Artefato Jornal-laboratório da Universidade Católica de Brasília | Ano 12 | Setembro de 2011
Construí. E agora?
foto: Everton Lagares
Da reforma para a rua, da rua para a Estrutural. Restos da construção civil se amontoam em locais inapropriados. Mas há soluções para o problema [8 a 11]
Cara, cadê meu carro?
Cabe no bolso
Moradores de Águas Claras sofrem com roubos de automóveis [7]
Nem só de eventos caros vive o DF. Tem cultura boa e barata na capital [18]
foto: Dayanne Teixeira
O custo de saber comer Descubra o quanto é preciso gastar para ter uma alimentação saudável [13 a 16]
setembro de 2011
EXPEDIENTE
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editorial
expediente
Artefato, um jornal para o leitor
ARTEFATO Jornal-laboratório do Curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Brasília Ano 12 nº 4, setembro de 2011
Maria Clara Oliveira e Roberta Sousa
De cara
e equipe novas, o Artefato inicia mais um semestre. Após consenso entre as turmas da manhã e da noite, surgiu a proposta de se fazer um jornal direcionado para a comunidade, prezando pela importância dos detalhes – um jornal diferente e bom de ser lido. Continuando a proposta de outros semestres, a parceria dos repórteres com a turma de fotojornalismo. Um diferencial é a participação da equipe da Casa da Mão, com as Marginais. Além disso, surgem novas seções no jornal: Rapidinhas, com matérias de menor tamanho, mas não com menos informações; Bla Bla Blá, com uma forma inovadora de tratar a matéria: palavras cruzadas; e Ponto & Virgula, uma seção que reúne perfis, crônicas, artigos, obituários – um respiro literário. É assim que o Artefato se apresenta aos leitores: de cara mais simples, dando atenção a assuntos próximos aos moradores de cidades como Guará, Ceilândia, Águas Claras, Areal, Taguatinga. Nesta nova fase, o jornal está comprometido em tratar de temas próximos ao seu público, sempre procurando o ponto que
ombudsman
interessa aos moradores do DF em cada assunto, e em aproximar as grandes editorias, como política, da vida dos leitores. Como a economia interfere na alimentação do morador do Distrito Federal? Quais são os efeitos da seca sobre a população? Questões como essas já são abordadas na primeira edição, que traz, na capa, uma situação visível no cotidiano: o acúmulo de lixo de construções, depositado no meio das ruas. Com base em projetos governamentais e voluntários, o Artefato traz soluções que já existem para o problema, que começa com o aumento do número de construções no DF. As matérias do primeiro número do Artefato deste semestre trazem a essência da nova equipe: não basta apontar os problemas que já existem. É preciso, também, mostrar as soluções que podem ser adotadas pela comunidade. A população pode se preparar para um jornal diversificado: com temas “sérios”, mas sem fechar os olhos para os temas cotidianos, que são frequentemente esquecidos pelos grandes veículos de comunicação. Boa leitura.
Análise da edição anterior do Artefato Edmar Araújo*
Não
podiam faltar adjetivos para comentar a terceira e última edição do Artefato no primeiro semestre de 2011. Os alunos foram bastante corajosos na escolha dos temas e aqueles que trabalharam como repórteres cumpriram um premissa fundamental para a profissão de jornalista: a curiosidade. A edição apresenta uma bela crônica sobre a “Geração Álcool Gel” que empreendeu criatividade no título, leveza no texto e um resgate de boas memórias. A matéria “A pedra que mata” matou a pau na narrativa e principalmente nos personagens entrevistados, justificando a coragem antes citada. Em geral, o aspecto mais positivo do jornal é a vitalidade e a fuga dos padrões que enquadram textos além do tom humanitário das reportagens. Já o que menos gostei foi a falta de informações e fontes. Não que não foram apresentados, mas talvez não tenham alcançando profundidade a ponto de tornar em informação dados mais relevantes. Os curiosos do Artefato foram auda-
ciosos na matéria de capa e lidaram com um dos assuntos mais universais da humanidade: a religião. E pecaram ao publicar na capa que o sigilo dos bilhetes escritos a Deus tinha sido quebrado. E pecaram ao chamar de construção o muro de Jerusalém, quando na verdade ele é uma ruína do templo que ali existia. É um simples detalhe que pode causar as mais diversas reações. O tom religioso persistiu na matéria que tratou sobre a decisão do STF em relação a uniões homoafetivas. Concordando ou não, o texto está um pouco pendente para a ala dos que são contra a resolução do Supremo. Isso não o desmerece, mas dá a conhecer a posição da repórter. Bom ou ruim? Vai da opinião de quem lê-la. A matéria sobre as garotas de programa foi global: saúde segurança, legislação e direitos humanos. Em pouco espaço, muitos detalhes que passam despercebidos, desvelando preconceitos e convidando para uma sadia reflexão sobre mulheres que ganham a vida comercializando o pró-
artefato
Foto: Nilson Carvalho
Jornal-laboratório da Universidade Católica de Brasília ano 12, número 3 junho de 2011
FEITIO DE ORAÇÃO O Artefato descobriu o que as pessoas escrevem nos bilhetinhos que deixam a Deus A fé entra em colisão com movimentos sociais na política Páginas 14 e 15
A dura realidade dos jovens usuários de crack em Ceilândia
“Matar aula” pode ficar mais difícil: projeto quer reduzir faltas dos alunos
Páginas 4 e 5
Página 6
prio corpo. Encerrando meu comentário, o perfil da edição é lindo ao mesmo que ensina aos futuros jornalistas sobre como retratar o cotidiano com dedicação, carinho e inovação. *Estudante do sétimo semestre de Jornalismo.
[reitor] Dr. Cícero Ivan Ferreira Gontijo [diretor do curso de comunicação social] prof. André Luís Carvalho [disciplina] Produção e Edição de Impressos
[editoras-chefe] Maria Clara Oliveira e Roberta Sousa [editores de texto]
Bianca Baamonde, Karoline Soza, Lanier Rosa, Nelson Araújo, Patrícia Rodrigues, Wlissara Benvindo [editores de fotografia] Bárbara Fragoso, Juliana Campêlo e Thamyres Ferreira [editores web] Luísa Dantas e Guilherme Guedes [editores de arte] Flavio Brebis e Samira Pádua [projeto gráfico] Layon Maciel, Matheus Martins, Samira Pádua [reportagem] Alessandro Alves, Carolina Alves, Cássia Santos, Douglas Furtado, Gabriela Costa, Gabrielle Santelli, Guilherme Carvalho, Jéssica Santos, Juciene de Souza, Karoline de Faria, Laís Marinho, Leonardo Coelho, Ludmila Rocha, Marcele Degaspari, Orlando Rodrigues, Patrick Martin, Paula Carvalho, Péricles Lugos, Samantha Freitas, Sthephany Cardoso, Victória Camara [diagramação] Andressa Albuquerque, Carolina Nogueira, Layon Maciel e Matheus Martins [fotografia] Bruno Bandeira, Dayanne Teixeira, Everton Lagares, Nayara Viana, Paulo Freire, Rayna Fernandes, Renata Anunciação, Silvia Bertoldo
[professoras responsáveis] Karina Gomes Barbosa e Sofia Zanforlin [orientação gráfica] Prof. Dilson Honório de Oliveira [orientação de fotografia] Prof. Thiago Sabino [tiragem] 2 mil exemplares [impressão] F CÂMARA Gráfica
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA EPCT QS 07 lote 1 Águas Claras - DF CEP: 71966-700
[telefone] 3356-9237 [e-mail] artefato@ucb.br [site] www.issuu.com/jornalartefato [twitter] @artefatoUCB
setembro de 2011 foto: Renata Ribas
RAPIDINHAS cinema
A nostalgia do último Drive-in do Brasil Paula Carvalho
O ano
Brinquedos são trancados pelos moradores para inibir vandalismo
Taguatinga
Praça pública, reforma privada Thamyres Ferreira
Em junho,
o GDF anunciou que os moradores de Taguatinga receberiam R$ 12,2 milhões para benfeitorias na cidade. Segundo a Administração Regional, o valor seria destinado às coberturas de quadras esportivas em escolas, construção de novas praças e reformas de antigas. Até o momento, apenas algumas obras estão programadas. Para efetivação dos serviços, a espera é longa: em torno de seis meses, aproximadamente. O síndico do prédio Pedro Gontijo, na CSB 6, Ronaldo de Oliveira Nascimento, encontrou barreiras na burocracia ao procurar a administração para revitalizar a pracinha em frente ao condomínio. Há alguns meses, o local era conhecido como ponto de encontro para uso de drogas e consumo de álcool por menores de idade. O próprio Ronaldo encontrou quase um 1 kg de maconha embalado como balinhas e pirulitos. “Pedimos várias vezes ronda policial, inclusive a implantação de parques na área, mas sempre era uma coisa muito vaga. Preencher formulários, abaixo-assinados, o que se tornava inviável, bem limitado. Precisávamos de uma solução imediata. Chegamos a presenciar relações sexuais”, conta. Em meio à onda de reclamações dos moradores e preocupados com as crianças e adolescentes, o síndico e o conselho de administração do condomínio decidiram utilizar o dinheiro extra do prédio para tornar a praça um lugar de lazer e, ao mesmo tempo, inibir o consumo de álcool e drogas. O investimento foi de R$
1400 nos brinquedos. A cesta de basquete foi doada por um fabricante, que, ao ver a alegria das crianças, não aceitou pagamento. Funcionários ajudaram a limpar o local. Após a transformação, a pracinha é movimentada por crianças, adolescentes e idosos. A aposentada Edite Rodrigues leva os dois netos, um de três e outro de dois anos, todos os dias depois que os busca da escolinha. Ela conta que durante os 23 anos morando na região, nunca tinha visto uma reforma na área. “Melhorou, mas à noite ainda é pesado, há um abandono grande da administração. Há lugares que têm academia para fazer ginástica, mas aqui por perto não tem nada”, protesta. Ronaldo Nascimento garante que o ambiente melhorou, mas admite que ainda sofre com a depredação e o barulho de vândalos na madrugada. Por precaução, os condôminos decidiram trancar tudo com cadeados. “A realidade é que nós só conseguimos afastar o problema, mas resolver tudo mesmo, como morador, não tem como.” A servidora pública Elida Veloso, moradora do prédio, afirma que clima agora é outro. “Acabaram os drogados, os pedintes que cheiravam cola.” Segundo o síndico, somente após a implantação dos brinquedos a Administração Regional de Taguatinga se manifestou: teriam dito que tudo seria retirado porque não estava nos planos do governo. “A administração disse que a área não estava sendo planejada, mas a maioria dos moradores se mobilizou, não aceitou a decisão. Então, ficou acertado que a praça não ia receber investimento do GDF”, conta. Procurada pelo Artefato para esclarecer sobre assunto, a Administração Regional de Taguatinga informou que não há nenhum interditamento da área previsto. A pracinha está nos planos do governo, mas por enquanto, a prioridade é para as praças mais antigas e tradicionais.
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ninguém com a cabeça na sua frente, dá pra ficar mais à vontade, descalço, jantar com a namorada e ver um filme. Isso tudo no mesmo lugar!”, diverte-se Raphael. Quem quiser um lanche é só deixar o farolete ligado que será atendido. O cardápio tem sanduiches, petiscos, refrigerantes e até algumas bebidas alcoólicas. O projetor usado no cinema ainda é bem antigo, mas funciona bem. Marta afirma que a principal diferença entre ele e o dos cinemas convencionais é uma lâmpada de quatro mil watts. “A lâmpada dos outros cinemas é de 2000 ou 2500 watts, mas a minha tem que ser mais forte, pois tenho que competir com a iluminação de alguns postes e com a lua. A lua cheia de Brasília é linda demais, mas muitas vezes atrapalha nas projeções.” Ela evita passar alguns tipos de obras. “Os filmes de terror e alguns filmes de suspense são muito escuros.” A proprietária lamenta não ter o espaço regularizado. Assim fica mais difícil conseguir patrocínio, além de não poder aumentar a divulgação do espaço. O cinema é mantido apenas pela iniciativa privada. No entanto, Marta garante que a empresa está dentro dos padrões da Agência Nacional do Cinema (Ancine) e com todas as contas em dia. Fora isso, ela não se preocupa de imediato com o futuro do cinema, afinal de contas o estabelecimento já sobreviveu a muitas mudanças e sua enorme tela recebe por mês os olhares de mais de duas mil pessoas.
era 1973. Apesar de estar no auge da ditadura militar, o Brasil fervilhava com acontecimentos culturais. Nas vitrolas, os Secos e Molhados rodavam incansavelmente e, na televisão, Lima Duarte incorporou o cangaceiro Zeca Diabo na primeira novela em cores da TV brasileira, O bem amado. Nos cinemas, além da explosão das pornochanchadas, obras de grande importância chamavam atenção como Os Condenados e Sagarana, O duelo. Enquanto isso, na capital, no dia 25 de agosto era inaugurado o Cine Drive-in. Diferente dos convencionais, é um cinema ao ar livre, que associa a privacidade de estar em seu próprio carro à possibilidade de interagir com amigos e familiares. O responsável pela idéia era filho do general João Figueiredo, presidente do país seis anos depois. O primeiro zelador do estabelecimento foi também um militar que trabalhava no regimento de cavalaria e fazia bicos à noite, de acordo com a sua filha, Marta Fagundes. Ela adquiriu o cinema 16 anos depois e é a atual proprietáfoto: Paula Carvalho ria. O cinema situado no autódromo Nelson Piquet tem um telão de concreto de 312 metros quadrados e comporta 500 carros. De acordo com Marta, a clientela do Drive-in é composta por pessoas de todas as idades. No início da noite, filmes infantis atraem famílias. “Mais tarde, projetamos filmes direcionados ao público adulto, como comédias românticas e dramas. Grande parte dos pais fica pra assistir à próxima sessão enquanto os filhos dormem.” A proprietária ressalta também a presença do público idoso e com algum tipo de deficiência física, já que o local é mais tranquilo e de mais fácil acesso que os shoppings. Apesar do clima romântico de assistir a um filme sob o luar, o casal Rafaela Felicciano e Raphael Ribeiro garante que vai lá para assistir ao filme em um ambiente diferenciado. Há 38 anos em funcionamento, o local tem público fiel e comporta 500 carros “Tudo aqui é legal! Não tem
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RAPIDINHAS
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ensino profissionalizante
Projeto capacita voluntários para a Copa do Mundo Péricles Lugos
Serviço: As sedes dos CILS ficam no Gama, Sobradinho, Guará, Taguatinga, Ceilândia e Brasília. Fone: (61) 3901 – 7619
Site: http://cilumgoldeeducacao. blogspot.com/
Os Centros
Interescolares de Línguas do Distrito Federal (CILS), escolas públicas que ensinam línguas estrangeiras como inglês, francês, espanhol, japonês e alemão, lançaram um projeto que colocará os alunos nos bastidores dos jogos que ocorrerão no renovado estádio Mané Garrincha durante a Copa do Mundo 2014. O intuito da iniciativa é fazer com que os estudantes pratiquem os idiomas que estão aprendendo, interagindo com o público estrangeiro e funcionários de outros países. O Projeto Gol de Educação, uma parceria dos CILS com as secretarias de Educação e Esportes e a Assessoria Internacional do GDF, selecionará 2014 alunos que deverão ter no mínimo, até o ano da Copa, 18 anos incompletos. Além de praticar a fluência no idioma, os educandos aprenderão um pouco sobre a cultura de outros países, costumes, economia e política. Os estudantes selecionados participarão de um intensivo, em suas respectivas línguas, meses antes do início da Copa. O objetivo é fazer com que os educandos tenham mais segurança quando forem a campo. Segundo a coordenadora do projeto, Ana Cristina Chaves, a preparação é essencial. “Fazemos isso para que os alunos não cometam gafes, como oferecer carne vermelha para um indiano. Dessa maneira, todos perderão a inibição e se sentirão mais seguros para interagir”, explica. As expectativas dos alunos são altas. Jennifer Josie Gomes, 16 anos, estuda inglês e será uma das jovens que estará à frente do projeto. Para ela, conquistar essa vaga foi um enorme passo. “Participar dessa copa tem tudo a ver com o meu lado comunicativo. Fiquei muito feliz em ter sido selecionada. Minha expectativa é conhecer outras culturas e pessoas diferentes.” Para Luciane Macedo, professora de francês, todos os selecionados terão uma oportunidade única. “Eles irão praticar da forma mais natural o que aprenderam em sala de aula. A integração se fará presente e a interação do idioma com a cultura será um dos fatores que os alunos levarão para toda a vida. Vale lembrar que ainda existem vagas disponíveis, e o educando que estiver disposto a participar basta se inscrever”, lembra Luciane. Atualmente, a instituição conta com 700 professores e 35 mil alunos matriculados.
inclusão
Capacidade e dedicação na escola Samantha Freitas
Para
os alunos do Centro de Ensino Especial 1 (CEE 1), cada segundo é precioso. A escola foi construída para ser uma instituição de ensino comum, mas aos poucos se tornou um Centro de Ensino Especial. No local, são realizados trabalhos de conscientização. O objetivo é diminuir o preconceito com relação a pessoas portadoras de deficiência, mas o foco do CEE 1 é não tratá-los como deficientes. Educação física, formação de projetos e trabalhos com reciclagem são algumas das atividades desenvolvidas no local. Essa maneira de educar colabora para o melhor desenvolvimento de crianças e adolescentes e alia atividades práticas à sala de aula, de forma descontraída. Desde 2003, José Antônio de Araújo atua como diretor do CEE 1. Localizada na QNJ 20 AE 12, em Taguatinga Norte, a escola funciona de segunda a sexta nos períodos matutino e vespertino. Atualmente, a instituição abriga cerca de 300 alunos especiais, entre quatro e 21 anos. Para ampliar de forma dinâmica o conhecimento dos alunos, também são desenvolvidos trabalhos de jardinagem e formação de grupos musicais. Segundo o diretor, o lado positivo de lidar com pessoas especiais é a questão de trabalhar com a humildade: “Ser educador não é só educar. Afeto, carinho, amor e dedicação também ajudam a resgatar o aluno”. De acordo com José Antonio, existem algumas limitações na execução do trabalho. Para realizar, de maneira eficaz, esse tipo de atividade, é necessário focar nas condições humanas. “De vez em quando é preciso ser intuitivo para ajudar os alunos.”
“
Ser educador não é só educar. Afeto, carinho, amor e dedicação também ajudam” JOSÉ DE ARAÚJO
bombeiros
Os heróis do cerrado Patrick Martin
Devastação,
queimadas são feitas exatamente no período da seca e as medidas prévias de controle nem sempre são adotadas, fazendo com que sua intensidade e extensão aumentem, e o Corpo de Bombeiros seja chamado. Para exemplificar a eficiência dos Bombeiros, voltemos a 2007. Naquele ano, foi preciso reduzir os serviços urbanos para se concentrar nos focos de incêndios, que chegaram a mais de 60 focos simultâneos. Os heróis colocaram em prática a missão estabelecida pela corporação: “proteção de vidas, patrimônio e meio ambiente”. Atualmente, os bombeiros contam com 5.487 militares, 10 carros e um helicóptero, espalhados pelas 26 unidades de atendimento a emergências, estrategicamente distribuídas em todo o território do Distrito Federal. O mês de julho deste ano apresentou 662 ocorrências, contra 640 do mesmo período do ano passado. Ainda assim, os nú-
baixa umidade, queimadas, incêndios. Bravura, dignidade, disciplina, ética, hierarquia, patriotismo. Percebe a ligação? Explico. De um lado, a época da seca chegou e, com ela, vêm consequências graves para toda a população e o meio ambiente. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a umidade relativa do ar no Distrito Federal já atingiu a marca de 10%, igualando os recordes de 2002 e 2004. Para ter uma ideia, este índice pode ser comparado ao deserto do Atacama, localizado no Chile e considerado um dos mais foto: Rick Antunes secos do mundo. Se o problema fosse apenas esse, passaríamos um hidratante no corpo, beberíamos bastante água, e tudo certo. Mas não é bem assim: com a seca, vêm as queimadas e incêndios. E as razões são diversas. De outro lado, se a seca remete a queimadas, é como já dizia um famoso Perigo em queda: de janeiro a agosto de 2011, foram menos seriado mexicano: ocorrências e área queimada menor que no ano passado “Quem poderá nos defender?”. É aí que entram os “heróis brasilienses”: o Corpo de meros confirmam a eficácia dos bombeiros. Bombeiros Militar do Distrito Federal. No Quando o quesito é a extensão das queimaDF, o CBMDF realiza a “Operação Verde das, em julho de 2010 foram 2.848,07 km Vivo”, de que são encarregados 5% da corpo- de área devastada, enquanto no mesmo mês ração – 275 militares – para reduzir o número deste ano foram 2.224 km. Contando os núde incêndios. Para a conscientização ambien- meros de janeiro a agosto, 2010 teve maior tal da população, contam com a ajuda de di- índice de ocorrências e áreas queimadas. Por ser custeado pela União, o CBMDF versos órgãos, como as secretarias do Meio Ambiente, de Educação e de Saúde, o Ibama não atua apenas no Distrito Federal e Ene o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). torno. “Nossa corporação age em todo o Engana-se quem acha que as causas de território nacional. Se existe algum foco de incêndios são naturais, porque o clima seco incêndio maior que o esperado e precisam é propício para essas ocorrências. Segundo de ajuda, nos chamam. Esse é o nosso difeo Quartel Central do Corpo de Bombeiros, rencial”, afirma o major Valber. Portanto, valem as dicas: nunca jogue o motivo esmagador é humano. “Mais de 90% dos incêndios são causados por pes- resto de cigarro pela janela do carro, use o soas”, afirma o Major Valber Costa. Para cinzeiro do veículo; para que não se perca o piorar, são intencionais. “O maior objetivo controle do fogo, o produtor rural que fizer das queimadas é o chamado fogo de alimen- alguma queimada em sua propriedade deve tação, ou seja, a limpeza de terreno”, relata. antes comunicar os Bombeiros e o Ibama, As queimadas têm sido a técnica mais em- para receber instruções de como fazê-la; pregada como forma de “manejar” lavouras quando vir um incêndio, informe aos Bomou pastagens naturais e plantadas. É a ma- beiros o quanto antes no número de emerneira preferida de limpar o pasto ou a área gência, 193. Os bombeiros estão fazendo a que será cultivada no início das chuvas. Tais parte deles, e você?
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CIDADES
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criminalidade
Aumentam estupros nas satélites
Violência sexual cresce em relação ao mesmo período do ano passado; Região Oeste é a que mais preocupa Douglas Furtado e Guilherme Carvalho
“Pânico,
medo, vergonha, fragilidade, são alguns dos sentimentos apresentados por uma vítima de estupro.” É o que afirma o especialista em violência doméstica e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Adailson da Silva Moreira. Essas sensações só têm aumentado: esse tipo de crime cresceu 45% no Distrito Federal. Segundo o balanço trimestral (janeiro a março de 2011) do Departamento de Polícia Civil do Distrito Federal, foram contabilizados 283 casos e mais 30 registrados como tentativa de estupro (em 2010, foram 195 no mesmo trimestre). O local com maior incidência é a região que abrange Águas Claras, Ceilândia, Samambaia, Recanto das Emas, Brazlândia e Taguatinga, com 138 casos (48,7% do total). No ano passado, na mesma região e período, ocorreram 100 casos. O aumento foi de 27,5%. O delegado titular da 27ª Delegacia de Polícia, no Recanto das Emas, Alexandre Dias Nogueira, explica que o aumento dos casos se dá pela mudança na legislação. Para ele, o aumento efetivo no número de estupros não é tão grande: “Se registrou bastante pelo fato da nova lei englobar outros crimes ao estupro. Hoje, qualquer ato libidinoso se classifica como violência sexual. De estupro, mesmo, são poucos casos.” Até o ano passado, se considerava crime de estupro apenas quando havia penetração do pênis na vagina. A partir da nova lei, o atentado violento ao pudor (penetração anal forçada e outros atos de desejo sexual) foi classificado como crime de estupro. Segundo Alexandre, a reforma da legislação é vantajosa para as vítimas: “É melhor, devido ao impacto do nome ‘estupro’”. O perigo mora em casa Ainda de acordo com o delegado da 27ª, a maioria dos casos acontece dentro de casa e as vítimas são meninas entre 12
e 13 anos. Os crimes são cometidos pelos padrastos ou parentes próximos: “São casos internos, o casal se separa e a mulher mora com as filhas. Nasce o desejo de satisfazer a lascívia com essa menina mais nova”. Se por um lado os números aumentaram, esses casos ainda permanecem fora das estatísticas. “São casos que permanecem sem denúncia”, explica Alexandre. O secretário de segurança pública do Distrito Federal, Sandro Torres Avelar, conta que, além da mudança da lei, a aproximação da polícia com a população resulta no aumento das denúncias. “Os projetos e programas que a polícia faz trazem mais confiança da população; e liberdade para denunciar.” Uma forma de dar mais acolhimento às vitimas, que são maioria feminina, é deixar sempre uma mulher no atendimento. “Geralmente, elas chegam fragilizadas, inseguras. Tem o trauma de acabar de ser
abusada por um homem; então, é sempre melhor falar com alguém do mesmo sexo.” Depois do crime A recomendação da polícia é tentar guardar características do agressor: cor do cabelo, tatuagens, roupas ou algo útil para identificação do culpado. Depois do ocorrido, o procedimento é não tomar banho, para manter as provas e, se possível, levar a roupa (principalmente as roupas íntimas) usadas no momento do crime. Essas atitudes facilitam a identificação feita a partir do sêmen do agressor. Caso haja sangramentos ou feridas resultantes do estupro, o primeiro passo é procurar atendimento médico emergencial. Após isso, a vítima deve ser encaminhada para o atendimento psicológico. “[Ela] poderá se sentir fragilizada para sair sozinha às ruas, incapaz de ficar em casa sozinha. A insegurança poderá ser a tônica comporta-
foto: Douglas Furtado
Delegacia no Recanto das Emas, uma das regiões com o maior aumento de casos
“
[Ela] poderá se sentir fragilizada para sair sozinha às ruas, incapaz de ficar em casa sozinha” ADAILSON MOREIRA
mental daí em diante”, explica o professor Adailson. Outros fatores implicam para o acompanhamento das vítimas que, dependendo do caso, precisam de atenção especial: “Se o nível de stress for muito alto, no pós-trauma, a vítima poderá necessitar de calmantes, para diminuir a ansiedade”. De acordo com o professor, na maioria dos casos, a vítima da violência se culpa pelo ocorrido. “Elas tendem a crer que, de alguma forma, foram responsáveis pelo que ocorreu. Não são poucos os profissionais, das mais diversas áreas, a sugerir que a vítima foi responsável pelo estupro, como se, ao usar uma minissaia, por exemplo, a mulher esteja estimulando possíveis agressores”, completa. Há casos em que a pessoa violentada, por causa do constrangimento, não revela o que aconteceu. Uma forma de detectar o crime é o comportamento da vítima. “Os sinais são bastante variados, desde o pânico, que pode se manifestar em ataques fóbicos, terrores noturnos, delírios persecutórios, incapacidade psicológica para o ato sexual no futuro, o medo de contaminações por doenças sexualmente transmissíveis, que pode se prolongar por longos anos com o surgimento de neuroses e até psicoses, que podem evoluir para tentativas de suicídio”, conclui Adailson.
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CIDADES
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clima
Seca, calor e poeira: População sofre com sol forte e baixa umidade do ar em meio à poeira das constantes obras Guilherme Guedes e Orlando Rodrigues
Todo
mundo sofre com o período seco em Brasília. Mas quem mora em Águas Claras sente mais. Além do efeito natural do clima, a poeira que vem das obras prejudica ainda mais a saúde de moradores e trabalhadores da cidade. Prédios inacabados; guindastes; barulho de britadeiras; caminhões carregando areia; pessoas com garrafa de água na mão; cheiro de terra; céu acinzentado; sapatos sujos de poeira. Esses são só alguns elementos. Leonardo Gomes, porteiro do Residencial Antônio Carlos Pires de Araújo, conta como a poeira atrapalha o dia-a-dia. “O zelador tem que limpar o prédio toda hora. Os moradores reclamam muito porque os apartamentos estão sempre empoeirados. Os móveis que as pessoas limpam de manhã, à tarde já estão sujos.” Já virou costume: de maio a setembro, é tempo de sofrer com a seca. Temperaturas elevadas e baixa umidade do ar causam problemas. De acordo com o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), no dia 15 de agosto, a umidade relativa do ar chegou a marca dos 10% pela terceira vez na história. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a escala de umidade relativa do ar como: de 20% a 30%, estado atenção; de 12% a 20%, estado de alerta; e,
abaixo dos 12%, estado de alerta máximo. Por isso, a população está assustada com o índice. Ricardo Martins, pneumologista e professor da Universidade de Brasília, dá algumas dicas sobre como amenizar os efeitos da seca e da poeira. “Umidificar o ambiente de casa com toalhas molhadas, bacias d’água e umidificadores é fundamental, mas é preciso trocar a água e limpar os recipientes diariamente. Para a limpeza da casa deve-se passar um pano úmido e evitar varrer o chão”. De acordo com Ricardo, o mais importante é beber água, suco de frutas naturais ou água de coco na quantidade de um copo de 250 ml, a cada hora em que a pessoa estiver acordada. Problemas para uns, solução para outros. Foi esse o pensamento da ambulante Vanessa Laís, que começou a vender garrafinhas de 500 ml de água a dois reais, cada. Estrategicamente posicionada perto do metrô de Águas Claras, em frente a um semáforo, ela vende para os passageiros da estação e para quem passa de carro. “Comecei há pouco tempo e tenho vendido bastante. As pessoas reclamam demais da secura. Ontem mesmo, uma menina de Uberlândia se queixou muito.” A diarista Consuelo Sousa, que trabalha de segunda à sexta
“A Velhinha na Marginal”: Casa da Mão
A
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10%
foto: Ricardo de Mello
foi a a umidade relativa do ar no dia
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Em Águas Claras, moradores sentem mais a falta de chuva: problema intensificado pelos 130 prédios em construção
em um apartamento em Águas Claras, também reclama do clima. “Trabalho de frente para o parque. Quando vou limpar o apartamento vem aquela poeira fina que já dá vontade de tossir. É uma tosse seca, sinto como se minha garganta estivesse queimando”, explica. “O clima seco, especialmente em Brasília, faz com que a camada de poeira não se disperse na atmosfera. E, assim, fica mais próxima do ar que respiramos. Tais efeitos acarretam doenças decorrentes de processos alérgicos e infecciosos. Asma, rinite, sinusite e bronquite aguda (alérgicas). Resfriado, gripe, sinusite, amigdalite, faringite, laringite e pneumonias (infecciosas)”, explica o pneumologista Ricardo Martins.
O médico esclarece como o clima seco interfere na saúde. “A secura do ar impede que a camada de poeira se disperse na atmosfera. Por isso, essa poeira fica mais próxima do ar que respiramos. E, quando se respira esse ar, podem se desenvolver alergias ou doenças infecciosas”, finaliza. Cidade inacabada Águas Claras foi criada a partir da lei nº 385 de 1992. Em 2003, foi reconhecida como a Região Administrativa XX. De acordo com levantamento feito pela Secretaria de Coordenação das Administrações Regionais, realizado em 2009, a cidade já possuía 180 mil moradores, 520 prédios habitados, 130 em construção e 220 lotes livres.
de agosto Em entrevista dada à revista National Geographic este ano, o atual administrador da região, Athayde Passos da Hora, descreveu Águas Claras como “o maior canteiro de obras da América Latina”. Apesar disso, não existe nenhum posto de saúde ou hospital na cidade. O mais próximo centro de saúde, o nº 5, fica em Taguatinga Sul. No Guará existem três centros de saúde e dois postos. Em Taguatinga são oito centros de saúde e uma policlínica. E em Águas Claras? A ouvidoria da administração esclarece que embora a região não tenha hospitais, já existe um terreno reservado, na avenida Parque Águas Claras, para a construção de um centro de saúde. Não há data prevista para o início das obras.
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CIDADES
segurança
Violência de cidade grande
O crescente número de roubos de carros em Águas Claras tem deixado os moradores da região cada vez mais inseguros Luísa Dantas
Águas
Claras começou pequena. Poucos prédios, poucos moradores. Mas, com um projeto urbanístico que enchia os olhos de quem via e localização privilegiada, a apenas 20 minutos de distância do Plano Piloto e vizinha de Taguatinga, tem crescimento acelerado. Atualmente, a cidade tem população estimada em 136 mil pessoas e só tende a crescer. Com o crescimento desenfreado, problemas de cidade desenvolvida começam a assustar os habitantes da região administrativa. Trânsito intenso nos horários de pico, falta de lugares para estacionar e furto de carros são os motivos que mais preocupam os cidadãos de Águas Claras, que vêem a paz diária ser invadida por uma violência que antes era rara. A Polícia Civil registrou seis roubos no comércio e seis furtos de veículos entre dezembro de 2010 e fevereiro de 2011. Os ladrões estão aproveitando as construções na região para se disfarçarem de operários e cometerem os crimes. Para o major Marcelo Koboldt, o principal problema é que os moradores não estão fazendo o registro dos furtos que ocorrem na cidade, atrapalhando o trabalho da polícia. “As pessoas são furtadas, mas não registram na delegacia o ocorrido. Tivemos
um aumento de 50% da violência em Águas Claras, principalmente em relação a acidentes de carros com vítimas. Mas precisamos que os moradores tenham consciência da importância desses boletins de ocorrência, para descobrirmos onde podemos colocar mais policiamento e melhorar a segurança”, afirma. Falsa impressão de segurança A moradora Carolina Ferreira, 31 anos, foi uma das vítimas. Moradora da cidade há 11 anos, ela conta que teve o veículo levado, aproximadamente às 20h, em local próximo à academia em que malha. “Eu fui para a academia, mas tinha tanto carro que tive que parar o meu longe. Tranquei o veículo, confiante que ia voltar e o carro ia continuar no mesmo lugar. Quando voltei, o veículo tinha desaparecido e ninguém tinha visto absolutamente nada. Foi terrível.” Carolina tinha acabado de comprar o automóvel. “Só fiquei com o prejuízo e os ladrões, com o meu carro”, afirma, frustrada. Para a moradora, a segurança de Águas Claras deixa a desejar. “Por ser uma região nova e de classe média alta, as pessoas têm a falsa impressão de que nada acontece por lá. Não vejo vigilantes nas quadras durante o período noturno, momento em
foto: Rayna Fernandes
Falta de vagas, novos moradores: mais risco para os donos de automóveis
que a violência sempre é maior. Isso é uma evitam transtornos desse tipo”, ressalta. falta de respeito com a população, que paga Quanto aos furtos realizados em residênpor isso e não vê resultado”, ressalta. cias, o presidente do SINDESP/DF afirma que monitoramento eletrônico e serviços de Ações possíveis vigilantes treinados intimidam bastante as Irenaldo Lima, presidente do Sindicato ações dos criminosos. “Ficar embaixo do prédas Empresas de Segurança Privada, Sis- dio pode ser um erro fatal. A maioria dos critemas de Segurança Eletrônica, Cursos de mes acontece com pessoas desatentas, o que Formação e Transportes de Valores do Dis- pode resultar em simples furto ou algo pior, trito Federal (SINDESP-DF), diz que os como os sequestros relâmpagos”, alerta. A estabelecimentos em Águas Claras deveriam Polícia Militar nega a falta de policiamento em investir em segurança privada, a fim de pro- Águas Claras. Segundo o coronel Luiz Fonteger os clientes de furtos e sequestros. “Es- seca, do comando de policiamento do DF, as tacionamentos internos, colocar câmeras de estatísticas não mostram variação alarmante segurança e contratar vigilantes capacitados nos assaltos. Hoje existem três unidades de aumentam a segurança dos frequentadores e policiamento na R.A.
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resíduos
Casa bonita, lixo na rua
Restos da construção civil em locais impróprios causam problemas; mas já há solução
Laís Marinho
Mesmo com o contêiner, lixo continua espalhado em quadra de Ceilândia
Peneira
a terra, prepara o cimento, enfileira os tijolos, corta a cerâmica... Assim tem sido a rotina da família Passos Pires, que, após o nascimento da pequena Ariel, resolveu oficializar de vez a união. O casamento está marcado para o segundo semestre de 2012, mas a construção da nova casa está a todo vapor: as paredes dos dois quartos, banheiro, sala e cozinha já foram levantadas. No entanto, após tanta novidade, o casal se deparou com um problema: o que fazer com o lixo resultante da construção? A dificuldade enfrentada pela família é uma realidade
presente na vida de muitos cidadãos que resolvem, literalmente, colocar a mão na massa. Pressionados pela falta de local adequado para dispor dos resíduos produzidos pelas obras, muitos deles agem sem orientação e recorrem a carroceiros para dar destino às sobras das construções. O resultado? Boa parte desse lixo é exposta em lugar inadequado, como locais públicos e residenciais, colocando em risco a vida da população. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2000, os brasileiros produzem cerca de 125.281 toneladas de lixo dia-
riamente. Pesquisas realizadas pelo curso de Economia da Universidade de Brasília apontam que são geradas, por dia, aproximadamente 2.800 toneladas de entulho, só no Distrito Federal. E, deste total, entre 20% e 50% são dispostos em locais impróprios e sem qualquer prévia análise ambiental. Nas entrequadras de Ceilândia Sul, como na QNP 12, é possível verificar de perto o problema. O espaço, inicialmente destinado a lazer, já que há, inclusive, um campo de futebol, recebe dezenas de resíduos sólidos urbanos semanalmente. Apesar de haver um contêiner no local, a população
e os carroceiros não se incomodam em depositar o lixo por lá. José Rodrigues, carroceiro da região, explica que “na falta de alternativa, a entrequadra acaba virando depósito mesmo. Às vezes que o contêiner está no local eu coloco o lixo nele, mas nem sempre ele está lá”. E é verdade. O contêiner pertence à empresa Nacional Entulho e fica na QNP 12, assim como nas quadras 10 e 18, “para propaganda”, explica a atendente Tatiane Barbosa. A companhia presta serviços de recolha de resíduos de obras e deixa seus contêineres nos locais, com o telefone da empresa pintado no casco, para que
os cidadãos possam pedir os serviços. Quando alguém liga, o contêiner é transferido ao local solicitado, permanecendo por, no mínimo, uma semana e auxiliando no depósito dos restos das obras. No entanto, com contêiner ou não, o problema da entrequadra permanece. A Administração de Ceilândia explica que os entulhos são recolhidos “periodicamente entre sete e 15 dias em vários locais” da cidade. Porém, enquanto o lixo não é coletado, a população corre risco. Da dengue ao chorume De acordo com o Manual Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), “em função de suas características intrínsecas de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade ou patogenicidade”, os resíduos sólidos de construção civil “apresentam riscos à saúde pública através do aumento da mortalidade ou da morbidade”. Quando o lixo fica acumulado e não é recolhido, além de comprometer a paisagem natural e ambiental, há riscos de disseminação de doenças como dengue, tétano e parasitoses. Afora isso, ainda há possibilidade de produção do “chorume”, ou “lixiviado”, que é o líquido gerado a partir da degradação do resíduo sólido juntamente com a água da chuva infiltrada. A professora do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília Ariuska Amorim explica que a composição do lixiviado é variada e complexa. Por possuir uma carga elevada de substâncias, “pode ser até mais perigoso que o próprio esgoto”, afirma. Assim, o volume dos resíduos sólidos de construções pode funcionar como isca para todo e qualquer tipo de disposição de resíduos. A mistura tem alto potencial de toxidade, o que coloca em risco a vida de muita gente. Por isso a importância do acondicionamento adequado e da consciência na hora de definir o destino do lixo.
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Cata Entulho: mãozinha do governo
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fotos: Everton Lagares
Segundo
Maiores informações: Cata Entulho: 3471-9853
Portal do Cidadão de Ceilândia: www.ceilandia.df.gov.br
Site do Limpa Brasil: limpabrasil.com
Site do Conama: http://www.mma.gov.br/conama/
Funcionário recolhe lixo coletado pela população brasiliense na campanha Limpa Brasil
Limpa Brasil, Limpa Brasília Além do Projeto do GDF, Edson Fernando lembra que outros projetos também merecem destaque, como o caso do movimento “Limpa Brasil Let’s Do It! Brasília”. Segundo o site do projeto, o movimento foi idealizado pelo ambientalista Rainer Nõlvak, e aconteceu pela primeira vez na Estônia, em 2008. Na ocasião, 50 mil voluntários retiraram cerca de dez mil toneladas de lixo das praças, ruas e florestas, em apenas cinco horas. No Brasil, o projeto é organizado pela Atitude Brasil, em parceria com a Unesco, e será realizado a cada dois anos, nos próximos dez. A professora Tatyane Souza, do Curso de Engenharia Ambiental e do Curso
Tecnológico de Gestão Ambiental da Universidade Católica de Brasília, explica que o movimento trata da coleta de resíduos sólidos urbanos (domésticos) e a idéia é “sensibilizar as pessoas quanto à problemática da geração elevada de resíduos nas cidades”. A primeira ação realizada no Brasil aconteceu no Rio de Janeiro, no dia 5 de junho, em comemoração ao Dia Mundial do Meio Ambiente. Foram recolhidas 17 toneladas de lixo reciclável por aproximadamente 6,5 mil voluntários. Em Brasília, aconteceu no dia 21 de agosto. Quem participou pôde trocar o “lixo” coletado por ingressos para um show que ocorreu na Esplanada dos Ministérios.
A resolução do Conama
Em 2002,
o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) editou a resolução nº 307, com o intuito de estabelecer diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão dos resíduos da construção civil. O ato normativo, como explica o professor de Engenharia Ambiental da Universidade Católica de Brasília Douglas José, classifica os resíduos de construção civil e demolição (RCD), de acordo com norma da ABNT. Segundo a norma, os resíduos são classificados como Classe I (perigosos); Classe IIA (não inertes); e
Classe IIB (inertes). “Boa parte dos RDCs são classificados como Classe IIB. Porém, caso tenha concentração elevada de amianto (por exemplo), o resíduo pode ser classificado como Classe I”, explica. Além da criação de “classes”, a resolução ainda estabelece que tanto os municípios como o Distrito Federal devem implantar o Plano Integrado de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil. Entre as diretrizes estão “a proibição da disposição dos resíduos de construção em áreas não licenciadas”. Ao que parece, o plano não saiu do papel. Nem o lixo do meio da rua.
Saiba mais
relatos do diretor de Desenvolvimento Econômico de Ceilândia, Edson Fernando, foi em uma das andanças pela cidade que o administrador, Ari de Almeida, percebeu que havia muitos utensílios domésticos jogados pelas ruas. Diante disso, resolveu planejar uma operação: o Cata Entulho. Lançada em 2011, a Operação do Governo do Distrito Federal (GDF) consiste em recolher, gratuitamente e na casa do cidadão, entulhos de obras e objetos como eletrodomésticos e móveis usados, antes que sejam despejados nas ruas de forma irregular. A operação já coletou o equivalente a mais de 15 toneladas de resíduos de obras, além de cerca de 400 sofás, dezenas de fogões, geladeiras, computadores e televisores. Para a coleta, estão disponíveis uma pá mecânica, três caminhões caçamba e 12 servidores. Segundo Edson, o lixo recolhido das construções foi destinado às operações tapa-buraco nos condomínios Sol Nascente, Pôr do Sol e Privê, em Ceilândia. Já os eletrodomésticos, móveis usados e demais utensílios foram direcionados a cooperativas de reciclagem da região. Ele ainda explica que, desde a criação do projeto, foram recebidas pouco mais de 1.500 ligações, inclusive “várias denúncias anônimas de moradores que indicam vizinhos ‘sujões’ e carroceiros que despejam entulhos em locais impróprios”. Além dos cidadãos, também são atendidos órgãos do GDF, escolas e postos de saúde. A Operação Cata Entulho tem sido a solução para aqueles que não sabem ou não recebem orientações sobre a melhor forma de depósito dos resíduos das obras. A administração de Ceilândia disponibiliza um telefone e dissemina a causa com panfletos, cartazes, outdoors. Edson acredita que a operação é um “sucesso”, tanto que está sendo inserida em outras administrações, como Brazlândia, Gama e Samambaia.
Segundo o Manual Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos do IBAM (Instituto Brasileiro de Administração Municipal) em termos de composição, os resíduos da construção civil são
“uma mistura de materiais inertes, tais como concreto, argamassa, madeira, plásticos, papelão, vidros, metais, cerâmica e terra”.
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resíduos
Fim da linha:
Entulhos de obras de todo o DF vão par movimento dos caminhões e m
De cada
reforma, cada novo prédio, o entulho da construção vai para a rua, os contêineres, os carroceiros. E de lá? De maneira indevida, o lixão da Vila Estrutural comporta todos os entulhos de construção civil do DF. São toneladas de ferro, madeira, restos de tijolos, fios, cimento, terra, entre outros. Os escombros se transformam em ótima opção de brincadeira para as crianças e grande alvo de proliferação do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue. Segundo o Sindicato da Construção Civil, o Distrito Federal possui 3.500 construções em andamento. A entidade diz que a quantidade de entulho desse tipo é bem maior que a estimada pela UnB: são cerca de 6.000 toneladas diariamente. Para desespero dos moradores, já representam 70% do lixo urbano produzido. O estudante de Geologia Eduardo Morbeck aponta que os entulhos trazem sérios riscos ao meio ambiente. “O lixão é uma forma inadequada de se descartar o lixo. Os resíduos são depositados sobre o solo, sem nenhum tipo de preparação do local.” A grande demora da decomposição dos restos de construções pela natureza é o problema. O solo absorve as substâncias que estão na superfície do lixo, passam para os lençóis freáticos e chegam aos rios, responsáveis por abastecer as cidades. Em caso de absorção de substâncias tóxicas, a água utilizada pela população fica totalmente comprometida. Caso os níveis de ferro fiquem muito altos, pode ocorrer ferruginação, que impede o uso do solo para plantio permanentemente. Os perigos têm gerado muita discussão entre as autoridades. Diante disso, o procurador do sindicato, Roberto Carlos Batista, afirma: “Vamos tentar instituir uma política pública de aproveitamento dos re-
“
O lixão é uma forma inadequada de se descartar o lixo” EDUARDO MORBECK
síduos lançados no lixão da Estrutural. A partir daí convocaremos os responsáveis para uma discussão”. Mas talvez a discussão seja ineficaz diante do crescimento na construção civil no DF. O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-DF), Élson Ribeiro e Povoa, afirma que em 2008 foi constatado o dobro do crescimento no setor: de 7% ao ano, para cerca de 15%. De acordo com pesquisas, as soluções para a melhor alocação dos resíduos da construção devem ser viabilizadas por meio da integração entre agentes públicos, geradores de resíduos e transportadores do material. Viagem ao lixo Cercado por uma grade enferrujada e cheias de passagens, o odor ultrapassa as fronteiras e invade casas e comércios, enquanto crianças brincam em meio a restos de comida e se divertem entre entulhos de obras. O entra e sai de caminhões marca o volumoso número de detritos que circula no lixão da Estrutural: “Aqui tem de tudo: pneus velhos, móveis usados, lixo orgânico, restos de obras e até carcaça de animais”, declara Roberto Teixeira de Jesus, fiscal de acesso do lugar. Esse é o cenário da Vila Estrutural. “O que mais incomoda é o mau cheiro. Durante a noite é insuportável. Mesmo fechando portas e janelas o odor impregna toda a casa”, explica Elizabete Silva, 26 anos. O desabafo da cabeleireira é apenas um exemplo de situações enfrentadas pelos moradores da região. Há oito anos, a cabeleireira e o marido deixaram Remanso, interior da Bahia, para viver no DF. O casal mora em um barraco de madeirite próximo ao lixão. O local é simples. Cômodos revertidos somente no cimento ajudam a manter o ambiente abafado: “Tenho dois filhos e me preocupo com a saúde deles, pois não tenho condições de mudar para um lugar melhor e sei que aqui eles sofrem sérios riscos de doenças”. Localizado perto do centro da capital, o lixão da Estrutural é responsável por receber todo o resíduo recolhido no DF. Atualmente, os entulhos acumulados no local somam mais de 60 metros de altura. Cerca
foto: Wissara Benvindo
Cerca de 1800 pessoas trabalham com a coleta e reciclagem de residuos sólidos no lixão da
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Estrutural
ão parar no lixão; moradores da vila sofrem com o es e meio ambiente pode ser prejudicado Karoline Soza e Wlissara Benvindo
s no lixão da Estrutural. Os entulhos acumulados no local somam mais de 60m de altura
de 1.800 pessoas trabalham com a coleta e reciclagem de resíduos sólidos no local. Aproximadamente 1.300 caminhões circulam por dia entre as ruas da cidade. O fluxo de caminhões nas ruas incomoda e prejudica os moradores. O chefe de gabinete da Administração da Estrutural, Valcir Costa Silva, admite: “O nosso maior problema é a irregularidade no trajeto dos caminhões.” Valcir explica que os motoristas passam sem pudor por entre as ruas, espalhando o mau cheiro e deixando restos de lixo pelo caminho. Abusados, os motoristas cortam as ruas da vila a todo tempo. Mesmo com a exigência estabelecida pela administração local, eles se recusam a passar por estradas fora das áreas residenciais. “Não podemos mais permitir que o lixo de todo o DF venha para cá. Ele está prejudicando o meio ambiente de toda a região”, analisa o chefe de gabinete. O lixão tem 50 anos e foi construído sem planejamento, em áreas não apropriadas para a execução da atividade. “O governador Agnelo já confirmou que até 2012 serão criados novos pólos de reciclagem”, conclui. A moradora e catadora de latinhas Cleide Ferreira dos Santos, 33 anos, conta como é o seu dia-a-dia. “Trabalho das 18h às 3h. Lá só temos a luz do trator e do capacete que usamos.” O marido e o filho de Cleide, de 14 anos, também trabalham com reciclagem e separação do lixo. Juntos chegam a ganhar R$ 1.000 por semana. “Qualquer pessoa pode trabalhar lá. No lixão é cada um por si e Deus por todos”. Soluções polêmicas Moscas e outros insetos proliferam no ar. No solo, o chorume escorre dos caminhões de lixo, formando pequenas poças, que podem acarretar problemas à saúde. A questão ambiental é outra grande preocupação. Discussões sobre a possível contaminação dos lençóis freáticos em lixões e aterros sanitários preocupam autoridades. “A falta de efetividade e a inexistência de políticas públicas referentes à destinação dos resíduos da construção civil nas cidades, associada ao descompromisso dos geradores de manejo, provocam sérios im-
“
Qualquer pessoa pode trabalhar lá. É cada um por si e Deus por todos” CLEIDE DOS SANTOS
pactos ambientais”, observa Thiago Augusto, estudante de Engenharia Ambiental. A ocupação de vias públicas por resíduos acaba prejudicando a circulação de pessoas e veículos. Esse problema, junto com a própria degradação da paisagem urbana, são uma das grandes conseqüências causadas pelo lixão. A assessoria de comunicação do Ministério do Meio Ambiente informa que o Brasil possui, no mínimo, 689 áreas possíveis de contaminação do solo. Segundo estudo do ministério, os lixões são uma das principais causas de contaminação. Acabar com eles, contudo, é polêmico. Se incomodam a população local, trazem riscos ambientais e de saúde e enfeiam a paisagem, ao mesmo tempo são fonte de renda para famílias que sobrevivem da reciclagem e venda do lixo catado. Em maio de 2011, a Associação das Empresas Coletoras de Entulho e Similares do DF (Ascoles) apresentou à Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Humanos um plano de criação de aterros exclusivos: destinados à separação e reciclagem de resíduos da construção civil. A associação já possui uma usina de reciclagem instalada em área situada na estrada para Sobradinho. Em parceria com a Semarh, a Ascoles luta pela liberação das terras junto à Terracap. O projeto terá prosseguimento assim que os terrenos forem liberados. O objetivo é criar pequenas unidades, chamadas de “Ecopontos”, destinadas à separação do lixo. Conforme o presidente da Associação, Paulo Roberto Gonçalves, a iniciativa irá reduzir a quantidade de entulho depositado no lixão da Estrutural: “Queremos ainda criar uma infraestrutura de trabalho mais digna para os catadores e melhorar as condições de vida dos moradores da região.”
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ECONOMIA
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consumo
Para ela, presentão; para ele, lembrancinha Vendas na semana do Dia dos Pais crescem cerca de 9%, mas ainda ficam bem atrás do Dia das Mães
Os índices
foto: Rick Antunes
No Dia das Mães, o aumento das vendas este ano foi de 12,4%: a influência cultural materna é maior
“
Você não vai a uma loja de perfumes se preparar para o Dia dos Pais como no Dia das Mães” LUCAS DAVID
de vendas no dia dos pais estão subindo como qualquer outra data comercial. Por outro lado, a data está muito longe de ser uma das principais que agitam o mercado. Neste ano, as vendas na semana do Dia dos Pais (08 a 14 de agosto) cresceram 8,8% na comparação com o ano passado, de acordo com o Índice Serasa Experian de Atividade do Comércio – Dia dos Pais 2011. No fim de semana, as vendas também subiram, com uma elevação de 7,2%, na referente à mesma época do ano passado. Esse aumento foi inferior aos 7,7% de alta registrados no fim de semana de 2010. Agora façamos a comparação com o Dia das Mães 2011. Para início de conversa, a data foi a melhor em nove anos, segundo a Serasa Experian. Na semana do Dia das Mães (02 a 08 de maio) as vendas cresceram 12,4% na comparação com o ano anterior. Além disso, entre os dias 06 e 08 de maio, as vendas registraram uma elevação de 8,1% na comparação com o mesmo período de 2010. Foi o melhor Dia das Mães desde 2003. Os números refletem uma questão que vai além do ato de presentear pai ou mãe. “Não tenho motivo especial. Não costumo presentear por ele não se importar muito”, relata a estudante de Direito Fernanda Dantas, 18 anos. A esteticista Taíris Oliveira, 24 anos, costuma apenas comprar presentes no Dia das Mães. “Sempre que vou comprar algo para mim, acabo comprando para minha mãe caso ela goste também”, expõe. Para o estudante de Administração Daniel Ferreira, 20 anos, pai e mãe possuem valores iguais na sua avaliação. “A cada ano gasto mais com um do que outro, alternadamente”, pondera. Neste ano, Daniel laureou o pai com um uísque 12 anos. A mãe recebeu uma cesta de café da manhã e um sapato, totalizando R$ 200. “Em compensação, no ano passado gastei R$ 250 com duas camisas para meu pai enquanto minha mãe recebeu um portaretrato de R$ 60”, confessa.
Cultura Todo ano, em agosto, os meios de comunicação se empenham em divulgar o Dia dos Pais, comemorado no segundo domingo do mês. O comércio, em geral, se apoia na data, considerada a quinta melhor do setor (atrás de Natal, Dia das Mães, Dia dos Namorados e Dia das Crianças). Ainda assim, especialistas e agências publicitárias reforçam que o problema de vendas do Dia dos Pais é uma questão mais cultural do que propriamente comercial. A psicóloga Olga Tessari afirma que “vivemos numa sociedade machista, em que a mãe cria e dá carinho, enquanto o pai é provedor”. Há quem diga que a cultura do brasileiro é mais “matriarcal”. O problema residiria no fato de o pai ser homem e trabalhar o dia inteiro fora. Enquanto isso, o filho passa o dia em casa com a mãe, ao passo que o pai é sério e não costuma se importar ao ganhar um par de meias, por exemplo. Já na visão publicitária, o investimento dos varejistas é igual. “Para o varejo, o Dia dos Pais é uma data comercial como o Dia das Mães ou outra qualquer, não há distinção. E o Dia das Mães leva desvantagem, pois de vez em quando cai próximo à Páscoa”, ressalta o publicitário Lucas David, da agência Ampla Comunicação. Culturalmente, o pai ganha sapatos, tênis, meias, gravatas, camisas e afins – por isso, o setor de confecções é o modelo de varejo nesse período. Lucas David pondera: “Você não vai a uma loja de perfumes se preparar para o Dia dos Pais como no Dia das Mães”. Para o comerciante João Matheus da Silva, Dia das Mães e Dia dos Pais não passam de datas caça-níqueis. “Por que tenho que escolher dois domingos no ano para reconhecer que aquele dia é dedicado aos meus pais?”, questiona. Para ele, a celebração devia ser diária. “Sempre me defini como um capitalista, mas essas datas em especial são um verdadeiro exagero. Ainda assim, quando mais novo presenteava minha mãe, mas nunca meu pai. Sempre fui mais apegado a ela”, reconhece.
Leonardo Coelho
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SAÚDE
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alimentação
Delícias perigosas Açúcar, fritura e lanches chamam mais atenção dos moradores do DF: ainda podem pesar no bolso
Gabrielle Santelli, Maria Clara Oliveira e Samira Pádua
Uma
conhecida cantiga infantil já dizia “um, dois, feijão com arroz; três, quatro, feijão no prato”. Combinados, arroz e feijão formam o prato mais famoso da culinária do Brasil, considerado paixão nacional. Sempre presentes na hora do almoço, os dois grãos são bastante nutritivos, de acordo com a nutricionista da Clínica Escola de Nutrição da Universidade Católica de Brasília (Cenut-UCB) Glícia Soares. O feijão, sozinho, já é “um carboidrato e uma fonte de proteína” – ou seja, garante energia. A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em julho, aborda a qualidade e consumo das famílias brasileiras. Uma das partes da POF, a Análise de Consumo Alimentar no Brasil, comprovou que a preferência pelo feijão com arroz se mantém dentro dos lares. Quando se trata da alimentação na rua, porém, a qualidade da dieta despenca e os alimentos mais procurados são cerveja; salgadinhos industrializados, fritos e assados e doces. A alimentação do brasileiro é, atualmente, caracterizada pelo alto consumo de gorduras, sódio, açúcar e falta de fibras. A orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS) é consumir 400g de frutas, legumes e verduras por dia, mas 90% das pessoas estão fora dessa dieta. A pouca ingestão de fibras caracteriza a alimentação de 68% dos brasileiros, ao contrário do açúcar, que aparece em excesso em 61% da população. “Nove, dez, comer pasteis” Os brasileiros estão procurando mais restaurantes e lanchonetes graças à falta de tempo – envolvidos com os estudos e o trabalho, não conseguem comer em casa. É o caso de Marciana Mota, 20 anos. “Sempre penso na minha alimentação, só que o difícil é manter uma dieta saudável. Normalmente como fora, por causa da minha rotina corrida. Então, boa parte da minha alimentação é composta por fast-food.” Funcionário da pastelaria da família desde os 15 anos, João Daniel da Silva, 20 anos, assume que se alimenta mal, apesar
horas. Segundo ela, “pacientes acima do peso têm pouco tempo pra comer e, quando comem, o organismo entende que precisa estocar, porque não sabe que horas vai comer de novo”.
arte: Nayara Viana
de comer “de tudo um pouco”. João conta que, com a pressa, no café de manhã não come nada. O primeiro lanche do dia é feito na universidade, no intervalo (por volta das 10h): pizza ou crepe doce. O almoço, geralmente, é composto de alimentos ricos em carboidrato, como pastel e macarrão. Durante o resto do dia, o cardápio não varia muito: pastel. E não enjoa? “É só trocar o sabor”, responde João. Nos fins de semana, futebol e “bastante cerveja, carne de porco, batatas, bacon e cheddar”, finaliza. A cardiologista Viviane Oliveira, por ou-
tro lado, acredita em opções mais saudáveis e nutritivas, como levar o alimento de casa ou optar pelos restaurantes self-service. “A falta de tempo é apenas mais uma justificativa para não se priorizar os hábitos que trazem qualidade de vida.” Para Viviane, modificar o próprio estilo de vida, aprendido e sustentado desde o início da infância, “não é tarefa fácil, embora seja fundamental”. A nutricionista Glícia Soares aconselha aos trabalhadores e estudantes sempre carregar uma fruta ou uma barra de cereal devido à necessidade de comer a cada três
Mudança para melhor Após descobrir que estava com artrite – inflamação das articulações, Dina Márcia Oliveira, 42 anos, que já tinha alimentação saudável, precisou entrar em dieta rigorosa com acompanhamento médico. Na nova dieta, nada de origem animal e derivados, café, doces, enlatados, alimentos ácidos, frituras e outros. Seguindo o plano nutricional por quatro meses, Dina relata diminuição nas dores de cabeça, que antes eram constantes, e nas dores nas articulações. A mudança na dieta não foi benéfica apenas para a saúde. “Precisava emagrecer, pois há muito tempo tinha uma luta contra a balança. Com essa dieta diminui 20,5 kg. No começo foi difícil adaptar, mas como o grande incentivo era a cura das doenças, hoje vejo que não necessito tanto daqueles alimentos”, confessa. O advogado José Demerval Borges, 56 anos, também obteve sucesso ao negar muitos dos pratos oferecidos a ele. Em dieta rigorosa desde junho deste ano, quando frequentou por uma semana um spa no estado de São Paulo, ele diz que a quase obesidade mórbida e o risco de se tornar diabético foram determinantes para o pontapé inicial. “Fiquei lá uma semana, sendo acompanhado pelas nutricionistas e pelo nutrólogo, comendo refeições mais balanceadas.”. A corrida contra os altos números na balança continuou ao voltar. O resultado do esforço foram seis quilos perdidos até agora. Devido à correria diária, as caminhadas vespertinas foram deixadas de lado, mas José Demerval pretende continuar praticando exercícios para alcançar o objetivo de perder mais quatro quilos. “Vou ver se consigo diminuir um pouco meu trabalho para sobrar tempo para fazer caminhada e ir para a academia”, explica.
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SAÚDE
O perfil do brasiliense O Artefato foi às ruas para verificar a maneira como os brasilienses escolhem as refeições, tanto em casa quanto em restaurantes. A pesquisa, realizada com pessoas entre 17 e 30 anos, de diversas regiões administrativas, mostra as preferências dos moradores do Distrito Federal na hora de decidir o que comer. Das 94 pessoas entrevistadas, 22% almoçam cinco vezes por semana em restaurantes; 23% consomem legumes e verduras todos os dias e 39% incluem arroz, feijão e
carne no almoço com a mesma frequência. Para a cardiologista Viviane Oliveira, ainda há uma “tendência de migração das cidades do interior para os grandes centros urbanos”, e essa seria uma das causas de muitas pessoas comerem fora de casa. “Grandes centros urbanos possuem grandes distâncias, com trânsito congestionado, o que torna o horário de almoço insuficiente para o retorno à residência para as refeições”, comenta. “Além disso, o Brasil
tende a copiar o modelo americano de fast-food, incorporando a alimentação baseada em refrigerantes e sanduíches, com muitas calorias, poucos nutrientes, mas de rápida ingestão, de forma a permitir a utilização do horário de almoço para outras atividades.” De acordo com a nutricionista Glícia Soares, o correto é fazer seis refeições diárias. Para que você não erre nas escolhas, o Artefato elaborou, juntamente com a nutricionista, dicas de pratos para cada período
do dia. Entre uma refeição e outra, “nada de beliscar”, aconselha Glícia. Já que o café geralmente vem acompanhado de um biscoitinho, uma dica, segundo ela, é tomar a bebida sem açúcar, porque o gosto amargo dificulta o impulso comer algo enquanto bebe. Mas se a vontade for maior, ela indica a ingestão de uva passa ou granola. Confira abaixo o resultado da pesquisa e as dicas:
Para comer bem* Café da manhã Pão com manteiga (369,5 kcal) ou Pão de queijo (675 kcal)
+
Café com leite (31,44 kcal) ou Suco (41,83 kcal)
Lanche da manhã Fruta (89 kcal) ou Barra de Cereal (352,92 kcal)
Almoço Arroz (135,62 kcal) Feijão (97,41 kcal) Carne, de preferência assada, cozida ou grelhada (242 kcal) Salada, de alface com tomate ou verdura cozida (26 kcal)
Lanche da tarde
Iogurte com granola (486,69 kcal) ou Pão de queijo (363 kcal) ou Pão com fatia de presunto (492 kcal) Suco (41,83 kcal)
Jantar
infografia: Samira Pádua
Tigela de caldo verde (94,92 kcal)
Lanche da noite
•Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009. Os Valores das calorias são relativas à composição de alimentos por 100 gramas de parte comestível
Banana (89 kcal) ou Chá (1 kcal) ou Bolacha de Água e Sal (432 kcal) ou Torrada (377 kcal)
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SAÚDE
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Quanto custa uma alimentação saudável? Carolina Alves
Quem pensa que fazer refeições saudáveis sai bem mais caro do que se render às guloseimas pode se surpreender. As pessoas de menor renda consomem mais peixe fresco, arroz, feijão, farinha de mandioca e carne salgada. Essa parcela da população come menos doces, refrigerantes, pizzas e salgados fritos e assados. À medida que a renda melhora aumenta a presença de frutas, legumes e verduras. Em contrapartida, crescem também os produtos industrializados. A verdade é que 90% da população brasileira ingerem menos produtos in natura do que o recomendado pelo Ministério da Saúde (400g diárias). O IBGE registrou, em 2009, o menor consumo de arroz e feijão desde 1975. Para piorar a situação, a pesquisa destaca que 86% comem gordura em excesso, 61% ingerem mais açúcar do que o necessário e 68% apresentam
infografia: Andressa Albuquerque fotos: Thamyres Ferreira
escassez de fibras. “Em geral, frutas e verduras são mais baratas. O grande problema, que enche os carrinhos, são os produtos industrializados como o iogurte, porque a condição econômica favorável permitiu esse consumo”, afirma o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Valmir Gomgora. Para suprir suas necessidades básicas (ou seja, saciar a fome, sem necessariamente suprir todos os nutrientes), o brasiliense gasta, no mínimo, R$ 241,89, estima Gomgora. Considerando que o salário mínimo atual equivale a R$ 545, uma pessoa com essa renda gasta cerca de 40% do salário com alimentação. O problema é que esses valores não consideram a alimentação na rua, que, de 2007 a 2010, teve o seu custo elevado em 42%.
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SAÚDE
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A nutricionista Glícia Soares, da Clínica Escola de Nutrição da Universidade Católica de Brasília, diz que é possível comer fora de casa de forma saudável e faz algumas sugestões de cardápio:
Em vez de...
Prefira...
Mais light A ração essencial é elaborada com base no consumo médio de uma família padrão. Para a nutricionista Glicia Soares, com pequenos ajustes é possível tornar o básico mais saudável. E para fazer isso você economizaria. Na conta do Artefato a nova cesta básica custaria R$ 238,86, ou seja, menos R$ 3,03 do que os R$ 241,89 somados pelo Dieese. Tudo bem que R$ 3 não é muita coisa, mas já dá pra comprar um iogurte pra variar. Para melhorar a sua cesta básica basta: retirar a farinha e 1 kg de açúcar, acrescentar 2 mamões, 3 pés de alface, uma dúzia de ovos e 2 kg de fubá, substituir a manteiga por margarina light. Pronto! Agora você tem uma cesta básica mais saudável.
Fator de preocupação
Infografia: Carolina Nogueira
A má alimentação do brasileiro é preocupante. Pesquisa do Ministério da Saúde revelou que mais da metade da população está acima do peso e 15% estão obesos. Além disso, a cada 100 pessoas, apenas 15 fazem a quantidade de exercício recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS): no mínimo 30 minutos, cinco vezes por semana. O Guia Alimentar para a População Brasileira, desenvolvido pelo ministério, recomenda: “as pessoas que moram sozinhas e os membros da família que comem fora, em cantinas ou restaurantes, bem como as famílias que dividem entre si as responsabilidades de planejar, comprar e cozinhar, podem ‘traduzir’ essas informações de forma a adaptá-las à sua própria situação. Fazer uma alimentação saudável depende de uma educação alimentar que começa com mudanças de hábitos”.
*Preços para refeição individual. *Preços pesquisados na UCB e em 5 padarias, 2 supermercados e 4 restaurantes. Os preços podem variar.
Para mais dicas sobre alimentação, consulte o endereço: http://migre.me/5tSsO
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EDUCAÇÃO
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crianças
Pulos de desatenção Distração, agitação e impulsividade podem ser sintomas de doenças graves que afetam principalmente crianças em idade escolar Marcele Degaspari e Roberta Sousa I.F*, 10 anos, cursa o 4º ano no Centro Educacional Católica de Brasília e diz não sofrer preconceito dos colegas. A maior dificuldade dentro da sala de aula? Ele é direto na resposta: “Demoro a fazer as provas e a minha letra não é muito legível”. A mãe de I.F, Fernanda F., 34 anos, conta que o filho foi diagnosticado com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) em 2008. “Ele teve que repetir a série pela dificuldade na alfabetização. Tem desatenção na sala de aula. Sempre usa as palavras ’não sei‘, ‘esqueci’, muitas vezes por dia. E é hiperativo.” Fernanda revela as dificuldades do filho na sala de aula, as mesmas enfrentadas por outras crianças com a mesma doença. “É muito devagar pra copiar as matérias, tem dificuldade de memorização, ortografia e na leitura.” Assim como o diagnóstico de várias doenças, a fase inicial é marcada por uma pequena rejeição. Fernanda concorda que, na maioria dos casos, a grande dificuldade de aceitação ocorre devido à prescrição de medicamentos controlados, afinal, o paciente sempre dependerá da medicação para levar uma vida normal. Apesar das dificuldades de se ter um filho com TDAH, Fernanda consegue lidar bem com a situação e até dá dicas a outros pais. “Ser acompanhado por uma psicopedagoga, ter muita paciência, não gritar com a criança, tratar com carinho e atenção. Saber impor limites, regras e horários. Elogiá-los sempre que fizerem alguma coisa certa. Os pais têm que contribuir e ter tempo para se dedicar aos estudos junto com os filhos.” Fernanda garante que a criança, sendo
diagnosticada, poderá levar acompanhamento médico para a escola. O TDAH é amparado por lei e possui critérios na escola. Palavra de quem sabe De acordo com a psicóloga e psicopedagoga do Centro Educacional Católica de Brasília Kennia Cristina Macedo, 33 anos, as principais características do déficit de atenção e hiperatividade são: dificuldade em iniciar tarefas desinteressantes, manter atenção em longos períodos, falta de foco, constante movimentação, costume de tocar em tudo com as mãos, Sempre usa conversa e excesso as palavras de barulho. Diante da diver’não sei‘, sidade dos sinto‘esqueci’, mas, grande parte dos pais e profesmuitas sores tem dificulvezes por dade em diagnosdia. E é ticar as síndromes. hiperativo “Os pais têm que procurar um profissional da saúde FERNANDA F. mental e que tenha conhecimento da deficiência. Nem todo psicólogo e nem todo médico conhecem esse transtorno. Trata-se de algo novo, ainda em estudo.” A psicóloga ressalta que o diagnóstico é feito por uma equipe multidisciplinar, médicos e psicólogos em conjunto. Além disso, as formas de tratamento vão depender do diagnóstico. Muitas vezes o apoio e orientação dos pais, trabalhos junto à escola e a psicoterapia dão resultados significativos. Outras vezes é necessário, junto com a psicoterapia, o uso de medicamentos neuroestimulantes, de forma controlada. Outro papel importante para o tratamento é a participação efetiva dos professores. Kennia ressalta que para um bom
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aproveitamento dos alunos em sala, os professores precisam buscar informações sobre os transtornos e dar maior atenção aos portadores da síndrome. A doença não possui cura, mas com o acompanhamento médico, dos pais, professores e medicamentos, os sintomas podem ser amenizados. Um pouco da história O transtorno de déficit de atenção e a hiperatividade são síndromes (conjunto de sintomas) neuro-comportamentais que afetam principalmente crianças, e são caracterizadas por agitação, distração, impulsividade, dificuldade de organização e planejamento, esquecimento, inquietação e maior grau de atividade do que outras crianças da mesma faixa etária. Nem todas as formas de hiperatividade têm correlação com o déficit de atenção. Algumas causas possíveis para a hiperatividade são alterações metabólicas e hormonais, complicações no parto e abuso de substâncias durante a gestação. Além disso, problemas situacionais, como crises familiares (luto e separação de pais) podem levar a criança ao trauma e a um quadro hiperativo. As primeiras menções sobre o déficit de atenção e hiperatividade foram feitas por volta do século XIX, em um jornal médico chamado Lancet. A primeira descrição da doença foi feita por um pediatra, George Still, em 1902. A nomenclatura da doença sofreu alterações ao longo das
foto: Renata Anunciação
A psicóloga Kennia Macedo aconselha os pais a buscarem diagnóstico com cuidado
décadas. Em 1940 surgiu a denominação lesão cerebral mínima, sendo modificada, em 1962, para disfunção cerebral mínima, pois ficou comprovado que os sintomas característicos da síndrome são diretamente relacionados aos nervos do que propriamente a uma lesão. Segundo a Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA), a hiperatividade e o déficit de atenção atingem de 3 a 10% de crianças, afetando o desempenho escolar, relacionamentos interpessoais, convívio familiar e provocando baixa autoestima.
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CULTURA
preços populares
Quase de graça Os valores de lazer na capital são constantes alvos de reclamação entre os que querem diversão. Mas dá para ir a um bom evento cultural sem gastar muito? Lanier Rosa e Bianca Baamonde
O Distrito
Federal tem a maior renda per capita do Brasil - mais que o dobro da média nacional, de acordo com informações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Por este motivo, o custo de vida dos brasilienses é um dos mais elevados, e a oferta cultural segue a mesma tendência. Enquanto em São Paulo o ingresso para o cinema custa, em média, R$10, em Brasília o valor chega ao dobro. Segundo o produtor cultural Hugo Nóbrega, o motivo é claro: “A falta de incentivo por parte do governo influencia muito na produção cultural, pois implantar uma estrutura em um espaço totalmente desprovido e custear logística tem valor bastante elevado no DF”. Muitas vezes, o produtor deixa de realizar significativos eventos por não ter como arcar com todas as taxas e com a meia-entrada, que tem concessão obrigatória. Para Nóbrega, a política da meia-entrada é deficiente e, de certa forma, chega a atrapalhar os eventos realizados na capital. “Não funciona. Da forma como é praticada, gera um resultado totalmente inverso à lei.” O poder público obriga os produtores a concederem 50% de desconto aos estudantes, professores e idosos, mas em contrapartida não dá subsídios. “Infelizmente isso acontece só na cultura, por que nas demais leis de incentivo ao acesso, como no passe livre, as empresas de transporte público são auxiliadas em 100%”, reclama o produtor. Diversão a preço baixo Mesmo com a meia-entrada inflando os preços, nem só de programas caros vive a cultura do DF. Isso é o que prova o perfil da funcionária pública Ivana Costa no Twitter (@culturadegraca). No microblog, Ivana divulga eventos gratuitos ou com valores de ingressos até R$10 (a meia). A funcionária afirma não ser tão difícil se divertir sem gastar muito na capital. “É comum escutar que em Brasília não tem o que fazer, não há opção de lazer ou que é preciso ter dinheiro para se divertir. Não concordo, e foi pensando nisso que criei esse perfil no Twitter”, explica.
foto: Paulo Freire
Ana Lúcia Torre interpreta os textos de Tônio Carvalho, no CCBB: eventos acessíveis
O autônomo Mauro César Bandeiras garante a possibilidade de participar de diversos eventos artísticos com pouco dinheiro ou sem gastar nada. “Vejo no jornal o que tem de interessante e participo de tudo o que posso. A arte expressa e transmite muitas coisas, e todos podem receber um pouquinho do que ela é capaz de dar às pessoas.” No Sesc de Taguatinga Norte, por exemplo, os moradores da cidade e de localidades próximas encontram vasta programação cultural que inclui peças de teatro, apresentações musicais e exposições de arte. Mesmo assim, na maioria dos eventos, a participação é mínima. Estudante de artes cênicas na Universidade de Brasília, Jéssica Cardoso decidiu divulgar produções culturais gratuitas ou de preços acessíveis por meio de um grupo na internet. “As
pessoas não sabem porque a informação não chega, mas tem muita coisa legal para assistir e para participar”, defende. No dia 11 de agosto, o Teatro Paulo Autran (Sesc de Taguatinga Norte) recebeu o projeto de incentivo à leitura “Escritores Brasileiros”, criado e organizado pelo Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Lotada, a plateia ouviu histórias de livros infantis do escritor Tonio Carvalho narradas pela voz da atriz Ana Lúcia Torre. O autor elogiou a iniciativa do projeto em levar, gratuitamente, cultura para tantas pessoas: “Acho isso ótimo. O teatro está cheio e poderia ter vindo mais gente. Só tenho a agradecer”. Ana Lúcia Torre afirma que é um grande privilégio conversar abertamente com um número tão grande de pessoas. “Transmitir um pouco do que
eu aprendi para todos aqui, e ao mesmo tempo, ouvir depoimentos que vou levar para a vida toda, é muito enriquecedor.” Divulgação é alma do negócio “Uma divulgação bem feita é capaz de transformar algo invendável em uma coisa interessante e desejada. Se os eventos gratuitos e mais baratos fossem divulgados, as pessoas teriam interesse em apreciá-los”, afirma a publicitária Liliane Silva, que confessa só saber da agenda quando ela já passou. O produtor cultural Lukas Logah explica que os eventos com entrada franca ou de custo mais baixo são divulgados em rádios, jornais, banner e sites. Contudo, para anunciar é necessário dinheiro. “Basicamente a divulgação conta muito com a mídia espontânea. Não são todos os eventos que possibilitam
fazer anúncios na televisão ou espalhar outdoors pela cidade. O custo é alto e acaba influenciando no valor final do ingresso”, observa Lukas, e completa: “Acredito que existe uma falta de interesse e hábito em buscar a informação por parte do publico, também.” Cinema de Ouro Em Brasília, 20% da população vai ao cinema. De acordo com pesquisa encomendada pelo Ministério da Cultura (MinC) ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em conjunto com o Ipea, entre as capitais, só Porto Alegre está à frente, com 21%. No Brasil, a média de freqüência é de 13%. Mesmo com uma das maiores porcentagens do país, aqui o ingresso de cinema é um dos mais caros, comparado a outras capitais. O preço médio do bilhete no DF é de R$20, chegando a R$30 nos fins de semana. A capital também tem o maior número de salas de cinema do Centro-Oeste. São 68, de um total de 193. No entanto, desde 2006, cerca de 12 cinemas foram fechados. Outro problema é a localização das salas, já que a maioria se concentra no Plano Piloto. Apenas oito das 30 regiões administrativas têm espaço para exibição de filmes. Ceilândia, a cidade mais populosa do DF, não tem cinema. Conforme a assessora da Secretaria de Cultura, Thaís Araújo, essa é uma das dificuldades que impedem a realização de grandes eventos fora do centro. “Por falta de teatros ou lugares adequados, o público acaba se concentrando mais no Plano”, finaliza.
foto: Antônio Cruz/ Ag. Brasil
CIÊNCIA
bla bla blá
Terapia que vem do cerrado
Jéssica dos Santos e Juciene de Souza
Um exemplo são as pesquisas feitas com o pequi. O professor do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília (UnB) Cesar Koppe estudou o fruto durante uma década. Conforme publicações da instituição, o pesquisador conseguiu isolar em cápsulas um produto que concentra as propriedades antioxidantes e antiinflamatórias do extrato e do óleo de pequi.
Um novo
olhar tem sido lançado sobre o cerrado brasileiro. Pesquisas de diversas universidades brasileiras e da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa) apontam que a riqueza dos frutos da “savana brasileira” vão além do sabor marcante e exótico. Eles têm surpreendentes propriedades nutritivas e terapêuticas e, por isso, podem ser usados no tratamento de doenças já conhecidas. O cerrado é o segundo maior bioma (conjunto de elementos da fauna e da flora) brasileiro. Ocupa 25% do território nacional e está concentrado na região central do país. Entre pesquisadores, o consenso é direcionar a exploração sustentável para evitar prejuízos ao cerrado, como os causados pelo uso da madeira do pequizeiro na fabricação de carvão, por exemplo. No caso dos frutos, a maior parte do consumo se dá de forma “artesanal”,“caseira”. Os estudos miram no reconhecimento das virtudes desses frutos ricos em propriedades, por meio da criação de patentes, resultantes das pesquisas, que contribuam para agregação de valor a tais plantas nativas.
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O pequi e a saúde humana A dona de casa Francineide Gonçalves, 36 anos, é portadora de uma doença incurável conhecida como Lúpus. “Fui diagnosticada há doze anos. Faço acompanhamento no Hospital Universitário de Brasília (HUB) e já me submeti a diversos tratamentos, mas sei que é uma doença crônica”, relata. De acordo com a biomédica Fabiana Nunes de Carvalho, o Lúpus faz parte de um grupo de doenças autoimunes, ou seja, os anticorpos passam a atacar estruturas normais do organismo por não as reconhecerem como tais. A biomédica esclarece a dificuldade em diagnosticar o problema: “são onze sintomas relacionados ao Lúpus, o paciente precisa revelar pelo menos quatro para ser considerado portador da doença.” Fabiana destaca que a maioria absoluta dos casos ocorre em mulhe-
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res e que o tratamento consiste em acompanhar os períodos da doença em que as crises se manifestam, o que é feito com o emprego de corticóides e antiinflamatórios. É justamente no HUB, onde Francineide recebe acompanhamento, que os esforços do professor Cesar Koppe passam para nova fase. De acordo com as pesquisas de Koppe, os testes com as cápsulas de pequi influenciarão diretamente os pacientes mais vulneráveis ao Lúpus. Isso acontecerá justamente porque uma das características da doença é o organismo produzir mais radicais livres (moléculas instáveis do corpo que podem danificar células saudáveis) e desenvolver um processo de inflamação do tecido conjuntivo (responsável pela manutenção e forma do corpo), que as propriedades do pequi podem combater. A reta final da pesquisa é aguardar o registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), onde receberá o título de nutracêutico: composto entre alimento e remédio. Com esse conceito, o processo medicinal do pequi se tornará mais simples e barato. Outras possibilidades de registro das propriedades da flora são as de fitoterápico, que é o uso das propriedades em estado primário, ou alopático, que é a manipulação de substâncias derivadas das plantas.
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Ricos frutos do cerrado: Cagaita Rica em vitamina C, atua no organismo contra a prisão de ventre. Tem altos teores de vitamina A e vitamina B2. Mantém o equilíbrio da pele e é importante para: metabolismo das enzimas; olhos; as células nervosas. Buriti Campeão em carotenoides, substâncias responsáveis por dar origem à vitamina A no corpo. A vitamina ajuda a proteger a pele, os pulmões e o coração. Está associada à redução do risco de câncer e males degenerativos. Araticum Possui inúmeros fatores antioxidantes, que podem ajudar na prevenção de doenças degenerativas. Baru Concentra ferro, cobre, zinco, fósforo e magnésio - minerais essenciais para o bom funcionamento do sistema cardiovascular e para as defesas do organismo. Macaúba Excelente fonte de minerais, como o cálcio, que preserva os ossos, e o magnésio, que contribui para o bom funcionamento dos músculos e dos nervos. Bacupari O fruto pode dar origem ao primeiro anticoncepcional masculino. Concentra propriedades antiinflamatórias e cicatrizantes.
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7. Fruto do cerrado que previne doenças degenerativas 8. Tipo de doença na qual o sistema imunológico nos ataca 11. Moléculas prejudiciais que exploram células saudáveis 13. Medicamentos resultantes de substâncias derivadas de plantas 14. Doença crônica que ataca majoritariamente as mulheres 15. Autarquia responsável pelo registro de pesquisas com remédios 17. Fruto rico em minerais essenciais à saúde dos ossos 18. Com árvores de tronco retorcido e de baixo porte 19. Uma das propriedades do pequi 20. Uso da propriedade vegetal em estado primário
1. Promessa de originar o primeiro anticoncepcional masculino 2. Fruto campeão em dar origem à vitamina A 3. Fruto do cerrado que traz benefícios ao sistema cardiovascular 4. Variedade das plantas e animais do cerrado 5. Fruto do Caryocar brasiliense 6. Possui uma área só de pesquisas voltadas ao cerrado 9. É um alimento com propriedades de remédio 10. Cantora Pop acometida pelo Lúpus 12. Fruto do cerrado que ajuda contra a prisão de ventre 15. Maior bioma brasileiro 16. Diz-se do sabor dos frutos do cerrado
Respostas na próxima edição
ponto & vírgula
foto: Bruno Bandeira e Sílvia Bertoldo
perfil
Círculo fechado
Rotatória, entrada da cidade, cruz. E alguém ao lado dela Nelson Araújo
Saídas
e chegadas marcam o cotidiano dos moradores do Guará II. É nesse vai e vem que grande parte da população, cerca de 120 mil habitantes, se esquece de enxergar; apenas olha. De manhã, a pilha de carros e ônibus ofusca a porta de entrada do bairro, virada para a Estrada Parque Guará (EPGU). À noite, o frio e a escuridão causam cegueira. O que muita gente não sabe é que ali, no centro da rotatória da entrada do Guará II, além de uma cruz, existe uma pessoa. A cruz recepciona os visitantes de braços abertos. Construída em 1988, deixou de ser madeira e virou concreto; um local onde o divino é cultuado. Oferendas, despachos e velas acusam a fé de cada religioso que já passou por lá. Por trás da cruz existe um visitante que veio e acabou ficando. Alguém que as pessoas não enxergam. Ou fazem questão de não enxergar. André Leonaske Rodrigues tem 31 anos e é filho de Neusa Maria e Antônio Leonaske Rodrigues. Saiu de São Paulo e veio para o DF com a esperança de conseguir melhor emprego. Está aqui há seis anos e já perdeu a fé. Há cinco anos e meio é morador
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Viver dessa maneira é pior do que difícil” ANDRÉ RODRIGUES
de rua. Esteve em Unaí, Águas Lindas, Taguatinga, e agora decidiu montar sua barraca em um vasto mato localizado no mesmo ponto onde está a cruz. Divide o círculo com a sua fé e a dos outros, mas o divino é sempre mais visto. Mais requisitado. André é mais um dos brasileiros esquecidos pelas estatísticas. É o cordão umbilical da sociedade, só que desnaturado pela Pátria Mãe. Mas nem por isso deixa de ser tão brasileiro como os outros. Os olhos verdes, a fala rápida, a pele amarela e as mãos calejadas exalam brasilidade. Com um metro e sessenta, é o reflexo do bom, do ruim, da ilegalidade, da esperteza, da força de vontade, da luta. É o âmago do Brasil num círculo fechado. É difícil chegar alguma ajuda. Mas sempre sai. Já roubaram sua mochila, algumas roupas e até as panelas. Mas, “se dá um jeito. O mais importante é você não mexer no que não é seu”. Gentil nas recepções, à tarde usa bermudas. Sai da barraca improvisada sempre acompanhado do radinho de pilha, companheiro contra a solidão. Escuta todas as notícias do dia. Diz que é pobre, mas isso não é desculpa para ser burro. Tem apenas o ensino fundamental. Relembra as escolhas que o fizeram estar na situação atual. Ainda assim, batalha todos os dias capinando, lavando carro, descarregando caminhão – tarefas que só as almas invisíveis da sociedade fazem. Todo o dinheiro ganho vai
No centro: boas vindas aos visitantes e moradores do Guará; abrigo aos invisíveis
para comida e pilhas, nutrição para corpo e a mente. Nunca negou comida aos mendigos que passavam pedindo pelo local. “É pecado, sabia?”, ressalta, com a expressão séria e preocupada. Repete a frase três vezes. Os olhos fortes sentem a realidade que ninguém faz questão de ver. A raiva transparece em apenas uma frase: “Viver dessa maneira é pior do que difícil”. Quando isso acontece, a úlcera de André se alimenta. A ferida da sociedade só faz aumentar o tamanho do estrago. André sabe que vive de forma ilegal e não sente orgulho por isso, apenas vive. Nas noites mortas, o frio de 11ºC potencializa a solidão. Já pensou em fazer besteira, acabar com a própria vida, mas a força que leva na mente e o sonho de retornar à cidade natal o impedem. Na barraca, apenas um colchão, lençóis que pediu de casa em casa, algumas
poucas roupas (as outras estão distribuídas em árvores ao redor da rotatória) e a Bíblia. Não tem religião, mas acredita em uma força superior que lhe dá o direito à vida todos os dias. Direito pelo qual labuta todo dia. Muitas vezes sai cedo da barraca e volta apenas à noite. Como muita gente, André busca uma vida decente, com horários de trabalho fixo, almoço e janta. Mas, como ele mesmo fala, a sociedade não quer isso para ele. Não há espaço para o fracasso, para o diferente, para o esquecido. A cegueira branca toma conta, e as pequenas coisas são colocadas de lado. Só a minoria faz questão de enxergar. A rotatória do Guará II é uma realidade à parte da de quem corre apressado para chegar a qualquer lugar, mas tão viva quanto o sonho que ainda resta a André. É, na carne viva, o olho da rua.