parto, o nível desses hormônios cai vertiginosamente, o que pode ser um fator importante no desencadeamento dos transtornos pós-parto. Com todas essas alterações em seu organismo, a cabeleireira chegou a planejar suicídio. “Nas duas vezes, eu cheguei até a pensar no que eu ia fazer para morrer. Fica nítido na sua cabeça 44
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Grasieli Faria
que você não presta para nada. Todo mundo espera que você esteja feliz, já que você acabou de ter uma filha saudável e tudo correu bem, mas você não consegue.” Assim como Adriana, Lilian Santos, que teve seu primeiro episódio de DPP quando ficou
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grávida do seu terceiro filho, aos 26 anos, também pensou em se matar. “Foram meses pensando em suicídio, eu tinha medo de me relacionar com outras pessoas. Quando o bebê
A falta de informação sobre o tema também pode prejudicar o processo de recuperação. Muitas mulheres acabam não sendo diagnosticadas, devido ao preconceito com relação à doença. A depressão pós-parto, considerada
Sérgio de Oliveira Jr.
Adriana sofreu com a depressão pos parto na gestação dos dois filhos nasceu, eu tinha medo de sair na rua, chegava até a passar mal.” Tarefas básicas, como ajeitar a casa iam sendo deixadas de lado enquanto a vontade de dormir ou apenas de não existir iam prevalecendo na vida da empresária. Lilian acredita que a pressão psicológica que passou no seu antigo emprego a levou a ser internada algumas vezes durante a gestação, o que acarretou no nascimento prematuro do seu bebê, com 35 semanas. Depois disso, só viu seu quadro piorar e decidiu procurar ajuda de um psicólogo. Hoje, nove meses depois, ainda luta contra a doença.
por vezes como frescura ou encarada como uma característica da mulher, vista como histérica, pode causar danos na relação mãe e filho. Tyciana conta que muitas mulheres comentam que ninguém alerta quão difícil é ser mãe. Ao contrário, a maternidade é sempre romantizada a ponto de ser tratada como privilégio e quase uma obrigação. “Realmente é difícil, e aliam ao tabu de que toda mulher nasceu para ser mãe, o que é uma bobagem, isso é algo construído. Nem toda mulher tem que ser mãe”, diz a psicóloga.
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José Renato lida com o distúrbio há dez anos. 46
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Foto por José Luiz Moreira
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Reconhecendo o inimigo A ansiedade é um sentimento desencadeado pelo perigo, medo, pela ameaça e perspectiva do sofrimento. Condições existenciais como a segurança, preocupação com a saúde, emprego, sobrevivência econômica, relacionamentos pessoais e sociais são ameaças e, dependendo do significado atribuído por cada pessoa, podem causar a doença Erika Lemes Boschiroli, José Luiz Moreira Junior, Marina Bittencourt Cardoso
A
hiperatividade e a ansiedade na vida do estudante de Publicidade e Propaganda José Renato de Andrade, 25 anos, estão presentes desde a infância. As noites mal dormidas e o pensamento acelerado numa mente de criança, fizeram com que a passagem para a adolescência fosse mais conturbada. Entretanto, foi a partir dos 16 anos que a situação se agravou e as doenças psicológicas – agravantes da ansiedade – , como a depressão e a síndrome do pânico, começaram a se manifestar. "As crises de ansiedade vieram da pior maneira possível, taquicardia, falta de ar, dor no peito e uma sensação de morte, que persiste por alguns minutos mas parece uma eternidade”, relata. De acordo com a psicóloga Denise Weidner, os sintomas da ansiedade variam de pessoa para pessoa e se manifestam com sensações fisiológicas, como as sentidas por José Renato, e pela consciência ao perceber estas sensações no corpo e sentir-se amedrontado. Além disso, há seis transtornos de ansiedade reconhecidos, cada um com seu grupo particular de sintomas: fobia específica, transtorno de pânico,
transtorno obssessivo-compulsivo (TOC), transtorno de ansiedade generalizada (TAG), transtorno de ansiedade social (TAS) e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). A ansiedade pode ser tratada por meio de psicoterapia. “Ao longo do processo terapêutico, o paciente poderá ser capaz de identificar e interpretar corretamente as situações e emoções geradoras desse estado, aprendendo a lidar com os sentimentos e depois encontrar novas respostas e estratégias”, diz Denise. Muitas vezes, existe uma falta de compreensão a respeito dos sintomas apresentados serem consequência de um transtorno clínico. As pessoas podem sofrer preconceito por os sintomas serem interpretados como “frescura”, má conduta, “fraqueza”, ou também podem ser entendidos como uma forma de fuga, que a pessoa usa como artifícios para não trabalhar, não sair, não estudar. Quem apresenta os sintomas pode ter receio de assumir e procurar ajuda por medo de serem tachadas de “malucas”, por exemplo. Nessas horas, a família é considerada um Jornalismo PUCPR Revista CDM
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porto seguro para muitos, principalmente para o jovem que lutam contra o mal. A melhor atitude do familiar é procurar ouvir as queixas e os sintomas apresentados, buscar toda a informação necessária e depois prosseguir com o tratamento adequado, explica Denise.
Um transtorno de ansiedade é uma doença real e duradoura, que traz consequências impactantes para a vida. Pessoas que sofrem do mal, evitam encontrar outras, evitam certos locais ou atividades e podem não conseguir enfrentar multidões.
A mãe de José Renato, que já apresentou um quadro de ansiedade, esteve preparada desde o início para auxiliar o filho no que fosse necessário. Foi então que, com 15 anos, ele recebeu um diagnóstico completo sobre sua situação, apresentando de forma científica os contras
A pior crise na vida de José se deu em meio a um show com público aproximado de 50 mil pessoas, no qual ele buscava de todas as formas escapar pela multidão, ele diz que sua relação com o fator ansiedade melhorou com o tempo. “Eu me medico até os dias atuais e aprendi de
que isso poderia gerar em sua rotina. Além de sua mãe, Andrade conta que sua relação com seu pai é fundamental para que ele possa sentir-se bem e seguro.
certa forma lidar com as crises. Tive que assumir para mim mesmo que eu tenho ansiedade e que é algo comum nos dias de hoje. Muitas pessoas passam pela mesma coisa que eu passo, sendo assim, o que todos precisam ter consciência é de que existe tratamento é possível conviver com esse mal”, finaliza.
“É fundamental que os familiares tenham uma postura de apoio e acolhimento. Ouvindo as queixas, procurando se colocar no lugar da pessoa para poder entender o grau de sofrimento psíquico que os sintomas provocam”, conta a psicóloga. Para os que lutam contra a ansiedade, o primeiro passo é a aceitação. “Eu sou uma pessoa ansiosa e eu preciso de ajuda”, enfatiza. Durante um tempo, o jovem passou por um período de negação, no qual acreditava que toda pessoa que busca por ajuda psicológica é louco. “Com o tempo e com a ajuda da minha família, eu fui superando esse tabu. Lido com a ansiedade agravada há uma década, sendo assim, eu hoje consigo me controlar melhor quando tenho uma crise”, expõe. O medo, inimigo comum e mais perigoso dos que sofrem de ansiedade se apresenta de maneira irracional, entretanto, com a evolução do tratamento, o paciente aprende a lidar da melhor forma com esses sintomas. 48
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O estigma da doença mental Fernanda Yumi Takemoto, 18 anos, estudante. Olhando superficialmente, ela é uma adolescente prestes a entrar na faculdade, nada de extraordinário. Mas, ao olhar a aparência, não há como perceber o que se passa por dentro de cada um. O que ninguém sabia, ninguém via, era o quanto ela sofria em silêncio. Era algo tão estigmatizado que até Yumi ter coragem de contar a sua família o que estava acontecendo, o quadro já estava bem avançado e as crises haviam chegado ao limite máximo. Ela passava, e ainda passa, por algo muito comum. O nome da sua “doença” é ansiedade. No começo ela negligenciou os sintomas, principalmente pelo grande estigma que existe sobre o tópico “doenças mentais”, e isso a afetou muito negativamente. “Esperei chegar
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no pior estado e fiz a péssima decisão de não pedir ajuda para ninguém, minha família percebeu que algo estava errado em um dos meus momentos fortes de crise”, disse Yumi. Entre o começo dos ataques e o início do tratamento de Yumi, demorou um ano. Para quem não sabe, ataques de pânico são consequências comuns provenientes de uma grande ansiedade. Segundo Ana Beatriz Barbosa, autora do livro Mentes Ansiosas, muitas pessoas já foram levadas equivocadamente ao pronto-socorro com sintomas de infarto que, por fim, se revelaram ataques de pânico.
“Durante vestibulares já tive ataques de pânicos e das primeiras vezes achava que era só nervosismo ou falta de ar, e mesmo os aplicadores não sabem muito como reagir”, explica Fernanda. A vida dela foi afetada diretamente, a impedindo de realizar atividades banais, como ir a um shopping, porque o ambiente cheio a deixava desconfortável e desencadeava ataques de pânico. “Eu sofria por antecipação, ficava com medo do que ia acontecer e imaginava mil cenários catastróficos na minha cabe-
“ A meditação, a terapia e o acompanhamento psiquiátrico me ajudaram muito.”
A mãe, Marilza Takemoto, explica que até o começo da terapia com a psicóloga, ela não sabia sobre a ansiedade e os ataques de pânico sofridos por sua filha, o que surgiu primeiro foi a depressão, que está diretamente ligada à ansiedade. “Ela estava muito introspectiva e passava boa parte do dia sozinha. As notas dela na escola também pioraram, mas em nenhum momento achei que ela estava passando por um quadro de ansiedade”, disse Marilza.
Fernanda Takemoto, estudante.
Milena Naomi Takemoto, a irmã três anos mais velha, também não tinha notado nada de diferente. “Antes do diagnóstico, eu percebi mudanças no comportamento dela, mas sempre achei que era por ela estar no terceirão, pela pressão do vestibular”, disse Naomi. Yumi passava a maior parte do tempo no quarto, e quando passava mal, durante provas, vestibulares, ou quando ia a lugares muito cheios, só contava para a irmã.
ça, mesmo pra situações simples. O medo de ter uma crise me impossibilitou de encontrar amigos por alguns meses”, relata Yumi. Hoje, depois de um ano de tratamento psicológico e psiquiátrico, a jovem consegue lidar muito melhor com a ansiedade e as crises de pânico. “A meditação, a terapia e o acompanhamento psiquiátrico me ajudaram muito”, cita Fernanda “Comecei indo na psicóloga duas vezes a cada semana, a terapia Cognitivo Comportamental que foca na mudança de comportamento e o auxílio da minha psicóloga foram essenciais. Hoje eu tomo remédio principalmente para minha depressão e outros para acompanhamento, e a longo prazo ajuda bastante na minha ansiedade”, finaliza Yumi.
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“Na moral, não é engraçado!”
Ingridy Moreira, Giordana Chemin e Leonardo Henrique
B
ate o sinal e de repente os corredores enchem-se de alunos apressados. Um deles no meio da multidão se destaca, não por ser bem maior que a maioria, mas por ter colado nas suas costas
arrancou a folha das costas do rapaz (que como você imaginou era acima do peso, mas não uma criança), em um Spotted (página não-oficial sobre um lugar em que as pessoas mandam fotos de outras, quando as acham bonitas ou querem comentar algo sobre) de uma universidade de Curitiba, em que identificando-se como mulher, o autor clama por respeito. Muitos aderem ao post (que alívio, estou no meio de pessoas adultas), mas minutos após a postagem, alguns começam a comentar sobre a ex-presidente Dilma, outro diz que na univer50
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do chega a vida adulta, as coisas criam uma proporção maior, e as ditas brincadeirinhas de péssimo gosto não ficam de fora.
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O relato foi um post, escrito pela pessoa que
Mas assim como em outros aspectos, quan-
lga
uma folha de caderno escrita à caneta o convite “Chute-me”. À sua volta, uns ignoram, outros riem, ninguém o chuta (ainda bem), pelo menos não até o momento em que uma garota se dirige a ele, e arranca-lhe a folha, sem que o menino perceba. Parece uma cena de série americana sobre alguma turma de sexta série, como Todo Mundo Odeia o Chris. Porém, era vida real e não se tratava de uma escola cheia de crianças de 13 anos, não houve o sinal estridente para os estudantes saberem que era hora de dar tchau, e a história não foi contada ao diretor.
sidade as pessoas já são grandes para saberem se defender, curiosamente não são suficientemente adultas para não mais fazer brincadeiras desse tipo.
A estudante C.O. (identificada assim por medo de seus antigos agressores) trancou seu curso em uma faculdade de Curitiba, por não mais suportar as ameaças de agressões a ela e estupro à sua namorada. “Eles diziam que eu merecia apa- Na série Todo nhar, por ser lésbica e feia, mas como minha Mundo Odeia o namorada é mais feminina, ele iriam ‘poupa- Chris, o protagonista Chris Rock
-la’, ‘ensina-la a ser mulher’, estuprando-a”, sofre persegução seus colegas conta. Hoje, ela mora com sua companheira de por ser negro. em Palotina, no interior do Paraná, onde pretende fazer vestibular. Sua namorada estuda Medicina Veterinária no campus da Universidade Federal do Paraná (UFPR) da cidade, lugar em que participa de um levante criado por meninas (minoria naquele campus) para denunciar assédio (sexual, na maioria das vezes) de outros estudantes do sexo masculino. “Dentro do Centro Acadêmico do meu curso, nós temos uma
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secretaria que visa às minorias, é a Secretaria da Diversidade, de qual eu sou a vice-diretora”. O projeto hoje atende estudantes LGBTs e negros também, grupos que têm aumentado no campus e que, como qualquer outro estudante, exigem respeito. Foi a indignação coletiva ao presenciarem cenas de discriminação por orientação sexual, cor de pele e até mesmo deficiência física, que fizeram as alunas Alessandra Calisto e Mariana Ruppel, ambas da Universidade Positivo, em Curitiba, a criarem um grupo no Facebook com a intenção de ajudar estudantes que sofrem preconceito, com foco na questão de gênero. Dezesseis pessoas estiveram na primeira reunião; atualmente, são pouco mais de 200 participantes, com 20 colaboradores ativos por encontro.
elas promovam palestras com os estudantes, e professores e demais funcionários, principalmente da coordenação do curso de Direito também apoiam. “Certa vez, tivemos a oportunidade de ajudar uma auxiliar
“Para eles é quase inimaginávem ter que fazer alguma coisa, sem passar o fato pelas redes sociais”
O Coletivo Alzira, assim denominado, não fica somente nas redes, “Fazemos reuniões quinzenais sobre textos voltados ao estudo de gênero e sexualidade. Também fazemos palestras na universidade sobre os temas que trabalhamos. Não recebemos muitas reclamações, mas somos mais procuradas para pedir ajuda que vão desde a como proceder em caso de uma amiga ter sido estuprada numa festa universitária à indicação de leitura feminista”, detalha Alessandra. A ajuda externa também é importante: a instituição abre espaço para que
de limpeza da UP a entender que a violência que ela sofria em sua relação com o marido era abusiva”, se orgulha Alessandra. As denúncias de violência são levadas pelo Coletivo à Ouvidoria da Universidade, e esta toma as providências cabíveis. Levar suas reinvindicações à internet, ao invés da ouvidoria das universidades, é uma prática comum entre os estudantes. “É preciso entender que quando falamos em universitários, estamos, em sua maioria, abordando jovens. Geração que cresceu rodeada de tecnologia. Para eles é quase inimaginável ter que fazer alguma coisa, sem passar o fato pelas redes sociais primeiro”, explica o psicólogo Pedro Beraldi. Seguindo essa premissa, a estudante de arquitetura e urbanismo da PUCPR Sofia Bauer também escolheu o Facebook para ser o Jornalismo PUCPR Revista CDM
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porta-voz oficial do “#NãoÉNormal”. Inspirada em uma página da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), com o intuito de que estudantes sob o anonimato, relatassem situações ocorridas dentro da universidade, as quais não considerassem normais ou aceitáveis. Com mais de 1.100 curtidas, a página soma 89 fotos com frases escritas por alunos, seguidas da hashtag que dá nome ao coletivo. Sofia é a única moderadora da página e, até agora, não realizou ação alguma fora das redes. “Uma vez tentei fazer uma colagem de cartazes, mas os alunos tiveram medo e também acomodação. Eu gostaria que houvesse mais ações fora da rede, porém, muitos não têm interesse por acharem que nada vai mudar”, diz. Ela completa, aconselhando os estudantes a irem à ouvidoria da PUCPR. “Normalmente, a recomendação é que o aluno faça um relato disso e entregue para a coordenação do curso, que comunica o decano, o qual abre um processo disciplinar contra o agressor. Injúria racial, homofobia, são questões que não devem ser toleradas. Caso não consiga contato, pode comunicar diretamente à Ouvidoria. Eu, como ouvidor, tenho autonomia para sugerir que o decano da escola abra um processo contra o responsável”, explica o professor Sadi Franzon, ouvidor da PUCPR . 52
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Combate ao Medo Em pesquisa feita pela equipe de reportagem, 40% dos alunos disseram que sofreram ou presenciaram alguma situação discriminatória dentro do campus; destes, 68% não relataram à universidade. Para o Beraldi, há dois motivos: “Psicologicamente falando temos dois fatores que levam as pessoas preferirem fazer denúncias por meio da internet do que pessoalmente,
“Normalmente, a recomendação é que o aluno faça um relato disso e entregue para a coordenação do curso“ e ambas estão ligadas à sensação de segurança e apoio. Primeiro, porque as pessoas tendem a achar que estão seguras atrás de uma tela de computador, escondendo a sua identidade. E, segundo, pela ideia de coletivo. Ou seja, na maioria das vezes que fazem uma denúncia por meio da rede social, elas conseguem um maior apoio. Outros se comovem com a história da vítima, compartilham a postagem e fazem comentários a favor da pessoa”, afirma. No mesmo levantamento, em um espaço
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para os alunos, escreverem sua opinião sobre o ambiente acadêmico. A ideia que mais destaca-se foi “a falta de um ambiente mais humano”. Para Sofia, a maioria só quer um ombro amigo, alguém ou algo em que possam se apoiar. “A página é uma forma de trazer empatia para a comunidade acadêmica, ela pode fazer os alunos verem que podem ajudar ou até mesmo perceberem se ele não está sendo a pessoa que humilha um bolsista ou pessoa com ansiedade e depressão. É uma forma de olhar para os outros e também para si mesmo. É uma página que tira a vergonha do aluno de desabafar algo
A universidade para os alunos
que às vezes ele só precisa mesmo desabafar, e que, com isso, ele já se sente melhor”, finaliza. Portanto, você, funcionário ou pessoa que faz algum curso na PUC, caso tenha algum problema, procure a Ouvidoria da Universidade. Ela fica no térreo do bloco administrativo, está aberta de segunda-feira à sexta, das 8h30 às 11h30 e das 13h30 às 17h30. Caso não queira pessoalmente, visite a página oficial para mais informações: http://ouvidoria.pucpr.br/.
Pesquisa e design: Ingridy Moreira, Giordana Chemin e Leonardo Henrique. Sondagem realizada online entre os dias 02 de setembro e 15 de setembro. Com alunos de universidades de Cutitiba.
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Vida profissional em jogo Mais conhecidos pela diversão e às vezes motivo de briga entre pais e filhos, jogos on-line estão conquistando status de esporte e de uma nova fonte de renda
Andréa Ross Gabriela Jahn Isabella Eger Jehnifer Kammer
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oras e horas de treino, acompanhamento técnico e psicólogo, preparação física e mental. Essa poderia ser a rotina de qualquer atleta, se não estivéssemos em um jogo on-line. League of Legends, Dota 2, Counter-Strike: Global Offensive são jogos que deixaram de ser apenas mais uma forma de diversão para se tornar um esporte profissional, com campeonatos que viajam os quatro cantos do mundo.
Para alguns jogadores, a diversão tornou-se profissão, uma maneira nova e prazerosa de ganhar dinheiro.
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A inserção no mundo dos jogos pode vir de muitas formas: por curiosidade, pela influência de algum parente ou de amigos. A imersão no jogo trouxe novos horizontes para alguns desses participantes e o simples jogar se tornou profissão. A diversão virou
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“Cheguei a treinar em times, mas vi muito interesse em apenas faturar.” Franz Rriegler, jogador.
uma nova maneira de conseguir dinheiro, além de jogador, a pessoa pode ser um streamer, exibindo suas partidas para outras pessoas por meio de vídeos, ou pode ajudar outros jogadores, com dicas e macetes, ou até mesmo ser um jogador profissional.
League of Legends Um dos principais jogos on-line atualmente, o League of Legends (LoL), conta com mais de 67 milhões de jogadores ativos por mês segundo a sua empresa criadora, a Riot. Entre esse grande público, estão alguns curitibanos que se conheceram devido ao jogo ou que fazem dele uma fonte de renda. A influência de amigos é o que levou alguns a entrar e testar o jogo. Esse console on-line trazia mais facilidade de iniciação e era recente. É o caso de Sabrina Seara, que conheceu o game por meio de colegas e resolveu experimentar. “Achei ruim e não entendi como alguém gastaria dinheiro com isso, mas depois de um tempo acabei queimando a língua, pois gastei uma certa quantia”, comenta a jovem, que hoje joga LoL regularmente como forma de diversão.
Outro caso semelhante é o de André Gervasio, que também resolveu experimentar por causa de amigos. Em um primeiro momento não gostou muito, mas deu uma segunda chance, após se adaptar à dinâmica do jogo, Gervasio começou a jogar com maior constância e se interessar pela participação em campeonatos. “Com o passar do tempo, foi aumentando gradativamento a quantidade de horas que eu passava jogando. Antes dos campeonatos, especialmente, costumavamos jogar sete ou oito horas por dia para treinar bastante.” O jogador afirma que atualmente diminuiu o tempo on-line, limitando até quatro horas por dia.
Competições e campeonatos A participação e recepção do público fez gerar os campeonatos e disputas presenciais. As empresas dos principais jogos começaram a investir nesses eventos, que se tornaram uma grande reunião de fãs. Conhecidos como Multiplayer Online Battle Arena (MOBA), essas competições reúnem times de vários continentes e nacionalidades. Quem pensa que jogar videogames é perda de Jornalismo PUCPR Revista CDM
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Gabriela Miguel Jahn
tempo, talvez seja bom rever seus argumentos quando souber que os jogadores profissionais recebem salários, premiações e patrocínios. Alguns ainda possuem canais de transmissão que geram mais alguns montantes de dinheiro.
quem é um profissional do E-sports é fundamental. Isadora Appel é psicóloga e técnica de uma das equipes que participaram da competição realizada na capital paranaense, e que levava à uma vaga no campeonato mundial.
Segundo o instituto Super Data, o campeonato The International do jogo Dota 2 possui as maiores premiações. No campeonato do ano passado, foram arrecadados cerca de US$ 8,4 milhões. O jogo também é o segundo MOBA mais visto dos E-sports, perdendo apenas para League of Legends, com a audiência de 27 milhões de espectadores no campeonato mundial de 2015. Este último tem sua própria liga brasileira e realizou eventos de grande porte nos últimos anos, sendo um deles em Curitiba.
“O trabalho é extenso e tem diversas aplicações. Vai além de ajudar os jogadores com as situações de estresse, buscamos elaborar estratégias para melhorar o desempenho e desenvolver os aspectos cognitivos, como a percepção, a memória”, conta a psicóloga.
Além do grande trabalho físico, rotina na vida de qualquer atleta, o preparo mental para 56
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Entre aqueles que encontraram um futuro profissional no jogo, está Franz Riegler, estudante de 18 anos que faz parte de uma geração que já tem contato constante com jogos. Para Riegler, tudo começou como um momento de diversão entre amigos próximos e, aos poucos, o jovem passou a participar de campeonatos
Uma das equipes a pisar no palco da grande final foi a Dark Passage.
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em Curitiba. Assim conheceu outros competidores, atualmente, companheiros de trabalho. O jovem participa de um equipe que ajuda outros jogadores. “Eu procurei me destacar para ser jogador profissional e até cheguei a treinar em times, mas vi muito interesse em apenas faturar sem gostar do jogo. Por isso, não me tornei jogador profissional, mas LoL é meu trabalho”, diz. Segundo a empresa Newzoo, condutora de pesquisas sobre a indústria dos games, em 2017, as receitas tendem a dobrar beirando os US$ 465 milhões e a audiencia segue mesma linha e até comparações com as ligas esportivas americanas, como a NFL. Sendo jogador profissional ou por diversão, apenas um observador ou então alguém que acabou de conhecer esse universo, uma coisa é certa: os e-games movem milhões, geram empregos e estão cada vez mais inseridos em todos em toda a sociedade.
Times e liga brasileira A criação de diversos times e a grande audiência ajudaram na criação da CBLoL League of Legends (LOL) é um jogo online competitivo em que duas equipes de campeões lutam em diversos campos de batalha e modos de jogo. Com um elenco de campeões em constante expansão, atualizações frequentes e uma cena muito competitiva. CBLoL é a sigla para Circuito Brasileiro de League of Legends. O CBLoL representa a reunião de todos os torneios e eventos de eSports oficiais da Riot Games no Brasil. Atualmente, oito times jogam pela liga, entre eles INTZ, paiN e CNB. INTZ é um clube no cenário brasileiro de eSports e conta com times profissionais e amadores dos jogos: League of Legends, Smite, Heroes of the Storm, CS:GO, CrossFire, Rainbow Six e Fifa. O time paiN Gaming é uma das primeiras equipes profissionais do país. Com um grande histórico de vitórias, o time é considerado um dos melhores colocados no ranking mundial. CNB foi um dos times mais populares da CBLol, o jeito de jogar e o carisma dos jogadores atrairam muitos fãs, atualmente o time passa por algumas mudanças em sua composição. KaBum eSports foi a primeira equipe brasileira a participar de um campeonato mundial, apesar de não avançar para etapas superiores, eles chamaram atenção para o cenário latino
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Hora do chá Uma das bebidas mais consumidas no mundo, o chá possui vários benef[icios para a saúde e diversas formas de preparo Gabrielle Comandulli, Joana Sabbag e Monalisa Rahal
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E
ntre vários caminhos, ela escolheu o do chá. Foi passando um ano e meio estudando na Argentina, que a publicitária Dani Lieuthier teve uma ideia que mudaria sua vida: abrir um restaurante, mais especificamente, uma casa especializada na bebida. A paixão pela gastronomia já fazia parte da vida de Dani há algum tempo, mas foi neste período, quando se formou em confeitaria e padaria, que percebeu que precisava de algo a mais para acompanhar seus doces. Dani detectou o chá como tendência, já que em terras portenhas estavam abrindo diversos restaurantes especializados. Pensando em sua cidade natal, Curitiba, ela achou que a bebida poderia funcionar. Segundo ela, os curitibanos adoram uma novidade gastronômica e os chás quentes combinam com o clima gelado da cidade. Por isso, hoje, Dani convive entre vários blends (misturas). Mas não é um chá qualquer. É o seu. Resultado de uma imersão que durou nove meses, que resultou em uma casa chamada Caminho do Chá.
dientes. Não é a técnica que te faz um bom tea blender, mas é entender como os ingredientes interagem e combinam entre si para criar sabores mais ricos e mais complexos”, ensina Dani. Essa imersão foi feita em uma viagem pelos maiores produtores e consumidores de chá do mundo. A viajante passou por oito países durante nova meses: França, Inglaterra, China, Turquia, Taiwan, Georgia, Tailândia e Marrocos. Para ela, apesar de existir uma produção de chás da região de Registro, em São Paulo, a cultura de produção não é forte no país como é na Europa e na Ásia. O brasileiro costuma comprar produtos comerciais e industrializa-
“Não é a técnica que te faz um bom tea blender, mas é entender como os ingredientes interagem.” Dani Lieutiher, publicitária
Desde 2010, a hoje especialista estuda e pesquisa sobre a bebida. Para ela, o maior aprendizado foi a respeito da intensidade de sabores diferentes e como podemos fazer para explorá-los. O seu desenvolvimento como tea blender começou pelo amor pela cozinha e não após aprender as técnicas. “É muito mais importante o entendimento da alqumia dos ingre-
dos e adicionam adoçantes, mel, limão e diversos ingredientes para dar sabor à bebida, já que os prontos não têm o verdadeiro gosto. Isso se deve à falta de exigência das indústrias locais por um produto de qualidade se comparado aos comercializados no exterior, já que aqui não existe tanta tradição nesse tipo de infusão como no Oriente. Jornalismo PUCPR Revista CDM
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gastronomia
Para trazer uma experiência de consumo diferente, a especialista criou uma linha de blends exclusivos. Ela não usa conservantes nem aromatizantes e toda a produção é local. Sua equipe importa as ervas e faz um beneficiamento na fábrica que existe dentro do Caminho do Chá. São escolhidas frutas frescas que são desidratadas e, assim, o sabor do produto é puro. A tea blender acredita no sucesso da bebida, não só na capital, como no país todo. “Dizem que se pega em Curitiba, pega em todos os lugares do Brasil. Então acho que estamos no caminho certo”, comemora.
Sommelier de chá? A capital paranaense já conta com cursos rápidos sobre chá desde o ano passado, mas o Brasil ainda não tinha nenhum método que passasse conhecimentos reais sobre a bebida. Por isso, Dani resolveu empreender mais uma vez e criar o curso de sommelier de chá, que tem duração de dois dias. Para ela, a principal intenção desses cursos é contribuir com a difusão da cultura no Brasil. Foi assim que, desde janeiro de 2016, os conhecimentos que a especialista adquiriu durante sua experiência estão compilados na programação deste curso. Duas turmas já foram formadas em Curitiba e uma em São Paulo, todas lotadas. Como a procura é muito grande, já está prevista mais uma edição em São Paulo e outra no Rio de Janeiro. Para Dani, o ponto alto dos cursos é ajudar os novos empreendedores a não abrir um negócio sem conhecimento sobre o assunto. “É muito fácil você confundir o que é de qualidade boa com o que não é”, explica Dani. Além disso, o sommelier de chá consegue montar uma carta 60
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de chás, sabe instruir o consumidor final e entende como é o preparo correto de cada tipo de chá.
Crescimento no consumo Em 2015, dados da Euromonitor mostraram que o chá começou a conquistar os brasileiros e briga pelo posto de bebida quente mais consumida, lugar que, hoje, é do café. Segundo estes dados, as vendas de chá no país aumentaram 8,2%, totalizando 189,5 milhões de litros. Mesmo assim, a bebida, descoberta há quase 5 mil anos, é a mais consumida no mundo: 1,8 trilhão de xícaras por ano!
“É muito fácil você confundir o que é de qualidade boa com o que não é.” Dani Lieutiher, publicitária No topo do ranking de chás mais consumidos no Brasil está a marca Leão, com 47,4% de participação no consumo do produto. A Euromonitor projeta um crescimento de, em média, 6,2% ao ano no mercado de chás, alcançando 255,8 milhões de litros. Em receita, o aumento previsto é de 7,5% ao ano, fazendo com que a arrecadação passe de R$ 424,6 milhões em 2015 para R$1,32 bilhão até 2020. Sabores, aromas e efeitos: existem diversos chás com suas propriedades próprias. Comuns no Brasil, chás tradicionais como camomila e hortelã sempre foram os mais consumidos pelos brasileiros. Com o crescimento no consumo, a população passou a descobrir novos sabores,
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como blends, envolvendo flores e frutas. Com o advento de práticas saudáveis, alguns chás, como o verde, começaram a fazer sucesso entre os brasileiros e ganhou relevância no país, incentivando algumas marcas comerciais a aderirem esta bebida aos seus produtos.
sa já no Ocidente e na Europa são os chás com bolhas, mais conhecidos como BubbleTea. Vendo o sucesso que a bebida fazia no exterior, o descendente de taiuanês, Alex Lin, viu uma grande oportunidade em trazer esta especiaria para o nosso país.
A nutricionista Elizabeth Horsky, explica de que forma pode ser feita a associação da bebida para maior benefício da saúde. Poucas pessoas sabem e é algo super comum tomar uma xícara de chá após por qualquer refeição, mas alguns, como o verde, o preto e o mate devem ser
Morador de Foz do Iguaçu, onde foi aberta a primeira sede da Bubble Mix Tea, Lin era acostumado a tomar os chás em restaurantes chineses no Paraguai, e sentia uma necessidade de deixar este conceito mais conhecido.
evitados em determinados momentos. “Chás ricos em cafeína não devem ser tomados antes, durante ou após as refeições principais como almoço e jantar por diminuírem a absorção do ferro e também devem ser evitados à noite, pois podem causar insônia”,explica Elizabeth.
uma empresa especializada no preparo do chá com bolhas que possibilita uma combinação exclusiva de café, chás, cremes e essências de frutas. Ele se torna um coquetel com chá verde ou chá preto e possui inúmeros diferenciais.“Podem ser com pérolas de tapioca, cápsulas de suco concentrado ou jellies em cubinhos (gelatinas), e por último o copo é selado para ficar fácil de transportar”, explica Alex.
Para aproveitar as vantagens terapêuticas que eles fornecem, no entanto, é preciso saber a forma correta de preparo. É comum encontrar pessoas que reaquecem os chás em bules ou chaleiras, mas esta prática deve ser evitada, pois ao reaquecer a bebida ela perde seus princípios ativos. Além dos já citados, uma bebida típica e famo-
Um dos diferenciais do Bubble Mix Tea é ser
Ele teve o apoio do colega e hoje sócio, Rodrigo Balotin. Taiwan foi o primeiro passo dado pelos colegas, aonde foram estudar e aprender por meses sobre os chás para que conseguissem maior contato com a bebida possível.
Gabrielle Comandulli
Benefícios
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Chá de hibiscus – Efeito levemente laxativo, aumenta a diurese e favorece a digestão lenta e difícil
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Chá de cavalinha – Efeito diurético, ação antinflamatória e antimicrobiana
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Chá de hortelã – Facilita a digestão de gorduras e aumenta a motilidade intestinal
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O importante é a essência Um esporte tão amado no pais, mas, ao mesmo tempo, tão esquecido nas suas origens. O futebol não precisa de glamour, não precisa de jogadores galãs que fazem propagandas. É movido a paixão Maria Victória Lima e Paulo Pelanda
S
eis horas. Levantar e se arrumar. Ir para o trabalho. É assim que começam os dias de Douglas Alexandro Siqueira. O hoje empresário, de 32 anos, que sempre sonhou em ser jogador de futebol e agora cuida da sua empresa e coordena o projeto social Adota um Craque, saiu de Almirante Tamandaré, na região metropolitana de Curitiba, e foi parar no Catar. Mas voltou por causa da família. Foi quando se aposentou e conheceu o futebol amador, que ele renasceu. “Dizem que o jogador morre duas vezes; uma quando para de jogar e a outra quando chega a hora”, afirmou. Hoje a Suburbana tem o nível muito parecido com o da liga profissional. Um É dos motivos é que ela alguns atletas que que mantém viva a jogam no estadual adrenalina” conta acabam atuando Douglas. É ali que os Douglas Alexandro Siqueira, ex-joga- torcedores e amantes no amador também. “A pessoa enxergam e sentem a dor profissional e empresário. que jogou no proessência do futebol, fissional e depois vai para a Suburbana, ‘vicia’, longe de holofotes, do glamour do profissioentristece nos sábados em que não têm jogos. nal. Organizado entre julho e dezembro no
“Futebol é vida; a
Suburbana é família.”
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FPF, que auxilia os clubes no arbitrais, onde são definidos as datas e o formato da competição, quando na organização do evento em si. Entretanto, ainda enfrenta alguns problemas. O futebol profissional, com todo o lucro, ainda tem muitas dificuldades; agora imagina o amador que não gera lucro. Os jogadores reclamam da falta de patrocínio, de divulgação e de carinho vindo da Federação Paranaense de Futebol; os torcedores reclamam da falta de segurança. “Acho que a segurança poderia melhorar, tanto dentro quanto fora dos campos. Às vezes dá briga entre torcida, o que acaba afastando as pessoas”, afirma a torcedora Louise Schmitt.
calendário da federação, o Campeonato Amador, ou simplesmente a Suburbana de Futebol, atrai, além de torcedores aos estádios semanalmente, os ex-futebolistas profissionais. E não é apenas dentro das quatro linhas que a Suburbana vem se igualando com o futebol profissional. Como a liga em Curitiba é uma das mais famosas e com maior importância no Brasil, ela conta com o apoio e ajuda direta da
Ainda existe um pouco de preconceito quando visto de fora, mas quem vive dentro do campeonato afirma que a visão de “futebol de varzea” é equivocada, já que há muitos profissionais participando. Mas, para muitos espectadores, a proximidade da torcida com o campo é um chame que só o amador possui e que faz com que a torcida se sinta uma família de verdade. “Eenvolve muito a comunidade, por serem times de bairros, então a rivalidade é maior, as pessoas se envolvem mais”, afirma um torcedor.
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esportes
Guilherme Becker
Renovicente e Novo Mundo se enfrentam na suburbana.
A Suburbana faz parte da vida de muitas pessoas. Mesmo não tendo o objetivo de manter uma família financeiramente, muitas vezes a contribuição dos clubes é o que possibilita colocar comida na mesa. Julia Abdul, assessora de imprensa da entidade, afirma que as expectativas para a realização do evento sempre são enormes. “Para a capital paranaense, a Suburbana é de enorme importância. O esporte está sendo fomentado em todos os bairros, levando pessoas de todas as idades a jogar e a torcer também”, disse. Para o público o campeonato significa mais do que uma partida. Para Louise, o clima de festa ajuda muito nessa relação. “Acho o profissional se perdeu um pouco com a modernidade; além do fato de não ser cobrado entrada nos campos e você poder curtir tranquilamente em família a Suburbana possui esse clima de festa”, conta. 64
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“Envolve muito a comunidade, por serem times de bairros, então a rivalidade é maior, as pessoas se envolvem mais”, afirma um torcedor.
esportes
Projeto Adota um Craque Depois de ver a sua irmã ficar entre a vida e a morte, Douglas prometeu que, caso ela se recuperasse, iniciaria uma ação para ajudar as crianças. O que começou em março de 2015, como uma ideia de ajudar 50 ou 60 crianças, conta hoje com mais de 200 participantes. O projeto funciona segundas, quartas e sextas em campo. Nas terças e quintas, oferece os cursos de inglês e computação. Para participar, é preciso estar estudando, ter bom comportamento na escola e notas acima da média. Além dos pré-requisitos,
não é cobrado nada das crianças ou das famílias. É totalmente gratuito. E quando aceita, a criança recebe todo o uniforme, e lanche nos dias dos treinos. Ao longo dos meses do projeto, foi notado uma melhora no comportamento das crianças. As notas melhoraram; muitas que tinham ligações com drogas ou abandonaram ou estão largando. De acordo com Douglas, a ação não é para formar jogadores, mas sim cidadãos.
Guilherne Becker
Jogadores do futebol de várzea vem se profissionalizando cada vez mais. Jornalismo PUCPR Revista CDM
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Vitor Ferraz
esportes
Novidades nos jogos de 2020 Cinco novas modalidades serão incluídas na próxima olimpíada em Tóquio: o beisebl, o caratÊ, o surfe, a escalada e o skate
crédito: Vinícius Araújo
Vitor Ferraz
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O
ta, mas num verdadeiro surfista. E é justamente o medo de que os jogos mudem essa ligação que fazem com que o COI seja alvo de críticas dos surfistas.
Cinco novas modalidades serão incluídas na próxima Olimpíada: o beisebol, o caratê, o surfe, a escalada e o skate. Segundo o comitê, a escolha desses esportes aconteceu por dois
Entretanto, a inclusão do surfe nas olimpíadas pode ser visto de outra maneira. Alessandro Puga, 40, surfa há mais de 30 anos e comenta que a evolução na modalidade, por meio do trabalho duro de alguns praticantes, levou o surfe ao patamar da Olimpíada. “Ser escolhido pelo COI era o que faltava para o surfe se transformar em um esporte profissional,
motivos: a popularidade do caratê e beisebol no Japão e a vontade de atrair a atenção do público jovem, com o skate, o surfe e a escalada.
deixando de ser uma simples filosofia de vida para ser olímpico e abranger territórios jamais previstos.”
Brasil viveu momentos de emoção com os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro; mais de 1 milhão de pessoas passaram pela capital fluminense a durante as competições. Enquanto a estrutura da Olimpíada ainda estava sendo desmontada, o Comitê Olímpico Internacional (COI) anunciou novidades para os jogos de Tóquio, em 2020.
É justamente nesses esportes considerados jovens que está “rolando” polêmica. Alguns praticantes mostram-se preocupados em relação à inclusão de suas modalidades nos Jogos Olímpicos, já que não se trata apenas de um esporte, mas de um estilo de vida.
O esporte do mar Não é difícil reconhecer um surfista nas praias brasileiras. Geralmente, com seu jeito marrento, pele bronzeada e uma prancha embaixo do braço, os surfistas são conhecidos em todas as praias. O surfe é um esporte antigo. Não se sabe, exatamente, a origem dessa prática. Entretanto, é muito fácil relacionarmos essa modalidade com vários fatores culturais. Um exemplo é a cultura havaiana, conhecida, principalmente, por ser uma cultura ligada em suas raízes com o surfe e o mar. Essa ligação com fatores culturais, fora do universo da prática esportiva, transforma quem surfa não apenas em um atle-
Vinícius Araújo
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esportes Puga ainda comenta que o surfe nos jogos pode apresentar uma melhora econômica para o universo dessa modalidade, já que as vestimentas dos atletas, equipamentos, turismo e comportamento de moda são consumidos pelo público em geral. Uma das dúvidas que podem surgir é como será desenvolvido esse esporte, já que as praias de Tóquio não são próprias para a prática do surfe. Quem responde é o surfista paranaense Aminantes Pamplona, 20, quinto do ranking estadual. “Hoje em dia, a tecnologia nos favorece. E graças a ela e ao criador Kelly Slater, temos uma piscina de ondas simplesmente perfeita, que funciona em círculo e a onda nunca para.” Pamplona ainda comenta que vai buscar sua vaga para os Jogos de Tóquio, “Tenho um sonho de poder representar o Brasil no surfe em qualquer competição que seja, é um dos meus objetivos”, finaliza.
O skate das ruas Apesar de ter origem no surfe, os primórdios do skateboard não são tão desconhecidos assim. No fim dos anos 50, surfistas da California, nos EUA, enfrentaram um longo período de mar sem ondas. Para simular o surfe, os praticantes colocaram rodinhas em pranchas de madeira e passaram a fazer manobras nas calçadas, em terra firme. Assim como seu primo distante, o skate também tem muitas ligações culturais, principalmente com a cultura suburbana e das ruas. O skatista Jorge dos Santos, 18, relata sua preocupação com a nomeação do skate como esporte olímpico, “Eu acredito que a partir do momento em que o skate entrar para as olimpíadas acabará totalmente com a verdadeira 68
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essência do skateboard de rua.” Jorge é, atualmente, o primeiro colocado no ranking paranaense de skate de rua. Apesar de ser contra a inclusão da modalidade nos jogos, comenta que essa popularização é benéfica, e que vai buscar sua vaga. “Pretendo participar dos jogos participando de eventos grandes que estejam valendo vaga para as olimpíadas”, finaliza. O Brasil é um dos favoritos a medalhas. Nomes conhecidos, como Sandro Dias e Bob Burnquist vão disputar com revelações, como Pedro Barros, hexacampeão dos X Games (uma espécie de olimpíadas dos esportes radicais) e Karen Johz, tetracampeã mundial. Jorge dos Santos espera entrar nessa disputa.
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A desconhecida Não podemos negar que a escalada não é um dos esportes favoritos do brasileiro. Entretanto, a modalidade atrai cada vez mais praticantes tupiniquins, crescendo de popularidade a cada ano. É interessante explicar que esse esporte utiliza movimentos do montanhismo, o atleta deve conseguir chegar ao alto de um paredão antes de seu concorrente para vencer. A origem da escalada se dá nos anos 70. Durante um período de inverno rigoroso, os montanhistas ucranianos tiveram que improvisar uma espécie de treino em lugar fechado. Logo a ideia ganhou popularidade, e foi criada a escalada esportiva. O Brasil não é uma potência nesse esporte, mas ainda assim existem campeonatos acontecendo em todo país. Camila Macedo é bicampeã brasileira de escalada boulder e apoia a inclusão da modalidade nos jogos, “Para Brasil, significa mais incentivo, mídia, praticantes, isso porque os esportes olímpicos têm mais crédito. Eu, como atleta de escalada e educadora física, vejo que aumenta a qualidade no treinamento, metodologias e, espero que também na estrutura.” Macedo brinca que apenas com um milagre o Brasil pode conquistar uma medalha em 2020, já que o esporte é pouco conhecido. “Se o esporte se tornar fixo e tivermos mais tempo, recursos e o Brasil desenvolver seus atletas, daí sim temos chances de medalha. Temos ótimos escaladores e se rolar incentivo na base e nos atletas de alto rendimento agora, podemos colher frutos no futuro”, comenta a escaladora.
“Se o esporte se tornar fixo e tivermos mais tempo, recursos e o Brasil desenvolver seus atletas, daí sim temos chances de medalha” - Camila Macedo, atleta de escalada.
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Em sincronia com o tempo Nunca é tarde demais para começar ou voltar a dançar balé
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cultura
Ariele Hosseini Nicole Leite
de Carol e de suas dançarinas, e entre developés e cissonis, a aula continua sem mais interrupções.
Um, dois, três, quatro.
Henrique (nome fictício), aproximando-se dos 60 anos, confessa que escolheu a aula por conta de problemas de joelho, e que o balé auxiliaria com seu problema de alongamento.
Elevé, demi pliê, terceira , arabesque. Cinco, seis, sete, oito. Meia -ponta , ponta , andeor, pliê.
A
aula, realizada no Sesc da Esquina, em Curitiba, é interrompida por uma porta que se abre. Um senhor de calça jeans, sapato social e jaqueta de couro abre um sorriso amarelo. – É aqui a aula de balé adulto? – pergunta, tímido. As moças de sapatilhas cor de rosa e collants entreolham-se empolgadas com a chegada do novo aluno. Todas as segundas, das 19 até as 21 horas, a professora Caroline Pelegrini, de 33 anos, instrui suas 20 bailarinas na leveza e poesia do
– Eu pratico esporte, ando de bike, faço artes marciais e academia. Mas sinto uma dificuldade enorme de flexibilidade. Então, estou procurando um meio pra me ajudar nisso, para ser mais elástico, e ficar mais livre e relaxado. Com um sorriso no rosto, bochechas rosadas e um pedaço de papel nas mãos, com o número da nova professora, ele continua contando seu desejo. – É a primeira vez que irei fazer aula de dança. Me sinto um pouco desconfortável, pois na classe só tem mulheres e não tão velhas. E não tenho tanta flexibilidade quanto elas. Mas tenho muita vontade, pois estou à procura de uma leveza dos meus movimentos e um estilo de vida diferente. Nicole Leite
balé clássico. – Eu quero que elas se divirtam enquanto dançam. Meu foco é pegar aquela pessoa que entra aqui nessa sala que diz não sabe dançar, que não tem ritmo, que é tímida e fazer ela sair daqui empoderada. Para ela saber que o balé é uma ferramenta que vai ajudá-la a descobrir seu corpo melhor, a se conhecer melhor, se soltar e dançar. O foco é que elas dancem agora, mesmo não esticando tanto o pé, mesmo não tendo muita flexibilidade. A presença do senhor não interrompe o sorriso
Desde mães até avós dividem a sala de ensaio. Jornalismo PUCPR Revista CDM
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A busca por maior flexibilidade e qualidade de vida, é o que leva pessoas maduras, mães e avós, aos estúdios de dança. Essa é a história da Ivanilda Maria Manfro, que desde os 18 anos queria entrar em uma companhia de balé. – Eu cheguei lá e o professor que me entrevistou perguntou minha idade. Eu respondi “18 anos”, ele achou um absurdo e me falou: Você está muito velha! Nem dá pra começar a dançar agora, está muito velha! Mas Ivanilda não desistiu, continuou a procura de outra escola e começou as aulas. Fez aula durante três anos. Por conta de seu casamento, filhos e outras situações, ela teve que parar. Mas depois de tanto tempo, aos 50 anos, ela retornou a fazer aulas de balé. – As articulações não respondem, tenho muita câimbra nos pés, eu já não consigo fazer o grand plié, porque meus joelhos já não suportam. Mas, na dança, eu senti uma liberdade, por para fora, ir para o chão, para cima. É muito gostoso. Eu percebi que tudo melhora na vida, depois que a gente dança. Ela também afirma que qualquer pessoa pode fazer balé, até mesmo o senhor tímido que saiu logo após a primeira meia hora de aula. E a professora confirma: – Claro que não vai ser igual quando você era mais novo – explica Carol- Tem que respeitar o tempo do corpo de cada um. E também aceitar o corpo como ele está agora, e o amar a partir dai. Só quando você passar a amar ele, é que seu corpo trará resultados. “Meu foco é que elas saiam daqui empoderadas”, diz Caroline. 72
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Ariele Hosseini
cultura Ariele Hosseini
de ponta. Aquelas com gesso, sabe? Tinha um pianista que tocava durante a aula para nós dançarmos. Fala, sorrindo. Mas, aos 17 anos, ela decidiu sair desse mundo de coques e saias esvoaçantes. Casou, teve filhos e não teve mais tempo ou disposição para dançar. Um dia, ela resolveu voltar a usar a sapatilha que tanto amava quando mais jovem. – Parei com 18 e voltei com 45. No primeiro mês, eu queria me jogar pela janela, porque eu sabia todos os movimentos, mas o meu corpo
Ivanilda foi rejeitada numa escola, aos 18 anos, por ser “velha”.
não respondia! Não é fácil começar, mas é só uma questão de dar tempo pro seu corpo como qualquer outro exercício físico.
Uma vida dedicada à dança
Nicole Leite
Fabiana Barcello, 46 anos, ganhou sua primeira sapatilha aos 3 anos, presente de sua mãe, e logo entrou em um estúdio de dança de Curitiba. Com o tempo, o amor pelos palcos e pela dança aumentou, e dez anos depois da primeira sequência de piruetas, passou a dançar em escolas maiores. Fabiana voltou ao balé após 27 anos.
– Eu vivia dançando. De manhã, eu ia para o colégio, de tarde para o estúdio. Ensaiava todos os dias, das 13 horas até 18 horas, e sexta-feira era dia de ensaiar com a sapatilha
Venha dançar também! - Balé adulto
Tânia Moralles Dança de Salão Sábados das 12h às 13h - R$80/mês
Cecconello Escola de Dança
Sesc da Esquina
Terças e Quintas – 20h15 às 21h30 - R$140 Segundas das 19h às 21h - R$53,20/mês Sábados 13h30 às 15h - R$100/mês Jornalismo PUCPR Revista CDM
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justiça C
D
M
DIG
I TA L
QUE Ê A D A VI UÉM V G NIN
ENTRE O CÁRCERE E A RUA
ESPEC
IA
A população carcerária feminina do Brasil aumentou cinco vezes em 14 anos. A maioria dessas mulheres está detida por tráfico de drogas, o que pode estar relacionado à Lei de Drogas, instituída no país em 2006
Nicole Lopes
Felipa Pinheiro
A
driana* tem pele negra, olhos grandes e expressões de quem já passou por muita coisa na vida. Aos 18 anos,
começou transportar drogas do Paraguai ao Brasil: era a chamada “mula”. Como sua mãe estava presa, foi convencida pela tia de que o tráfico seria a melhor forma para conseguir prover sustento para si e seus seis irmãos. Dos quatro encarceramentos que enfrentou, o primeiro foi em uma das penitenciárias de Santa Catarina, quando estava grávida do seu filho mais velho, em 1999. A realidade de Adriana não é diferente da vivenciada pela maioria das mulheres presas no Brasil nos último anos. Conforme dados do 74
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único Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) voltado para mulheres, baseado em junho de 2014. a maioria delas está presa por envolvimento com tráfico de drogas. No entanto, seu posicionamento no tráfico é quase sempre em atividades secundárias, como o transporte de drogas e o pequeno comércio. São poucas as que exercem atividades de gerência do tráfico. A Lei de Drogas, 11.343/2006, que completou dez anos em agosto deste ano, tem agravado a situação dessas mulheres, já que não oferece uma diferenciação clara entre traficante e usuário. Conforme dados do Infopen, de 2000 a 2014 o aumento da população feminina
L
justiça
carcerária brasileira foi de 567,4%, enquanto a média de crescimento masculino, no mesmo período, foi de 220,20%. Outro fator indicado pela pesquisa foi de que o encarceramento feminino obedece a padrões de criminalidade muito distintos se comparados ao do público masculino. Enquanto 25% dos crimes pelos quais os homens respondem estão relacionados ao tráfico, para as mulheres essa proporção chega a 68%. Além disso, segundo o levantamento, as mulheres que são submetidas ao cárcere geralmente são jovens, têm filhos, são as responsáveis pela provisão do sustento familiar, tem baixa escolaridade, são oriundas de estratos sociais desfavorecidos economicamente e exerciam atividades de trabalho informal em período anterior ao aprisionamento.
A paraguaia Sofia*, de 20 anos, por exemplo, foi condenada a cinco anos e cinco meses de prisão. Detida por tráfico internacional de drogas, tentava trazer ao Brasil cerca de dois quilos de cocaína. Com o ensino fundamental completo, à época estava grávida de sete meses e traficava há cinco, levando droga da cidade de Pedro Juan Caballero para o Brasil. Sempre atuou como “mula” com um grupo de cerca de dez mulheres, comandado por um homem, e nunca exerceu alguma atividade de gerência de tráfico.
“Eu ia perder minha filha porque no semi aberto não tem estrutura.”
Para a presidente da Comissão da Advocacia Criminal da OAB/PR, Priscilla Placha Sá, o hiperencarceramento de mulheres está longe de ser uma suposição. “A morte e o encarceramento de jovens marginalizados e periféricos têm arrastado suas filhas, mães, companheiras, irmãs e até avós para a atividade do tráfico, inclusive, por ações de comandos e facções, dívidas de droga e troca de favores.” Na análise de Priscilla, a legislação tem ampliado a intervenção de uma política de encarceramento e aumentado as penas por tráfico. Além disso, a Lei de Drogas não oferece nenhum suporte às pessoas que desejam ser atendidas devido à dependência química, como também “não trouxe nenhum avanço no reconhecimento da questão macro que arrasta milhares de pessoas para o mercado e o consumo das drogas”.
Um pouco antes de realizar a viagem que a levou a ser presa, Sofia havia decidido parar de participar do tráfico. A moça, porém, foi intimidada e teve a família ameaçada pelo chefe do grupo, que continua em liberdade até hoje. Como sua viagem foi realizada sozinha, diferentemente de todas as outras até então, acredita que foi denunciada pelo líder à polícia, para despistar outro carregamento maior de droga. “Eu não queria mais, não queria sujar o nome da minha avó que é professora. Mas o cara me ameaçou. Ele falou: ‘Se você não viajar, você vai ter problema. Quer perder a tua família ou continuar viva?’.” Sobre o tema, outro fator expressivo indicado pelo Infopen é o alto número de prisões preventivas no Brasil. Em junho de 2014, 11.269 mulheres custodiadas no sistema prisional brasileiro esperavam julgamento, ou seja, três Jornalismo PUCPR Revista CDM
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em cada dez mulheres presas ainda não haviam sido julgadas. Número que só não é maior,
O que elas tinham que fazer? Elas tinham que fazer um combinado com conhecidos de ou-
devido à significativa heterogeneidade na distribuição entre os estados brasileiros. Valendo notar que o baixo porcentual de mulheres presas sem condenação no estado de São Paulo (9%) é o responsável por situar o patamar nacional em 30%, já que que concentra 39% da população prisional feminina total. Vinte e uma Unidades da Federação situam-se acima do patamar nacional de 30%. O estado de Sergipe chega aos 99%. No Sul, o Paraná tem a porcentagem mais alta, 41% das mulheres
tras presas, por exemplo. Iam morar na casa de outras mulheres, geralmente pessoas que mexiam com tráfico. Acabavam sendo obrigadas a traficar para poderem pagar a estadia delas naqueles quatro dias que teriam em liberdade, por conta do regime semiaberto.”
presas estão sem condenação.
Reinserção Ao contrário de muitas mulheres que enfrentaram o contexto carcerário, Adriana e Sofia hoje podem ter a chance de se restabelecerem, criar suas filhas e conquistar, novamente, um espaço na sociedade. Essa oportunidade se dá a partir do trabalho da Associação Social Reconstruindo Sonhos, que oferece moradia, sustento e acompanhamento psicológico em Colombo, região metropolitana de Curitiba. Na casa, todas as despesas das mulheres são custeadas pela ONG, que sobrevive de doações. “Aqui elas iniciam tudo na vida delas, elas começam a trabalhar, a estudar, a ter uma vida diferente daquelas que elas tinham antes. Aqui elas não têm despesa nenhuma, é tudo custeado pela a própria ONG”, relata o responsável pela associação e pastor Fabiano Pires Martins. Conforme o pastor, após o entendimento de que muitas mulheres reincidiam no tráfico por não terem onde ficar depois de cumprir a pena, ou ao entrarem no regime semiaberto, a casa foi comprada. “Quando elas saiam, a gente percebia que maioria delas não tinha opção. 76
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“o cara me ameaçou, ele falou: quer perder tua família ou continuar viva?” Há quase seis meses na casa, Sofia cumpre prisão domiciliar e conseguiu diminuir sua pena. Para ficar livre, resta um ano e sete meses. “Eu ia perder minha filha, porque no semiaberto não tem estrutura, não tem nada. Ela tinha que ficar comigo, mas era muito perigoso. Muita gente junta, sabe? Aí, depois, eu conversei com o pastor [sobre a possibilidade de morar na casa], a advogada mandou para o juiz o pedido, e ele aceitou na hora que eu ficasse aqui.” Adriana também quase perdeu a filha de 3 anos para um abrigo de órfãos. “A juíza determinou o prazo de alguns dias para minha filha voltar para família ou ir para o abrigo. Eu não tinha contato com ninguém da minha família,
justiça
e a pior sensação que eu tive foi pensar que iria perder a minha filha para o abrigo. Depois de um tempo, eu já tinha aceito que minha filha iria embora, e pensei que a tiraria de lá quando saísse da prisão. Mas, de repente, aconteceu um mutirão de revisão de processos, e acabei sendo liberada. E agora estou aqui [na casa da associação], com pessoas que acreditam e confiam em mim.”
cachorro, vieram desesperados chorando porque eles não sabiam o que era um cachorro. Só conhecem gato e rato que é o que tem muito dentro de presídio”, conta Martins.
A ONG oferece moradia por 12 meses para essas mulheres, período no qual elas devem trabalhar e juntar 80% do que ganham para,
A associação tem uma longa trajetória. Há 15 anos desenvolve um trabalho religioso e social dentro das unidades carcerárias do Paraná. Distribui materiais de higiene, como escova e absorvente, e também alimentos para as detentas. A partir do trabalho da ONG com as crianças na creche, é feita uma análise de quais famílias precisam de moradia. “A obrigação
quando saírem, terem condições econômicas para sobreviver. Já passaram pela casa cerca de 32 mulheres e 12 crianças. “Você vê as crianças descobrindo o mundo, eles começam a olhar coisas que eles nunca viram antes. Eles desceram esses dias comprar pão e doce e viram um
do Estado, é cuidar do preso enquanto ele está preso e aí que a gente vê o número da reincidência, porque o governo não se preocupa com o pós-presídio e, para isso, que essa casa vem, para atender uma necessidade que o Estado não cumpre”, afirma o pastor.
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saúde
Por que Adeus?
Seguindo a dinâmica de meses “coloridos”, o Setembro Amarelo é uma campanha que visa à conscientização sobre o suicídio, e um dos maiores tabus da sociedade Leonardo Henrique Giordana Chemin e Ingridy Moreira
Q
uando uma amiga próxima comentou a respeito de uma pauta jornalística, E.M. (nome fictício), de 25 anos, concordou em responder algumas questões. Porém, havia uma condição: ele não queria conversar diretamente com o repórter; ou seja, as questões foram enviadas a essa pessoa em comum, que fez a conexão. Diagnosticado com “transtorno depressivo crônico genérico” – como ele mesmo define –, o jovem venceu uma batalha interna que, por diversas razões, não é abordada com a dimensão que deveria receber: o suicídio. “Não considero tabu, mas não sou aberto em relação a isso com a minha família ou conhecidos. Somente com alguns poucos amigos mais próximos”, afirma. O fato preocupante é que o rapaz encontra-se em um grupo muito grande, com várias pessoas que consideram a ideia (ou concretizam o ato). Segundo o relatório Prevenindo Suicídios – Um Imperativo Global, lançado em 2014 pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada 40 segundos, uma pessoa tira a própria vida no mundo. Contudo, este não é o foco desta reportagem. O Setembro Amarelo é uma campanha nacio78
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nal de conscientização sobre a prevenção do suicídio, cujo objetivo é alertar a população a respeito dessa realidade varrida para baixo do tapete. Desde 2014, ocorre no mês de setembro, por meio da identificação de locais públicos e particulares com a cor amarela e divulgação de informações. O projeto é uma realização da parceria entre o Centro de Valorização da Vida (CVV) – em 1962, a entidade começou a atuar gratuitamente na causa ¬– Conselho Federal de Medicina (CFM) e Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Tradicionalmente, o dia 10 é comemorado como o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. “Sabemos da eficiência do trabalho do CVV principalmente porque recebemos as respostas. Em datas comemorativas, como Natal e ano-novo, quando os plantões aumentam, muita gente liga e fala que só está viva ainda por causa da conversa que teve conosco”, disse Robert Paris, presidente nacional do Centro, em entrevista ao jornal Olhar Direto. Com o tema “Falar é a melhor solução”, o programa tem 23 mil curtidas no Facebook e estimula um ato importantíssimo para a luta contra o
Ilustração: Ingridy Moreira.
saúde
problema: a conversa. Inclusive, caso você pesquise “suicídio” no Google, o primeiro resultado é uma mensagem perguntando se precisa de ajuda e divulgando o número 141, telefone do CVV, disponível 24 horas por dia. No Tumblr, ocorre o mesmo, mas sem o número da organização, apenas uma mensagem questionando se você precisa de ajuda. Além de fóruns de discussão, E.M. também procurou o instituto. Sobre a reação dos amigos, ele disse
Aqui, agora E como quem não conhece o tema suicídio pode ajudar? “O que pode segurar esse ímpeto são os laços afetivos, seja com religião ou as pessoas que ama. Escutar e dar espaço, sem criticar, para que a pessoa diga o que está acontecendo é um passo necessário. Isso não tira o papel de um
“Não considero tabu, mas não sou aberto em relação a isso com a minha família ou conhecidos.”
que demonstraram “surpresa, pois é algo que consigo disfarçar bem, mesmo das pessoas mais próximas. Alguns mostram mais empatia, outros menos”. Nas redes sociais, muitos têm se prestado a dialogar com quem passa por dificuldades.
E.M, estudante
Ilustração: Ingridy Moreira.
Para o psicólogo do Serviço de Psicologia do Hospital de Clínicas de Curitiba Luiz Renato M. Braga, os amigos do indivíduo são importantes, mas o acompanhamento profissional é essencial. “Quando alguém quer e está completamente decidido, normalmente, não nos avisa. A comunicação é encarada como um pedido de ajuda, em que devemos escutar o paciente para que ele entenda quais são as razões para que ele tire a própria vida. A angústia e a depressão podem ser fatores contribuintes do ato suicida”. Portanto, como afirma Renato, deve-se insistir na tentativa de transformar o ato em palavra. Jornalismo PUCPR Revista CDM
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saúde
profissional para um tratamento especializado”, complementa Braga. São vários os possíveis motivos pelo qual o suicídio permanece no limbo da agenda pública: medo, vergonha ou culpa. Voltando à importância da conversa (não para dar conselhos, e sim para escutar de forma efetiva), em entrevista ao jornal curitibano Gazeta do Povo, Maristela Duenhas resume como é ser a única escrivã do cartório de suicídios da Delegacia de Proteção à Pessoa (DPP) de Curitiba, criado há oito anos. “As famílias vêm estraçalhadas para cá. Eles nunca aceitam, tentam entender, se culpam ou tentam achar um culpado. Talvez seja o pior tipo de sofrimento”, diz. “A primeira coisa que faço é tentar aliviar o sentimento de culpa com que eles chegam aqui. A maioria acha que poderia ter evitado [o suicídio do familiar] se tivesse feito algo. Eu converso bastante, tento mostrar que ninguém tem culpa e as deixo chorar até passar”, finaliza. Quem decidiu não viver mais pode ser jul-
ser enfatizados. “Conversar sobre o suicídio, seja no jornalismo, na política ou no entretenimento, é absolutamente vital para que o estigma social que permeia a palavra seja, ao menos, amenizado. É preciso que as pessoas entendam que não estão sozinhas, e que há muito mais gente na mesma situação do que elas imaginam. Devido ao tabu social que impede conversas sérias sobre o assunto, tenho certeza que o número de wsuicídios é ainda maior do que seria”, conclui. Portanto, o suicídio não é uma resposta. Caso você tenha alguma dúvida de onde procurar ajuda ou não queira falar com um conhecido sobre as dificuldades pelas quais está passando, procure o Centro de Psicologia da PUCPR, pelo telefone 3271-1663. Você também pode acessar o site http://www.cvv.org.br/ para conversar por chat, e-mail e Skype, além de conseguir mais informações. Ou caso acorde às 3h30 da manhã sem saber
gado? Como o suicídio pode ser debatido, se alguém sempre é apontado como o responsável por ele? Há realmente um culpado? Pois, de acordo com o psicólogo Luiz Renato, é uma vontade gerada por algum transtorno psiquiátrico. Para E.M., o aprofundamento e o coletivo devem 80
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o que fazer, ligue para 141 e diga o que sente. Vai ter alguém do outro lado da linha disposto a te ajudar e te escutar, mesmo que seja de madrugada. Aliás, reiterando, este número está disponível durante o dia inteiro; e setembro não deve Ilustração: Ingridy Moreira.
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ser o único período de conscientização sobre o suicídio. Todo paciente que comunica alguém sobre isso, a gente encara isso como um pedido de ajuda. Ainda cabe uma dúvida. Então, há espaço pra gente tentar uma nova ajuda, como a intensificação do numero de sessões. Fazendo a pessoa entender quais são as razões para que ela tire a própria vida. A angústia e a depressão podem ser fatores. A angústia leva ao desespero. Aí, o paciente, para tentar cessar esse quadro, se suicida. A gente tem que prestar atenção nesses casos mais leves quan-
do o sujeito tem a ideia de que o suicídio vai resolver seu problema. Algo que pode segurar esse ímpeto são os laços afetivos que as pessoas têm. Religião e pessoas que ama. Escutar. Dar espaço sem criticar para que a pessoa diga o que está acontecendo. É pra chamar a atenção no sentido de que não estou bem e preciso de ajuda. O suicídio é um rompimento do laço com a vida, do investimento com a vida. Cada pessoa tem um mtivoo para acreditar que a sua vida não vale a pena.
“Escutar e dar espaço, sem criticar, para que a pessoa diga o que está acontecendo é um passo necessário.” Renato Braga, psicólogo
Campanhas na Internet Uma das campanhas do Facebook, em que o “amigo” descrevia qualidades para aquele quem comentasse sua publicação. Porém várias pessoas ficaram sem resposta.
Fonte: Facebook Jornalismo PUCPR Revista CDM
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GENTE QUE GOSTA DE GENTE
Rodrigo Sigmura
Texto: Thaís Cunha Diagramação: Camila Borba
O trabalho voluntário transforma a vida de quem precisa e de quem não sabe viver sem ajudar quem está próximo
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S
olidariedade, generosidade, empatia, altruísmo: o impulso gerador do voluntariado provoca curiosidade à luz da psicologia social. Mas Hilda Diniz dá uma pista, “Eu sou uma apaixonada por gente”, declara com um largo sorriso no rosto. A professora, de 57 anos, pratica o trabalho social efetivamente desde 1982, hábito que aprendeu ainda criança, com a mãe. “Ela dizia que o vizinho é o seu parente mais próximo”, recorda, enquanto narra a sua longa relação com o voluntariado. A paixão que move Hilda engendra tantas histórias que a memória às vezes não dá conta, como
nidade em que mora, em São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba. A escuta paciente, o silêncio partilhado, o abraço. Tudo isso Hilda pratica no intervalo de seus compromissos, sentada em um banco de praça, na igreja, ou no
ra Rodrigo Sigmu
caminho para o trabalho. “O simples, todos nós conseguimos fazer”, provoca ela. E Paulo Pereira de Novaes, empresário idealizador do Projeto Vida foi um pouco além. O projeto, iniciado em 1997, conta com uma sede social em
“O simples todos nós conseguimos fazer.”
em um episódio recente, em que uma antiga vizinha, hoje amiga, lembrou de seu auxílio Hilda Diniz, no passado. “Eu não lembro, mas ela lembra”, conta Hilda. Ainda que a assistência vise a provocar a melhoria de um dado cenário, ela explica que ajudar o próximo lhe é tão básico quanto ajudar a si, e aos seus. Sozinha, na companhia do marido, ou dos filhos, ela atua toda semana na comu-
Curitiba, e quatro ônibus motorhomes. A equipe de voluntários, professora orientada na sede física, viaja o Brasil realizando o trabalho de prevenção às drogas, alfabetização de adultos, inclusão digital, e desenvolvimento de atividades físicas e artísticas com crianças e adolescentes entre 7 e 17 anos. Rodrigo Ferreira, de 29 anos, coordenador da equipe que atua com 180 crianças e adolescen Jornalismo PUCPR Revista CDM
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tes no bairro CIC, é taxativo quanto ao impacto desse trabalho, “Estamos mudando a realidade dessas pessoas”. Para Rodrigo, a prática do trabalho social começa no reconhecimento das potencialidades do indivíduo, “Falta
Calor, que conta com a doação de roupas e cobertores que são encaminhados para pessoas em situação de risco. A entidade oferece serviço de apoio e assistência
oportunidade para que eles se desenvolvam”, diz. A falta de oportunidade, produto da desigualdade social, cria quadros de abandono, crianças marginalizadas recorrem às drogas e são vítimas da prostituição; cresce a taxa de analfabetismo, e o númeJosmar
familiar, acolhimento e assistência à criança e ao adolescente em situação de rua. ra Rodrigo Sigmu
A solução dessas questões também move Josmar Coelho, 47 anos, professor de Educação Física e coordenador pedagógiprofessor co wno Instituto
“Simplesmente vá e faça.” Coelho,
ro de crianças, adolescentes e adultos em situação de rua. Mas, “se é problema, tem solução”, anuncia Hilda, frisando que é preciso manter o foco no segundo. A Fundação de Ação Social de Curitiba (FAS) é responsável pela política de assistência social, e atua por meio de parcerias e convênios firmados entre a Fundação e entidades que atendem o público em diferentes frentes. Muitos desses projetos envolvem a sociedade civil, como é o caso da campanha de inverno Doe 84
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Compartilhar. Fundada em 2003, pelo técnico de voleibol Bernardinho, a entidade sem fins lucrativos dá oportunidade a crianças e adolescentes, prioritariamente estudantes de escolas públicas, de praticar o esporte associado à discussão de valores éticos. Josmar atua há 17 anos com trabalho social, e se frustra com a demagogia dos atuais políticos: “Não precisa ficar falando ou criando situações para se promover, simplesmente vá e faça”.
cidadania
Altruísmo A premissa da ajuda não é o pedido, mas a necessidade. E a reciprocidade é observada entre os seres humanos desde as sociedades primitivas. As normas sociais se fundaram e se mantêm a partir das relações que se estabelecem dessa troca. O primeiro conceito de economia nasce da prática colaborativa, que antes de ser monetizada, rendia apenas à honra do benfeitor. Mas a ideia de reciprocidade envolve expectativa de retorno. Então, em 1825, o filósofo francês Augusto Comte criou uma palavra para se referir à disposição do ser humano em agir em prol de outros voluntariamente: altruísmo. “Você acha que está ajudando o outro, mas na verdade é você quem está sendo moldado”, reflete Hilda, que faz do trabalho social uma ferramenta de autoanálise e transformação pessoal. “Primeiro mudo eu, e a minha mudança impacta na vida de quem está ao redor, essa é a grande sacada da vida para mim”, confessa ela, que ao lado do marido, com quem é casada há 38 anos, é referência de comportamento dentro da comunidade em que vive e atua. “A influência que as pessoas têm sobre as ou-
Crianças jogam vôlei durante atividades no Instituto Compartilhar.
tras dentro de uma comunidade, o respeito e a simpatia que elas despertam, contribuem para a imagem que elas fazem de si mesmas e isso impacta nos projetos nos quais se envolvem”, esclarece a psicóloga Aline Souza. Também atuante em projetos sociais, ela destaca que “o bem-estar proporcionado pelo fazer social, atuando junto a causas coletivas ou no auxílio aos mais necessitados é incurável”, ainda que não se tenha notícias do que exatamente faz pulsar a veia do voluntariado.
Rodrigo Sigmura Jornalismo PUCPR Revista CDM
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Super ação
sobre rodas A invisibilidade dos deficientes físicos é um grande problema na sociedade atual. A acessibilidade, por exemplo, é um fator ignorado por muitos
Gabrielle Comandulli, Joana Sabbag e Monalisa Rahal
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É
recorrente andarmos na rua e não prestarmos atenção em detalhes que já nos parecem comuns, como a grande presença de deficientes físicos, no caso para e tetraplégicos, em diversos lugares da cidade. Para muitos, a inclusão e a aceitação dessas pessoas já são suficientes, mas, para eles, essas questões ainda não estão muito bem resolvidas. A invisibilidade de pessoas com deficiências é uma dificuldade que está sendo combatida diariamente, para que eles consigam ter, além de uma melhor qualidade de vida, um bom relacionamento com eles mesmo. Superar desafios é recorrente na vida de qualquer ser humano. Sejam eles simples e fáceis de resolver, ou mais complexos e que demandam muito esforço. Todos os desafios podem abalar tanto o lado físico quanto o psicológico das pessoas, causando diversas consequências. Seja dos membros superiores ou dos membros
inferiores, a perda de movimentos é algo que traz muitas dificuldades, exigindo um grande processo de aceitação e superação, além da força para enfrentar a grande invisibilidade na sociedade. Dados da última pesquisa nacional da saúde mostram que 1,3% da população brasileira possui alguma deficiência física, sendo que, dentro desse número, 46,8% têm um grau de limitação intenso ou muito intenso. A maioria desses portadores de deficiência física adquiriu essa incapacitação durante a vida, devido a alguma doença ou acidente. É por meio de acidente de trânsito que 15,2% dos envolvidos tiveram alguma sequela grave, podendo se tornar para ou tetraplégicos. Marco Antonio Rissatto encontrou sua forma de superação nos esportes. Após um acidente de moto, criou uma grande paixão pelas atividades físicas. “Eu fiquei um ano sem me mexer, movia só os braços. No segundo ano, Gabrielle Comandulli
Após sofrer um acidente, Marco encontrou no esporte uma forma de superar a sua nova condição física.
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eu comecei a ter movimentação com as pernas. Durante a recuperação, eu comecei a fazer hidroterapia, na qual descobri que eu podia nadar e comecei a nadar profissionalmente. Hoje, eu estou em terceiro lugar no país. Dois anos atrás eu virei triatleta, descobri que tinha bicicleta para pedalar com os braços e a corrida faço com a cadeira de rodas. Estou entre os quatro melhores triatletas do Brasil”, relatou Rissatto. O desportista tinha filhas pequenas
sam superar alguns traumas. Pâmela Rissatto, filha de Marco Antonio, contou, com muita emoção, as dificuldades e medos que passou quando viu seu pai naquela situação. “Doía
“A tendência com aqueles que a gente ama é querer acolher o sofrimento.” Jaqueline Tozato, psicóloga ”
quando sofreu o acidente, possibilitando perceber que não são apenas os portadores que precisam passar por um longo processo de superação e mudar sua rotina. Os familiares e amigos mais próximos dessas pessoas também enfrentam diversas dificuldades e preci-
muito ver ele na cama sem conseguir se mexer, sem fazer o que fazia antes. Nosso medo foi de não poder ter aquilo de novo, de não poder andar com ele de novo, não poder sair passear, foi um choque bem grande. Foi bonito de ver
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o depois, porque ele virou um exemplo muito grande pra mim”, contou Pâmela. As dificuldades enfrentadas por portadores de deficiências físicas não são poucas. É por isso que a presença de pessoas próximas a eles é tão necessária. Além disso, uma equipe médica incluindo fisioterapeutas e psicólogos é importante para minimizar as sequelas físicas e emocionais. A psicóloga Jaqueline Tozato reforçou a importância de um acompanhamento psicológico para as vítimas e familiares. “A tendência com aqueles que a gente ama é querer acolher o sofrimento. Então, eu acho que às vezes se torna muito mais difícil para os familiares do que para a pessoa em si. Não há o que fazer. Também tem que encontrar uma forma de superar isso, de poder olhar para a pessoa de uma forma diferente, aceitar que hoje é a limitação que ela tem, mas que não é um coitado por isso”, afirmou Jaqueline. Foi 24 anos atrás, quando tinha 4 anos, que Nathalie Liliane sofreu um acidente de carro. Seu pai dirigia até o Rio Grande do Sul, onde iriam visitar alguns parentes. Ao serem fechados por um caminhão, o pai de Nathalie jogou o carro para o lado, batendo contra uma árvore. “Meu pai teve fraturas, se machucou bastante, mas comigo não aconteceu nada, não tive nenhum arranhão, além de machucar a coluna. Foi depois de três meses que os médicos descobriram que eu iria ficar cadeirante. Fiz fisioterapia para não atrofiar, hoje em dia eu faço mais uma manutenção mesmo, não é rotina, pois o meu caso é irreversível.” Quando questionada sobre o preconceito que sofre da sociedade, Nathalie relatou que o percebe mais pelo olhar, do que por meio de palavras. “Pelo olhar de uma pessoa, a gen-
O apoio da família é fundamental para amenizar os traumas vividos por estas pessoas. Monalisa Rahal
te sente se ela está te olhando como se você fosse uma pessoa normal ou não. Para ser bem sincera, a classe alta, as pessoas com maior poder aquisitivo, são mais preconceituosas do que as de menor classe.” Além da discriminação, o problema mais enfrentado por Nathalie atualmente é a questão da acessibilidade. “No banheiro da faculdade onde eu estudo, existe uma rampa e a porta é daquelas que abre para fora. Como eu vou subir na rampa e abrir uma porta que é para fora?”, brinca a universitária. Não faltam formas de superar as deficiências físicas. Marco Antonio e Nathalie não perderam a força de vontade e são um exemplo de superação. Jornalismo PUCPR Revista CDM
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cidades
Perto do lar, longe de casa
Gabriela Jahn
O relato de quem, mesmo vivendo em invasões e comunidades carentes, sem estrutura urbana necessária, fez desses locais seu lar Jehnifer Kammer
O
asfalto ainda é uma novidade entre os moradores, símbolo de um dos pri-
meiros sinais de urbanização no bairro. Esgoto e energia elétrica ainda são frutos do “jeitinho brasileiro” – as ruas desconhecidas aos olhos da prefeitura seguem muito reais para quem por elas passa, brinca e vive. Não têm nomes, mas são repletas de histórias, e são parte da comunidade conhecida como Shalon, encravada no bairro Boa Vista, na divisa entre Curitiba e Colombo. Cidade modelo nos anos 90, famosa por seu planejamento urbano e recentemente vencedora do anuário As Melhores Cidades do 90
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Brasil (2015), publicado pela revista Istoé, Curitiba não parece ser o modelo de cidade que sofre com os problemas e impasses de um grande centro urbano, mas é. E regiões como o Shalon estão entre os que são deixados de lado, ocupando o quadro de áreas invadidas, onde famílias que vivem em locais de risco, algumas vezes considerados inabitáveis, em imóveis abandonados. Nátaly Armstrong é comerciante e mora com os pais na comunidade há mais de 15 anos. Ainda que conheça e conviva com todos os problemas estruturais e de segurança que o bairro apresenta, não vê a possibilidade de mu-
cidades
dança. “Eu não tenho a menor vontade de sair daqui. Nem eu e muito menos minha família. Nós nos criamos desde pequenos e gostamos muito daqui!”
Pessoas que querem, e precisam, não apenas de espaço, mas de um lar. As áreas invadidas, muitas vezes consideradas de risco, são próximas aos grandes polos industriais, ou então se localizam em bairros periféricos e de baixa renda, nas quais famílias com condições pouco favoráveis constroem suas moradias.
De acordo com a diretora de Relações Comunitárias da Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab), Neucimary Amaral, o déficit habitacional hoje na cidade é de aproEsses espaços, em sua maioria, são impróprios ximadamente 49 mil para moradia ou esbar“Esses espaços, em sua famílias. As ações do ram em grandes interesses maioria, são impróprios para poder público e da iniprivados e políticos. Dessa moradia ou esbarram em ciativa privada existentes forma, desapropriações são
grandes interesses privados e
no atual cenário, propicenários presentes. políticos.” ciam o acesso à moradia Neucimary Amaral, diretora da Cohab A Constituição de 1988 e prioriza famílias de afirma que a desapropriação menor renda, em um processo integrado às somente poderá ocorrer se houver necessidade políticas de desenvolvimento urbano e regional pública (hipótese em que há de risco iminene demais políticas municipais. te), utilidade pública (a desapropriação deverá Porém, entre o plano diretor e suas ações realizadas, está o crescimento urbano desenfreado.
ser conveniente e oportuna ao atendimento do interesse público) e interesse social (objetivo de Gabriela Jahn
A intevenção do governo nas áreas de risco não evita que muitos moradores continuem nesses locais. Jornalismo PUCPR Revista CDM
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Gabriela Jahn
cidades
reduzir as desigualdades sociais). Na linha de fogo entre governo, verba, famílias e o número expressivo de construções irregulares, estão Nátalys, Pedros, Rafaelas e tantas outras pessoas que constroem suas jornadas tão rápidas quantos os prédios são levantados. “É parte da nossa história, do que somos. Não queremos ir embora. Queremos apenas melhores condições e saber que existimos. Até agora
Gabriela Jahn
A região norte de Curitiba é marcada pelas ocupações irregulares.
Alm de um IDH menor, as áreas ocupadas são marcadas pela insegurança. Gabriela Jahn
“Eu não tenho a menor vontade de sair daqui. Nem eu e muito menos a minha família. Nós nos criamos aqui e gostamos muito daqui.” Nátaly Armstrong, comerciante
A falta de saneamento e fornecimento de energia é reccorrente nessas regiões.
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cidades
ninguém se importou com isso aqui. Nós nos organizamos para fazer tudo funcionar. Então, não vejo problema nenhum em morar aqui ”, desabafa Nátaly.
Além disso, questões, como o emocional das pessoas envolvidas, não podem ser ignorados. Afinal, questões culturais, familiares e emocionais proporcionam uma ligação e uma sensação de bem-estar entre essas pessoas e suas residências, por mais inseguras que sejam. Ou seja, mesmo que os programas sociais garantam a moradia segura a essas pessoas, parte delas se recusa a sair de sua casa atual.
Aconchego Apesar dos programas habitacionais que já vigoram na cidade, o déficit habitacional em Curitiba ainda é grande. O mestre em Direito Civil Leandro Benitez esclarece que a propriedade sobre um bem imóvel geralmente gera a expectativa de que ele venha a servir de moradia a alguém, deste
“As pessoas dessas comunidades possuem o sentimento de pertencimento com o local. Nele criaram seus filhos. De certa forma, eles fincam raízes e todo um processo de vivência da comunidade”. Dai a dificuldade em famílias que mesmo habitando áreas de risco tem em deixar esses locais, explica Marcos Pedroso de Souza, sociólogo e cientista político.
modo preenchendo uma necessidade vital do ser humano. Fonte: União Nacional por Moradia Popular do Paraná (UNPM).
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famílias que os programas sociais atenderiam, caso as unidades abandonadas fossem reutilizadas para moradia.
unidades domiciliares vazias em Curitiba.
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49.164
famílias sem lar em Curitiba.
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educação
Cifra da esperança Projeto Esperança atua em conjunto com o bairro do Uberaba utilizando diversas formas de aprendizado — de língua estrangeira, música a corte e costura — como maneira de mudar a realidade Texto e fotos: Vinícius Costa Pinto
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F
otografias penduradas ao teto balançavam junto com o barbante que as
amarrava acompanhando o vento que entrava pelo corredor. Embalado pela melodia que ressoava do coro das crianças, que insistiam em entrar no contratempo ou cantar fora do tom e logo eram remendadas por uma voz adulta. Caso o ouvido estivesse atento, o grave abafado dos violoncelos trazia o ninar de “Frère Jacques” interrompido por uma solene ordem, “Essa é muito fácil, se posicionem e vamos começar ‘Marcha Soldado’”. Sobre o mural de tapume, que encerrava o corredor, algumas fotos também estavam coladas. Imagens que trazem memórias de pelo menos mil pessoas que passaram por lá, desde 2002, ainda com 25 alunos matriculados, até ás mais recentes. Este é o container azul, local no qual são realizadas aulas de canto, violão, violoncelo, violino, teclado e inglês para crianças e adolescentes que moram no bairro do Uberaba, em Curitiba, e seu entorno, Jardim Caraí e Auro-
ra. Atualmente, são cem alunos que ocupam estas vagas. Além dele, descendo um por uma passagem de pedras em meio ao gramado, a casa de artesanato, corte e costura para as mulheres, onde também funciona a cozinha e o refeitório. Diferentemente do bloco azul, o ambiente sonoro da casa amarela é composto por um não cessar de conversas disparadas por todos os lados. São as alunas da oficina, que se reúnem para discutir qual a melhor maneira de se lidar com um tecido até problemas pessoais. O Projeto Esperança, que faz parte da ONG internacional Jovens com uma Missão, JOCUM, cuida da área social, responsável por pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica da região. Já que o bairro, de acordo com os dados da Coordenadoria de Análise e Planejamento Estratégico (Cape), faz parte das estatísticas dos 35% de homicídios dolosos que aconteceram na capital em 2015. Sendo considerado o quinto mais violento, com 17 mortes naquele ano. Extraídos do Boletim de Ocorrência Unificado (BOU), foram 220 fur Vinícius Costa Pinto
Regina Resende, coordenadora do projeto, relembra o início, em 2002.
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educação
Vinícius Costa Pinto
tos e roubos decorridos no primeiro trimestre deste ano, 2016.
Perspectiva Regina Resende, coordenadora do Projeto Esperança, exemplifica esses dados: “Trabalhando aqui há mais de dez anos eu via que no início não tinha rua asfaltada. Hoje já vemos a mudança das ruas asfaltadas, escolas, transportes. Existem centro esportivo e outros projetos na comunidade. Mas ainda é bem difícil essa questão de droga, de violência. Adolescentes e jovens, que a gente vê que precisam de um trabalho nessa área”. De acordo com a coordenadora, outro problema agravante à situação é o da desestrutura familiar. Fazendo com que os voluntários saiam
das salas e façam visitas a cada quinzena na casa dos matriculados para verificar como está a situação das crianças. Apesar de não possuir mensuração dos dados concretos referentes aos casos, ela afirma: “Nós encontramos muitos pais alcoólatras, recebemos meninos que falam que os pais estão envolvidos com o tráfico de drogas, isto é comum. Tinha uma família que nós acompanhamos há uns quatro anos. O pai abandou por causa da bebida. O menino de 14 anos já está envolvido com drogas. Nós levamos a família para a casa da Cohab. A filha está no curso de música, a mãe às vezes vem para cá. Nós conversamos bastante com as crianças”. A coordenadora afirma que a situação do bairro melhorou devido às múltiplas ações da prefeitura e de outras ONGs, mas
“É bem difícil essa questão de droga, de violência. Adolescentes e jovens que a gente vê que precisam de um trabalho nessa área.” Regina Resende, coordenadora do Projeto. 96
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o
educação
ainda falta um longo processo a ser trilhado para que as coisas fiquem melhores.
Parcerias A organização funciona a partir de parcerias com outras instituições, como o Colégio Bom Jesus; a Primeira Igreja Batista (PIB); a norteamericana Sheltering Wings, uma fundação cristã que tem como objetivo fazer com que seus missionários façam trabalhos sociais pelo mundo; a igreja holandesa protestante Kerk; a Help Poor People, projeto de costura para pessoas consideradas em situação financeira baixa. Além do desconto nas contas de água e energia elétrica, pelo governo estadual. Cada uma das instituições parceiras fornece ajuda por meio de materiais: as máquinas de costura usadas nas aulas são enviadas da Holanda pela Kerk. A Primeira Igreja Batista fornece ajuda pelos voluntários do projeto Espaço Música e Vida, que foram convidados para ensinar teoria musical, canto, coral, e orquestra de cordas. Na casa de artesanato, corte e costura, a voluntária Clara de Oliveira, que trabalha há 13
anos na organização e agora atua há dois anos como coordenadora na área de costura, diz que anteriormente este espaço era utilizado para a alfabetização de crianças que não estavam matriculadas em instituições formais de ensino, mas com a mudança social a sala foi remodelada para receber mulheres aposentadas que se dedicam a trabalhos manuais. Para Clara, o ambiente é terapêutico, “aqui a gente conversa, ri, interrompe para conversar. Não é só costura, é um todo. Muitas mulheres chegam aqui com depressão e melhoram devido ao relacionamento”. A aluna Iracema Araújo confirma – “Clima de família e amigos. Para mim isso aqui é uma terapia, além de ajudar outras pessoas gera uma satisfação muito gratificante”. Além de receber ajuda o projeto também visa prestar auxílios a outros missionários do JOCUM. Como é o caso de Camilo Henriquez, 24 anos, missionário chileno, que trabalhava no Chile em uma escola de aconselhamento, que tem como objetivo amparar psicologicamente pessoas que sofrem qualquer tipo de abuso, muitos deles a violência contra a mulher e abusos sexuais. Está no Brasil para Vinícius Costa Pinto
Na casa de artesanato, corte e costura, as aulas são uma terapia em grupo.
Jornalismo PUCPR Revista CDM 97 Jornalismo PUCPR Revista CDM 97
educação
Estudando depois dos 40
Estudar é muito mais que um sonho. Nos dias de hoje, é essencial. Enquanto para algumas pessoas voltar para a sala de aula pode ser assustador, muitos encaram esse desafio em busca de realizar seus objetivos Reportagem de Caroline Ribeiro, Guilherme Oliveira, Guilherme Zuntini e Larissa Camargo
I
ngressar na universidade não é exclusividade de quem acabou de concluir o
ensino médio. Cada vez mais gente está entrando na faculdade depois dos 40 anos, correndo atrás do tempo perdido sem se importar com a idade. Há quem faça vestibular mais tarde para realizar um sonho antigo, que pode significar o primeiro diploma de nível superior ou uma segunda graduação. A ideia de que vivemos em uma “sociedade do conhecimento” faz com que muitas pessoas voltem a estudar, fazendo cursos para complementar a formação inicial, buscando uma nova área de
Dos cerca de 7,1 milhões de universitários brasileiros, mais de 641 mil têm entre 40 e 59 anos. A maioria desses estudantes mais maduros – 505 mil, aproximadamente – está matriculada em faculdades privadas. Leonice Moraes, 54 anos, é estudante de Enfermagem na Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e se diz confiante com essa nova etapa de sua vida. “Na minha sala, todos são mais velhos. A pessoa mais nova tem 28 anos. Eu não me sinto deslocada. Pelo contrário, as pessoas têm um certo respeito. Tenho credibilidade. Atuo como técnica em enfermagem há dez anos, sei
Mais de 641 mil universitários brasileiros tem entre 40 e 59 anos
conhecimento ou de profissionalização. Um diploma de nível superior certamente aumenta as chances de turbinar a carreira, conseguir um cargo melhor, assumir mais responsabilidades e aumentar a remuneração no fim do mês. No Brasil, fazer uma faculdade pode significar um aumento de em torno de 150% no salário, segundo relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 98
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como funciona a profissão e muitos valorizam isso. Enfrento dificuldades para acompanhar certas coisas, como ter que fazer trabalhos digitais, entregar arquivos pela internet, mas já estou me adaptando. Vejo isso como um processo de amadurecimento.” O mais recente Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) revelou que, em
educação
Eduardo Oliveira
Aos 42 anos, Sandro decidiu cursar Antropologia na Universidade Federal do Paraná.
Depois que terminar o curso, ele pretende continuar estudando. apenas dois anos, entre 2011 e 2013, o número de alunos com mais de 40 anos nas instituições de ensino superior aumentou 27,7%.
Em busca de novos desafios Sandro Mansur tem 42 anos e começou a estudar antropologia porque acreditava que havia a necessidade de se formar em um curso superior. Ele acredita que um diploma pode melhorar significativamente sua qualidade de vida. O estudante não encontra dificuldades no processo de aprendizado, mas acredita que se relacionar com os outros estudantes é díficil. A diferença de idade e estilo de vida são fatores que tornam difícil puxar um assunto com os colegas, por exemplo. “Uma das coisas que eu acho que eu vou encontrar dificuldade é na questão da idade. Sair da faculdade depois dos
40 e entrar no mercado de trabalho é muito mais difícil do que com 20 anos.” Mas Sandro não deixa que essas dificuldades atrapalhem a sua determinação de continuar estudando. Depois que terminar o curso de antropologia, ele quer se especializar na área. No caso de Giedre Alves, 43 anos, o sonho do curso superior acabou sendo deixado para depois por conta de alguns acontecimentos pelo caminho. “Eu sempre tive vontade de fazer faculdade, mas eu fiz o caminho inverso. Casei muito cedo e logo engravidei, e com a chegada de um filho, precisei deixar meus planos para outro momento.” Hoje, Giedre cursa o quarto período de Direito no Centro Universitário Campos de Andrade (Uniandrade). Começou a ter contato com a área quando trabalhou Jornalismo PUCPR Revista CDM
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educação
como estagiária em um escritório de advocacia aos 17 anos e, desde então, nunca se afastou da profissão.
Uma nova vida na universidade Mas além de toda a vontade necessária para ingressar em um curso de graduação, existem alguns obstáculos. Para Giedre, o maior problema é o tempo. “Acordo todos os dias às 5h30 da manhã, faço as minhas coisas e vou para o escritório [de advocacia], onde trabalho, e de lá vou direto para a faculdade”, conta ela. Ronildo Pereira de Oliveira conta que o seu maior desafio em fazer uma faculdade já aos 41 anos é o estágio obrigatório, pois segundo ele, parece que soa estranho ser chamado de estagiário, ter que entrar na sala de aula e ver crianças tão “bagunceiras”, mas não chega a ser um problema, explica ele.
Hoje, aos 41 anos, ele cursa matemática em uma faculdade a distância. 100
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O estudante já tentou cursar Gestão Pública antes, mas acabou desistindo por não se identificar com o curso. Agora estuda Matemática e está muito feliz nesta nova etapa de sua vida. “Comecei a fazer a faculdade tarde porque antes não tinha tempo de estudar. Minhas prioridades eram o trabalho, filhos e família. Hoje percebi que estou mais focado, mais tranqüilo para estudar. Aquela preocupação com família está mais atenuada”, conta o estudante. Ednéia Regina Rossi é professora na Universidade Estadual de Maringá e atua no Departamento de Fundamentos da Educação e no Programa de Pós -Graduação em Educação. Ela conta que a flexibilidade nas modalidades de ensino pode estimulam pessoas mais velhas a voltarem a estudar. A educação a distância
Quando era mais novo, Ronildo não teve tempo para a universidade.
Ronildo Pereira
educação
tem sido um opção para muitas pessoas de mais idade. Atualmente, tem aumentado também a procura pela segunda graduação. Pessoas que se formaram, trabalharam e estão em fase de se aposentar, estão buscando os bancos escolares novamente. “Acredito que o aumento na expectativa de vida e também uma geração que tem passado por muitas mudanças, não querem parar. Querem continuar ativas e produtivas”, explica a professora.
Coração de estudante Entrar na faculdade depois dos 40 anos pode ser bem gratificante Turbinar a carreira Quem já está no mercado de trabalho e ocupa posições de nível técnico, encontra na faculdade uma qualificação que pode elevar seu nível profissional e, consequentemente, o salário
Mudar de profissão Fazer uma faculdade pode ser o primeiro passo para quem deseja partir para outra carreira, seja em uma área semelhante ou completamente diferente da atual.
Fazer a faculdade dos sonhos Seja por pressão ou necessidade, algumas pessoas deixam de lado sua verdadeira vocação ao escolher a primeira faculdade ou entrar no mercado de trabalho. Nunca é tarde para retomar os estudos e dedicar-se a uma área com a qual tem mais afinidade.
Voltar para o mercado de trabalho Fazer uma faculdade abre portas, amplia a rede de contatos, atualiza os conhecimentos, qualifica o profissional e tem impacto positivo perante os recrutadores: demonstra força de vontade e determinação por parte do candidato.
Wander Oliveira , tem 53 anos e é professor e Wander Oliveira escritor, e escreveu seu depoimento sobre o sonho de se tornar médico no futuro
Da sala de aula ao consultório
“Desde a mais tenra infância fui fascinado pela medicina. Aos 6 anos dissecava pintinhos que haviam morrido em nosso quintal. Sempre li tudo sobre medicina e queria ser médico. No entanto, por razões alheias à minha vontade, tomei outro trajeto na minha formação. Mas o sonho não morreu, nem morrerá. Agora, já às vésperas de me aposentar como professor de Língua Portuguesa, vejo uma oportunidade de retomar meu sonho. Tenho estudado as matérias que sei que o vestibular de Medicina exige (Biologia e Química, principalmente). Percebo que hoje posso aprender mais facilmente que quando era adolescente. Procuro recorrer a todos os recursos possíveis, como livros, videoaulas, softwares das disciplinas, apostilas, sites. Também procuro resolver questões de vestibulares e converso com meus alunos a respeito. Eles estão entre meus maiores incentivadores. Minha família é minha maior incentivadora. Sei que a idade não é o limite, pois se o corpo aparenta estar envelhecendo a mente, quando exercitada, se torna cada vez mais capaz de acumular informações. Assim, confio no potencial de meus neurônios e de minha vontade de conquistar meu mais antigo sonho. Um dia serei o médico com que sonhei.”
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Religiosas e
feministas?!
A realidade de mulheres que lutam para conciliar dois conceitos aparentemente contrapostos Daniela Borsuk e Grasili Farias
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Gênesis 2:18. “Então o Senhor Deus declarou: “Não é bom que o homem esteja só; farei para ele alguém que o auxilie e lhe corresponda”.
“N
a vida das pessoas, especialmente das mulheres, eu vejo que a religião contribui para manter a ideia de que a mulher está, de certa forma, abaixo do homem, o plano de Deus é que elas mantenham o casamento a qualquer custo e sem reclamar.” É assim que a estudante Paola Favoreto de Souza Bueno, de 22 anos, frequentadora da Igreja Batista, se sente a respeito da herança cultural de sua religião. A jovem não está sozinha, e compartilha desse mesmo sentimento com outras mulheres adeptas do feminismo, como Vivian Santos*, Luana Mendes e Brisa Mar Piaskoski. Religiosas desde que se entendem por gente, optaram por defender causas feministas sem deixar de seguir seus dogmas. Em um primeiro olhar, o discurso é certo: feminismo não tem nada a ver com religião. A discussão surge, geralmente, do senso comum de que as duas definições são excludentes e não se adaptam à nova realidade da mulher na sociedade. De um lado encontramos feministas que não aceitam seguir os dogmas de religiões que, segundo elas, tendem a minimizar o papel da mulher e suas vontades, de outro lado religiosos que acreditam que homens e mulheres têm funções distintas. Na contrapartida do senso comum, Brisa Mar Piaskoski, estudante de 22 anos, busca dentro da umbanda, religião da qual é fiel, abrir espa
Lucas Nogas
* Vivian Santos é um nome fictício, usado para preservar a identidade da entrevistada que não quis se identificar. Jornalismo PUCPR Revista CDM
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ço para o feminismo com histórias da própria religião, que, segundo a estudante, é esquecido
anos, que diz ter afinidade com as questões defendidas pelo movimento. “Eu sou católica,
pelo aspecto cultural da sua crença e a sociedade onde ela está presente. “Quando falamos sobre as histórias empoderadoras das entidades femininas e orixás femininos, fica mais fácil abrir os olhos, digamos assim. Em um texto recente que li, algumas teólogas usam a figura das pombagiras como mulheres empoderadas, que lutavam contra os padrões impostos pela sociedade antiga, outras trazem em suas histórias a dor e as cicatrizes da sociedade machista”, conta a jovem.
frequento a igreja, sim. Mas há muitas coisas do feminismo que me representam, como o fato de a mulher ter liberdade, poder decidir por ela mesma o que quer. E, também, sobre a mulher moderna de hoje em dia não querer casar nem ter filhos, algo que não é bem aceito na igreja e o que o feminismo aborda. Aceitar as mulheres e inseri-las na sociedade.”
Os primeiros registros de textos sagrados fo-
A estudante Vivian Santos, de 18 anos, é mórmon, e acredita que a relutância na aceitação do feminismo dentro das religiões se deve mais ao preconceito disseminado dentro das insti-
“Vivemos hoje uma revolução cultural e a teologia feminista é parte dessa revolução.” - Edile Fracaro Rodrigues, teóloga ram escritos há mais de 3.500 anos. Já o termo “feminismo” é mais recente, e surgiu a partir de movimentos como o sufrágio feminino, que
tuições do que ao próprio conceito religioso. “Já passei por diversas situações em que não concordava com o que era pregado, não em
tinham como objetivo o direito ao voto pelo público feminino e que ganhou força no Reino Unido no fim da década de 1890. Além disso, o movimento também buscava direitos legais e independência financeira. A luta por direitos igualitários entre os gêneros ainda é a principal pauta do feminismo. Inconformadas com as diferenças entre homens e mulheres, muitas decidiram lutar pela sua liberdade de escolha, ação que acabou se intensificando com o passar dos anos.
relação ao que era estabelecido pela crença, mas por líderes que acreditavam que aquilo que diziam era o ‘certo’, e que para mim não era”, explica.
É o caso da jornalista Luana Mendes, de 23 104
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O teólogo e pastor da Igreja Adventista Richard Figueredo Teixeira, de 36 anos, afirma que a bíblia não evoca a bandeira do feminismo. “Biblicamente, a igreja vê o feminismo com restrições. Apesar de o mundo moderno e ascensão das mulheres no mercado social, a igreja tem mais tendência bíblica sobre o papel da mulher. Vemos o papel da mulher com
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maior relevância dentro da educação e cuidado dos filhos. Isto hoje em dia soa como ‘machismo’, porém são princípios bíblicos.” Já a teóloga e professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Edile Maria Fracaro Rodrigues, 54, acredita que é possível que haja um diálogo, e que as mudanças já estão sendo percebidas dentro das instituições religiosas. “Na minha visão, Jesus emancipa as mulheres, pois vemos a relevância
das mulheres no seu ministério e na propagação do evangelho. Vivemos hoje uma revolução cultural e a teologia feminista é parte dessa revolução. Em 2013, o papa Francisco em uma entrevista ao jornal jesuíta italiano La Civiltà Cattolica, afirma a necessidade de ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja. Esse repensar sobre os conceitos religiosos em favor da dignidade feminina sinaliza um novo momento na história da igreja cristã”, finaliza.
Grasieli Farias
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Apesar da grande miscigenação de raças existente no Brasil, o preconceito com a população negra ainda é muito grande Réporter: Letícia Joly
M
esmo com a visível miscigenação racial no Brasil, o preconceito com a população negra ainda é recorrente. A relevância e a aceitação do cabelo afro ainda é um assunto muito delicado. Infelizmente, muitas crianças crescem com a autoestima abalada devido a uma constante cobrança interior para se encaixar no padrão que a sociedade cultua e impõe.
suposto “defeito”, e em sua grande maioria passam a vida fazendo procedimentos que mudam sua própria condição física natural. Existe atualmente uma significativa falta de informação. O cabelo crespo é quando os fios são espiralados desde a raiz, o que faz com que não formem cachos simétricos, o tornando mais cheios e volumosos.
“A sociedade é preconceituosa em relação à oportunidade e espaço para desenvolvimento das pessoas.” Sandro Luis Fernandes, sociólogo É o que revela um experimento feito em 2006, pela pedagoga Roseli Martins, que comprovou a preferência infantil por bonecas brancas, loiras e de cabelo liso, quando confrontadas com bonecas negras, de cabelo escuro e crespo. A imposição cultural faz com que a população negra enxergue o cabelo crespo como um 106
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A jornalista Jéssica Barbosa revela que faz apenas um mês que resolveu assumir seu cabelo crespo por não gostar mais de utilizar secador e chapinha todas às vezes, mas principalmente por “sentir uma louca vontade de deixá-lo natural”, diz. Jéssica conta que a maioria de seus amigos e
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sua mãe a apoiaram efetivamente a assumir seu cabelo afro, no entanto, ela passou por algumas situações preconceituosas. “As duas que me vêm à cabeça são quando um amigo meu me viu na rua e tirou sarro do meu cabelo quando eu estava com ele bem curto, logo quando eu fiz o grande corte e tirei toda parte lisa. Ele disse que ficou horrível e falou muitas coisas negativas, que acabaram comigo! Cheguei em casa chorando. A outra situação que eu me lembro foi na academia esses tempos. Meu cabelo está crescendo e eu não costumo arrumar ele todo santo dia. Nesse dia, um grupo de meninos estavam rindo de mim e eu percebi porque eles não disfarçaram e olhavam diretamente pra mim. Eu fiquei muito constrangida, mas ergui a cabeça!”, pondera.
locais que focassem nesse padrão. “Por falta de espaços e de representatividade que cuidassem de mim e da minha estética, eu fui levada para a profissão. Com o passar do tempo, e ao longo dos anos, eu fui percebendo que isso era uma demanda”, afirma Débora. O sociólogo Sandro Luis Fernandes alega que o preconceito racial permeia o âmbito social de uma maneira histórica desde que os negros vieram para o Brasil e também no acontecimento da abolição da escravatura. Desde então, os afrodescendentes sofrem discriminação em vários pilares sociais, culturais, econômicos, entre outros. No mercado de trabalho não é diferente. Fernandes exemplifica a diferença racial citando profissões, “se você olhar algumas profissões, você vai ver que raramente
“Vivemos em uma sociedade na qual a aceitação de traços culturais de afirmação negra infelizmente são reprimidos.” Vitor da Rosa, estudante A supervalorização do cabelo liso afeta dire-
médico é negro, por exemplo, enquanto você
tamente a autoestima, uma vez que, o cabelo crespo, em suas diferentes formas, atinge esse paradigma. Esse assunto refere-se principalmente às mulheres devido à maior cobrança social e cultural. Uma análise realizada pela equipe de reportagem da CDM constatou que existem apenas quatro salões de beleza focados na beleza negra em toda a cidade de Curitiba.
vai encontrar muitos frentistas de posto de gasolina ou pedreiros negros. A sociedade é preconceituosa em relação à oportunidade e espaço para desenvolvimento das pessoas. Olha a quantidade de garis negros e a quantidade de professores negros”, reitera.
Em um desses salões, Débora Caroline Pereira é proprietária e trançadeira. Ela é especialista da estética negra há dez anos e se dedicou a esse ramo justamente pelo fato de não haver
A partir do momento que influencia diretamente a qualidade de vida da população negra, a aceitação do cabelo afro não é apenas uma questão ética, mas política e cultural. Dados publicados pela pesquisa Estatística de gênero, do Instituto Brasileiro de Geografia e EstatisJornalismo PUCPR Revista CDM
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tica (IBGE), evidenciam a baixa autonomia econômica das mulheres negras no mercado de trabalho. A taxa de atividade é maior entre as mulheres brancas, 56,2%, frente a 53,1% das mulheres negras. Uma das profissões analisadas na pesquisa é a de empregada doméstica sem carteira assinada, 62,3% das mulheres empregadas que ocupem esse cargo eram negras e 36% eram brancas. A pesquisa conclui que, apesar de as mulheres terem aumentado sua participação no mercado de trabalho nos últimos dez anos, ainda há uma grande diferença entre o trabalho de mulheres negras e brancas.
nidade afrodescendente através de eventos, seminários e discussões. Segundo a Lei 1905 de 24 de novembro de 1998, é proibido o uso da “boa aparência” como exigência para a admissão de novos funcionários. Infelizmente a prática é bem diferente da teoria, quando as agências de recursos humanos utilizam a aparência física como critério de contratação de empregados. Vitor defende para que cada vez mais os negros assumam suas raízes e faz um apelo: “negros, não escondam seus cachos! Não se adaptem a sociedade, façam com que ela se adapte a nós”, declara.
Vitor da Rosa, estudante do curso de licenciatura e bacharelado em dança da Faculdade de Artes do Paraná (FAP) e bailarino, se mostra desconfortável com relação a situação dos negros, que ainda se submetem a mudanças de perfil físico e comportamental para se adequar a setores do mercado. “Vivemos em uma sociedade na qual a aceitação de traços culturais de afirmação negra infelizmente são reprimidos. A inserção do negro no mercado de trabalho por necessidade de uma sociedade capitalista faz com que esse processo de afirmação cultural diminua gradativamente”, afirma. O Conselho Municipal de Política Étnico Racial (Comper) de Curitiba, organização que tem por finalidade garantir, promover, proteger e defender os direitos humanos da comuGiulie Carvalho
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A dança como apoio do orgulho negro Como o movimento hip-hop foi conquistando espaço no Brasil O hip-hop chegou ao Brasil no início dos anos 1980. Nesta época, os jovens brasileiros da periferia das grandes cidades arriscavam seus primeiros passos de break de forma bem espontânea, copiando o que se via
dade artística e afirmação e ponto de vista social. O negro se reafirma ao saber que tem poder. O hip-hop é poder”, diz. Jéssica Barbosa, jornalista, declara que sempre foi
Desde então, o estilo foi conquistando cada vez mais espaço, não só como forma de dança, mas também de empoderamento negro e crítica social. Vitor da Rosa, que faz parte deste movimento, afirma que o hip-hop é uma cultura de manifesto social que se ramificou e foi ganhando
apaixonada por esse movimento, principalmente pelo fato da ‘não segregação’, mas da união de cores, credos e classes. “É algo que une as pessoas. É um movimento no qual o negro tem voz! Onde você pode ser como quiser. As pessoas não vão te julgar se você chegar com um cabelo black power no rolê, elas vão te aplaudir. Enfim, o hip-hop é algo que nasceu no gueto e transmite
cada vez mais espaço, até mesmo em extremos: dos guetos aos espaços de arte. Além disso, é uma forma de se reafirmar e encontrar identidade cultural e civil. “O negro através do hip-hop tem um contato com suas raízes africanas. Essa cultura nasceu no confronto que aflora uma maturidade de sensibili-
uma mensagem não só pra quem é da periferia, mas para o político, para o branco, para o playboy e assim vai”, conclui. Atualmente no Brasil há inúmeros grupos de hip-hop que lutam pela representatividade dos negros, principalmente com a inserção da música em suas manifestações artísticas.
em filmes norte-americanos que disseminavam a cultura negra.
Giulie Carvalho Jornalismo PUCPR Revista CDM
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Mundo dos
brechós Roupas ditam moda, marcam épocas e também contam muitas histórias Gabriela Marques
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odo mundo tem aquela blusa feita pela bisavó, uma jaqueta de couro comprada em alguma viagem ou um par de tênis que foi presente de alguém especial, itens que certamente fariam falta caso não estivessem dentro do guarda roupa. Mas, com o consumismo exacerbado e amplamente difundido, não é de se espantar que muitas roupas se tornem vazias de algum significado especial. Vazias por não terem sido usadas, ou quando vestidas, não terem participado de um momento importante. Essas são aquelas que
eram peças usadas, Sueli chegou a se espantar, mas isso não a impediu de se tornar cliente fiel. Aos poucos, ela foi se transformando de consumidora em revendedora, e, por fim, dona de um negócio, localizado à Rua Riachuelo, que além de gerar uma renda extra, trouxe a profissão que Sueli tem até hoje.
ficam trancadas no armário até mofar. Bom seria se isso acontecesse somente com roupas, mas sapatos e acessórios também sofrem deste mal.
abriu uma loja de roupas usadas que estava dando certo. Reginaldo decidiu tentar esse novo mercado e convidou sua irmã para ajudá-lo desde o começo. A loja apertada com apenas uma porta, se transformou em uma rede de brechós atualmente subdivididos em: masculino, masculino social, feminino e arti-
Quando uma peça se torna “vazia”, é hora dela ir ocupar o espaço em outro lugar. E para isso existem os brechós. Os brechós são ambientes peculiares, e apesar de soar um lugar antigo, com o passar dos anos, essas lojas foram tomadas por artigos de pouco ou quase
Já para Rosângela Franco, o brechó veio por meio do seu irmão, Reginaldo Franco. Era uma época em que ele pretendia investir em algum comércio, mas não sabia onde aplicar seu dinheiro. Foi então que um conhecido
“Nos últimos cinco anos, o seguimento dos brechós cresceu 210% no Brasil.”
nenhum uso. Sem Dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). falar nas marcas caras e famosas, gos para casa. Todos concentrados na mesma que também fazem parte dos itens vendidos. região, no bairro São Francisco. Para quem tem um, o brechó é uma solução, Tatiana Verges também encontrou o que hoje mas para os frequentadores, a loja de usados é sua renda e ocupação principal quase que também é uma boa opção. Sueli Siqueira Soapor acidente. Uma amiga tinha aberto um res, conheceu brechós por acaso. Em um dia, brechó que vendia artigos infantis e femininos, andando próximo à Rodoviária de Curitiba, encontrou um lugar que vendia peças bonitas, porém, não estava mais satisfeita com a ala fede grifes caras e por preços relativamente abai- minina e decidiu vender. Tatiana e seu esposo, xo do normal. Quando o vendedor contou que Magno Verges, decidiram abraçar o desafio e se transformaram em empresários das roupas. A Jornalismo PUCPR Revista CDM
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moda
loja, que tem sede nas Mercês, deu certo e um ponto só já não era mais suficiente. Hoje Tatiana tem duas lojas e, além disso, ainda exerce outra função fora do horário comercial.
brechós, precisa ter um bom plano de negócio, porque é isso que vai possibilitar a rentabilidade da empresa. Em alguns casos, a margem de lucro de um brechó pode ser maior do que uma loja de franquia (vinculada a alguma marca), já que as peças são compradas por preços inferiores.
Há quem pense que ter um brechó é como revender roupas novas, mas essas mulheres garantem que não. A compra e venda baratas, O que fazer com as roupas a localização estratégica e a qualidade das peças faz com que as proprietárias não tenham tantas Cambiar roupas é uma alternativa para quem preocupações com o condomínio do shopping tem aquela peça que já não usa mais e está em busca de algo que possa ser mais útil no dia a dia. center ou as notas promissórias do novo lote Apesar de serem compradas por preços baixos, de roupas. No brechó, a compra de produtos os produtos também são vendidas por valores pode ser feita a vista ou na base de troca. razoáveis. Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), nos últimos Apesar de o ato de vender e comprar de brechós ter se tornado mais popular, ainda existe preconcinco anos o seguimento de brechós cresceu 210% no Brasil e o economista Marcelo Cura- ceito quanto à origem das peças. Para alguns, a do explica que esse aumento tanto nas vendas, palavra brechó ainda é sinônimo de velharias ou quanto na abertura de estabelecimentos como produtos que não podem ser mais utilizavéis.
Os ícones sapatos de salto também fazem parte do acervo dos brechós. esse, é reflexo de uma consciência maior do consumidor. Além de se preocuparem com a sustentabilidade para o planeta, a crise economica também fez com que os clientes buscassem alternativas sustentáveis para o bolso. Além disso, o setor de vendas, principalmente de vestuário, também é gerador de empregos. Quanto ao empresariado, o economista explica que quem decide entrar no setor de 112
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Muitos temem usar uma roupa que foi vestida por alguém que já morreu. Rosangêla, Sueli e Tatiana contam que não é bem assim. Hoje, se podem encontrar em brechós itens que acabaram de ser lançados no mundo da moda. Pois, na maioria das vezes, as peças chegam até a loja por pelos próprios donos das peças. “Gostei na loja, mas quando cheguei em casa não gostei mais”, “Ganhei no meu aniversá-
Gilmar Montargil
moda
rio, mas não serviu” e “Engordei e agora ficou pequeno”, são frases ouvidas frequentemente pelos donos de brechós. Tatiana avalia peças na sua loja das Mercês e, em alguns casos, vai até a casa do cliente para analisar os guarda-roupas alheios. Cada novo item tem sua história. Uns vieram de gerações, outros do exterior e outros nunca saíram muito longe do espelho. Por se tratarem de produtos usados, as lojas de brechó precisam de um cuidado a mais com a limpeza e higiene das peças. Rosângela conta que existem fornecedores que trazem as roupas limpas; algumas até com cheiro de amaciante, mas sempre tem aquelas que precisam ser lavadas. Por isso, é feita uma triagem do que precisa ou não passar pelo procedimento de limpeza. Depois do crescimento de todos os setores da loja, hoje, além de brechós, a família de Rosângela também possui uma lavanderia própria, de modo que todas as roupas estejam em condições iguais ou parecidas de quando foram compradas pela primeira vez. Tatiana ainda não montou sua lavanderia empresarial, mas também separa o que precisa passar pela água e o que não precisa, leva para casa e ela
mesma deixa todas as peças limpas. A designer de moda Tatiana Reis conta que aprecia o trabalho dos brechós e que costuma frequentá-los. A moda ciclica, como ela chama, faz com que essa atividade comercial seja ainda mais valorizada, pois aquilo que é mais antigo pode fazer parte do vestuário, pois o que era moda nos anos 80 e 90 está voltando às ruas. Quanto aos produtos novos, a especialista não tem dúvidas de que podem e devem ser utilizados. A oportunidade de usar uma peça única, nunca sai de moda. A clientela não se limita a anônimos. Sueli já conheceu atores e atrizes de horários nobres da televisão brasileira, por causa de visitas voluntárias que os famosos fizeram a seu brechó. Mas ela não e a única, Rosângela também já recebeu celebridades em sua loja. Por isso é que Tatiana fala com propriedade: “Brechó não é lugar de quem não tem dinheiro, mas de quem não tem dinheiro para jogar fora”. Curitiba hoje possui cerca de 30 brechós espalhados pela cidade e, dentro deles, milhares de histórias esperando para ser vivenciadas novamente, procure uma para você. Gilmar Montargil
Cliente procurando peça no Brechó São Francisco.
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Consumo, logo existo
O consumismo é o mal do século, e é incentivado diáriamente pela sociedade. E você, sabe controlar os seus gastos? Bruna Kurth, Érika Lemes, José Luiz Moreira, Laís Holtzmann e Marina Bittencourt Cardoso
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odo o dia 10 é assim: a fatura do cartão de crédito chega e, com ela,
mais dores de cabeça. Jonathan Alves, o John, 20 anos, estudante de Publicidade e Propaganda da PUCPR, já perdeu as contas de quanto está a dívida com seus pais. Gastar, para ele, tornou-se sinônimo de compulsividade. A possibilidade de ter um cartão de crédito em mãos é uma falsa ilusão de que o saldo é praticamente infinito. “Eu mesmo prefiro nem olhar minha fatura on-line durante o mês, dei-
xo para me preocupar apenas quando a fatura chega, então acaba ficando muito mais fácil se endividar porque o controle é muito baixo”, relata. Como estudante de Comunicação, o jovem está ligado às novas tendências de mercado e principalmente de como a publicidade pode influir no consumo constante. John acredita que a publicidade em geral não dita seus hábitos de consumo, até porque seus gastos não estão ligados a coisas que estão em evidênBruna Kurth
“Se eu tivesse mais dinheiro eu compraria mais, aí talvez eu seria uma consumista de verdade”, - Mariza Gonçalves, prestadora de serviços 114
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comportamento Bruna Kurth
As redes sociais facilitam o acesso às compras online. cia, mas, sim, com seus gostos e preferências Mariza parece não se incomodar ao assumir pessoais. seu desejo excessivo de compra – especialmenAo contrário do estudante, a prestadora de ser- te de roupas. “Eu olho na revista ou internet e já quero. Se não sei onde tem para comprar, viços gerais, Mariza Gonçalves Leite, 38 anos, dou um jeito e vou atrás me informar onde concorda que a publicidade, de certa forma, vende. Quem que não gosta de se vestir bem, influencia nos seus hábitos de consumo. Mas não é? Eu gosto de me vestir bem e amo como que parece ditar são mesmo as redes sociais. prar roupas. Sempre compro, mesmo deixando “Geralmente, o que me influencia é o Faceuns meses guardadas. A verdade é que gosto de book. Encontro bastante coisa no Clube da comprar”, confessa.
“A roupa do ano passado não serve mais, o celular já não está tão rápido e o carro está ficando velho.”- Leonardo Araújo, psicólogo e coach. Alice. Durante o trabalho, estou sempre dando uma olhadinha, para ver o que as meninas estão postando lá. Já comprei várias coisinhas”, declara.
Na fatura do cartão de John, os maiores gastos são com vida noturna, lazer e alimentação. “Muitas vezes eu passo do limite. Por morar em São José dos Pinhais, certa vez, estava Jornalismo PUCPR Revista CDM
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voltando da balada um pouco mais alterado do que o normal, e a corrida do táxi me custou R$ 500. Lógico que o taxista me passou a perna, mas não tive outra alternativa a não ser aceitar que foi por pura falta de atenção e bom senso”, conta. Embora os gastos extrapolem o seu orçamento, John conta que nunca deixou de comprar, todavia, já viu a necessidade de reduzir os gastos para poupar outras coisas. “Quando preciso dar uma economizada para guardar dinheiro para algo que eu queira comprar, o primeiro gasto que eu reduzo é na alimentação. Assim, dá para poupar um pouco e reservar para algo que eu queira”, enfatiza. Para a mãe do estudante, Neide Alves, os gastos do filho passaram de todos os limites e, agora, é necessária uma política de reeducação econômica acima de tudo. “Eu falo com o John que se as coisas continuarem do jeito que estão, muita coisa precisará ser modificada. As faturas já chegaram a ultrapassar R$ 2 mil em um só mês. Já passou da hora dele refletir sobre seus gastos”, conta.
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Mariza afirma já ter se endividado e sofrido horrores para pagar a fatura do cartão. “Se eu tivesse mais dinheiro eu compraria mais, aí talvez eu seria uma consumista de verdade. Porque eu costumo comprar mais ou menos o que posso gastar. Mas as vezes acontece de passar do meu limite e quando isso acontece eu me arrependo, pois percebo que me excedi um pouco, mas não é sempre”, finaliza.
UM OLHAR CLÍNICO Segundo o psicólogo e coach Leonardo Araújo, estamos em uma época em que você é o que você compra e o apelo pelo consumo é muito grande. “Vivemos um tempo em que bens de consumo ficam obsoletos muito rapidamente. Tendências de moda, inovações tecnológicas, carros. A roupa do ano passado não serve mais, o celular já não está tão rápido e o carro está ficando velho”, conta. De acordo com o psicólogo, há uma diferença entre ser consumista e ser um comprador compulsivo. “O consumista compra muitas coisas, mas tem certo controle. Já o comprador compulsivo faz muitas compras, muitas vezes
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desnecessárias, e entra em grandes dívidas por esse comportamento”, explica. Araújo afirma que quem compra por compulsão, compra porque está se sentindo deprimido, triste ou com baixa autoestima. Buscar um produto, pagar e adquirir a compra são momentos que geram uma infinidade de sentimentos, como se estivessem suprindo uma falta. Os sinais mais importantes do consumo em excesso podem ser o endividamento, o acúmulo de itens comprados, a necessidade incontrolável de ir às compras. Além disso, o compulsivo também tende a esconder as compras da família. Para o psicólogo, para curar do consumo excessivo, o primeiro passo é procurar uma ajuda especializada para tratar os aspectos emocionais e também financeiros. O consumo fora do controle pode estar associado a alguns transtornos psicológicos, como a ansiedade, bipolaridade, mitomania e TOC (transtorno obsessivo compulsivo). “Na terapia, são trabalhadas as questões emocionais visando a uma melhor qualidade de vida e bem estar. Nos aspectos econômicos é preciso procurar um contador, por exemplo, para fazer uma auditoria de suas contas e descobrir o que pode ser feito para sanar as dívidas”, finaliza.
Se não pagar nem o mínimo, ou seja, deixar a dívida rolar, depois de um ano a dívida será de mais de R$ 4 mil”, explica. Se você já tiver alguma dívida, e não dispor recursos para quitá-la de uma só vez, Bittencourt explica que o primeiro passo a tomar é ir até a agência do seu banco e solicitar um financiamento – cuja taxa de juros é menor –, além de não utilizar mais o cartão até conseguir cobrir a dívida. Agora, se você ainda não caiu nessa cilada, confira o boxe nesta página, com algumas dicas de como se educar financeiramente e garantir uma provisão futura.
Dicas finaneceiras
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Para quem usa cartão de crédito a dica é pagar 100% da fatura sempre, não deixar rolar dívida. O mesmo vale para o cheque especial, após cobrir, não utilizar mais.
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É preciso enquadrar o volume de gastos com o volume de ganho:
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As despesas não devem superar o salário.
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Ter um orçamento em uma planilha Excel (este software permite fazer gráficos e análises de onde está indo o dinheiro; pode ser num caderno também).
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Tomar medidas que evitem desperdícios e estabelecer metas de redução de gastos supérfluos – refeições fora de casa, internet, balada, combustível.
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Poupar, destinar uma parcela do salário para uma poupança dá uma segurança para todos e propicia a compra de um produto sem juros.
HORA DE POUPAR Para o economista e coordenador de Economia da Escola de Negócios da PUCPR, Jackson Bittencourt, o maior problema em se endividar está nos juros elevados. Ele lembra que quem costuma gastar – até mesmo o que não tem – não consegue poupar, ter uma previsão para o futuro, e dá um exemplo, “Uma dívida de R$ 1 mil, pagando o mínimo da fatura por um ano, apenas o mínimo de 15%, sem fazer mais compras, significa que, ao fim deste período, a dívida ainda será de aproximadamente R$ 700.
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Profissão: invisível Profissionais que trabalham às escondidas e transformam nosso dia a dia Nicole Leite Ariele Hosseini
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“Eu fico sossegado quando estou lá em cima, quando você faz seu trabalho com segurança, é tranquilho.” “escritório” de Israel Jesus fica a mais sempre atento ao clima no dia da instalação. de três metros acima do chão e tem “Nunca realizamos trabalho nos dias de chuva grades e esticadores espalhados por ou quando está ventando muito, porque há todos os lados. Ele trabalha como instalador um perigo muito grande e atrapalha o serviço”, de outdoors em Curitiba e Região Metropolidiz ele. tana, e conta que trabalhar perto do céu é tão O caminhão utilizado pelos trabalhadores tranquilo quanto trabalhar no chão. “Eu fico tem uma gaiola que possui todos os equipa-
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sossegado quando estou lá em cima, quando você faz seu trabalho com segurança, é tudo tranquilo. Também sinto muita adrenalina quando vejo que estou tão perto das nuvens.”
Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), 40% dos acidentes de trabalho no Brasil estão relacionados a quedas de trabalhadores em altura, sendo os estados do Paraná, Santa Catarina e São Paulo que apresentam a maior taxa de mortalidade. Para se proteger, Israel sempre usa os Equipamentos de Proteção Individual (EPI), além de estar 118
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mentos de segurança dentro, como os cabos com ganchos, e há também o braço mecânico acoplado, que leva o instalador até o local para efetuar a disposição do outdoor. Os cabos ficam presos nas costas do operário e na própria gaiola, evitando que o operário caia, o capacete e as luvas devem sempre ser vestidos, assim como os óculos de proteção. Enquanto o local de trabalho de Israel localiza-se nas alturas, Bety de Luna fica das 13 às 17 horas no subsolo da Biblioteca Pública do Paraná. Ela é especialista em conservação de bens
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culturais móveis e ama o que faz. “Trabalho há 28 anos com a preservação de obras artísticas. Antes, eu recuperava qualquer material, mas resolvi me especializar na área de conservação de livros. Fiz cursos e também aprendi técnicas com minhas antigas colegas de trabalho aqui da biblioteca.”
capa e contracapa. Nessa etapa, é utilizada uma cola especial feita exclusivamente pela equipe.
dos muitas vezes, então o desgaste é inevitável. Não temos condições de descartar um livro apenas porque a capa estragou ou está com as folhas soltas. Por isso, a recuperação é imprescindível.”
todo o conjunto é plastificado e pode retornar às estantes.
Com todas as folhas devidamente separadas e arrumadas, é hora de todas elas se juntarem em forma de livro, sendo costuradas com uma linha e agulha pela habilidosas mãos de Bety e sua equipe. É colocada uma página de papel Em média, são retirados 1.400 livros por dia sulfite grosso entre a capa e os blocos para na Biblioteca Pública, e Bety e seus sete colegas garantir a resistência e firmeza, e um tecido são responsáveis pela manutenção de todo esse de algodão nas bordas para flexibilidade. Se acervo. A equipe da especialista recupera cerca necessário, as cores da capa são retocadas ou de 140 livros por mês. “Os livros são empresta- então é produzida uma nova arte. Por fim,
O trabalho é todo feito à mão. Primeiro, o volume é totalmente desmanchado e colocado em um suporte apropriado para o manuseio. Depois de desmontado, é retirado com bisturi toda cola que sobrou nas páginas e na capa. Após essa etapa, as páginas são separadas uma a uma e são coladas tirinhas de papel de seda nas bordas interiores – onde serão grudadas na
Parece um processo muito simples, resumido em dois parágrafos, mas não é assim que realmente acontece. “Nós ficamos trabalhando em um livro em torno de cinco dias. É preciso respeitar o tempo de secagem das colas, da planificação das páginas e da própria costura em si. Todos os livros que chegam aqui são anotados no sistema da biblioteca, e, por exemplo, se existe apenas um exemplar e ele está aqui embaixo, o colocamos em prioridade máxima, para que o público não saia perdendo”, conta. Ariele Hosseini
Bety mostra como seu trabalho envolve muita paciência e habilidade nas mãos. Jornalismo PUCPR Revista CDM
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