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Escrevivências

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Bolo três leites

Bolo três leites

Odia 25 de julho abarca várias datas comemorativas. É o dia do motorista, do colono, do escritor, momentos amplamente destacados na nossa região. Mas o 25/07 também marcou o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha e o Dia Nacional de Tereza de Benguela, líder quilombola cuja história precisa começar a fazer parte das narrativas sobre o nosso país. É curioso dar-se conta que a Lei 10.639, promulgada em 2003, ainda não conseguiu visibilizar lutas tão importantes. No campo da literatura, no entanto, temos, de fato, algo para comemorar, pois brilham mulheres negras escreventes. Em âmbito internacional, contamos com ótimas escritoras traduzidas, como Toni Morrison, Teresa Cárdenas, Marize Condé e Françoise Ego, só para citar algumas. No país, atualmente, destacam-se Eliana Alves Cruz, Miriam Alves, Cristiane Sobral, Conceição Evaristo, entre tantas outras. Não podemos esquecer as precursoras Maria Firmina dos Reis e Carolina Maria de Jesus. No Rio Grande do Sul, temos mais de 40, entre elas, Zeli Barbosa, Lílian Rocha, Maria Helena Vargas da Silveira e Taiasmin Ohnmacht, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, com o romance

Vozes de retratos íntimos, na categoria romance de estreia. A autoria negra feminina está em todas as estantes, feiras de livro e produções acadêmicas. Basta olhar e querer ver. Esses espaços de representatividade da mulher negra como escritora e como protagonista – da obra e da sua própria história – têm ampliado debates e, eventualmente, repaginado alguns estereótipos atinentes a uma estrutura racista. A escrevivência, conceito cunhado por Conceição Evaristo, tornou-se uma estratégia de escrita que possibilita que mulheres negras reconstruam e recontem seus discursos a partir do seu local de fala, moldando as histórias sob uma perspectiva de gênero. Diante disso, a leitura desses textos possibilita um modo de dar a conhecer vivências, com seus projetos e seus direitos, dos mais básicos aos mais complexos.

Infelizmente, apesar do número significativo de autoras, a exclusão ainda ronda a arte, já que não basta escrever, é necessário publicar, vencer entraves de gênero e raça e, muitas vezes, sobreviver economicamente. Escrever não coloca o pão na mesa. Além disso, as denúncias que as obras trazem nem sempre são agradáveis ao sistema secularmente opressor. Talvez escritores e escritoras não negros digam que também atravessam um mar sem pão e sem prata. Que também denunciam e desagradam. Mas então, remetendo ao primeiro parágrafo deste texto, eu indicaria a urgência de conhecer a história negra brasileira. Pois o leitor atento se aperceberá que o protesto presente em praticamente todas as obras de mulheres negras está longe de ser “mimimi”. São falas necessárias e correspondem ao que nos explica Conceição Evaristo, em entrevista concedida à Carta Capital, em 2017: “escrever e publicar para mulheres negras é um ato político”. Eu acrescentaria que é revolucionário, inclusive para quem, de fato, lê.

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