ano 13 - edição 38
novembro de 2015
revista corpo da matéria CURSO DE JORNALISMO PUCPR
A rua é do povo De 2013 à 2015, emoção e luta ocuparam as ruas
o que te faz
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GREEN BELT
Corpo da matéria Ano 13 - Edição 38 - Novembro de 2015 Revista Laboratório do Curso de Jornalismo PUCPR Pontifícia Universidade Católica do Paraná R. Imaculada Conceição, 1115 Prado Velho, Curitiba PR REITOR
Waldemiro Gremski DECANA DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES
Eliane C. Francisco Maffezzolli
COORDENADOR DO CURSO DE JORNALISMO
Julius Nunes
COORDENADOR EDITORIAL
Julius Nunes
COORDENADOR DE REDAÇÃO/JORNALISTA RESPONSÁVEL
Paulo Camargo (DRT-PR 2569)
COORDENADOR DE PROJETO GRÁFICO
Rafael Andrade
Alunos - 6º Período Jornalismo PUCPR Amanda Lopes Ribeiro, Andressa Paola Elesbao, Crislaine Franco da Rocha, Debora Helena Dutra Ferreira, Eduardo Manoel Nogueira Soares de Souza, Evelise Kruger Muncinelli, Everton Luis Almeida de Lima, Fernanda Bertonha, Franceslly dos Santos Catozzo, Geane Godois Leite, Giovanna Kasezmark dos Santos, Glaucia Inocência Périco, Isabel Maria dos Santos, Isabella Santos Lanave, Jaderson de Almeida Policante, Jeslayne Magalhães Valente, Leonardo Ferreira Fonseca de Siqueira, Manuella Costa PIres, Marcio Luis Galan Junior, Monica dos Santos Seolim, Pedro Luiz de Almeida, Priscila Tobler Murr, Raphaela Pechini Viscardi, Renata Fernandes Valente, Thamiris Thibes Mottin, Thiago Miotto Vilas Bôas, Victor Hugo Mendes dos Santos, Victor Lucio Waiss
Imagem de capa: Isabella Santos Lanave - 6ºP Jornalismo
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Revista CDM Jornalismo PUCPR
POLÍTICA
A emoção que vai para as ruas
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COMPORTAMENTO
A mulher através das gerações
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SOCIEDADE
Casa 274
Club dos negros
Entre a tecnologia e as tradições
Da aldeia à universidade
Em busca dos desaparecidos
A herança quilombola
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CIDADES
52 56 Parklets 60 Smartphones facilitam a vida de passageiros 62
A rua dos curitibanos
Entre o medo e a agressão
ECONOMIA
Gastronomia na nostra terra
Mudar ou não mudar
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COMPORTAMENTO
Conexão mundo
Cozinha sobre rodas
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SAÚDE
Você come o que?
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CULTURA
Best seller, vilão ou mocinho?
A volta dos bolachões
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ESPORTES
90 96 Cicatrizes para a vida 100
Compartilhando sonhos
Pádel
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política
A emoção que vai para as ruas Diante do panorama histórico, cultural e social brasileiro, parte da população vai às ruas por diferentes causas e auxiliada pela tecnologia Texto: Manuella Pires Fotos: Isabella Lanave Diagramação: Thiago Vilas Boas Edição: Isabella Lanave e Thiago Vilas Boas
O Brasil está passando por uma onda de protestos e manifestações que se generalizaram de forma mais intensa depois de 2013. Diversos grupos sociais tomaram força e levaram milhares de pessoas para as ruas. A população tem se mostrado crítica e atuante, e vai até à rua com diferentes formas de se manifestar. “A nossa atual conjuntura nos indica uma tendência de insatisfação geral: nós estamos insatisfeitos com o prefeito, com o governador, com o presiden-
te, insatisfeitos com os partidos políticos, com o Judiciário, com tudo. Portanto, isso vai se manifestar de diferentes formas, uma delas é na rua”, explica o cientista político e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Emerson Cervi.
mensagens instantaneamente. Tudo isso tem influenciado na forma das pessoas se manifestarem”, complementa a mestre em Educação Dulce Eliane Mourão de Andrade.
Além disso, essa onda de manifestações populares tem ocorrido das mais diferentes formas. “A rede também proporciona que um grande número de pessoas estejam interligadas, e, que quando conectadas, recebam e troquem
O ativista por direitos humanos e educação política Luan de Rosa E. Souza acredita que o objetivo a ser alcançado com qualquer manifestação é o diálogo com a opinião pública e o ganho do apoio das massas de uma forma
DIÁLOGO
Professores e servidores públicos do estado do Paraná, protestam contra o governo estadual. Movimento que levaria ao confronto ocorrido em 29 de abril defronte à Assembleia Legislativa do Paraná.
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política
Tropa de choque se aproxima da Assembleia Legislativa do Paraná para o cercamento proposto pelo governo, durante manifestação dos professores em 29 de abril. geral. “Não me embaso pelo princípio da legalidade, eu acho que a lei pode ser injusta da mesma forma que o nazismo era algo aprovado por lei, o Holocausto, a escravidão. Então, a desobediência civil nesse caso é compreensível”, explica. Watena Ferreira, representante do movimento negro, participa das manifestações munido de argumentos e bem informado sobre as pautas que está reivindicando. “Busco construir coletivamente as soluções para resolver problemas da sociedade. Ações de dentro de casa não são suficientes para gerar mudança”, conclui. Já a organizadora da Marcha das Vadias, Jussara Cardoso, fala a respeito da resistência à violência durante os protestos que já participou: “Resistir à violência, se for possível resistir. A polícia mede o tamanho da violência pelo local onde está acontecendo a manifestação e o poder aquisitivo dos manifestantes. Nas periferias, a polícia não usa bala de borracha, é bala de verdade”, ressalta.
AQUI No dia 29 de abril de 2015, houve confronto entre a Polícia Militar do Paraná e os professores, que estavam em greve, protestando contra o projeto de lei que promove mudanças no custeio do Regime Próprio da Previdência Social dos servidores estaduais. O episódio deixou cerca de 200 professores feridos. “Foi um massacre anunciado. Orquestrado desde domingo, quando o Centro
Cívico começou a ser isolado. Foi uma demonstração da postura ditatorial do governador e da Assembleia, omissa e subalterna ao Executivo”, relata a professora Cleusa Fuckner, ativista na causa dos professores paranaenses. Ao comentar sobre a intensa participação de outros movimentos populares dentro da manifestação, o professor de História do Colégio Estadual do Paraná Elias Rigoni afirma que as atuais prá-
“Tiro de borracha dói, cassetete dói e a polícia não é nada amiga da população.” — Watena Ferreira, representante do movimento negro.
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política
ticas sindicais são um elemento muito positivo para as reivindicações. “A imprensa também tem sido positiva, embora por motivos distintos, ela sempre nos deixa angustiados”, complementa. Em relação à situação de violência por parte do Estado, o ativista de movimentos negros Watena Ferreira relata que não há uma resposta que a população possa dar. “O Estado é uma estrutura preparada para reagir com violência. As pessoas que frequentam as manifestações, não. Elas não são treinadas para derrotar um inimigo, a resposta por parte dos manifestantes, infelizmente, deve ser correr”, lastima. Ele ainda alerta: “Tiro de borracha dói, cassetete dói e a polícia não é nada amiga da população”.
Vandalismo Movimentos, como os black blocs, incitam ao vandalismo dentro dos protestos. Fato, que, muitas vezes, resulta em ação violenta por parte dos policiais e dos manifestantes. “Vandalismo depende de quem vê, ‘Ah, os caras foram lá e quebraram os vidros do palácio’, ok, agora olha a situação que está um prédio público na periferia, as escolas dessas regiões; perceba, não estão na mesma situação? Então, quem fez o primeiro vandalismo? Foi o sujeito que veio quebrar o palácio ou o governador que deixou depredarem o prédio público na periferia e nunca fez nada para recuperá-lo?”, reflete o professor Emerson Cervi. O cientista político ainda afirma que toda forma de manifestação é válida, desde que não imponha ódio ou a segregação como base: “Isso não é liberdade de expressão, isso é crime”, explica. Já a professora Dulce Andrade é totalmente contra qualquer forma de violência. “Não corroboro
com ações que prejudicam a integridade moral e física do outro”, ressalta.
Conectados A partir das novas tecnologias, é possível se expressar de maneira mais rápida e as redes sociais possibilitam a demonstração da insatisfação também de forma
massa”, ressalta Emerson Cervi ao explicar sobre a velocidade como principal fator transformador trazido pelas novas mídias à forma de se manifestar. Ao falar sobre os ativistas digitais – pessoas que se manifestam pela internet, o historiador Elias Rigoni destaca como pontos positivos as formações de grupos de
As redes sociais também tornaram mais fácil a possibilidade de se enganar, espionar e iludir as pessoas, dissipando ideias falsas.” — Elias Rigoni, historiador. online. Hoje, por conta das novas ferramentas, o processo de mobilização é acelerado. Porém, o cientista político Cervi relembra: “A gente não pode cair no equívoco de achar que as ferramentas estão mudando a cultura das pessoas. A cultura não é moldada pela ferramenta. É ao contrário, nós usamos as ferramentas em função da nossa cultura”, conclui. Para que essas demandas do mundo virtual cheguem até as instituições tradicionais e tenham efeito, se exige um caminho longo e demorado, que perpassa, também, pelas manifestações na rua. “As instituições tradicionais oferecem respostas que elas entendem atender àquelas demandas mais difusas das manifestações de
discussões e aplicações positivas desses diálogos. Ademais, ele realça a facilidade na organização, planejamento e execução de eventos sociais públicos. Entretanto, lamenta: “Tem atividades que recebem um enorme apoio nas redes sociais, mas na hora de se implementar a ação muitos nem aparecem. As redes sociais também tornaram mais fácil a possibilidade de se enganar, espionar e iludir as pessoas, dissipando ideias falsas”, conclui.
Emocional Nos anos 1980, as pessoas saíram às ruas, também para se manifestar contra o governo. De maneira mais organizada, por exemplo, no movimento das Diretas Já. “Se
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política
você pegar qualquer descrição do Brasil, do final do século XIX, início do século XX, sobre o perfil do cidadão comum, você vai ver uma descrição de alguém pouco tolerante, de alguém bastante radical e muito emocional. Aliás, esse é o perfil do latino”, ressalta o cientista político Emerson Cervi. A professora Dulce, que é funcionária aposentada pelo estado do Paraná e hoje dá aulas em cursos de pós-graduação, acompanhou as manifestações dos professores no Paraná, tanto na época de Álvaro Dias, nos anos 80, como agora, com Beto Richa. Ela narra: “Foi mais um massacre contra a
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cidadania. Feriram a sociedade paranaense, brasileira e mundial. Esse evento me fez lembrar dos momentos de transição da ditadura para a democracia, quando tínhamos medo de nossos pensamentos e de falar certos assuntos em sala de aula”. Reconhecendo a importância da liberdade de expressão, e relembrando do que acontece com a falta desse direito, Dulce ainda afirma: “Lembro quando meus professores na universidade davam aulas com as portas abertas, temendo que atrás delas alguém estivesse ouvindo o que falavam e que saíssem presos para dar depoimentos sobre suas palavras”.
O fotógrafo e estudante de Design Walter Thoms critica a maneira com que as pessoas se envolvem em manifestações no Brasil e acredita que é preciso se organizar e não “ir de cabeça vazia às ruas”. Jussara, da Marcha da Vadias, tem esperança na mudança: “O que me motiva é saber que a luta vale a pena. Me manifestar é uma das maneiras que tenho de dizer para o Estado e para sociedade que não estou contente com algo, é a maneira que vejo de ser ouvida, fazendo coro com aqueles que também estão descontentes com algo”, destaca.
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Junho de 2013: Praça Santos Andrade tomada de gente por todos os lados. Os gritos pediam por mais educação, saúde e atenção por parte do governo. “Essa Copa não me representa”, “Saímos do Facebook”, eram os cartazes mais avistados.
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comportamento
A mulher através das gerações Em busca de igualdade social, com o passar dos anos, mulheres da mesma família enfrentam novos desafios dia após dia Geane Godois
A
igualdade entre os sexos é polemizada e tem sido amplamente discutida ao longo dos anos, no Brasil, sobretudo após o crescimento do movimento feminista no final do século XIX. Nos anos que se seguiram, muitas conquistas foram creditadas às mulheres, tanto no âmbito social, quanto profissional, sem esquecer, inclusive, da liberação sexual (ou seja, do maior poder de escolha do momento em que se deseja ter filhos, impulsionada pelo crescimento dos métodos contraceptivos, por exemplo). Contudo, pode-se notar, nos últimos 50 anos, a evolução no que diz respeito à imagem que a sociedade tem do que é ser mulher, o que atualmente não se restringe mais a ser aquela em que detém apenas a função – e obrigação – de cuidar da prole, do marido e do lar. Houve um momento na história em que os objetivos principais inseridos na educação feminina eram o de casar, ser uma boa
esposa (que saiba lavar, passar, cozinhar e, se necessário, obedecer ao companheiro) e ter filhos. Caso os desejos fossem outros diferentes desses, a mulher seria considerada infeliz, rejeitada ou com algum problema. “Era algo colocado na nossa cabeça desde que nos conhecemos por gente. O marido é quem devia mandar. Afinal, quem colocava o sustento em casa era ele. A nós cabia apenas manter os filhos na linha e a residência em ordem”, explica Alaída Mayer, de 90 anos. Tais aspectos, no entanto, tornam-se cada vez mais obsoletos na medida em que a sociedade brasileira se transforma. Em 1965, por exemplo, o país encontrava-se sob a ditadura militar, sendo que 49,9% da população, que equivalia a 84 milhões, era do sexo feminino. De cada cem mulheres, apenas 11 trabalhavam, de acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Hoje, os números
se alteraram pouco na porcentagem, passando para 51,3%. No entanto, de cada cem mulheres, 38 estão empregadas.
Ser mãe é uma escolha Até 50 anos atrás a maternidade ocupava a vida da mulher quase de maneira integral – e desde muito cedo –, tendo em vista que a estimativa de idade para se ter o primeiro filho era de 19 anos. “Não era raro o número de crianças passarem de meia dúzia. Eu quase cheguei lá, tive cinco. Nunca foi fácil educar filhos e passei por inúmeras dificuldades principalmente quando fiquei viúva”, comenta Alaída que até a morte do marido foi dona de casa e depois se tornou funcionária pública. Após a popularização da pílula anticoncepcional, ainda na década de 60, ampliou-se a possibilidade de retardar ou até anular o desejo de ser mãe, como explica a cientista social Solange Fernandes: “Sem dúvida alguma, a maternidade deixou de ser um destino, para abrir a Alaída possibilidade Mayer, Leni da programação dos filhos Stencel e em termos de Michelle quantidade e planejamento”.
Costa, três
gerações de É possível uma mesma família.
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constatar os efeitos das
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A convivën-
mudanças, das novas possicia entre as bilidades e diferentes conquista em intervalo de gerações tempo entre contribui para uma geração e outra. Leni o aprendizado Stencel, de 60 a respeito da anos é filha de Alaída, e ao vida . contrário da mãe, que não concluiu o ensino primário, chegou a iniciar o ensino superior e teve apenas dois filhos. “Casei-me, tive as crianças e me separei. Poderia me acomodar, mas decidi abrir meu próprio negócio e encontrei um novo companheiro. Já minha mãe passou a viver de verdade, depois que eu e meus irmãos crescemos e meu pai faleceu”, comentou. Alaída concorda e completa: “Permaneci sozinha, o casamento me consumiu e decidi me cuidar depois de cumprir tudo aquilo que achava importante”.
nalismo, mas não atua na área. É responsável pela criação integral dos dois filhos. “Na época da minha avó provavelmente eu seria considerada uma mulher que tinha alguma coisa errada por estar criando os meninos e vivendo sozinha por opção e não porque
Mudança alheia O ser humano está em constante mutação física e intelectual. Porém, a convivência em sociedade permite que as mudanças ocorram de forma grupal. Dessa forma, a mulher mudou, mas o homem
“A vida não para na ausência de um companheiro e, a partir dessa constatação, a mulher foi à luta.”, Solange Fernandes, socióloga.
Independência Sem dúvidas, a inserção no mercado de trabalho é algo que chama a atenção no que diz respeito à igualdade dos sexos, já que nos anos 90 a luta por mais espaço em áreas antes predominantemente masculinas ganhou força. “O que se quis e ainda se quer é, na verdade, o sentimento de pertencimento, utilidade e independência. A vida não para na ausência de um companheiro e, a partir dessa constatação, a mulher foi à luta”, enfatizou Solange Fernandes. Michelle Costa tem 38 anos, é neta de Alaída e filha de Leni. Casou-se uma vez e atualmente é divorciada. Formou-se em Jor-
fiquei viúva. Felizmente, hoje as coisas são diferentes e tenho orgulho de dizer que trabalho e arco com a maior parte dos custos da criação deles”, pondera. Segundo o Censo, 48% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres e elas, inclusive, estudam em média oito anos a mais que os homens. Trabalham conquistando postos cada vez mais altos e de mais poder e prestigio. Porém, claro que tudo tem um preço e mulher moderna vem pagando isso. Ou seja, se por um lado a maioria das mulheres atuais espera até aproximadamente os 30 anos para ter filhos e se tornam cada vez mais independentes e seguras, por outro, a dupla jornada (trabalho + casa) as impedem de acompanhar mais de perto a educação da prole.
também mudou e a sociedade acabou por seguir essas transformações. “A geração dos homens mais contemporâneos estão muito mais participativos, contudo, eles estão descobrindo um jeito próprio de estarem mais presentes. Eles estão ficando cansados de serem apenas ajudantes e querem mais”, explica a cientista social. Assim, cada vez mais as funções e responsabilidades tendem a se mesclar, aliando-se às técnicas de educação que se tornam a cada dia mais variadas e completas. Algumas coisas, porém, não precisam mudar. E isso nem sempre é ruim. “Creio que os conselhos dos mais experientes (aquela receitinha de avó, ou o truque da mãe) nunca sairão de moda e tem hoje muita utilização sim, como terá daqui 50 anos. Talvez o que tenha mudado é o modo menos rígido de educar, que é agora mais negociado”, completa. Jornalismo PUCPR Revista CDM
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CASA 274 2 + 7 + 4 = 13, 274 é o número do endereço no qual se localiza a Sociedade Beneficente 13 de Maio, que completou 127 anos de resistência negra em 2015 Texto e fotos: Isabella Lanave Diagramação: Thiago Vilas Boas Edição Manuella Costa Pires
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ma caixa retangular com isolamento acústico. Assim poderíamos, de forma simples, definir a área do palco principal da Sociedade Beneficente 13 de Maio. Pelo salão, pequenas mesas de madeira espalhadas estrategicamente para os dançantes também terem o seu espaço. No teto, uma estrela de Salomão, com cinco pontas, branca e iluminada, disposta bem no meio do ambiente. O antigo Clube dos Negros parece não ter nada de diferente de um clube de dança tradicional, se não fosse pelas histórias que as paredes guardam. Formado em maio de 1888 por ex-escravos que tinham como objetivo reunir os homens recém-libertos, a Sociedade 13 de Maio foi por muito tempo restrita a negros. A partir do Manifesto da Confederação Abolicionista de 17 de abril de 1888, no Rio de Janeiro, que excluía o Brasil de um regime escravocrata antes mesmo do famoso 13 de Maio, deu-se a formação do clube, em Curitiba. Frequentado, hoje, majoritariamente, por brancos. O objetivo da sociedade era também ajudá-los em casos de doença, de problemas financeiros, os encaminhando a escolas e faculdades, e até providenciando funerais. A casa garantia, por meio das contribuições dos associados, um caixa que manteria uma assistência e segurança mínima aos associados, estendida também aos familiares.
BELEZA PURA Quem não conhece Álvaro da Silva, atual presidente da 13 de Maio, pode ter uma impressão equivocada. Devido a problemas em um olho, para reconhecer quem está falando do outro lado, Silva precisa, antes, se aproximar.
“A 13 é nossa casa. Seria muito difícil ter outro espaço em Curitiba.” -Paulo Portes, integrante do Maracatu Aroeira. E se não reconhece a sua voz, o semblante não é dos melhores. Entretanto, menos de cinco minutos de conversa são suficientes para tirar o primeiro sorriso do presidente. “Beleza Pura!” é como ele termina a conversa e confirma a primeira entrevista para o dia seguinte. O homem que, quando jovem, não tinha muito interesse pelo clube, já está há 21 anos na presidência. Desde que seu pai, Euclides da Silva, através de uma manobra política interna, passou para o filho o mandato. Segundo Silva, foi de uns dez anos pra cá que a casa ficou conhecida pela sua história na cidade. Devido, principalmente, “a ajuda de pessoas que chegam aqui e jogam capoeira, tocam maracatu, dançam forró”. Algumas dessas atividades com dias marcados e intransferíveis: “O dia do maracatu é no sábado, tem oficina e ensaio. Forró já é tradicional de domingo e a capoeira tem ensaio toda segunda e quarta”, afirma o presidente. Para Paulo Portes, frequentador do clube há cinco anos por meio
do maracatu, o clube é mais do que um espaço para realizar as atividades. “A Treze é nossa casa. Seria muito difícil ter outro espaço em Curitiba”, afirma Portes. “O grupo lá de Joinville, por exemplo, não tem lugar para ficar. Então a gente aqui agradece muito por poder usar esse espaço, que, há uns sete anos, começou a ser usado por alguns dos primeiros grupos de maracatu de Curitiba.” Além do maracatu, muitas pessoas envolvidas com outras manifestações de resistência vinculadas à cultura popular brasileira e africana se aproximam do clube. Fábio Fernando Tavares de Macedo é um exemplo disso. Músico, arte-educador, produtor cultural e frequentador do espaço como público e como artista, foi um dos que organizaram a última oficina de dança e percussão africana dentro do clube. “Essas atividades servem para ‘engrossar o caldo’, no bom sentido da luta pela afirmação, divulgação e reconhecimento destas práticas de cosmovisão diferenciada”, completa Fábio. Ele, atualmente, Jornalismo PUCPR Revista CDM
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Em cima, parte da diretoria do clube: Domingos de Souza Barbosa, Marcelo Dias Alves e o presidente à lvaro da Silva. Abaixo, o grupo Maracatu Aroeira, que utiliza o espaço para oficinas e ensaios. 16
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faz parte de uma banda de música cubana, que também busca inserção na Sociedade 13 de Maio, “por compartilhar da visão de que trata-se de um local de resistência das culturas ancestrais latinoamericanas que são praticadas e difundidas”, conclui.
O NEGRO É RACISTA “Uma das três ainda permanentes instituições formadas por escravos em atividade no Brasil” foi como a Sociedade 13 de Maio foi conhecida por Jailton Santos, pernambucano e morador de Curitiba há quatro anos. “Antes de vir pra cá, eu já conhecia o clube. E quando cheguei, minha integração acabou sendo natural, já que eu venho da participação de outros movimentos negros”, afirma Santos, que hoje é o braço direito do presidente. Historicamente, Curitiba é uma cidade, como toda capital brasileira, formada pelas três matrizes básicas fundadoras do país: o indígena nativo, o europeu branco português e o africano. Para Santos, com o passar do tempo, a cidade estratificou a relação entre esses grupos formadores com a presença maciça de alemães, poloneses, italianos e ucranianos, tornando-os majoritários tanto economicamente, como socialmente. “Eu percebo que, culturalmente, é marcante como se dá a divisão social hoje. Num ambiente onde predomina samba e pagode, predominam negros. No forró, será o branco, assim como no sertanejo”, diz o pernambucano. E na 13, não poderia ser diferente. Mas com uma diferença: quase não há negros nem no samba. “Os negros que frequentavam aqui foram envelhecendo”, afirma Santos. Além das mudanças nas tradições e nas atividades do clube, que, por algum motivo, não fez com que os filhos desses antigos frequentadores se interessassem.
A sala de retratos. Detalhe para a sombra do presidente, que conta cada detalhe da história do clube. Para Domingos Barbosa, diretor do clube há 28 anos, “o negro é racista” e vai se afastando de suas próprias origens, muitas vezes por não querer tomar para si essa identificação, como ocorreu na década de 50 com o clube. Depois do grande auge dos anos 30 e 40, nos quais ocorriam bailes lotadíssimos, onde a entrada só era permitida de terno e gravata, e os brancos apenas entravam acompanhados de negros.
OS BAILES “Sempre vinha um negão lindo lá de baixo, de calça branca com tecido frisado, paletó e chapéu, que eu tinha até inveja! E, para
entrar, deixava o chapéu na portaria. Meu pai, também, só andava fino, diferente de mim”, dispara Álvaro da Silva, o atual presidente. Os bailes da década de 1970 no clube fizeram sucesso. No baile tradicional de aniversário da casa, realizado todo dia 13 de maio, se nota a presença de convidados que, geralmente, não estão nas festas do clube. São negros mais velhos, bem vestidos, com o samba e a simpatia na ponta da língua e dos pés. Will Santos, 53 anos, frequentadora da sociedade desde pequena com a mãe, é uma dessas que ainda diz
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Mesa oficial do dia 13 de maio. Da esquerda para a direita: Pep Bonet, João Carlos de Freitas, Brenda dos Santos, Isidoro Diniz, Mesael Santos, Marcelo Dias Alves, Álvaro da Silva, Jailton Santos, Professor Denis, Thiago Oshino e Domingos Barbosa. ter saudade dos grandes bailes da época. “Vínhamos com a família inteira, adultos e crianças, e sabíamos que a sociedade nos representava. Hoje, muita gente nem sabe”, afirma Will, que apesar disso, reconhece a força de um clube, que já existe há 127 anos. “E somos nós que repassamos essa resistência de geração a geração”, finaliza. Já Darci Batista Rosa, de 61 anos, só vai à 13 de Maio no dia do baile de aniversário: “Não tem mais bailes como antigamente e eu não gosto de vir nessas outras festas”.
RESISTÊNCIA A Sociedade 13 de Maio hoje é composta por 13 cargos administrativos, ocupados em sua maioria por negros, filhos de antigos presidentes ou antigos frequentadores. Destes, poucos participam efetivamente de todo o processo administrativo e cultural da casa.
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São raros os jovens. Entretanto, a sociedade caminha mais com a ajuda de voluntários apaixonados pela causa do que por outra coisa. Em Curitiba, o Centro Cultural Humaitá, entidade dedicada ao estudo e pesquisa da arte e da cultura afro-brasileira, vê a sociedade como um símbolo maior da resistência negra em Curitiba. Entretanto, “não existe parceria entre a Sociedade 13 de Maio e o Humaitá. Nesta trajetória centenária em algum momento o clube perdeu sua razão de ser. Razão esta que há algum tempo algumas pessoas, negros e não negros, começaram a lutar para que este clube não seja apenas um bar, mas um forte símbolo de resistência negra”. Para tentar adequá-lo aos novos tempos, percebe-se que, gradativamente, o clube começa a ter uma função social, a abrir espaço para cursos, palestras e projetos, “o que é de grande importância
para a cidade de Curitiba, uma cidade que sempre negou seus negros.”, finaliza o “Zelador cultural Candiero”, como prefere ser identificado o responsável pelo Humaitá. Jailton da Silva acredita que um dos grandes problemas “é que a 13 não está inserida no contexto do século XXI”, pelo simples detalhe de ela não possuir um endereço na web, até pelo fato de não estar inserida nas políticas públicas que surgiram nesses últimos 13 anos. No último aniversário da casa, comemorado no dia 13 de maio, o presidente organizou um baile oficial, no qual diversos convidados estavam presentes. Estavam lá vereadores, professores, pesquisadores, advogados e alguns integrantes da diretoria do clube. O aniversário teve uma comemoração de cinco dias. Segundo o dirigente da casa, os seus convidados oficiais só apareceram no último dia, com discursos longos e elaborados sobre a importância
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O presidente, Álvaro da Silva, contando sobre as dificuldades do clube. de se ter, possuir e frequentar um clube de resistência como a 13 de Maio. Apesar das dificuldades para manter a casa em pé, Álvaro não perde o entusiasmo. O sentimento de quem estava lá, no dia 13, é de esperança. De que existem pessoas lutando pela causa negra, negros ou não, pensando em um bem comum para todos. Entretanto, o dirigente da sociedade conta que se sente sozinho no barco, pois a própria diretoria não o auxilia. Hoje, o espaço de 127 anos de resistência é mantido com a ajuda de pessoas interessadas pela causa, não ligadas diretamente ao clube. “Sou do tipo de cara que, às vezes, uma vez por ano, acredita no horóscopo”, nos outros dias do ano Álvaro deixa de lado a sorte e trabalha duro: “Eu não vou fazer por fazer, vou fazer para dar certo”, conclui.
Mãe Orminda ecoando o melhor do samba brasileiro nas comemorações do aniversário da Sociedade 13 de Maio. Jornalismo PUCPR Revista CDM
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CLUB
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NEGROS Isabella Lanave, Manuella Pires, Thiago Vilas Boas
O clube, criado em 1888, com a finalidade de agregar e ajudar ex-escravos. Hoje, o local revive com festa para imigrantes e outros eventos de cultura popular.
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Sociedade 13 de Mario, conhecida como Club dos Negros, recebe Recif Music, banda formada por imigrantes haitianos residentes em Curitiba.
Os haitianos dizem se sentirem em casa mesmo estando tĂŁo distantes de seu paĂs de origem. Jornalismo PUCPR Revista CDM
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e as tradições O mundo guarani em Piraquara. Histórias sobre as visitas na aldeia Araçai contam como os jovens índios estão se adaptando às influências externas e, ao mesmo tempo, preservando sua cultura
Texto: Manuella Costa Pires Fotos: Isabella Lanave Diagramação: Thiago Vilas Boas Edição: Isabella Lanave e Thiago Vilas Boas
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ão muito distante de Curitiba existe uma aldeia guarani, onde vivem cerca de 90 índios oriundos do interior do Paraná. Karai Tataendy Marangaju, o Marcolino da Silva, é o grande responsável pela migração da tribo há 15 anos. Karai, que por muito tempo se manteve como cacique da aldeia, passou a responsabilidade para seu filho Wera Kangua Ju, o Laércio da Silva, há aproximadamente dois anos. Segundo Laércio, não porque ele é o filho do cacique, mas sim porque “dos homens da aldeia, ele julgou que eu fosse o mais preparado”. O pai do cacique trabalha na secretaria da escola da aldeia, Mbyá Arandu: Sabedoria Guarani, fundada há 13 anos pelo Colégio Bom Jesus. Lugar onde as crianças têm o primeiro contato com a língua portuguesa, além de manterem aulas também em guarani. A estrutura da escola é precária: construção de madeira com duas salas de aula, uma pequena cozinha, computadores antigos e uma secretaria, construção provisória que já dura 13 anos esperando o projeto final. Segundo o professor mais antigo da Mbyá Arandú, Fernando Vargas, 28 anos, juruá (“não índio” na língua guarani), a escola está um pouco melhor agora. “Antes o chão era de terra e os alunos do Ensino de Jovens e Adultos (EJA) tinham aula em uma estrutura de sapê e barro, improvisada na frente da escola.” Hoje, as aulas do EJA acontecem em outro espaço, construído recentemente pela própria comunidade indígena e com o auxílio dos professores.
Os jovens “Desde o primeiro contato com o homem branco, o índio desejou ter algumas coisas que
ele viu. Como é normal em nós também, ver uma sociedade diferente e querer alguma coisa que você ache importante ou ache interessante”, afirma Vargas. Nos dias atuais cabelos pintados, bonés de aba reta, tênis de marca, smartphones conectados a jogos e redes sociais fazem parte do cenário da aldeia araçai. O processo de transfiguração do índio recebe constantemente críticas de quem não conhece a realidade indígena. “Dizer que eles não podem ir para a cidade estudar, não podem usar um boné bonitinho, não podem usar um tênis bacana, você está querendo que não ocorra esse processo de transfiguração que já tem mais de 500 anos. E você vai interromper isso como?”, argumenta o professor. Para o cacique da aldeia, a televisão é um reflexo muito negativo da sociedade, principalmente para as crianças e adolescentes, os que mais assistem. Entretanto, “seria uma imposição ir de casa em casa e dizer que eles não podem ver”, comenta Wera. Assim como aconteceu com a senha do Wi-Fi da escola, à qual hoje quase todos têm acesso. “A gente tem que falar a realidade: assim, nossa cultura vai se perdendo. Mas é impossível entender a cabeça dos adolescentes daqui. Tudo é novidade para eles, é um mundo diferente. A gente nunca sabe se o próximo jovem que sair daqui vai se interessar em voltar e valorizar o que viveu anteriormente, como eu fiz”, desabafa o cacique.
Os jovens– parte 2 Existem sete jovens da aldeia Araçai que vão todos os dias até o Colégio Estadual Mário Braga, em Piraquara, com um transporte oferecido pela prefeitura da cidade, para concluir o ensino médio. Segundo o professor Fernando
Vargas, continuam recebendo um acompanhamento da escola Mbyá Arandú. “A gente dá todo o apoio. Eles podem fazer as tarefas aqui, usar a internet da escola. Qualquer coisa que acontece lá, a gente fica sabendo aqui.” Em um dos dias em que fomos visitar a aldeia, duas jovens chegaram à escola da tribo com um bilhete do Colégio Mário Braga. Elas cumprimentaram o professor e, numa breve interação, já foi possível ver a forte relação entre professor e comunidade na prática. “Eles são muito tímidos. É difícil a criançada sair conversando. Há alunos que só agora, no terceiro ano do ensino médio, estão começando a fazer amizades com o povo não índio”, comentou Vargas, depois que as meninas foram embora. A questão do nomadismo indígena ainda permanece na aldeia Araçai, principalmente com os jovens. “A gente tem um restinho de nomadismo e eu incentivo a piazada a viajar mesmo. Quer viajar, viaje, mas não pare de estudar”, afirma Vargas. Eliane Faustino, de 18 anos, Kerexu Miri, é um bom exemplo. Durante uma das conversas, ela comentou que iria se mudar da tribo na próxima semana. Quer ir para o litoral paulista, onde moram seus sogros. Kerexu estudou até a 4.ª série e parou os estudos aos 14 anos. Com 15, teve seu primeiro filho, que hoje tem 3 anos. Ela tem também um bebê de oito meses, Pará Popy (ou Rubiane, em português). Segundo a mãe, os filhos por enquanto só entendem guarani. “Eles aprendem o guarani em casa, o português só na escola. Na nova aldeia, não tem o EJA, eu não vou poder continuar meus estudos, mas eles vão poder começar a estudar na escola de lá”, comentou Kerexu.
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Mas o que vocês estão fazendo aqui?”, pergunta Laércio, que se sente intimidado pelo fato de não saber da nossa reportagem na aldeia. Explicamos que somos estudantes de Jornalismo e já tínhamos falado com o senhor Marcolino, que autorizou as nossas entrevistas e fotografias. Depois de tudo acertado, o cacique de 26 anos começa a se sentir mais à vontade. De olhar tímido, Laércio é o único que saiu da Aldeia Araçai para fazer faculdade. Ficou um ano estudando Ciências Sociais na Universidade Federal do Paraná, mas o deslocamento diário de duas horas para ir, mais duas para voltar, foi desgastante. Laércio não aguentou viver longe do seu povo. Voltou para a calmaria da aldeia, como ele próprio afirma, e hoje acumula diversas funções, cuida de toda a papelada, vai ao fórum, à prefeitura, à Secretária de Educação e a todos os lugares onde algum problema tenha que ser resolvido. Quando morava em Guarapuava, durante o ensino médio, teve contato com antropólogos e professores que, segundo Laércio, o ajudaram a ver de fora e a entender a importância que a cultura tem no todo. E o conselho que ele tem para os jovens hoje é esse: “Valorizar a sua própria cultura, vendo do alto!”. Ao falar sobre a gravidez de sua mulher, um sorriso se estampa no rosto do início ao fim. Para ele, o conhecimento do índio vem sempre das crianças, que representam o futuro da geração, da aldeia e do mundo. E, pelo fato de ser tão novo e já cacique, ele tem muita confiança nas próximas jovens lideranças.
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“Desde o primeiro contato com o homem branco, o índio desejou ter algumas coisas que ele viu. Como é normal em nós também, ver uma sociedade diferente e querer alguma coisa que você ache importante ou ache interessante”
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A cultura Quando se entra na aldeia, dois lugares chamam atenção: a Casa de Reza e uma imagem grande na parede do posto de saúde. Laércio (Wera Kangua Ju) conta a história da imagem: “Uma galera de Portugal veio aqui e projetou na parede do posto a foto da minha avó, Emília, que faleceu faz um ano. Aí todos da aldeia ajudaram a raspar a madeira para fazer essa arte”. Já na Casa de Reza, acontecem cerimônias todas as manhãs e tardes, regidas pelo senhor Marcolino (Karai Tataendy Marangaju). O professor Vargas acredita que o local, que funciona como uma espécie de templo, é uma das principais fontes de preservação da cultura indígena dentro das tribos. “Isso é fundamental para eles. Por isso, a nossa escola dedica uma aula por semana para a Casa de Reza. Então mesmo que as crianças já frequentem o local todos os dias, tem mais um dia da semana em que eles vão de novo no horário de aula”, completa o professor. Vargas também dá aula de ensino religioso na aldeia e utiliza esses encontros para mostrar outras religiões, mas sempre ressaltando a necessidade de preservar a religião deles. Ele disse que algumas pessoas têm uma visão superficial da questão indígena e não enxergam o que realmente se passa no dia a dia dos guaranis. “Ninguém de fora vê um pai saindo com o filho para pescar, uma menininha de 5 aninhos lavando a própria roupa, uma criança de 3, voltando com um saquinho cheio de peixes...”, afirma Vargas. O professor ainda contou que, depois da primeira menstrua-
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ção, as meninas ficam reclusas por volta de uma semana e raspam o cabelo. “Porque o cabelo é uma questão de energia para os guaranis. Então, não adianta falar: ‘Ahh, eles pintaram o cabelo.’ Eles sabem o que representa, eu acho que é isso que importa”, conclui. Ao contar sobre sua experiência pessoal de adaptação na tribo, o
então o máximo que os índios residentes podem fazer é uma horta. Por isso, segundo Wera kangua Ju, o pessoal só come produtos orgânicos nas cerimônias religiosas grandes, nas quais eles recebem índios e alimentos de outras aldeias. Ele explica, também, em relação ao preparo dos alimentos: “Aqui tem fogão a gás, fogão à lenha, fogo de
“A cerimônia para dar o nome da criança acontece mais ou menos um ano depois do nascimento. Um ancião entra em contato com o espírito da criança e o próprio espírito conta a ele o seu nome.” professor conta: “As pessoas não têm a paciência de tentar enxergar o tempo deles, que é bem mais calmo, bem tranquilo, com bem menos pressa”. Já o cacique Wera Kangua Ju conta porque o nome indígena verdadeiro raramente aparece na certidão de nascimento. “A cerimônia para dar o nome da criança acontece mais ou menos um ano depois do nascimento. Um ancião, que seja o líder espiritual da aldeia — aqui é o meu pai — entra em contato com o espírito da criança e o próprio espírito conta a ele o seu nome.” A tribo está localizada em uma área de preservação ambiental,
chão, tudo depende do momento. Quando tá mais frio a gente faz fogo de chão e já aproveita para se esquentar também”. O cachimbo tradicional feito de nó de pinho também é preservado na aldeia. Para os guaranis, a fumaça tem o significado de purificação do espírito e do corpo. “Fumamos tabaco. Não é maconha, como muitos pensam. A gente só puxa a fumaça na boca e solta, não fuma igual cigarro, que vai até o pulmão, estraga, apodrece lá e volta; só pito pela boca mesmo. Claro que tem gente que já criou o hábito e pita sempre, mas quando usamos nas cerimônias, é com o significado da purificação”, conclui o cacique. Jornalismo PUCPR Revista CDM
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“Não existe guarani ateu. Ele pode perder tudo, mas continua acreditando na nossa religião. Quando o índio perde isso, deixa de ser guarani.” Wera Kangua Ju, cacique da tribo Araçai, sobre a Casa de Reza.
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Da aldeia à universidade Índios paranaenses possuem reserva de vagas em universidades públicas do estado, mas ainda têm dificudade para se formar
Texto: Everton Lima e Franceslly Catozzo Fotos: Victor Waiss
“A
vistamos homens que andavam pela praia (…) Pardos, nus, sem coisa alguma que cobrisse suas vergonhas.Traziam arcos nas mãos e suas setas. (...) Mas não pude deles, saber fala nem entendimento que aproveitasse.” Este é um trecho da carta que Pero Vaz de Caminha escreveu ao rei Manuel de Portugal, para descrever suas percepções sobre a recém-descoberta terra, que, mais tarde, viria a se tornar o Brasil.
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Tantos séculos depois, fica claro que, quando o assunto é a população indígena, grande parte das pessoas sabe tão pouco quanto Caminha. Por algum motivo, o brasileiro não estuda, ou não se interessa, pela cultura dos índios. Os mais de 800 mil indígenas brasileiros e 26 mil índios paranaenses passam despercebido pelos olhos da maioria das pessoas, mas já estão ocupando outros espaços além das aldeias. As terras do Paraná abrigam
indígenas das etnias guarani, caingangue e xetá, com 40% deles vivendo em aldeias ou terras demarcadas. Alguns desses indivíduos resolveram enfrentar as dificuldades e ingressar no ensino superior, principalmente com o objetivo de ajudar suas comunidades e famílias, além de aumentar o nível intelectual e ingressar no mercado de trabalho.
Professora dá aula do idioma caingangue para crianças da aldeia Kakané Porã
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A questão no Paraná No ano de 2001, a Câmara Legislativa do Paraná definiu a Lei 13.134, que garante ao estudante indígena o acesso ao ensino superior em todas as universidades estaduais, mais a Universidade Federal do Paraná (UFPR). O estado foi o primeiro no Brasil a instituir políticas afirmativas étnico-raciais na legislação, exigindo que vagas suplementares fossem reservadas para indígenas de comunidades paranaenses, assim surgindo o Vestibular Indígena do Paraná. Entretanto, o ingresso ao ensino superior não é o único problema enfrentado pelos indígenas. A evasão dos indígenas é considerada alta, já que, das pessoas que ocuparam as 460 vagas oferecidas desde o primeiro Vestibular Indígena, em 2002, somente 38 se formaram. Isso trouxe a necessidade de um acompanhamento que só se firmou em 2006, com a criação da Comissão Universidade para os Índios (CUIA), composta por professores que auxiliam esses estudantes. O vice-presidente estadual da CUIA e coordenador da comissão na Universidade Estadual de Londrina, Wagner Amaral, fez uma pesquisa e aponta algumas dificuldades que levam ao
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abandono do curso, entre elas, a discriminação. “Existe um preconceito de outros para com eles e também um autopreconceito. Muito se sentem inferiorizados, invisíveis e que não são percebidos dentro da universidade.”
uma bolsa da Fundação Nacional do Índio (Funai). Possui graduação em Jornalismo pela Universidade Positivo e pós em Comunicação Audiovisual pela PUCPR, em Curitiba, sendo autora de um premiado documentário sobre os povos indígenas.
“Quando eu vou fazer alguma performance no teatro, sempre valorizo a minha cultura e eles não deixam.” Caciporé Jorge Correia de Lima, 65 anos, é pajé da aldeia Kakané Porã, em Curitiba, pertencente a etnia caingangue. Ele conseguiu uma vaga na Faculdade de Artes do Paraná (FAP), no curso de Teatro, por meio do vestibular comum. Ele conta que sofre por ser indígena. “Estou tendo muita discriminação dentro da faculdade. Quando eu vou fazer alguma performance no teatro, sempre valorizo a minha cultura e eles não deixam. Querem fazer a cultura dos gregos e dos romanos, mas quando se fala na cultura indígena, ela é afastada.” Vinda de um povo considerado guerreiro, Sandra Terena, 30 anos, se formou com auxílio de
Ela defende a escolaridade a nível superior dos índios e diz que isso ajuda a garantir mais direitos. “O indígena usava muito a ferramenta de guerra. Hoje em dia, a luta é com a caneta. Se vocêwnão souber falar, escrever um bom texto ou articular um bom discurso, como você vai reivindicar o que você precisa?”. Sandra também enfrentou problemas financeiros e dificuldades com o deslocamento, já que pegava cinco ônibus para chegar até a universidade. Atualmente, o enfrentamento de tudo isso valeu a pena. “Hoje me sinto realizada.”
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“O indígena usava muito a ferramenta de guerra. Hoje em dia, a luta é com a caneta.”
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Onde estão os estudantes indígenas 44 Distribuídos em oito
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universidades no Paraná, os alunos precisaram comprovar a sua origem
UEM UEM
indígena para se matricu-
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larem, mas inicar o curso não significa que ele será concluído. O mapa revela a propor-
28 28
ção de estudantes que ingressaram no curso em 2013, por meio do Vestibular Indí-
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gena, mostrando os que evadiram e concluíram a graduação no mesmo ano. * Dados do Relatório Estudantes Indígenas IES Públicas Paraná 2010-2014 e da coordenação das universidades. *UNESPAR não possui dados, pois seu primeiro vestibular foi em 2014.
Concluintes Evadidos Outros (Ainda matriculados ou trancados) 34
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Unioeste Unioeste
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Unicentro Unicentro
20 20 Sede do XIV Vestibular Indígena do Paraná 2015. As inscrições vão até o dia 24 de outubro, com provas nos dias 18 e 19 de dezembro no campus Cedeteg de Guarapuava.
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Única universidade do estado a oferecer um ano de preparação antes dos indígenas começarem o curso superior.
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UEL UEL
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UENP UENP
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28 28 Os cursos mais procurados na universidade são Pedagogia, Educação Física e Administração.
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UEPG UEPG
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w
A UFPR oferece vagas pelo Vestibular Indígena e pelas cotas federais. No ano de 2014, 51 alunos estavam matriculados, mas a instituição não oferece números de evasão ou ingresso.
UFPR UFPR 51 51
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As principais dificuldades do indígena na universidade, segundo o professor Wagner Amaral:
1.
Limite da escolarização básica: Muitos desses indígenas vêm de escolas públicas ou escolas da própria aldeia, que não preparam os estudantes para o ensino superior. Em nível nacional, as escolas indígenas mostraram baixo aproveitamen-
to, de acordo com o Ministério da Educação (MEC).
2.
Deslocamento: a distância entre a aldeia e as universidades é também um empecilho na hora de cursar
o ensino superior. Muitos se deslocam de cidades vizinhas para assistir às aulas.
4. 5. 7.
3.
Timidez: como não se sentem
tão à vontade, alguns indígenas podem se tornar mais tímidos, o que atrapalha na retirada de dúvidas com o professor e na apresentação de trabalhos e seminários.
Língua portuguesa: as etnias presentes no Paraná podem se comunicar com as línguas guarani, caingangue e xetá, mas o que prevalece nas aulas é o português. Se o indígena não conhece a língua, ele não acompanha as aula. Preconceito: pode vir dos outros ou dele próprio.
Financeiro: indígenas têm direito a bolsa de R$ 633 para continuar na universidade e R$
949, caso tenham a guarda de um filho, mas a CUIA entende que essa quantia é ainda insuficiente, já que muitos têm família e acabam ajudando na aldeia.
8.
6.
Informática: apesar de muitos jovens indígenas se comunicarem de maneira virtual, isso não significa
que dominem ferramentas tecnológicas. Eles podem ter dificuldades com o word e power point, por exemplo.
Descoberta da juventude: para algumas comunidades indígenas, não existe o jovem, mas a criança e o adulto. Os indígenas começam a ir para a universidade novos e já com filhos e descobrem a balada, as grifes, o shopping e o boteco.
Acontece uma crise, porque ele é jovem na cidade, mas tem uma família constituída na aldeia.
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Foto Reprodução
Ajudando na aldeia Muitos dos indígenas que ingressam no ensino superior escolhem os cursos pensando no que podem ajudar dentro da aldeia. Sandra Terena usou seu conhecimento para ajudar na comunidade, e hoje é presidente da ONG Aldeia Brasil, que luta pelo direito dos indígenas e dá mais voz a seu povo. Já o pajé Caciporé tem o objetivo de levar o teatro até a aldeia, valorizando mais a sua cultura. A estudante do ensino médio Fernanda Vargas Lima, 16 anos, é caingangue e já pensa em seu futuro e no das pessoas que vivem ao seu redor. A jovem quer fazer o curso de Agronomia para ajudar seu povo e, este ano, fará o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para treinar para o vestibular. A maior parte dos matriculados na universidade, que hoje somam 196 estudantes, prefere a área da educação ou da saúde, onde podem trabalhar em conjunto com a comunidade em escolas indígenas e unidades de saúde próximas às aldeias.
Sandra Terena.
Fernanda Vargas Lima.
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Em busca dos
DESAPARECIDOS Só na Região de Curitiba, há cerca de 300 familiares à procura de seus entes queridos Texto: Franceslly Catozzo - Fotos: Everton Lima
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“Não há nenhuma resposta.” Daiane, professora.
E
ra um fim de semana e Marcelo avisou para a mãe que iria sair para beber com alguns amigos. Vestiu uma calça jeans, tênis Olympikus brancos e uma jaqueta marrom. Estava bem arrumado, por sinal. Ele se despediu dos pais, saiu pela porta da sala e nunca mais voltou. Mandirituba, cidade em que era bem conhecido e trabalhava como pintor, tem 22 mil habitantes. Ninguém mais se manifestou com notícias de Marcelo depois desse dia. Isso ocorreu há mais de um ano e meio. O relato foi dado pela vendedora autônoma Neuza Barbosa da Conceição, de 62 anos, que procura o seu filho Marcelo Adriano Pires. Ele tinha 40 anos quando sumiu e nunca mais foi visto em sua cidade. “Esta é a terceira vez que o procuro em Curitiba. Fomos duas vezes a São Paulo, cinco vezes a Santa Catarina. Eu vou às favelas procurar entre os andarilhos. Uma hora ou outra, eu tenho esperança de encontrar”, desabafa. A angústia de buscar por um parente que, de um dia para o outro, simplesmente desaparece não é história somente da família de dona Neuza. O Paraná possui 758 registros de pessoas desaparecidas até a data de fechamento desta reportagem, sendo que aproximadamente 96% dos casos são de adultos e adolescentes com
mais de 12 anos de idade. De acordo com dados do Sistema de Pessoas Desaparecidas da Polícia Civil do estado, existem 312 registros não resolvidos com pessoas dessa faixa etária somente na Região Metropolitana de Curitiba. Quem faz parte dessa estatística é Sérgio Ricardo de Andrade, que sumiu na véspera de Natal do ano de 2011. De acordo com o boletim de ocorrência registrado pela filha, a professora Daiane Caroline de Andrade, de 23 anos, ele fazia uma viagem de ônibus para o interior de São Paulo quando passou mal e foi levado por uma ambulância até um hospital público. Depois de receber alta, não se tem mais nenhum registro de onde ele teria ido. Hoje, Sérgio estaria com 47 anos. A família é de Araucária, lugar onde o pai de Daiane nasceu e tinha amigos. De acordo com a filha, Sérgio não tinha por que fugir, já que era apegado aos filhos. A empresa de ônibus, a concessionária que administra a rodovia e o hospital não possuem mais informações sobre o caso. O Centro de Referência e Assistência Social (CRAS) e o Instituto Médico Legal (IML) não registraram a entrada de ninguém com o perfil dele. “É complicado ir aos lugares e não ter com o que voltar. Não há nenhuma resposta”, diz a filha, que tinha 19 anos quando o pai desapareceu.
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Rotina interrompida De acordo com o delegado da Polícia Civil Jaime Luz, da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Curitiba tem uma resolução de casos de desaparecimento de jovens e adultos que se aproxima dos 93%, sendo que o índice maior de solução é entre os adolescentes. Ele fala também da importância de se registrar o boletim de ocorrência mesmo antes de contar 24 horas do desaparecimento. “A comunicação caso alguém desapareça pode ser imediata.” Foi o que fez o cabeleireiro Divanir Santos de Godoi, de 23 anos, quando o seu irmão saiu de casa e não deu mais notícias no dia 24 de março deste ano. Valdir dos Santos de Godoi tinha 35 anos de idade e início de depressão. Foi visto saindo da casa do irmão, no bairro Sítio Cercado, indo em direção ao Pinheirinho. Apesar de vários parentes estarem mobilizados, Divanir é o mais engajado na busca pelo familiar. “Acredito que ele está aqui em Curitiba. Toda a família está procurando por ele, mas sou eu que estou a par de tudo.” A rotina dessas famílias que relataram suas histórias à equipe da CDM foram profundamente modificadas depois do desaparecimento de seus parentes. “A gente procura desesperadamente, porque não dá para se conformar”, conta dona Neuza, que procura o filho Marcelo desaparecido há um ano e meio. De acordo com o delegado Jaime Luz, é importante que a família não esconda nenhum fato relevante quando for registrar o desaparecimento de uma pessoa, já que isso auxilia na busca da
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Divanir procura o irmão.
polícia. “É preciso não omitir nem aspectos positivos nem negativos do desaparecido. De todas as formas, a delegacia vai
investigar quem é aquela pessoa, tanto adultos, quanto adolescentes”, orienta.
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“A gente procura desesperadamente porque não dá para se conformar.” Neuza, vendedora.
Enquanto aguardam as investigações, familiares dos desaparecidos divulgam informações sobre parentes.
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A HERANÇA QUILOMBOLA que o Paraná não conhece A antiga morada de escravos em Adrianópolis, na Região Metropolitana de Curitiba, hoje preserva um modo de vida muito diferente do observado nos grandes centros urbanos Texto e fotos: Everton Lima
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“O
s homens são porcos que se alimentam de ouro.” Napoleão Bonaparte definiu assim a relação do ser humano com o metal dourado. A “fome” pelo ouro costuma cobrar um preço alto, normalmente pago com vidas e embebido de suor e sangue inocente. Nem todos os escravos que trabalhavam nas minas de ouro em Apiaí (SP), até o século XVIII, estavam dispostos a se sacrificar. Mesmo sabendo que o castigo para o “escravo fujão” era o tronco, eles estavam dispostos a arriscar. Para quem havia sido raptado de sua terra natal, ser forte não era opção, mas sim obrigação. Lançaram-se então rumo a uma longa jornada em busca da liberdade. O percurso pela mata fechada não era fácil. Enfrentar as águas fortes dos rios Pardo e Ribeira era o mesmo que desafiar a morte. Não fosse a amizade com os
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índios, talvez os negros não tivessem chegado ao seu destino. O minerador francês João Surá, que fazia o mesmo caminho dos escravos fugidos, almejando encontrar ouro e prata, não conseguiu alcançar seu objetivo de se tornar um homem rico. Morreu ao cair de uma cachoeira. Os escravos resolveram dar ao quilombo que os abrigaria em segurança o nome do mineiro branco. Nascia então o Quilombo João Surá. Com o passar dos anos, os moradores venceram os grileiros de terras até o descaso do governo com eles. Hoje a comunidade quilombola João Surá, localizada no município de Adrianópolis, Região Metropolitana de Curitiba, conta com orgulho as batalhas vencidas pelo seu povo. Para chegar até o local, a equipe da CDM levou quase dez horas de viagem, partindo da capital do estado. A única parte do trajeto asfaltado é a da BR-476, o resto do percurso é feito por estradas
de terra, que, em diversos pontos, obrigam o motorista a não passar de 20km/h. A paisagem mescla trechos preservados de Mata Atlântica com plantações de pinus, que segundo o morador da cidade, Edson Souza, 43 anos, suga toda a água dos córregos menores. “Aqui era cheio de córgos (sic), mas os pinus acabam com tudo. As empresas de reflorestamento compraram quase tudo aqui”, conta Edson lamentando a mudança na paisagem.
“As empresas de reflorestamento compraram quase tudo aqui.” Edson Souza, guia de turismo.
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A comunidade João Surá fica a 22 quilômetros do perímetro urbano de Adrinanópolis.
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“Nunca tive vontade de ir embora daqui. Minha família toda, nasceu e morreu nessas terras.” Joana de Andrade, aposentada.
Os herdeiros dos cativos A aposentada Joana de Andrade, 79 anos, recebe a equipe da revista com desconfiança. Nascida e criada na região, “nunca teve vontade de deixar o local”. Católica praticante, ela fala das romarias feitas para São Gonçalo, costume antigo que vem se perdendo, em parte por falta de interesse dos moradores mais novos da localidade. Os quase 140 moradores de
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João Surá são, em grande parte, maiores de 30 anos. Os mais jovens costumam ir embora para trabalhar. Mas não dona Joana. “Nunca tive vontade de ir embora daqui. Minha família toda nasceu e morreu nessas terras”. Dona Clarinda, 62 anos, diz que a qualidade da estrada impossibilita o trajeto de alguém que queira trabalhar no centro de Adrianópolis e viver na comunidade quilombola. Para chegar à parte urbana da cidade é preciso percorrer 22 quilômetros em estrada de terra.
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Silvestre de Castro, o ancião de João Surá Seu Silvestre é o morador mais antigo do local. Com mais de 90 anos ele vive em uma casa ainda mais antiga, que possui em seu telhado algumas telhas feitas “nas coxas” dos escravos. As relíquias que sua morada guarda, como, por exemplo, um rádio com mais de 50 anos, são motivo de orgulho. Dono de uma fala tranquila e gargalhada contagiante, o patriarca de quatro gerações reclama de algumas atividades que os mais jovens mantêm, como ver tevê. “Eu assisto mais à missa. A televisão tem tanta porcaria, tem coisa boa, mas tem coisa que não vale nada”, opina.
Vizinho de uma capela com mais de 40 anos ele não se envaidece por isso. Deixa claro que “a igreja é do povo”. Ao relembrar da juventude, mostra o local da casa onde eram realizados bailes, que, segundo ele, “eram algo fantástico”. Ele argumenta que sua geração “tinha mais respeito”. “Os moços tão tomando uma pinguinha e, ás vezes, por qualquer coisa, saem no tapa”, conta em meio à risadas.
estranho algumas pessoas que não reivindicam a ascendência escrava. “Têm uns vizinhos aqui, que são descendentes de escravos e não querem ser quilombolas”, revela.
Sobre sua origem quilombola, ele brinca: “Aqui nós somos todos quilombolista (SIC)” e acha
“Têm uns vizinhos aqui, que são descendentes de escravos e não querem ser quilombolas.” Silvestre de Castro, aposentado.
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“O isolamento e a falta de lazer pro jovem faz com que ele saia da comunidade.” Cassiano Matos, secretária.
“Os jovens têm a obrigação de preservar as conquistas dos antigos.” Gislaine Pereira, estudante.
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A volta da filha pródiga
A jovem quilombola
Cassiane Matos, 35 anos, foi embora do vilarejo ainda jovem. Foi trabalhar em Curitiba. Viveu na capital do estado por muitos anos, tinha casa própria e trabalho, mas quando a filha nasceu começou a analisar se a cidade grande seria o melhor lugar para cria-la. “Aqui a liberdade é outra. Lá na cidade, se vive preso, a vida é corrida”, comenta.
Gislaine Neves Galvão Pereira, de 16 anos, não costuma ir ao shopping. Diferentemente dos adolescentes da sua idade, não está olhando o celular o tempo todo. Pelo contrário, na internet tem apenas um endereço de e-mail que não costuma checar com frequência. Mas engana-se quem imagina que a jovem está indiferente com o que acontece no mundo. Pelo contrário: ela usa a informação para lutar pela sua cultura.
Trabalhando como secretária da escola da comunidade, Cassiane confessa que também pensou em ajudar a localidade onde nascera. “Havia aquela vontade de lutar pelo lugar, de vê-lo se desenvolver. Se as pessoas continuassem saindo, isso iria desmotivar o desenvolvimento”, esclarece. Sobre a fuga dos mais jovens da vila quilombola, ela diz que “o isolamento e a falta de lazer” voltado para essa faixa etária contribui. Sendo as celebrações religiosas o principal evento do local, Cassiane reconhece que mudanças foram necessárias para atrair os mais novos. “Chegava na igreja só dava gente idosa. Não tinha gente nova, aquilo se tornava cansativo. Muita coisa mudou. Antigamente, a missa ainda era em latim”, explica. Antigos manuscritos contendo ladainhas cantadas nas romarias estavam se perdendo. Agora, já foram digitalizados e Cassiane tenta mostrar para os adolescentes a importância da preservação da cultura.
Cursando o ensino médio no Colégio Estadual Quilombola Diogo Ramos (Diogo Ramos foi um importante professor que alfabetizou adultos na região), sua formação tem ênfase na história e na cultura negras. Atualmente, o colégio tem 24 alunos, 15, no ensino médio e nove, no fundamental. A educação é a principal ferramenta da jovem e é pela educação que ela acredita que o comportamento racista pode ser vencido. “A pessoa racista deve voltar para a escola. Eu não entendo por que uma pessoa pensa assim. Todas as pessoas são filhos de Deus”, esclarece. Gislaine sonha em fazer faculdade e voltar para a comunidade para ajudar a fortalecer o local. “Os jovens têm a obrigação de preservar as conquistas dos antigos”. Orgulhosa das origens do seu povo, resume em uma frase a importância da cultura regional: “Não pode acabar”.
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Desenvolvimento e preservação O mestre em Tecnologia, pela Universidade Tecnológica do Paraná (UTFPR) Paulo Renato Dias desenvolveu uma pesquisa histórica sobre a comunidade João Surá. Ao mesmo tempo em que concorda que o desenvolvimento econômico na região pode prejudicar a comunidade, ele relembra que essas pessoas, descendentes de escravos, já venceram muitos problemas. “O modelo econômico vigente não leva em conta a cultura e o conhecimento das comunidades, que, para muitos, deve ser aniquilado. Mas, o mais importante é que, mesmo assim, João Surá está lá há mais de 200 anos”, conclui o professor. Sua opinião pode ser ilustrada por um poema escrito por “Negro Olegário”, que chefiou um grupo com 50 soldados camponeses durante a Guerra do Contestado (leia a poesia abaixo).
“Sô iguar a pica- pau Que quarqué madera fura Sô nas carta o Rei d’Espada Desaforo não atura Sô quinem toro de briga Por nadinha armo turra, Nego bão da minha raça Não tem chão que se apura”
Três gerações de quilombolas: Antônio Andrade, 67 anos, o filho Mizael, 33 anos, e o neto, Cauã, 5 anos.
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A rua dos curitibanos Rua das Flores, Rua da Imperatriz, Rua XV de Novembro ou Calçadão da XV. Os nomes são vários, mas o sentimento é um só.
Texto: Eduardo Souza, Jaderson Policante e Marcio Galan Fotos: Marcio Galan
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m homem vestindo um elegante terno caminha apressado segurando sua maleta, rumo ao trabalho. Na contramão, uma senhora de mãos dadas com uma criança carrega sacolas e se distrai com as vitrines. Adiante, uma jovem estudante, também apressada, caminha com o celular na mão, ao passo que esbarra levemente em um rapaz. Nenhum dos dois pede desculpas pela situação, pois ela estava com vergonha dele, e ele dela. Um senhor que estava próximo testemunhou tudo e berrou: “Almoço a R$ 5,90 é o buffet, vamos aproveitar”. Essas situações ocorrem repetidas vezes na Rua XV de Novembro, considerada o espaço público que mais representa a identidade cultural da cidade. Lá, o curitibano toma conhecimento da diversidade de culturas existentes na cidade, e, ao mesmo tempo, encontra elementos com que possa se identificar e compartilhar.
A Rua XV de Novembro é uma das artérias da cidade de Curitiba, desde quando ainda era conhecida somente pelo nome de Rua das Flores, devido à quantidade de flores nas casas da rua, em meados de 1820. Neste tempo, a cidade contava com aproximadamente 220 casas divididas em nove ruas. O nome da Rua das Flores foi alterado em 1880, quando a família imperial visitou a cidade e a Câmara decidiu homenagea-la mudando o nome para Rua da Imperatriz. Mas, em 1889, com o fim do período imperial, a rua passou a ter o nome que se conhece hoje: Rua XV de Novembro. Na virada do século, a cidade cresceu consideravelmente, impulsionada pela imigração de diferentes etnias. Curitiba já contava com aproximadamente 80 mil pessoas em 1920, época em que os cinemas Central e Mignon faziam da Rua XV de Novembro o point de encontro dominical dos curitibanos e de todos os paranaenses.
Simbolos da Rua XV: o famoso “bondinho” e os postes de luz característicos.
Em 1972, a Rua XV de Novembro ganhou a forma atual, sendo a primeira rua do país dedicada ao trânsito exclusivo de pedestres, tornando-se um ponto de encontro de “todas as gentes”, e um centro cultural para artistas de rua e figuras que se consagraram ícones da cidade, como o Oil Man, a Borboleta 13, o músico Plá, o Homem-Estátua, o Palhaço da Rua XV, além dos locutores, músicos e demais artistas, sendo um espaço compartilhado pelas pessoas que a frequentam, seja para consumir, para trabalhar ou para se distrairem. Caminhar pelas pedras de petit pavê da Rua XV dá ao frequentador uma noção do tamanho da cidade de Curitiba, que pode parecer gigante para quem vem do interior do estado, mas que é consideravelmente pacata para quem vem de uma metrópole maior, como Rio de Janeiro e São Paulo. Jornalismo PUCPR Revista CDM
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Boca Maldita A Boca Maldita é um pedaço da Rua XV de Novembro, famoso na cidade e no país. Hoje, é talvez o mais nobre de todos os espaços. No inicio do seculo XX, a Rua XV se estruturava, os primeiros jornais da cidade surgiam, e, junto com eles, o período de experimentação de um novo sistema político. Também o futebol passou a ganhar notoriedade na cidade e a rua era ponto de encontro de cartolas e de cidadãos rumores repercutindo os resultados do Campeonato Paranaense. Porém, oficialmente, a Boca Maldita foi fundada apenas em 1956, por Anfrísio Siqueira, fiscal de rendas do estado que tinha como costume se reunir com amigos em um café próximo à Praça General Osório para debater assuntos da cidade, tendo sido depois um importante espaço para a resistência democrática, abrigando protestos contra o regime militar e pelas eleições Diretas. O presidente da Sociedade Árabe de Curtiba e integrante da confraria Cavalheiros da Boca, Moutih Ibraim, é frequentador da Boca Maldita há mais de 30 anos. Segundo ele, a Boca Maldita foi um espaço democrático que
desde o início dos tempos acolheu imigrantes da cidade. “Aqui na Boca Maldita é um encontro dos imigrantes italianos, judeus, poloneses. A gente conversa sobre futebol, sobre governador, sobre prefeito. Também temos nossa parte no Brasil”. Diversas são as versões a respeito da origem do nome Boca Maldita. A versão mais conhecida é a de que o nome teria sido dado pelo jornalista Adherbal Fortes de Sá Júnior, que teria sugerido o nome com o intuito de exaltar a liberdade de expressão. O lema da confraria seria: “Quem morde a língua, morre envenenado”. Moutih Ibraim, no entanto, tem uma versão etimológica curiosa da Boca Maldita. O cavalheiro conta que na época da fundação, um mascate árabe recém-chegado ao Brasil chamou a atenção dos demais cavalheiros na época quando tentou cantar uma mulher italiana, elogiando suas curvas. Indignada, a moça o respondeu: “Turco, você tem uma Boca Maldita!”. O delegado da cidade na época e Anfrísio Siqueira, que presenciaram a cena teriam gostado do nome, e decidiram batizar o espaço de confraternização com a expressão utilizada pela moça.
O centenário Relógio da Praça Osório foi inaugurado em 1914.
“Aqui na Boca Maldita é um encontro dos imigrantes italianos, judeus, poloneses. A gente conversa sobre futebol, sobre governador, sobre prefeito.” - Moutih Ibrahim, presidente da Sociedade Árabe de Curitiba e integrante da confraria Cavalheiros da Boca. 54
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As personalidades Mais do que personagens da Rua XV de Novembnro, eles são figuras icônicas da cidade
Oil Man Figura lendária idealizada e realizada pelo curitibano Nelson Rebello, professor aposentado da rede estadual que descobriu o personagem após conselhos médicos que o levaram a fazer exercícios aeróbicos e a andar de bicicleta pelas praias de Matinhos. Rebello trouxe a ideia para Curitiba e foi conquistando notoriedade com o passar dos anos. A estratégia do Oil Man envolve dissolver uma notável quantidade de óleo sobre o corpo e pedalar pelas ruas de Curitiba e região de sunga.
Plá Outro cidadão notável da cidade que se destaca pelo uso da bicicleta. Sobretudo, Plá é o artista de rua mais popular da cidade. Suas músicas ressaltam a sustentabilidade e a “loucura”. E comum vê-lo se apresentando no calçadão da Rua XV, seu principal palco.
Borboleta 13 No horário do almoço, ela disputa a atenção dos pedestres com os artistas e locutores que anunciam o alwmoço a preços populares. Seus bordões mais famosos são: “Borboleta 13” e “Olha a cobra, corre hoje”, que servem para anunciar a venda de cartelas do jogo do bicho. É comum encontra-la na Rua XV, mais especificamente na esquina com a Rua Monsenhor Celso.
Homem-Estátua O Homem-Estátua é uma das figuras mais clássicas do local. Ele costuma se comportar como estátua durante a maior parte do tempo. Eventualmente ele dá algum susto em alguém que esteja distraído. Quando ele percebe que está prestando atenção nele, ele costuma interagir após o depósito de algum valor em dinheiro em sua caixa. Independentemente do valor, ele trata a todos com a mesma atenção e faz a alegria das crianças.
Leão Brasil – Locutor Leão Brasil representa um significativo número de pessoas que trabalham com locução na Rua XV, seja para divulgar uma loja de roupas ou para anunciar o preço do almoço dos restaurantes. A diferença fundamental de Leão Brasil é que ele se veste de maneira personalizada e é facilmente reconhecido. Ele já se canditatou a vereador em Curitiba, mas nã foi eleito
O Palhaço da XV A intenção do personagem é animar as pessoas que transitam pela calçada, mas há quem não goste. O Palhaço da XV dá as caras nas proximidades do bondinho eventualmente, e costuma ser a atração principal para quem está dando um tempo nas lanchonetes próximas. Muitas pessoas interagem e gostam da animação do palhaço, já outras preferem caminhar nas beiradas do calçadão para não serem abordadas por ele.
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Entre o medo e a agressão Paraná está entre os três estados brasileiros mais perigosos para as mulheres quando se trata de violência doméstica. Burocracia no atendimento às vítimas é um fator que agrava o quadro Texto: Fernanda Bertonha e Mônica Seolim Fotos: Fernanda Bertonha
Em Curitiba, a cada 100 mil mulheres, 10,4 são agredidas no ambiente doméstico.
“O Estado se limita a criar leis e criminalizar, mas está totalmente ausente na questão da prevenção.” Vanessa Fogaça, jornalista.
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e acordo com o Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Violência contra a Mulher no Brasil, de junho de 2013, o Paraná é o terceiro do país na quantidade de morte de mulheres vítimas de violência doméstica. São 6,4 homicídios femininos a cada 100 mil mulheres. Apesar das iniciativas públicas nesse setor, vítimas reclamam da falta de suporte oferecido. Curitiba é a quarta capital nacional nesse tipo de violência, de cada 100 mil mulheres, 10,4 são vítimas de violência. Segundo Roseli Isidoro, secretária municipal de Políticas para as Mulheres de Curitiba, a secretaria tem trabalhado no sentido de dar maior visibilidade ao assunto, denunciando os casos. “Temos a Patrulha Maria da Penha, implantada há mais de um ano e que já atendeu mais de 3,8 mil mulheres com medidas protetivas de urgência”, relata. A Patrulha Maria da Penha é um trabalho feito em conjunto entre a prefeitura de Curitiba e a guarda municipal da cidade. O serviço funciona de segunda a sexta-feira, das 8 às 18 horas. “No período noturno e nos finais de semana, a Patrulha atua em escala de plantão para atendimentos emergenciais”, explica Roseli. Ainda de acordo com a secretária, o objetivo da patrulha é monito-
rar os casos em que as vítimas estão sob medida protetiva, fazendo visitas regulares e atendendo as ligações. Porém, ela só atua depois que os procedimentos legais já foram realizados. “A mulher faz o boletim de ocorrência na Delegacia da Mulher, solicita a medida protetiva se assim desejar, a denúncia é encaminhada para o Ministério Público e depois para o Juizado da Violência Doméstica e Familiar que expedirá essa medida. A partir daí, a mulher entra no relatório da Patrulha”, detalha.
projeto que vise a oferecer uma reeducação de gênero ao agressor, por exemplo”, diz.
De acordo com a jornalista e consultora da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da OABPR, Vanessa Fogaça Prateano, a burocracia é um fator que agrava a violência. O juiz tem dois dias para deferir a medida protetiva, mas nem sempre é o que acontece na prática. “Pela lei, o prazo é de 48 horas, mas pode demorar mais, sim, pela ineficiência do judiciário ou da delegacia”. Ela diz, ainda, que isso pode gerar na mulher a desconfiança em relação à Justiça e outros problemas. “O agressor pode agir nesse ínterim, acreditando que ficará impune diante do pedido de socorro da vítima à Justiça”, comenta.
Campanha do Laço Branco
Vanessa ressalta que o suporte oferecido às vítimas pelo Estado é precário. “O Estado se limita a criar leis e criminalizar, mas está totalmente ausente na questão da prevenção, da educação e da recuperação. Não há qualquer
Sobre as medidas protetivas, Vanessa acredita que só são eficientes quando combinadas com outras atitudes tomadas pelo Estado. “Alguns homens não se inimidam diante da comunicação de que não podem se aproximar da vítima, e aí o Estado precisa agir para que isso não ocorra, porque só um comunicado em papel não basta”, conclui a jornalista.
Uma das vítimas que será retratada a seguir encontrou uma forma de lidar com a violência doméstica. O Movimento do Laço Branco, no qual Neuza Antunes é engajada, surgiu no Canadá, após um massacre em que um estudante entrou em uma Escola Politécnica e, dentro de uma sala de aula, pediu que os homens se retirassem. Depois, assassinou as 14 mulheres que ficaram. Isso aconteceu em 1989 e mobilizou um grupo de homens canadenses para lutar contra a violência contra as mulheres. Esse movimento está hoje em mais de 50 países e acontece entre 25 de novembro e 6 de dezembro. De acordo com a ONU, essa é a maior campanha de caráter mundial envolvendo homens na luta contra a violência de gênero.
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Olinda Pereira* é vendedora, tem 52 anos e no fim do ano passado conseguiu se livrar da violência que sofria. Ela apanhou do companheiro, Roberto*, durante 14 anos, sofrendo calada. “Eu sempre senti vergonha de dizer que o meu marido me batia e não sabia a quem recorrer”, desabafa. A vítima se preocupava em como sustentar os dois filhos caso saísse de casa. “A família sempre foi sustentada pelo Roberto, eu não tinha um emprego e não queria voltar para a casa dos meus pais.” “No início, o Roberto começou a me xingar. Depois, quando discutíamos, ele me chacoalhava pelos braços e isso começou a acontecer sempre, todo final de semana”. A atual vendedora lembra da primeira vez em que sentiu medo do marido. “Enquanto estava só nos gritos e empurrões, eu achava normal. Um ano depois da primeira vez em que ele me xingou, chegou em casa bêbado e tivemos uma briga, foi quando ele deu um soco no meu rosto”, lembra. Depois disso, Olinda apanhava todas as semanas e mal conseguia esconder as marcas. “Não saía mais de casa, para evitar as perguntas das pessoas.” Em setembro do ano passado, sua vizinha escutou os gritos e, na ausência do marido, foi até a casa de Olinda prestar seu apoio. “Quando me informei sobre como podia fazer meu marido ficar longe de mim, soube que tinha que fazer o B.O. (Boletim de Ocorrência) na Delegacia e depois esperar os encaminhamentos e só então me sentiria protegida. Mas quanto tempo isso pode levar?”, justifica. Olinda foi viver na casa de uma amiga e por indicação dela, conseguiu o atual emprego. “Soube que meu marido foi para o Norte e conto com a sorte para que isso seja verdade. Senti falta de um apoio maior do Estado sim, eu achava que assim que denunciasse, automaticamente alguma coisa já seria feita. Para quem sofre violência, um dia já é muito tempo”. *Nome da personagem foi modificado para preservar sua imagem e as fotos não retratam uma vítima real.
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Quando criança, Neuza Antunes viu a mãe ser agredida pelo pai várias vezes, até fugir de casa. Já adulta, virou ativista contra a violência doméstica e foi uma das responsáveis por trazer a Campanha do Laço Branco para o Paraná, um movimento internacional de combate a esse tipo de agressão. Neuza começa contando um pouco sobre a história da mãe, Tereza Ossowski. “Ela é filha de uma família de origem ucraniana muito tradicionalista. Moravam todos na zona rural, até que quando minha mãe tinha 17 anos, apareceu por lá um homem mais velho, da cidade grande, que a roubou da família”. A ativista conta que de acordo com relatos da mãe, no início a união foi bem tranquila e eles tiveram três filhos, sendo Neuza a mais velha. Quando ela tinha cerca de 4 anos de idade, viu as primeiras agressões. “Meu pai costumava chegar bêbado em casa e agia violentamente. Como eu era nova, as lembranças se misturam, mas eu sei que nunca tive uma figura paterna”.
Ao contar um dos episódios mais marcantes, Neuza se emociona. “Certa vez, meu pai afiou uma série de facas e colocou todas em cima do guarda-roupa, com as pontas viradas para fora, disse que era uma para cada um, ou seja, para minha mãe, meus dois irmãos e eu. Foi a última noite que dormimos naquela casa”. Com medo, no dia seguinte a mãe de Neuza saiu com os filhos e procurou ajuda dos vizinhos, mas isso demorou cerca de cinco anos, considerando o momento em que as agressões começaram. Neuza conta que naquela época, não havia um trabalho feito por órgãos especializados em atender a mulher vítima de violência doméstica, e havia outro problema. “A família da minha mãe era muito tradicional, jamais aceitaria que ela voltasse depois de ter praticamente fugido de casa anos antes. Essa foi uma das razões pelas quais o sofrimento durou tanto tempo”, explica.
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Mini praças instaladas em vagas de estacionamento são a nova tendência em urbanismo
Amanda Ribeiro, Crislaine Franco, Jeslayne Valente e Victor Hugo Reis
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ara quem vive em grandes centros urbanos, a escassez do verde das árvores e a ausência de parques próximos da população é notável. E quando existem, enfrentar o trânsito para chegar até esses locais de sossego torna-se um sacrifício. Tendo em vista essa lacuna deixada pelo mau planejamento urbano, e para romper com a totalidade do cinza do concreto e oferecer um ponto de encontro para a população, os parklets sugerem uma nova forma de reapropriação dos espaços públicos pela população. O trocadilho “parklets”, que mescla o ato de estacionar (“parking”, em inglês) com parques (“parks”), revela a sugestão: construir miniparques em espaços pequenos que
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podem ser uma vaga de estacionamento na rua ou no fim de um beco sem saída. E, à primeira vista, de uma maneira bem simples: distribuir bancos, mesas e plantas em um deck de madeira, formando uma mini praça para, desse modo, destinar áreas originalmente concebidas para automóveis a pessoas. Ao que tudo indica, essa solução urbana importada da América do Norte promete tomar conta de Curitiba, assim como cresce gradativamente em São Paulo, cidade pioneira no incentivo e desenvolvimento desse modelo de espaço urbano no Brasil.
De longa data Enquanto a iniciativa toma forma
por aqui, nos Estados Unidos e Canadá, essas mini praças existem desde 2004. Por lá, há espaços apenas com bancos para descanso, outros com aparelhos de ginástica e, alguns, com wi-fi livre para os passantes. Projetos similares já ocorrem em grandes cidades brasileiras como no Dia Mundial sem Carro, comemorado em 22 de setembro, quando vagas nas ruas são transformadas em áreas de lazer. No Brasil, a primeira implantação de um parklet ocorreu em São Paulo, em 2013, por meio de um grupo composto por arquitetos, designers e ONGs. Com boa avaliação da população, a Prefeitura de São Paulo transformou o que era um projeto temporário em política pública de ocupação
Divulgação Instituto Mobilidade Verde
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dos espaços públicos da cidade. Tornando a capital paulista a quarta cidade do mundo a ter uma política específica para parklets.
Quero um parklet na minha rua! No caso de os órgãos públicos não tomarem iniciativa, é possível uma pessoa física ou jurídica instala-lo, fornecendo um espaço agradável de convivência aos moradores das imediações. Mas, para isso, é necessário permissão da prefeitura, além de um bocado de dinheiro.
Segundo um levantamento do Instituto Mobilidade Verde, entre os atrativos para tamanho sucesso com empresários estão os 14% de aumento nas vendas de um estabelecimento próximo a um parklet. Além das cerca de 300 pessoas diariamente que podem passar pelo local.
definidas tipologias a serem exploradas e os visuais deles. Além de alguns lugares para a instalação dos mesmos. Por enquanto, deverão ser módulos de 2 x 5 metros e 2 x 10 metros. Para tal, o Serviço Nacional da Indústria (Senai) desenvolveu um protótipo funcional que deverá ser utilizado em futuros testes.
“ A implantação de parklets está em estudo, mas já estão definidas tipologias a serem exploradas e os visuais deles.” – Ippuc. Engatinhando Na capital paranaense, segundo o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), a implantação de parklets está em estudo, mas já estão
Com eles, a intenção da prefeitura do município é tornar mais amigável e integrado o centro da cidade como os centros dos bairros, proporcionando o encontro de pessoas, o descanso e o lazer.
Divulgação Instituto Mobilidade Verde
Por isso, grande parte do parklets estão localizados em áreas comerciais. Já que os custos referentes à instalação e manutenção ficam entre R$ 25 mil e R$ 40 mil.
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Smartphones facilitam a vida de passageiros Com a expansão urbana de Curitiba e a severidade das lei de trânsito, a demanda por táxis vem aumentando. Para driblar as dificuldades de encontrar um veículo disponível, aplicativos vêm mostrando eficácia tanto para o motorista quanto para o público Renata Valente e Thamiris Mottin
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ue chamar um táxi em Curitiba é um tanto difícil, nunca foi novidade, porém, ultimamente, com a rigidez da Lei Seca, o crescimento da cidade e do poder aquisitivo da população, a procura por táxis cresceu substancialmente em Curitiba. Conseguir um disponível, em uma noite de sexta feira ou sábado, por exemplo, é praticamente impossível. Aproveitando o nicho de oportunidade empresarial, os aplicativos de smartphone vêm ganhando o consumidor, “Os aplicativos têm dado tão certo, que os dias do 0800 para taxi estão contados. Para nos manter no mercado, desenvolvemos também o nosso próprio aplicativo ano passado. Hoje fazemos mais de 30 mil corridas diárias via aplicativo, contra aproximadamente 3.500 corridas via 0800. É um tanto impressionante”, relata Zuleide Monari, representante comercial da 99 Táxi, de Curitiba. Para solicitar um taxi via 0800, você precisa de apenas um telefone comum. Algumas empresas exigem cadastro ou não, perguntam se o pagamento será em
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dinheiro ou cartão de crédito, e a atendente dá um tempo estimado de espera ou retorna a ligação assim que encontrar um carro disponível. “Sempre que peço um taxi via 0800, ele chega rápido, nunca tive problemas. Sempre que vou ao médico ou à região metropolitana visitar minha família, chamo um taxi por telefone mesmo. Eu não tenho um smartphone, mas também o aplicativo não seria um atrativo para mim. Não sei mexer mesmo. Via telefone nunca teve erro, até prefiro assim”, afirma Maria Luciana Pereira da Silva, secretária empresarial.
A busca por um taxi via aplicativo tem a mesma lógica do telefone: um cadastro, um tanto simples (apenas nome, telefone e e-mail). Logo que você concorda com os termos de uso, visualiza-se, em um mapa, a sua localização atual e também a localização do taxi mais próximo. A economia de tempo é considerável. Usuária ávida de um dos aplicativos, Silvia Henz, produtora de moda e jornalista, declara: “O bom desse sistema é o tempo de espera. Você consegue ver onde seu táxi está. Isso é inovador, porque eu solicito o carro e sei em quanto tempo sair de onde
Renata Valente
Taxistas dizem que prestar serviços requisitados por aplicativos é mais barato do que pelo 0800
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estou, para não ficar esperando ou deixar o motorista esperando. Tem até como mandar mensagens para ele, caso eu precise que ele toque uma campainha ou espere mais alguns minutos, porque esqueci alguma coisa. Realmente, é muito mais prático. “Para os taxistas, prestar serviços requisitados via internet tem uma vantagem muito importante: o custo. “Para termos um 0800 nos mandando passageiros, pagamos por volta de R$ 800 mensais, por motorista. Esse dinheiro vem do nosso bolso. Com as taxas, a licença da placa, combustível, entre outros gastos, tem mês que pago para trabalhar. Apesar da modernidade do novo sistema, ao qual ainda não me adaptei completamente, a economia faz diferença no fim do mês, mas, por enquanto, ainda pago o 0800, para não faltar trabalho. Porém, logo logo todos os meus clientes sairão de um só lugar.
Daqui, olha!”, diz, apontando para seu smartphone, o taxista Osvaldo Pereira. Há quem ainda não confie nos novos sistemas de internet, em entrevista, João Carlos de Lucas Neto, gerente regional do aplicativo de uma empresa popular de aplicativos de taxi, explica que a segurança é algo bem contro-
trolado via GPS. Desde o tempo que o passageiro passou no carro, o trajeto, quantos quilômetros percorreu, até seu recibo. Você pode receber via e-mail, na hora, se quiser. Esse serviço é algo mais pessoal, é humanizado. Você sabe o nome do motorista que vai te buscar e ele sabe o seu. O cliente se sente seguro”, diz.
“O bom desse sistema é o tempo de espera. Você consegue ver onde seu táxi esta. Isso é inovador.” Silvia Henz, usuária. lado, “Os taxistas precisam se cadastrar no nosso sistema. É preciso mandar cópia de todos os documentos, carteira de motorista, placa do carro, licenças, etc. via internet mesmo, provando a legalidade do carro e do motorista. Em menos de 48 horas, o táxi já está liberado. Temos tudo con-
Dentro das desvantagens de se usar a internet João também comenta, “São poucas, mas existem. O sistema de 3G no Brasil pode ser muito lento, e isso dificulta o serviço e a comunicação com os carros, clientes e a central. Quando é assim, o bom e velho 0800 pode ser a única alternativa.” Renata Valente
A maior desvantagem do uso de aplicativos é o sistema 3G no Brasil, que é lento. Jornalismo PUCPR Revista CDM
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Gastronomia na nostra terra Com potencial turístico e econômico, Circuito Italiano em Colombo, na grande Curitiba, recebe investimentos
Texto: Everton Lima Fotos: Franceslly Catozzo
O empresário José Arnaldo Pavin, 55 anos, apresentando os vinhos de sua vinícola.
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Cachos de uva enfeitam loja que vende vinhos produzidosem Colombo.
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pera de Arame, Jardim Botânico, Parque Tanguá. Enfim, quando se pensa em turismo, a capital do Paraná parece ser um bom destino, mas, engana-se quem pensa que a Região Metropolitana de Curitiba não tem bons atrativos para oferecer. A história do município de Colombo é, sem dúvida, sua maior atração. Colonizada por imigrantes italianos, seus descendentes carregam, até hoje, o sobrenome dos antigos moradores da cidade. Strapasson e Gasparin, entre outros, são os nomes das famílias italianas que fugiram de uma Europa em que o futuro era incerto rumo ao Brasil, nação que há muito tempo carrega o título de país do futuro. Ao chegar às terras frias do Paraná, férteis e ideais para a agricultura,
os imigrantes perceberam que o solo paranaense seria ideal para que uma importante tradição, e atividade econômica, fosse preservada: a produção de vinho. O Circuito Italiano de Colombo possui nove vinícolas e situa-se no centro da cidade, com fácil acesso para quem vai de carro, com locais para estacionar, inclusive. Mas ainda apresenta dificuldades para o turista que usa o transporte coletivo. O viajante tem que pegar o ônibus Curitiba- Colombo (Via Rodovia da Uva), no terminal do Guadalupe, no centro de Curitiba. A passagem custa os mesmos R$ 3,30 da capital, mas não há integração. A equipe da CDM encontrou dificuldade para encontrar restaurantes abertos na hora do almoço. Uma agradável padaria foi o local
escolhido para fazer a refeição. Um pouco frustrante para quem esperava comer uma comida típica italiana. Nesse ponto, o Caminho do Vinho de São José dos Pinhais se mostra mais completo. O vinho é, de fato, o grande protagonista do passeio. É possível degustar os vários tipos da bebida: tinto (cabernet), rosé, porto, entre outros. Em todas as vinícolas, alguns premiados, como é o caso da Vinícola Strapasson. Na vinícola Paladar, há uma grande variedade de frios, como queijos artesanais. Para quem quiser relaxar, o circuito oferece pesque-pague e “colhe-pague”, quando o visitante colhe as próprias uvas. Obviamente, é necessário se atentar para a época de colheita da fruta, normalmente em fevereiro.
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O parque Gruta do Bacaetava possui espaços para caminhadas e pesca.
Parque Outra atração do circuito, talvez a principal, é o Parque Municipal Gruta do Bacaetava. Uma grande área verde, com trilha, churrasqueiras e um grande lago, onde é possível pescar. O aposentado Adamázio Ferreira, de 65 anos, diz que “toda semana vai até o bosque”. Para ele, o principal motivo que o leva ao local é a possibilidade de estar perto da natureza. “Eu gosto muito de ficar perto desses ‘pinheirão’ que têm mais de cem anos”, conta. Humilde, ele evita as histórias de pescador e diz que a pescaria no local rende pouco “Aqui pega cará, carpa, mas eu venho mais para passear mesmo”, revela. Quando questionado sobre a qualidade do vinho da cidade ele responde com um arrastado “É
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bom”, e finaliza com uma gargalhada, sinal de quem aparenta ter boas recordações com a bebida. A prefeitura de Colombo divulgou investimentos no parque. No total, R$ 649 mil. Algumas obras, porém estão paradas. De acordo com a prefeitura o motivo são as condições climáticas. Outra obra importante, essa de responsabilidade do governo do Paraná, está fora do cronograma inicial. Segundo dados da assessoria de imprensa da prefeitura de Colombo, o motivo do atraso seria uma dívida do governo com empreiteira responsável pela obra, um valor de aproximadamente R$ 13 milhões. Segundo o Departamento de Estradas e Rodagem (DER), o repasse já foi realizado, um valor de R$ 8,2 milhões, e um novo cronograma, com uma nova data de entrega da obra, seria divulgado.
Seu Adázio é frequentador do parque.
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Negócio Segundo a prefeitura de Colombo apenas, 65% dos produtores que fazem parte do Circuito têm CNPJ, ou seja, recolhem impostos. Os produtores mais antigos realizam investimentos altos em seus negócios. É o caso da vinícola Cavalli, que trocou seus toneis de carvalho por tonéis de inox, atendendo a uma regulamentação da vigilância sanitária e de órgãos que atestam a qualidade do vinho ofertado aos clientes. Cada novo tonel custa cerca de R$ 30 mil. A vinícola trocou, até o momento, mais de cinco toneis. Ào todo, as vinícolas geram em torno de 140 empregos diretos. Na época da colheita da uva, esse número cresce com a criação de vagas de trabalho indireto. Não há dados sobre quanto essa atividade econômica gera de recursos para a cidade e, os vinicultores não possuem um órgão que os represente. Mas em uma coisa todos concordam: com uma ajuda do governo para melhorar a infraestrutura, todos sairão ganhando, desde produtores até aqueles que são apreciadores de um bom vinho.
Empresários investem na melhoria da produção de vinho.
Todo processo de produção do vinho é feito em Colombo, gerando empregos diretos e indiretos.
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Mudar ou não mudar: eis a questão? Como mostram pesquisas feitas pelos mais diversos órgãos especializados, a vontade de mudar de emprego acompanha a maioria dos profissionais, superando as preocupações quanto às consequências de tal ato Priscila Murr
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iante da crescente busca por uma nova posição no mercado de trabalho, – sobretudo em meio ao atual cenário de queda na geração de empregos formais no país –, o brasileiro vive um dilema entre a segurança da estabilidade e o risco da mudança de emprego. Contudo, e como mostram pesquisas feitas pelos mais diversos órgãos especializados no setor, a vontade de mudar acompanha a maioria dos profissionais, superando as preocupações. Em 2014, uma pesquisa feita pela Consultoria Boucinhas&Campos mostrou que pelo menos 80% dos brasileiros empregados queriam mudar de trabalho. A Consultoria de Recrutamento PageGroup, mostrou que, no mesmo ano, entre os executivos de alta e média gerência, 92% pretendiam mudar de emprego e, entre os profissionais de suporte e apoio à gerência, 94% tinham a intenção de encontrar outra posição. Apesar disso, e frente à atual conjuntara econômica do Brasil, com a taxa de desemprego aumentando e os salários sendo desvalorizados, o profissional deve avaliar as condições para a mudança. Segundo o economista Júlio dos Reis, mesmo diante desse cenário, os jovens
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ainda têm facilidade para tomar a decisão de mudar de emprego, normalmente por não ter tantas responsabilidades, ou família constituída e, em alguns casos, ainda morar com os pais. “Isso é natural, não somente por impulsividade, mas por essas pessoas estarem em fase de desenvolvimento de estudos, de carreira e amadurecimento”, explica.
mica está diretamente relacionada à atual crise no setor empregatício pela qual passa o Brasil. “Sem dúvida uma está relacionada a outra. Isso afeta a sociedade pois as pessoas investem menos, compram menos, ficam mais pessimistas com o futuro, etc. Um dos pontos primeiramente afetados é a capacidade de investimento das pessoas”, garante.
Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, no acumulado dos últimos 12 meses, houve redução de 48.678 postos de trabalho formal e, no primeiro trimestre de 2015, o país fechou 64,9 mil vagas, o que configura, portanto, o pior resultado desde o ano 2000. Para Ferreira dos Reis, a crise econô-
O melhor emprego O que antes era uma característica marcante apenas em profissionais mais jovens, agora passa a ser uma realidade inclusive entre os mais experientes. Segundo a Page Group, a principal motivação para a busca por uma nova posição no mercado de trabalho é, tanto para jovens quanto adultos, a falta de oportunidade
Diante do atual cenário empregatício do Brasil, muitos profissionais preferem ser cautelosos e avaliar bem a possibilidade de mudança.
economia
de ascensão no emprego em que se encontram. Para a estudante universitária Tatiane Pereira, essa “falta de oportunidade de ascensão” engloba diversos aspectos. “Falta de supervisão de outro profissional, falta de autonomia nas atividade desenvolvidas, um local de trabalho sujo e inadequado para o desenvolvimento das atividades, falta de condições trabalhistas, como os fatores burocráticos que envolvem salários, benefícios e aperfeiçoamento na área desenvolvida, e desvalorização do trabalho estagiário fazem parte do conjunto”, declara.
entre as gerações, há semelhanças quando o assunto é a colocação profissional. Um executivo experiente, ao receber uma oferta e pedir demissão do emprego em que está, geralmente leva em conta aspectos como o fato de já possuir uma família estruturada e mais responsabilidades, portanto
por seis meses, pois eu queria outra oportunidade, já que nessa empresa as minhas atividades ficaram estagnadas. Passei para um segundo estágio, em psicologia, e estou tendo um grande aprendizado. As condições ainda não são tão adequadas no sentido de supervisão com o profissio-
“A crise ou qualquer outro efeito social e econômico não impedirá o indivíduo que realmente queira mudar...”, Júlio dos Reis.
Além disso, a insatisfação com o salário também aparece entre as motivações para a busca de um novo emprego, mas é uma razão mais fraca do que o desejo de trabalhar em uma empresa maior, por exemplo. Para o empresário Renato Wilbert, falta de oportunidade de ascensão, baixo salário e vontade de trabalhar em uma empresa com condições mais favoráveis às suas necessidades, foram os fatores determinantes para que ele começasse seu próprio negócio. “Todos os dias era sempre a mesma coisa: eu vivia uma rotina sem fim e sem felicidade. Mas, numa bela manhã, como dizem, resolvi mudar, radicalizar: comecei o planejamento da minha própria empresa, sozinho. Hoje, depois de mais de cinco anos trabalhando por conta própria, tenho horários muito mais flexíveis, ganho mais, me estresso menos e sinto que minha qualidade de vida melhorou demais”, garante.
Perfil semelhante Apesar das muitas diferenças
é mais cauteloso do que um jovem que não tenha essas mesmas responsabilidades, por maior que seja a vontade de mudar, como demonstra a pesquisa do PageGroup.
nal formado, mas mesmo assim está me possibilitando muitas oportunidades”, comenta. E a universitária alerta que deve haver reciprocidade quanto a adaptações. “O estagiário deve seguir as regras da instituição, pois em qualquer emprego vai ser assim. E o local de estágio também deve dar oportunidades para o estagiário aprender, bem como estar aberto a possíveis eventualidades acadêmicas, fazendo com que o estagiário precise se ausentar. Deve haver um equilíbrio entre ambas as partes”.
Para Júlio dos Reis, o resultado da pesquisa demonstra um processo natural que deve seguir de forma gradativa. “Quanto a situação atual, acho que precisamos analisar com bastante cautela, afinal não estamos no caos, acredito que o desejo de mudança continuará o mesmo.... A disposição em realmente mudar é que mudará. Essa mudança real passa a um estágio de latência, Boas conou seja, aguardando uma real oportunidade. E não de- dições de vemos nos iludir, a crise ou trabalho qualquer outro efeito social e econômico, não impedirá e muito o indivíduo que realmente aprendizaqueira mudar...de o fazer”, completa. do são os A estudante Tatiane acredita que a mudança pode ser um fator positivo, desde que agregue valor positivo à vida profissional. “No meu primeiro estágio o local de trabalho era muito sujo, o dono do local não permanecia muito tempo na empresa, o salário não era muito bom. Permaneci
principais desejos dos jovens ao desenvolver um estágio universitário. Jornalismo PUCPR Revista CDM
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Conexão Andressa Elesbão, Giovanna Kasezmark, Glaucia Périco e Raphaela Viscardi
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correria do dia a dia, o estresse no trabalho e as preocupações com a família, muitas vezes, já nos fizeram ter a vontade de largar tudo e sair pelo mundo, sem compromisso, só com a mochila nas costas, não é mesmo? Hoje, há quem prefira trocar o terno, a gravata e a estabilidade financeira por trabalhos informais fora do país, a fim de adquirir experiências culturais e crescimento pessoal, além da possibilidade de ganhar mais dinheiro. Trabalhar para custear a viagem tem sido a melhor opção para quem vai fazer intercâmbio cultural e deseja estender a permanência no país escolhido. Muitos dos países desenvolvidos têm escassez de mão-de-obra para setores informais, o que favorece intercambistas que, ao chegarem a seu destino, acabam aceitando empregos que, na maioria das vezes, não condizem com sua formação acadêmica. Porém, eles veem na remuneração não só a possibilidade de se manter no país, mas também uma nova oportunidade para ter ainda mais contato com os cidadãos e a cultura local.
Além da vivencia na Austrália, Olivério passou dois meses viajando pela Ásia e vivenciando novas culturas. “Quando você sai de algum lugar, você leva os costumes e manias. No momento, eu não sinto que tenho um lugar para chamar de casa, talvez seria o Brasil, pela minha família e amigos. Mas quero andar muito ainda antes de me firmar. A experiência em cada lugar me muda infinitamente, até mesmo sem eu saber.” Independentemente da área de atuação, o mercado de trabalho brasileiro está cada vez mais concorrido e, por isso, muitos recém-formados buscam ter a vivência internacional, pois, hoje, é um grande diferencial na
seleção para as vagas de emprego. Aos 22 anos, Ana Carolina Silva se formou em Secretariado Executivo e visava aos processos de trainee nas grandes empresas brasileiras. Então, assim, decidiu ir para a Holanda para trabalhar como babá e adquirir uma maior bagagem. . “Profissionalmente, o que valeu foi a experiência internacional, o contato com pessoas que trabalhavam em grandes empresas na Europa, conhecer mais sobre as oportunidades de trabalho lá, comunicação 100% em inglês e também aprendi um pouco de holandês”, conta. Além da experiência na Europa, Ana também passou um ano e meio trabalhando em uma empresa no Chile. “Foi meu primeiro emprego CLT, me ajudou a desenvolver habilidades profissionais, tive a oportunidade de ser gerente de uma equipe e responsável por grandes projetos.” O fato de ter contato com a língua oficial do país é outro motivador para os jovens saírem
Arquivo pessoal
É o caso de Amadeu Olivério, 25 anos, formado em Economia,
que preferiu deixar o trabalho num banco, para viver seis meses na Austrália, trabalhando como garçom em restaurantes. Depois de muito trabalho e de um bom retorno financeiro, o jovem decidiu estender a sua experiência por mais meio ano. “Precisava ver o mundo de outra forma, às vezes nos prendemos a algo - trabalho, cidade e relacionamentos - por comodidade, por sabermos “fazer” aquilo, e não buscamos um algo a mais, uma mudança”, diz.
Amadeu Oliverio com uma nativa da Malásia, durante seu tour pela Ásia. 72
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Arquivo pessoal
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Para Luiz Fernando Lopes, 26 anos, o contato com uma nova língua e cultura foi determinante para a decisão de sair do país há cinco anos. “Me agregou crescimento pessoal, principalmente pela experiência de vida que tive fora do Brasil. Além do contato com o inglês, que agregou valor ao meu currículo, contando muitos pontos para a empresa em que trabalho hoje”, declara. Porém, trabalhar para custear a viagem pode não ser tão fácil e recompensador, afirma Estefany Reimão, 21 anos, que trancou a faculdade de Direito para passar um ano estudando inglês na Irlanda. Para se manter na Europa, a intercambista precisou procurar um emprego e, hoje, mora com uma família irlandesa e cuida dos três filhos do casal. “Para quem vem estudar é praticamente impossível ganhar um salário mínimo, que gira em torno de oito euros por hora. Quem não tem passaporte europeu ou não é 100% fluente em inglês, ganha ainda menos. Eu mesma dependo de uma quantia que minha mãe manda do Brasil todos os meses”, explica. Estefany viajou com o objetivo de passar um ano na Europa e, mesmo pretendendo ficar mais tempo, não sabe se vai conseguir estender a viagem. “Não quero
destruir o sonho de ninguém, mas não é fácil largar todo o conforto que se tem no Brasil e ter que correr atrás de moradia e emprego num lugar que você não conhece. Eu tenho trabalhado de 12 a 14 horas por dia e só vou estender o intercâmbio se conseguir um local pra morar que seja barato e um novo emprego”, desabafa. De acordo com Amadeu Olivério, morar fora do país, conviver com diferentes culturas e enfrentar novos desafios contribuem para o crescimento pessoal, mudando, muitas vezes, totalmente o modo de vida de quem possui uma vivência internacional. Além disso, grande parte do aprendizado adquirido la fora, é posto em prática no retorno para o país de origem. “Quando eu voltar para o Brasil, depois da morar na Austrália, um país de primeiro mundo, eu quero levar o método de organização deles, mas primeiro começando por mim e, depois, passar adiante para o resto da sociedade”, declara Amadeu.
Ana Carolina em Amsterdan, na Holanda.
Estafany Reimão durante o St. Patrick’s Day. Arquivo pessoal
do Brasil. O interesse em se tornarem fluentes é grande, haja vista a necessidade que até o mercado brasileiro impõe sobre o conhecimento de ao menos dois idiomas.
Já Ana Carolina afirma que como não foi um trabalho na sua área de atuação, a estada na Europa a fez evoluir muito mais pessoalmente. “Vi um crescimento interno gigante em relação a minha autoconfiança e perdi o medo de arriscar”, conta. Porém, apesar da Holanda ser um país desenvolvido, Ana declara que “morar na Europa me fez perceber a grandeza do Brasil. Notei que mesmo países mais organizados e ricos também têm problemas, cada um em sua proporção.” Jornalismo PUCPR Revista CDM
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Cozinha sobre rodas
Os Food Trucks estão conquistando a cidade e lançando tendência Reportagem: Débora Dutra; Evelise Muncinelli; Pedro Almeida e Victor Waiss Fotos: Débora Dutra e Victor Waiss
Para se destacarem, proprietários apostam na personalização dos veiculos
S
eja pela correria do dia a dia, ou mesmo pela vontade de experimentar uma comida diferente e rápida, os food trucks se tornaram uma opção nas ruas de Curitiba e de várias outras cidades do mundo. Ainda vistos como novidades por alguns, eles ainda estão buscando espaço no mercado, mas parece que vieram para ficar. Servindo com rapidez, qualidade e preços mais acessíveis que os restaurantes tradicionais, eles estão caindo no gosto do público. Sejam em feiras de rua ou eventos gastronômicos os trucks,
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como são chamados, estão cada vez mais presentes, oferecendo versões mais elaboradas de pratos comuns ou comidas típicas que não se encontram em qualquer lugar. Nas feiras em que estão estacionados, é possível encontrar pratos de várias partes do Brasil e do mundo.
COMO SURGIU Em 1872, o norte-americano Walter Scott começou a vender tortas, sanduíches e cafés numa cidade chamada Providence, em Rhode Island. O público era composto por entregadores de jornais locais. Quase 20 anos de-
pois, Thomas J Buckley fabricava modelos coloridos e chamativos de carroças, pensadas especialmente para a venda de comidas. Na época após a Segunda Guerra Mundial, faltavam restaurantes nos subúrbios das cidades dos Estados Unidos e a população da região crescia exponencialmente. Os caminhões itinerantes de comida, então, se popularizaram entre os trabalhadores por ser uma opção barata e fácil de encontrar, apesar de não ser de qualidade. E assim continuou durante o resto do século.
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No Brasil, os primeiros food trucks surgiram em São Paulo, em 2012. Atingidos pelo raio gourmetizador, se estabeleceram como uma versão estilizada dos tradicionais carrinhos de cachorro-quente, pipoca e churros. A ideia é apresentar uma culinária diferenciada, seja pelo produto ou pela apresentação.
DIRETO DA HUNGRIA Um exemplo é o Kurtos Kalacs, um truck que vende um tipo de pão doce frito de mesmo nome, originário da Hungria. Ana Paula Lazier, a proprietária, comenta que a originalidade do produto é um diferencial no mercado, pois eles são os primeiros a produzir o Kurtos Kalacs aqui no país. A ideia de comercializar o produto ocorreu a Ana Paula após dez anos atuando em outro ramo. Formada em Letras, ela estava infeliz com a profissão escolhida e queria uma mudança na vida. Essa transformação veio após
uma viagem ao Leste Europeu: ao experimentar o doce tradicional do local, ela decidiu trazer para o Brasil. “Na viagem, eu conheci esse delicioso doce e fiquei encantada. Enquanto pensava na oportunidade, fiz um paralelo da questão climática daquela região com a nossa aqui no Paraná. Lembrei também do fato de termos muitos descendentes dessa região”, diz ela. Em Curitiba, os food trucks são orientados pela prefeitura a optar por uma comida típica. E elas se fazem presentes, desde comida mineira até a alemã. A burocracia ainda é um empecilho para aqueles que querem entrar nesse ramo, mas ela não é uma exclusividade, pois segue praticamente o mesmo caminho que um restaurante tradicional teria que cumprir.
LEI DOS FOOD TRUCKS Atualmente, há uma média de 25 unidades funcionando na capital, de acordo com a Associação Paranaense de Food Trucks. Dessa
forma, se tornou necessário que houvesse regras para a atuação dos envolvidos com tal atividade. O decreto, aprovado na Câmara Municipal em março e sancionado pelo prefeito de Curitiba em abril deste ano, está previsto para entrar em vigor na metade de junho. Para Pedro Américo, do #PartiuTemaki, a demora para a regulamentação sair é péssima para os negócios: “Estamos todos sujeitos a trabalhar em parcerias com estacionamentos e locais privados, os quais muitas vezes nos cobram taxas muito altas”. Assim que os trucks forem regularizados, eles também poderão transitar em pontos públicos da cidade todos os dias. “Atualmente, devido à dificuldade de formar algumas parcerias em pontos estratégicos da cidade, estamos circulando somente aos finais de semana e/ ou em eventos dos quais somos convidados”, diz Pedro, que, apesar de tudo, está otimista com a proposta.
Feiras de ruas são locais proprícios para encontrar food trucks
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A Lei 14.634 prevê que somente empresas curitibanas obtenham alvará de funcionamento, assim como a proibição de redes de food truck, sendo autorizado apenas dois veículos por CNPJ. Também é estipulado que eles fiquem a uma determinada distância de restaurantes, lanchonetes e feiras nas quais já existe um ponto de venda daquele produto. Os produtos distribuídos precisam conter nome, endereço do fabricante, data de fabricação, validade e registro do comércio.
PIOR INIMIGO É quase uma unanimidade entre os proprietários dos trucks: o clima de Curitiba é o pior inimigo deles. Isso se deve temperaturas instáveis e às condições climáticas únicas da capital paranaense. Alguns nem chegam a sair para as ruas nos dias chuvosos. Para Ana Paula, os dias de chuva significam uma redução muito grande no lucro, pois em dias assim, uma quantidade muito menor de pessoas sai as ruas. “Meu lucro cai 70% - é muita coisa!”, desabafa. Gerson Jourdani, proprietário do Currytiba Wurst, especializado
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em comida alemã, diz que não leva seu truck para as ruas em dias de chuva. “Quando chove eu não costumo nem sair da cozinha”, brinca. Mas ele completa dizendo que o frio é bom para as vendas: “Eu vendo um chope escuro que tem um bom apelo no inverno, e tem outros trucks que vendem quentão. Esse friozinho gostoso é bom para nós.
MOBILIDADE Um dos diferenciais dos food trucks é a mobilidade, mesmo que, para isso, seja necessário sacrificar espaço na cozinha ou no estoque. Para Gerson Jourdani, do Currytiba Wurst, o fato de poderem estar em vários lugares é um diferencial positivo. É pela possibilidade de rotatividade que as empresas desse ramo ampliam o público. Ele ainda completa dizendo que o fato de não estarem presentes todos os dias é saudável para o relacionamento com os clientes: “Tenho clientes fiéis em todas as feiras que participamos. Se eu tivesse um ponto fixo como um restaurante, tenho certeza que eles iriam uma ou duas vezes por mês, mas não iriam toda semana”.
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Você come o quê? Retirar alimentos da dieta alimentar costuma ser uma das decisões mais impactantes na vida de uma pessoa, seja qual for a motivação Reportagem: Evelise Muncinelli; Débora Dutra; Pedro Almeida e Victor Waiss Fotos: Evelise Muncinelli
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homem é aquilo que come. A afirmação, atribuída a Hipócrates, considerado “pai da medicina”, se encaixa perfeitamente no contexto daqueles que enfrentam alguma restrição na alimentação. Seja por saúde, preocupação com os animais, estilo de vida ou religião, eles estão crescendo em número. Entenda melhor como funciona cada grupo e conheça a história de alguns curitibanos que decidiram mudar seus hábitos nutricionais: Vegetarianos e veganos Nenhum desses grupos representa mais uma novidade. De acordo com uma pesquisa feita pelo Ibope, cerca de 15 milhões de brasileiros declaram ser vegetarianos. Em Curitiba, foi constatado que 11% dos moradores são adeptos dessa dieta. O motivo mais comum para a mudança alimentar é a preocupação com os animais, que costumam ser explorados para que sejam obtidos certos produtos, como carne e leite. Para o vegano
Cristiano Costa de Oliveira, esse foi o principal motivo de sua mudança de hábito: “Quando eu era criança, eu via os animais sendo abatidos na nossa fazenda e chorava. Mas, à noite, comia carne, pois eu não tinha consciência daquilo. Foi quando eu fui crescendo que eu percebi o que acontecia. Desde então, nunca mais comi nada de origem animal”, diz. Mas, para se convencer a ser vegetariano, e depois vegano, Oliveira chegou a assistir a vídeos de abatimentos de animais para se horrorizar e nunca mais sentir vontade de comer nada de origem animal. “Eu assistia a esses vídeos para ter certeza”, completa Cristiano. Há duas variações mais restritas do veganismo, que são o crudivorismo e o frugivorismo. O primeiro é a ingestão de alimentos vegetarianos estritamente crus, já o segundo compreende apenas frutas, verduras e legumes. Anna Krassusky começou pelo vegetarianismo nove anos atrás e migrou para o veganismo após 12 meses. Há cinco anos, em Buenos Aires, ela experimentou o
frugivorismo: “Durante essa fase, eu ainda fazia refeições cozidas de vez em quando. Mas minha alimentação tinha base nas frutas”. Os motivos pelos quais ela fez essa opção foi para melhorar seu estilo de vida, por compaixão aos animais e ética. “Acho difícil qualquer pessoa que se dê conta do que realmente acontece com os bichos na indústria alimentícia, não sinta a necessidade de mudar”, conta Krassusky. Anna diz que costumam perguntar com frequência se ela sente falta de algum alimento que ela comia anteriormente: “Acho que muita dessa falta, ou vontade de certos alimentos, é questão de apego emocional. Por exemplo: não sinto falta de sopa ou alimentos quentes no inverno porque, para mim, não os associo mais à alimentação”. “Em dias em que eu não comi suficientemente, me dá uma vontade de ingerir coisas cozidas. Mas normalmente eu como frutas e o desejo passa”, completa. O apoio da família é algo importante nesse processo de adoção e adaptação, pois, geralmente, essas pessoas exercem influência que
Quem come o quê: Vegetarianos
Frugívoros
não comem nenhum tipo de carne.
só comem frutas (base da alimentação), legumes, hortaliças e oleaginosas.
Veganos
Intolerantes
não comem nada de origem animal: carne, laticínios, ovo e mel.
têm dificuldade em digerir certos alimentos pois não possuem as enzimas necessárias para isso.
Crudívoros
Alérgicos
comem somente alimentos crus sem origem animal.
O corpo vê determinado alimento como uma substância perigosa, desencadeando reações desagradáveis ao tentar se defender.
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saúde
“Nada beneficiará tanto a saúde humana e aumentará as chances de sobrevivência da vida na Terra quanto a evolução para uma dieta vegetariana. A ordem de vida vegetariana, por seus efeitos físicos, influenciará o temperamento dos homens de uma tal maneira que melhorará em muito o destino da Humanidade.” Albert Einstein, físico e matemático. pode ser determinante para que uma nova dieta seja continuada ou abandonada. Na história de Juliana Ferreira, foi o irmão que a convenceu das vantagens que a falta de carne faria para sua saúde, após ele ter participado de um seminário sobre o tema. Na época, ela tinha 5 anos; hoje, ela tem 19 anos. Adaptar o cardápio feito em casa foi o mais difícil, mas ela diz que a família admira a coragem de nunca ter mudado de ideia. Para Lígia Maffessoni Penia, vegetariana desde os 7 anos, esse fator foi importante no processo, pois o fato de a carne não ser tão essencial no cardápio em casa ajudou nessa mudança: “Minha mãe e irmã sempre comeram pouca, então para mim foi fácil parar. Depois da minha decisão, o consumo na minha casa, em geral, diminuiu muito também”, comenta. Infelizmente, não são todas as pessoas que recebem o apoio que gostariam de familiares e amigos.
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Cristiano conta que, por ser do interior do estado, ele cresceu rodeado por uma cultura em que todos comiam carne. “Foi apenas quando vim pra Curitiba que eu conheci amigos que pensavam do mesmo jeito que eu e um grupo em que todos nos apoiávamos”, continua Oliveira. Intolerantes e alérgicos Em março de 2013, a professora de natação Carolina Pijak começou a se sentir mal após comer certos alimentos: ela sofria com dores, distensões abdominais, diarreia e gases. Ao longo dos meses, a médica recomendou que ela eliminasse leite e glúten do cardápio, porém nenhum exame havia sido feito. No final daquele ano, ela fez exame e deu positivo para as duas intolerâncias. Por ter um condicionamento digestivo diferente, resultado de uma cirurgia bariátrica (redução de estômago) feita em 2010, o organismo dela não absorvia
naturalmente os nutrientes dos alimentos e, por isso, ela precisava tomar suplementos vitamínicos. Isso já tornava ainda mais difícil a sua alimentação. Nos primeiros meses, ela seguiu corretamente a nova dieta. Depois, começou a relaxar e até hoje ela assume que, às vezes, cai na tentação. “Você vai sair, vai a uma festa, você acaba comendo. Mas sabe o preço que vai pagar por essa teimosia.” Ela revela que sente muita falta de comer pudim, chocolate e outros doces, uma vez que a fraqueza dela é o açúcar. “Aí você pega os doces mais gostosos, tudo tem leite condensado”, lamenta Carolina. A alergia é uma reação mais perigosa, pois coloca em risco a vida da pessoa. Ricardo Bernardi é alérgico a pimentão. Ele relata que as reações aparecem em menos de meia hora após o contato com esse tipo de alimento. Elas envolvem inchaço interno, podendo levar ao sufocamento,
saúde
Para os adeptos de práticas alimentares
Pessoas com restrições alimentares encon-
mais saudáveis, atualmente existem muitas
tram em medicamentos e suplementos um
opções de alimentos.
forte aliado.
Enganam-se aquelas pessoas que pensam
Ingredientes veganos conseguem substi-
que dietas saudáveis são sinônimos de
tuir até mesmo alimentos considerados de
comida ruim.
origem exclusivamente animal.
Assim como os alimentos, os produtos de
Você sabe o que é tofu? Um alimento de-
higiene também são adaptados.
riado do leite de soja que pode substituir o queijo em pratos.
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saúde
“Você vai sair, vai a uma festa, você acaba comendo. Mas sabe o preço que vai pagar por essa teimosia.”
Carolina Pijak.
mas, também, externo, com descamação e coceiras na pele. Em duas situações, ele foi parar no hospital. Apesar disso, ele diz que evita esse tipo de alimento e que não toma nenhum tipo de medicamento para controlar o problema. A namorada de Ricardo, Gabriela Sacom, tem alergia a leite. Por isso, nunca tomou nenhum tipo de leite, incluindo o materno. Ela relata que também sente coceiras e irritações na pele, porém nunca teve inchaço. Quando tinha 10 anos, o fotografo Bruno Tomasoni, que sempre havia comido frutos do mar, teve uma reação alérgica ao comer camarão. Ele desenvolveu ictiose, uma doença de pele, e também foi parar no hospital. Lá, os médicos recomendaram que ele não ingerisse mais esse tipo de alimento, nem medicamentos que contivessem iodo na fórmula. “Hoje, não sei se exatamente pos-
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so ou não comer, não fiz nenhum teste atualizado. Mas prefiro não arriscar!”, diz. Palavra de especialista Em qualquer caso de uma dieta restritiva, é essencial consultar um nutricionista, que irá avaliar o caso e indicar qual deve ser a alimentação adequada especificamente para cada pessoa. A especialista em nutrição Yasmin Amorim concorda que qualquer pessoa pode fazer uma dieta sem carnes ou sem nenhum tipo de alimento de origem animal, desde que esteja com a saúde em dia e faça acompanhamentos com profissionais que possam ajudar nesse processo. “São feitos exames bioquímicos para determinar quais serão as vitaminas e minerais necessários para o paciente poder ter uma vida saudável”, orienta. Para Yasmim, muitos casos de intolerância a algum alimento são confundidos com alergias. Para
saber qual deles a pessoa tem, é feito um acompanhamento do paciente e observado como é o comportamento do seu corpo em relação a determinada comida. “Para esses casos, fazemos uma dieta de restrição, na qual a pessoa fica 30 dias, a princípio, sem comer aquele alimento. Após esse tempo, ela volta a comer, mas em quantidades reduzidas, para poder chegar ao diagnóstico do caso”, diz a nutricionista. Nesses casos, é uma intolerância. Para aqueles que são vegetarianos, a nutricionista diz que não existe nenhuma perda de nutrientes, desde que a pessoa faça um acompanhamento regular. Podem-se obter os nutrientes provenientes da carne por meio do feijão azuki e de alimentos vegetais. Nicho Somente nos últimos anos é que o mercado gastronômico percebeu que havia um nicho sedento
saúde
por atenção. Últimos dados disponíveis sobre a quantidade de restaurantes vegetarianos no Brasil, publicado pelo Guia de Restaurantes 2014, da Revista dos Vegetarianos, indicavam 200. Atualmente, nas capitais, já é possível encontrar um grande número de estabelecimentos preocupados com esse grupo de pessoas. Um desses lugares é a Veg Veg, das sócias Tatielle Jorge e Caroline Ferreira, que vende cerca de 300 produtos livres de ingredientes de origem animal, disponíveis nas lojas física e online. A ideia de
criar a loja surgiu da necessidade de um lugar que reunisse produtos, novidades e informações do mundo vegano. As duas, cansadas do trabalho, resolveram fazer exatamente isso: “A minha ideia era abrir a loja em um ano, só que aconteceu muito rápido. Quando a gente viu, o local já estava alugado”, conta Tatie. “A gente trouxe produtos de Salvador, do Rio de Janeiro, de Rio Grande do Sul, e criou um mix de bem diverso, que não tinha no mercado, que não tinha em lugar nenhum. Nós provávamos. Se o produto era gostoso, ele continuava; se
não, ele saía”, continua ela. Porém, a questão não para por aí. Juliana Ferreira sente que os alimentos restritivos ainda são caros: “Acabo ficando com as opções básicas ou peço para retirar a carne do prato a ser feito, se possível”. Carolina Pijak concorda: “É questão de bolso: tudo é muito caro. O queijo, que eu pagava R$ 7, hoje pago R$ 12 na versão sem lactose. Eu compro com ‘dor no coração’”. Um desafio ainda permanece: o de tornar cada vez mais acessível os produtos destinados a eles.
Uma das iguarias vegetarianas é a famosa
Preocupados com os animais, os veganos
coxinha de brócolis, que promete agradar
não consomem alimentos, nem produtos, que
até mesmo os carnívoros.
tenham origem na exploração de animais.
Estabelecimentos voltados a esse tipo de
Muito mais do que uma parcela de mercado,
público encontraram um bom segmento de
o estabelecimento (Veg Veg) busca contri-
mercado para atuar.
buir com os princípios dos adeptos a diferentes tipos de dietas e hábitos alimentares.
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cultura
Best seller, vilão ou mocinho? Ler é umas das melhores estratégias para aprimorar a habilidade comunicativa. Com a leitura, é possível praticar a gramática correta, enriquecendo o vocabulário. Para adquirir o hábito, é preciso avançar gradualmente, e essa prática pode ou não se iniciar com a lista dos mais vendidos
Amanda Ribeiro, Crislaine Franco, Jeslayne Valente e Victor Hugo Reis
A
citação “Aquele que lê maus livros não leva vantagem sobre aquele que não lê livro nenhum” é do escritor norte-americano Samuel Langhorne Clemens conhecido como Mark Twain (1835-1910). A afirmação coloca em questão o cenário atual das preferências literárias de muitos brasileiros, como aponta o ranking de livros do gênero ficção que foram mais vendidos do início do ano até o momento, divulgada pelo site especializado em mercado editorial PublishNews. Atualmente, a procura por livros best sellers, como por exemplo, a trilogia Cinquenta Tons de Cinza, da autora inglesa Erika Leonard James, que vendeu mais de 100 milhões de exemplares. Além disso, o livro que neste ano virou filme, arrecadou mais de R$ 500 milhões desde sua estreia, no dia 13 de janeiro, nos cinemas brasileiros. De acordo com o jornalista e colunista da Gazeta do Povo José Carlos Fernandes, isso se deve pela relação de imaginação que norteia a leitura de livros: “Tudo indica que há uma relação entre ver o filme e ler o livro. É um jogo a que o leitor se propõe,
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o que faz dele uma espécie de autoridade naquela história. É como se tivesse confirmando na tela grande o que construiu na imaginação. E vice-versa. Mas isso vale para a televisão e para os filmes nacionais”, comenta.
Qualidade De acordo o dicionário Aurélio, a palavra literatura significa escritos narrativos, históricos, críticos, de eloquência, de fantasia e de poesia. Ler demanda tempo e atenção, é uma prática que pode ser desenvolvida desde a infância pelo incentivo dos pais, com a leitura de livros infantis, como, por exemplo, Chapeuzinho Vermelho, dos irmãos Grimm, conhecido mundialmente. Com o tempo, o leitor tende a experimentar novos gêneros que mais se assemelham com o próprio gosto. Segundo a professora de Linguística da Pontif[icia Universidade Católica do Paraná Nilma Almeida, a literatura traz outra visão de mundo, recria personagens a partir da vivência de vida de quem lê, não são histórias rasas: “O problema não é ler best sellers, até porque muitos
livros lançados em sua época se tornaram clássicos. O problema é ler apenas isso. Uma criança que começa lendo Harry Potter, certamente conseguirá ler outros livros quando adulto”. Para Fernandes, o que importa é ler independentemente da qualidade: “O que importa é a qualidade do livro ou o interesse do leitor por uma determinada obra. A literatura universal, em tese, é sempre maior – em número de títulos – do que a literatura nacional, daí ser até um pouco natural a prevalência de outras literaturas. De modo que a convivência de escolhas não chega a ser um problema – o leitor com boas práticas vai ler diversas literaturas. Vale o mesmo para o bom ouvinte de música ou para os amantes do futebol”, finaliza. Para Mayara Thalita Almeida, 19 anos, estudante de Relações Públicas, existem diferenças de qualidade entre livros clássicos, como Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, e best sellers: “Vejo muito a diferença na forma como a minha atenção muda no momento em que leio livros clássicos e livros mais fáceis. As obras que têm um conteúdo mais difícil, eu preciso ficar mais
cultura
Jeslayne Valente
A estudante Gabrielly de Azevedo, 16 anos, encontrou na literatura um escape para os problemas familiares.
atenta para poder absorver o que a história tem a me dizer; já nos best sellers, não é necessário estar muito concentrada, raciocinar muito para entender”, afirma. Segundo a estudante de Pedagogia Luciane Ribeiro, 20 anos, os best sellers podem ser um meio para o leitor praticar o gosto pela leitura: ”Tem livros que são muito bons, como o da série Harry Potter, os que têm uma história muito rica, e, consequentemente, isso acaba dando acesso a outras leituras”, comenta.
a livraria e compro cerca de três livros por mês”, afirma.
Estantes Nas livrarias, a divisão de gêneros literários é nítida. Logo na vitrine
vendiam bastante por si só nas lojas do grupo. Com a chegada do filme, as vendas aumentaram em 4%. Depois, retornaram ao normal. Com a chegada do DVD e Blu-ray às lojas, as vendas desses itens aumentaram em 11% nos
“É como se tivesse confirmando na tela grande o que construiu na imaginação. E vice-versa”, José Carlos Fernandes - jornalista.
Para a estudante do ensino médio Gabrielly de Azevedo, 16 anos, os livros de ficção fizeram nascer a sua paixão pela leitura: “Eu comecei a ter o gosto, principalmente, pelo gênero ficção, quando minha família estava em crise, então encontrei nos livros do autor Nicholas Sparks uma forma de refúgio. A leitura se tornou um hobbie para mim, tanto que sempre venho até
e entrada da loja, é possível ver os lançamentos que, em geral, são best sellers, livros estrangeiros que viraram filmes ou vice-versa, entre outros. De acordo com a assessoria de imprensa das Livrarias Curitiba, livros de ficção que viraram filme, como A Culpa É das Estrelas, de John Green, por exemplo, já
dois primeiros meses. Depois, retornaram ao normal, ou seja, o público jovem é motivado a ler quando um assunto está em voga, depois, a tendência é que as vendas de livros do gênero caiam. Tendo em vista que a febre acaba. O mesmo ocorreu com Cinquenta Tons de Cinza: os livros venderam mais na época de lançamento do filme, porém depois caíram. Jornalismo PUCPR Revista CDM
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Segundo Nana Vaz, gerente de Aquisições da editora Arqueiro (extinta Sextante), os livros inspirados em filmes e vice-versa são destaque, pois chamam atenção do público: “Os filmes trazem muita visibilidade aos livros nos quais seus roteiros foram inspirados. As livrarias colocam o livro em evidência, impulsionando as vendas. Com isso, “os gêneros romance, aventura e fantasia acabam agradando mais ao público jovem. Na Arqueiro, podemos citar as séries Maldição do Tigre (Collen Houck),
A Crônica do Matador do Rei (Patrick Rothfuss), Mochileiro das Galáxias (Douglas Adams), e Os Bridgertons (Julia Quinn), que vêm conquistando esse público”, comenta. De acordo com a Editora Intrínseca, os longas atraem muitos leitores: “Os livros com capa de filmes e seriados – depois de lançados – acabam sendo mais atrativos e tendo vendagem maior”, conclui.
Obras mais vendidads pelo Grupo Livrarias Curitiba:
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Jeslayne Valente
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Toda Luz Que não Podemos Ver - Antony Doerr Uma Longa Jornada - Nicholas Sparks Como Eu Era antes de Você - Jojo Mayes Cidade de Papel - John Green Para Sempre Alice - Lisa Genosa Diário de um Banana 2 - Jeff Kinney O Pequeno Príncipe - Antoine de Saint Exupery Insurgente - Veronica Roth
Obras mais vendidas de acordo com a Editora Intrínsica:
• • • • Para o público jovem, a sessão de livros mais vendidos pode servir como início para o hábito da leitura.
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Cidades de Papel - John Green A Culpa É das Estrelas John Green A Menina Que Roubava Livros - Markus Zusak O Ladrão de Raios - Rick Riordan A Maldição do Titã - Rick Riordan Percy Jackson e os Deuses gregos - Rick Riordan O Mar de Mosntro - Thor Freudenthal A Batalha do Labirinto - Rick Riordan
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A volta dos bolachões Substituídos pelos CDs por algum tempo, os discos de vinil estão de volta para a alegria dos colecionadores Matéria: Fernanda Bertonha e Mônica Seolim Fotos: Aldo Edson Portes de França
“Chegava a pagar uma média de R$150 em discos, principalmente os mais raros, como o ‘álbum branco’ dos Beatles.” – Rogério Gajda, produtor audiovisual
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epois de perder espaço para os CDs, os discos de vinil (LPs, ou ainda, bolachões) voltaram a ganhar destaque na mídia musical. Colecionadores chegam a pagar mais de R$100 por uma única peça. No Brasil, a indústria fonográfica que produz os LPs enfrenta os altos impostos, que tornam os produtos importados mais atraentes. Para João Augusto, consultor da Polysom (produtora de vinil do Rio de Janeiro), na década de 90, os CDs se popularizaram no Brasil por oferecerem vantagens em relação ao vinil. “A portabilidade, o menor espaço ocupado
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nas prateleiras, a capacidade para mais tempo e músicas”, justifica. Segundo ele, os LPs nunca deixaram de existir, apenas tiveram sua produção diminuída drasticamente, até a virada do último século, quando voltou a entrar em alta por vários motivos: “Romance, tradição, saudosismo e a própria oposição a um mundo tão cibernético.” O consultor diz ainda que o Brasil tem demanda para o mercado dos bolachões, mas que as altas cargas tributárias são um problema. “Os custos de produção são elevados e os impostos altíssimos no Brasil oneram mais ainda.” Mesmo assim, os artistas estão
lançando suas obras nesse formato, pois de acordo com o consultor, “a música deles ganha níveis tão elevados quando reproduzidas em vinil que até um gasto a mais passa a valer a pena.” De 2010 a 2014, a Polysom gravou 135 mil discos, sendo que no ano de 2013, essa produção registrou um crescimento de 63%. A tiragem mínima para um disco de vinil é de 300 peças, sendo que para produzir 500, o valor fica em torno dos R$ 10 mil. O bancário Pedro Henrique Lopes coleciona discos há seis anos, e diz ter se encantado com
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detalhes que não encontrava nos CDs. “O formato da capa, ter que trocar o lado do LP depois de 20 minutos.” Hoje, Pedro tem mais de mil discos e já pagou R$450 por algumas peças de sua coleção. O colecionador acredita que a época de ouro dos bolachões ficou no passado. “É ilusão acreditar que o LP voltará com força total, que venderá horrores como aconteceu com o mercado de CDs na década de 90!” O assessor de comunicação Aldo Edson Portes também é colecionador e diz que, na infância, economizava dinheiro do lanche para comprar discos. Ele aponta que o retorno da força dos vinis inflacionou o mercado. “Receio que, em pouco tempo, colecionar discos se transforme em hobby apenas para pessoas de alto poder aquisitivo, se é que isso já não está acontecendo.” A conservação do disco de vinil também exige um cuidado especial, como explica Aldo. “Eu lavo os meus LPs com detergen-
te neutro, debaixo da torneira. Nada de álcool ou qualquer outra substância corrosiva.” Rogério Gajda é produtor de material audiovisual e também trabalha como DJ. Como colecionador, ele tem cerca de 700 discos em casa e o primeiro que comprou foi aos 13 anos de idade. “Na minha adolescência só tinha vinil e fita k7, meus pais e tios ouviam vinil, e com mais ou menos 12 anos, eu já tocava em festinhas de garagem, usando disco.” Em seguida, Rogério começou a tocar profissionalmente, mas mesmo com a chegada das mídias digitais para facilitar seu trabalho, nunca abandonou os bolachões. “Chegava a pagar uma média de R$ 150 em discos, principalmente os mais raros, como o ‘álbum branco’ dos Beatles”, relembra. O DJ diz que a qualidade do vinil é superior à de outras mídias, mas isso só é perceptível quando se tem um aparelho de qualidade. Sobre a sua relação com o
bolachão, ele afirma: “Eu toco em festas com o computador, uso o digital no carro e em casa, mas o vinil é uma paixão à parte! Ouvir vinil é diferente, você vê a música, tem a experiência de colocar a agulha no disco, tem que virar, o som é diferente, você entra em contato direto com a música”, conclui. César Araújo, um dos proprietários do Sebo Líder, localizado em Curitiba, diz que a venda de vinis é uma das principais responsáveis pelo faturamento da loja. Os discos são procurados por gente de todas as idades e, inclusive, ele diz que se surpreende com a quantidade de adolescentes, na faixa dos 15 anos, que faz a compra desse tipo de mídia. Os valores variam de acordo com a raridade. Existem peças de R$1,50 e até de R$180. Para ele, a volta da popularidade do vinil foi estimulada pelos colecionadores, “mas a grande mágica dos bolachões é a viagem no tempo que só eles nos permitem fazer”, conclui.
Uma desvantagem do vinil em relação ao CD é o espaço que ocupa.
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Compartilhando sonhos Em Curitiba, trës atletas dividem o apartamento, os anseios e a vontade de vencer no esporte e na vida. Texto: Eduardo Souza, Jaderson Policante, Leonardo Siqueira e Marcio Galan Fotos: Eduardo Souza
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Curitiba, três amigos dividem um apartamento no bairro Boa Vista. Até aí, nada fora do comum. No entanto, um deles é hexacampeão paranaense e bicampeão brasileiro
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de futebol americano; outro é um lutador experiente de Mixal Martial Art (MMA), vencedor da primeira edição do The Ultimate Fighter Brasil (TUF Brasil) e tem contrato com o Ultimate Fighting
Championship (UFC); e o terceiro é uma revelação do MMA oriundo de Minas Gerais, com alguns títulos em seu currículo.
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Henrique Pucca Henrique Timóteo de Loiola Pucca, 26 anos, é natural de Curitiba, mas a família é de Londrina. Pucca nasceu em Curitiba, mas logo pequeno voltou a morar em Londrina. Lá, praticava vários esportes, dentre eles o hipismo. Henrique foi campeão paranaense com 11 anos, mas um revés financeiro fez com que o esporte, de alto custo, tivesse que ser deixado de lado. “Infelizmente, a empresa do meu pai quebrou, e eu fui forçado a partir pra outra.” A escolha, ainda em Londrina, já foi por um esporte jogado com a bola na mão, o handebol. Retornando a Curitiba, Henrique entrou em um colégio que não tinha handebol , e, assistindo a uma partida de futebol americano, tomou conhecimento de um time local. “O pessoal da transmissão mandou um abraço para o Barigui Crocodiles (nome do Coritiba Crocodiles em 2006), dei uma pesquisada e fui treinar no sábado. No outro final de semana, já estava jogando.”
Ao lado, Pucca com a camisa de um dos vários títulos pelo Crocodiles. Abaixo, com a camisa 67, em ação por mais uma partida.
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Pucca sempre sonhou em representar o seu país de alguma maneira e guarda com orgulho a camisa da seleção brasileira de futebol americano.
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O futebol americano cresceu muito no Brasil. Pucca lembra que, no começo, as coisas eram difíceis, principalmente pelo alto custo dos equipamentos. “Na época ainda era off-pads (box à direita), né? Logo no meu primeiro jogo, teve gente que quebrou o nariz, teve convulsão em campo”. As dificuldades financeiras podem ser consideradas um dos maiores obstáculos para os atletas de futebol americano, ou para qualquer praticante de esportes amadores no Brasil. Tanto no começo, com o alto custo dos equipamentos, como tratamento de lesões devido à prática do esporte, e, atualmente, com a expansão do esporte pelo Brasil, o custo das viagens para os jogos são bancados pelos próprios jogadores. Geralmente o dinheiro dá, economizando um pouco aqui e ali. Mas, em sua última convocação para a seleção brasileira, para a disputa por uma vaga no cam-
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peonato mundial, não teve jeito: Pucca teve que pedir aos amigos, e até fazer um empréstimo. “Fiz um financiamento no banco, de R$ 3 mil. Parcelei em 16 vezes. O complicado dessa história é que eu trabalho no banco, eu não posso ter nome sujo nem cheque devolvido. Então, se eu atrasar uma parcela, eu estou na rua”, relembra rindo. Pucca é formado em Direito e trabalha em uma grande rede de bancos. Mesmo assim, ainda é difícil aliar os custos da vida pessoal com a do futebol americano. Quando os seus pais decidiram voltar para Londrina, Henrique decidiu ficar em Curitiba e teve que ir morar sozinho. Na academia em que malhava, patrocinadora do Coritiba Crocodiles, conheceu Arthur, que tinha chegado de Minas Gerais há pouco tempo, e ainda não tinha lugar fixo para morar. Os dois viraram amigos e, ambos sem lugar para ficar, decidiram alugar um apartamento e dividir os custos.
Off-pads Off-pads é como os jogadores chamam a época em que se jogava sem os equipamentos de segurança. Pads são as ombreiras de proteção usadas pelos jogadores, e, atualmente, indispensáveis em qualquer partida oficial no Brasil.
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Arthur Vieira Arthur Vieira, 23 anos, é natural de Boa Esperança, Minas Gerais. Começou cedo no mundo das lutas: aos 10 anos, ingressou no jiu-jitsu e, a partir dai, as conquistas vieram. Títulos brasileiros em algumas categorias e uma participação no Pan-Americano, em Brasília, alavancaram a sua carreira, e os convites para lutar no octógono começaram a chegar. Aos 20 anos, aconteceu sua estreia no MMA no evento Jaula Fight em Minas Gerais, conquistando o cinturão. Com o destaque, surgiu a oportunidade de vir para Curitiba treinar com o mestre André Dida, que já treinou com grandes nomes do MMA brasileiro, como Shogun Rua e Wanderlei Silva.
Acima, Mestre Dida supervisiona e da dicas durante os treinos na Evolução Thai. Ao lado, Arthur Vieira durante os treinos.
Contudo, uma difícil decisão teve de ser tomada. Arthur estava no segundo ano da faculdade de Educação Física em Minas Gerais e não seria possível conciliar Jornalismo PUCPR Revista CDM
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os treinos e o estudo na capital paranaense. E, em maio de 2013, Arthur resolveu deixar tudo para trás e correr atrás de seu sonho. E foi treinando na Evolução Thai, com o professor Dida, que ele conheceu Rony Jason.
Pride O Pride Fighting Championships, popularmente conhecido como Pride, foi um evento de MMA realizado no Japão nos anos 90.
Rony Jason Rony Mariano Bezerra de Lima, 31 anos, é natural de Quixadá, no Ceará. Jason é faixa preta de jiu-jitsu e pratica sua especialidade desde os 15 anos de idade. O cartel (seu retrospecto) é de dar inveja: de 110 lutas, são 106 vitórias. O apelido também vem da mesma época, em referencia a um lutador dos tempos do Pride (ver box à esquerda). “O Sakuraba sempre entrava de uma maneira divertida nas lutas dele. E, na final de um campeonato estadual, incorporei a brincadeira, comprei uma máscara do Jason (assassino da série de filmes Sexta-feira 13), ganhei o campeonato e nunca mais larguei a máscara.” Rony conta que seu começo no mundo do MMA se deu por acaso. “Eu não cheguei (ao MMA), eu fui empurrado. Cai de paraquedas”, comenta aos risos. Em 2006, com a lesão de um colega, Jason fez sua estreia como profissional contra o lutador Alessandro Cabeça. E mesmo com apenas duas semanas de preparação, venceu seu oponente por nocaute técnico no segundo round. Mas foi só em 2012 que o reconhecimento chegou.
Ao lado, Arthur Vieira (esq.) e Rony Jason (dir.) durante treino na Evolução Thai.
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Jason foi um dos 32 escolhidos para participar da primeira edição do TUF Brasil e, em 23 de junho de 2012, fez a final da categoria dos pesos penas (de 62 a 66 kg) contra Godofredo Pepey no UFC 147. Como premiação, Rony assinou um contrato de seis lutas com a franquia. Nas primeiras cinco lutas foram três vitórias e duas derrotas, e foi na preparação para a última luta (realizada no dia 30 de maio de 2015, com vitória de Rony Jason), que surgiu
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o convite do mestre Dida para vir a Curitiba. “Coincidentemente um dos meus treinadores no TUF, foi o André Dida. Criamos um vínculo de amizade que cresceu com o passar do tempo e decidi fazer minha preparação aqui.” Rony ainda relata que alguns fatores, além da amizade com o treinador, pesaram na decisão de vir para a capital paranaense, mas que o principal deles foi de “sair da área de conforto” que ele tinha em Natal. “Lá, eu tenho meu apartamento, meu carro, tenho uma certa estabilidade, mas eu me sentia saturado. Esse brilho no olhar que o Arthur (Vieira) tem na hora de ir treinar, eu não tinha mais.” Curitiba se tornou para Jason não só um novo local para treinar, mas também serviu como fonte de renovação pelo amor que ele sente pelo esporte. “Eu vim pra tomar tapa na cara mesmo, andar a pé, treinar três, quatro períodos por dia. Não vou dizer que passo necessidade, mas as coisas têm sido um pouco mais desafiadoras. Ainda mais com o frio que faz aqui”, conclui o lutador.
Ao lado, Rony Jason traz na pele as lembranças da vitória no TUF Brasil e o desenho da inspiração para o seu apelido. Abaixo, mesmo longe de casa, Jason conserva sua paixão pelo Fortaleza, seu time do coração.
“Eu vim pra tomar tapa na cara mesmo, andar a pé, treinar três, quatro períodos por dia. Não vou dizer que passo necessidade, mas as coisas têm sido um pouco mais desafiadoras.” Rony Jason, lutador de MMA. Jornalismo PUCPR Revista CDM
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Derivado do tênis, apesar muito práticado no sul do Brasil, o esporte ainda é pouco reconhecido e incentivado Andressa Elesbão, Giovanna Kasezmark, Glaucia Périco e Raphaela Viscardi.
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uitas vezes confundido com o tênis, o pádel é um esporte alternativo que cresce cada vez mais no Brasil, principalmente em São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná. O esporte é caracterizado pelas quadras cercadas por paredes nos fundos e nas laterais, as quais podem ser utilizadas no jogo, o que o torna mais dinâmico. As bolinhas, raquetes e a contagem são as mesmas utilizadas no tênis e não há uma restrição no público praticante. Crianças e idosos, homens ou mulheres, podem jogar. Criado por passageiros de navios ingleses que tentaram improvisar o tênis, o pádel existe desde meados do XX, mas só passou a ser praticado em terra firme em 1924, quando ganhou espaço principalmente nos parques de Nova York. No Brasil, o esporte foi trazido por argentinos e uruguaios por volta de 1988 e se tornou conhecido primeiro nas cidades gauchas de Jaguarão e Livramento. Com o tempo, o pádel se difundiu por todo o Rio Grande do Sul e acabou atingindo outros estados do país, como Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco. Hoje, cada estado possui sua própria Federação de Pádel, as quais são responsáveis pela organização dos campeonatos estaduais. O campeonato nacional é de responsabilidade da Confederação Brasileira de Pádel (Cobrapa), enquanto o mundial fica a cargo da Federação Internacional de Pádel (FIP).
Seleção brasileira As Seleções Brasileiras de Pádel são consideradas as terceiras melhores mundo, ficando atrás apenas da Argentina e Espanha. São ao todo três seleções: feminina, masculina e menores.
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Mariana Borges Altmayer, de 37 anos, jogou tênis até os 18 e, desde então, por influência da irmã, passou a práticar pádel. A jogadora está na seleção brasileira desde 1998 e já garantiu oito mundiais para o país. Ela afirma que o Brasil tem grande potencial de crescimento no esporte, mas que para isso precisa vencer as barreiras da falta de incentivo e dilvulgação. “É interessante para ver a proporção que o pádel tem hoje, na Espanha, onde tem incentivo, ele é o segundo esporte mais jogado do país. Em Portugal também está crescendo horrores, como no resto da Europa. A Argentina já é forte. Então, essa é a questão.” “O problema é sempre
profissionais é a falta de patrocinio”, explica. Para Ferreira, a única maneira de viver do pádel no Brasil é sendo treinador da modalidade. “Não se pode viver só jogando e contar com as premiações dos torneios, pois o valor dos prêmios não é suficiente”, ressalta o treinador. Para Bruno Nakid, de 31 anos, também da seleçao brasileira, que pratica o pádel desde 1999, um dos fatores que impede o crescimento do esporte no Brasil é a falta de espaços adequados para praticar. “Falta muita coisa, mas em primeiro lugar, mais academias. Nos até temos uma
“Como não tem visibilidade na mídia, televisão, jornal, fica mais difícil captar um patrocínio...e ao mesmo tempo o esporte não é divulgado.”
Mariana Borges Altmayer, jogadora profissional de pádel. patrocínio. Como não tem visibilidade na mídia, televisão, jornal, essas coisas, fica mais difícil de captar um patrocínio grande, e, ao mesmo tempo, o esporte não é tão divulgado”, explica a jogadora. “Nós não temos incentivo nenhum. Faz três anos que eu sou a número um do Brasil e hoje eu tenho patrocínio de uma marca de raquete, que me dá roupa e a raquete, mas, em termos financeiros, é tudo por minha conta: todos os treinos, assistência para campeonatos, as viagens, é tudo do meu bolso”, completa. De acordo com o técnico e dono da única academia de Pádel de Curitiba, Beto Ferreira, o esporte vem crescendo no Brasil, mas ainda a passos lentos, por conta da falta de incentivo. “Hoje temos cerca de mil associados à Federação Brasileira de Pádel, o que é pouco se comparado a outros esportes no Brasil. O que dificulta o pádel chegar a níveis
demanda boa de pessoas que querem jogar, mas falta espaço, faltam quadras”, relata.
Em Curitiba Na capital paranaense, o pádel é praticado em quadras fechadas, localizadas na única academia destinada ao esporte na cidade, a Curitiba Pádel. São ao todo sete quadras que estão com frequência ocupadas pelos jogadores. “Estamos sempre com a agenda cheia. Temos lista de espera, principalmente nos horários da noite, então qualquer pessoa pode jogar, mas o que eu não posso garantir é que tenha espaço para o jogo”, relata. O treinador ressalta ainda que gostaria de construir mais quadras para a prática do esporte, porém também falta em Curitiba é lugar para a contrução.
esportes Mariana Borges Altmayer, número um do Brasil há três anos.
Glaucia Périco
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Cicatrizes para a vida Em meio a títulos e boas lembranças, também estão as lesões. Jogadores de futebl americano paranaenses contam momentos difíceis na carreira. Leonardo Siqueira
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momento mais complicado da carreira de qualquer atleta é quando ele se lesiona. A dor é comparável à de não poder praticar o esporte que se ama. Quando se é profissional, o sofrimento é grande. É preciso ficar em repouso, fazer cirurgias e sessões de fisioterapia exaustivas, que são pagas por um
seis vezes seguidas, bicampeão brasileiro e hoje faz parte do elenco da seleção brasileira que jogará o mundial da modalidade, nos EUA. Essa história de vitórias e conquistas passou por um momento bem delicado. Durante a partida de quartas de final do campeonato brasileiro de 2013, Adan recebeu
“Como sou personal trainer, eu não tenho salário fixo. Se eu dou aula, ganho meu dinheiro. Caso contrário, não.” - Adan Rodrigues.
investidor ou até pelo próprio time, no caso do futebol americano. Mas e quando o atleta é amador? Quando se corre o risco de perder o emprego? Conheça a história desses jogadores e veja até onde é possível ir quando se ama o que faz:
Adan Rodrigues, 28 anos Formado em Educação Física pela PUCPR, o personal trainer Adan Rodrigues é figura conhecida no cenário do futebol americano nacional. Começou a praticar o esporte em 2005, com 17 anos, e participou de momentos importantes do desenvolvimento do futebol americano. Com apenas 21, mobilizou atletas de vários times do Paraná para que montassem a Federação Paranaense de Futebol Americano (FPFA), com o intuito de organizar um campeonato estadual. Assim, ele se tornou o primeiro presidente da FPFA. Dentro de campo, foi campeão paranaense
uma pancada nas costas e fraturou quatro vértebras, fato que o deixou em uma cama hospitalar em repouso. “Foi um momento muito triste, mas também de muito aprendizado”, relembra. “Como sou personal trainer, eu não tenho salário fixo. Se eu dou aula, ganho meu dinheiro. Caso contrário, não. Exatamente um mês após a lesão, a equipe de Adan jogaria a semi-final do campeonato e ele fez do jogo um objetivo. “O médico falou que eu era louco”, ele comenta. Minha namorada, que é fisioterapeuta, também achou que era loucura, mas ela me ajudou. Ela fazia o máximo de sessões possíveis por dia, para eu me recuperar.” Ao fim dos 30 dias, o médico finalmente o liberou para a partida, na qual Adan “anotou” o touchdown que levou a equipe à final do campeonato. “Quando eu entrei na end zone foi uma emoção muito forte. Todo mundo sabia pelo que eu tinha passado, tanto quem estava em campo quanto na arquibancada, e todo mundo Jornalismo PUCPR Revista CDM
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comemorou comigo. Foi uma experiência única.”
Bruno Santucci, 26 anos Defender a seleção do seu país é algo grandioso. Poder viajar com a seleção e defender suas cores fora do território nacional é ainda mais emocionante. Santucci atualmente defende a seleção e faz parte do elenco que disputará o mundial da modalidade nos Estados Unidos, mas a história de sua lesão no joelho vem de uma partida da seleção no Uruguai. Ao todo, foram 12 horas de viagem até Montevidéu, sendo várias horas de ônibus e ainda algumas de avião. Durante a partida, Bruno “anotou” um touchdown e, ao fim da jogada, um jogador da defesa caiu em seu joelho, rompendo o ligamento cruzado e o comprometendo o menisco. Mesmo sabendo da situação, ele voltou a campo enfaixado e lutou até o fim da partida. O que parecia um momento de heroísmo virou pesadelo. Com o joelho inchado, ele teve que deixar a concentração da seleção e voltar ao Brasil (mais de 12 horas de viagem) e ir ao médico. Os exames apontavam que seria necessária uma cirurgia, porém, o atleta estava sem plano de saúde. Sendo assim, a única opção era recorrer ao Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento. Porém, essa novela ainda tinha um outro capítulo pela frente. Devido a um problema pós operatório, uma semana após a cirurgia, foi diagnosticado que
ele tinha uma trombose na perna. “Foi um baque muito forte. Eu sou muito novo e de uma hora pra outra eu estava em uma situação de vida ou morte.” Foram 50 dias de cama, sem condições de fazer nada sozinho.
A realização do sonho poderia ter sido perfeita: em uma convocação para a seleção brasileira, Bruno teve a pior lesão da sua carreira
“Foi um baque muito forte. Eu sou muito novo e de uma hora pra outra eu estava em uma situação de vida ou morte”. Bruno Santucci.
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