Ano 12
Artefato
Jornal-laboratório do Curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Brasília
Brasília, outubro de 2011
I I o h c a i No R . . . a t l a f ainda Com mais de uma década de existência, Riacho Fundo II se tornou lar para muitos brasilienses, mas ainda apresenta precariedade em serviços básicos
nal o i g e r l Hospita PM a d l e t r Qua solina a g e d Posto os i e r r o C dos a i c n ê g A ria á c n a b Agência
>>10, 11 e 12
Noite
O Artefato visitou duas casas de strip em Taguatinga, onde casados, solteiros e enrolados se divertem >> 16 e 17
Terceira idade
Disputa
Programa que alia capoeira a atividades terapêuticas melhora qualidade de vida de idosos no DF >> 12
Construção dos primeiros hospitais de Águas Claras ao lado de fábricas de cimento gera polêmica >> 5
EDITORIAL
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outubro de 2011
EXPEDIENTE
Artefato
Exercício de apuração
Jornal-Laboratório do Curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Brasília Ano 12 nº 6, outubro de 2011
Roberta Sousa e Samira Pádua
T
urma unida e cooperação. Assim podemos definir essa edição do Artefato. Com repórteres e fotógrafos juntos para o mesmo fim, que é fazer o jornal acontecer, acreditamos que fizemos o trabalho de maneira correta. As pautas, muitas vezes, vão até mais que o nosso limite. Com isso temos matérias com assuntos pouco explorados antes no Artefato. Estamos aprendendo a lidar com grandes dificuldades, que encontraremos fora dos bancos da Universidade. Na edição passada, o mapa do nosso país provavelmente foi olhado de cabeça para baixo, e o que era Sul, virou Norte. Na matéria sobre como funciona a escolha dos jurados, dissemos que o Júri mais longo da história, conhecido como “Bruxas de Guaratuba”, aconteceu no Pará, quando, na verdade, foi no Paraná. A correria também fez com que um fotógrafo não tivesse o sobrenome no crédito, que ficou “XX” em nosso cartão de visita: a capa.
Por falar em capa, a desta edição foi um exercício de apuração, checagem e redação que nasceu de um comentário em sala. Tratamos dos problemas que os moradores do Riacho Fundo II são obrigados a enfrentar pela má infraestrutura da cidade, como a falta de agências bancárias e do principal: a regularização dos lotes. Trazemos, também, a realidade do câncer, já que alguns moradores do DF, principalmente mulheres, não recebem nenhuma ajuda do governo – mas, com a sensibilidade de uma médica formada na UnB, esse cenário mudou um pouco. Por fim, a aventura de quatro repórteres que viraram noites em casas de strip, com o propósito de fazer um relato jornalístico do que acontece por lá. Boa leitura!
ombudsman
Análise da edição anterior do Artefato Edmar Araújo*
uem descobriu o Brasil? Bem que eu gostaria de afirmar que foi um tio meu, mas devo me ater aos fatos e não às opiniões. Quando li a matéria “O Areal sempre será o Areal.” que apresenta o senhor Joaquim Moreira Duarte como uma espécie de Juvenal Antena (personagem interpretado por Antonio Fagundes na novela “Duas Caras” – Rede Globo, 2007) e que a única fonte consultada é o próprio Joaquim, duvidei muito da veracidade das informações. Onde estão as provas de que ele é tão importante assim para aquela comunidade? As possíveis declarações de figuras políticas como Roriz e Arruda são suficientes? Se não há provas, não há história e nem jornalismo. Faltaram dados. Sobraram empolgação e promoção pessoal. Uma matéria muito interessante nesta edição do Artefato tratou da identificação de criminosos com base no famoso e fílmico retrato falado. O assunto é riquíssimo, mas, como na matéria do Areal, faltaram entrevistados.
“Mulheres na área, sem impedimento” apresenta uma paixão nacional pouco cultivada quando o assunto é futebol feminino. Cartão amarelo para quem deixou que escapassem parênteses durante a edição da matéria, hein!? Por falar em esportes, a aventura da repórter do Artefato que pedalou pelas ruas do DF merece destaque. A narrativa utilizada na reportagem “35 km de asfalto” conduz o leitor a um passeio imaginário (e saudável) de bicicleta. De longe, é a melhor matéria da edição. Gostei muito de ler nomes de professores da UCB citados como fontes consultadas e como personagem na matéria “A volta do Vinil”. Nosso campus tem um excelente corpo de mestres e doutores que não aparece tanto nas edições do Artefato. “Barato que custa caro”, “Maternidade e exercícios combinam, sim” e o perfil “Lixo, Oscar e arte” foram os sustentáculos textuais desta edição do Artefato. Por fim, muito original a matéria “Marcas da falsificação” que trata sobre bolsas e produtos pirateados.
Artefato
Ano 12 Jornal-laboratótio do Curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Brasília - Distribuição Gratuita Brasília, setembro/outubro de 2011
TERRA DE ARTILHEIRAS foto: Guilherme Assis e Tamires XX
O campo sem um tufo de grama não importa. Um grupo de Ceilândia se reúne para mostrar que futebol também é coisa de mulher >> 16 e 17
Diários de bicicleta
Culpado ou inocente?
Repórter do Artefato pedala por Taguatinga e Ceilândia >> 9 e 10
Como os júris dos tribunais são escolhidos? >> 6 e 7
foto: Gabriela Costa
Q
Compras coletivas Cuidado para não ter problemas com esses sites >> 11 e 12
*Estudante do 8o semestre de Jornalismo
Reitor Dr. Cícero Ivan Ferreira Gontijo Diretor do curso de Comunicação Social Prof. André Luís Carvalho Editoras-chefes Roberta Sousa e Samira Pádua Editores de texto Carolina Alves, Karoline Soza, Luísa Dantas, Maria Clara Oliveira, Nelson Araújo e Patrick Martin Editores de fotografia Stephany Cardoso, Victória Camara e Joyce Oliveira Editores web Juliana Campêlo e Laniér Rosa Editores de arte Andressa Albuquerque e Gabrielle Santelli Projeto gráfico Layon Maciel, Matheus Martins, Samira Pádua Reportagem Alessandro Alves, Bárbara Fragoso, Bianca Baamonde, Cássia Santos, Douglas Furtado, Flávio Brebis, Guilherme Carvalho, Ludmila Rocha, Marcele Degaspari, Orlando Rodrigues, Patrícia Rodrigues, Thamyres Ferreira, Wlissara Benvindo Diagramação Carolina Nogueira, Laís Marinho, Layon Maciel e Matheus Martins Fotografia Adde Andrade, Aline Marcozzi, Everton Lagares, Ludmila Rodrigues, Natália Oliveira, Paulo Freire, Rayna Fernandes, Renata Ribas, Rick Antunes, Roberley Antunes, Professoras responsáveis Karina Gomes Barbosa Sofia Zanforlin Orientação gráfica Prof. Dilson - DiOliveira Orientação de fotografia Prof. Thiago Sabino Tiragem: 2 mil exemplares Impressão: F CÂMARA Gráfica UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA EPCT QS 07 lote 1 Águas Claras - DF CEP: 71966-700 tel: 3356-9337 - artefato@ucb.br
outubro de 2011
RAPIDINHAS
transporte
foto: Aline Marcozzi
Novos painéis informativos na Rodoviária Layon Maciel
D
esde o dia 12 de setembro, novos monitores digitais foram instalados na Rodoviária de Brasília. São 107 aparelhos em todo o local. A novidade já está em operação. Neles são exibidos a localização dos boxes dos ônibus além de informativos (notícias, campanhas institucionais, horóscopo). Severiano Rodrigues da Silva, administrador da rodoviária, disse que os novos painéis tiveram custo zero na instalação e manutenção. E as despesas ficarão a cargo da empresa que venceu a licitação. Usuária da rodoviária, Isabel Cristine, 23 anos, aprovou os novos painéis: “Ficamos atualizados com várias coisas além dos ônibus”. Na subida das escadas da plataforma inferior para o mezanino foram instalados grandes telões informativos. Cerca de 700 mil pessoas por dia circulam pela rodoviária. Ainda há reclamação da ausência da informação de horários dos coletivos. Sobre o assunto, o administrador afirma que não há data marcada para a instalação de três totens para esta função, mas em breve estarão disponíveis para uso. foto: Layon Maciel
Painéis ajudam na localização dos ônibus e seus intinerários
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trânsito
O corpo também sente os engarrafamentos
A
Cássia Santos
mobilidade limitada e a rotina de restrições que ocorre no horário de pico estão causando prejuízo para a saúde de quem enfrenta o trânsito de Brasília todos os dias. O problema dos engarrafamentos é crescente em uma cidade onde a frota de veículos cresceu cinco vezes mais que a população em uma década. Até o final de agosto, Brasília tinha 1.294.869 carros, para uma população de 2,6 milhões de habitantes, média de um automóvel para cada duas pessoas. As consequências desse aumento estão cada vez mais presentes no dia-a-dia da população do DF, como explica o clínico geral Eduardo Calixto Saliba. “As pessoas que passam longas horas nos congestionamentos podem desenvolver algum tipo de doença tanto do ponto de vista físico quanto do ponto de vista emocional.” O médico alerta que ficar sentado por mais de uma hora é o suficiente para desencadear vários problemas, como dor na coluna cervical ou lombar, além de aumentar a tendência às varizes e hemorróida. Por isso, ele orienta que “esticar os braços, como se estivesse se espreguiçando, e fazer alongamento ao sair do carro é importante para aliviar a tensão”. Alguns motoristas já sentem o estresse gerado pela combinação do aumento da população e dos carros e a incapacidade das vias de suportar o volume. O publicitário Denny Ana, 36 anos, reclama que sente dor em várias partes do corpo quando dirige. “Muitas vezes passo mais de uma hora nos engarrafamentos, nos horários de pico, e fico com dores muito fortes nas pernas e nos pés”, conta. Do ponto de vista emocional, o estresse causado pelo tempo nos
Carros parados no trânsito: sinal de perigo para a saúde
congestionamentos, a ansiedade para chegar ao trabalho, a exaltação por ficar várias horas preso ao trânsito e uma vida cada vez mais corrida podem desencadear doenças de origem cardiovascular como infarto, derrame, hipertensão, ou levar a quadros de depressão e irritabilidade. Os engarrafamentos ainda são fontes de agressões, brigas e até mortes no trânsito. Em situações limite, afirma o especialista Eduardo Calixto, a respiração também é prejudicada, o que influencia na circulação e nas dores de cabeça. Inspirar e expirar profundamente ajuda a melhorar o quadro. A poluição do ar é outro problema enfrentado pela população dos grandes centros. Pessoas com distúrbios respiratórios crônicos como bronquite, rinite, asma ou sinusite sempre sofrem com as mudanças climáticas, o tempo seco e a poluição. Em lugares com grande aglomeração de prédios, como, por exemplo, a cidade de Águas Claras, há grande concentração de poluentes, que associados à baixa umidade podem ocasionar irritação e inflamação das mucosas respiratórias, como explica o médico Eduardo Saliba. Para amenizar os problemas respiratórios, ele recomenda optar por outras formas de locomoção antes de priorizar o transporte individual. A corretora de imóvel Beatriz Rodrigues, 26 anos, tem asma e diz que, ao ficar exposta a um nível alto de poluentes, passa mal. “Principalmente quando fico em lugares com trânsito parado,”, diz. Para amenizar os sintomas da doença, Beatriz faz tratamento e pratica esportes.
Ficar sentado por
mais de uma hora
é o suficiente para desencadear vários problemas, como dor na coluna cervical ou lombar, além de aumentar a tendência às varizes e hemorróida
Infografia: Matheus Martins
Muitos motoristas preferem andar de carro porque acham o transporte público ruim. É o caso do vendedor Bruno Santos, 30 anos. “Os engarrafamentos acabariam e teríamos uma qualidade de vida melhor se o transporte público adotasse medidas como a redução de tarifa, o aumento no número de ônibus e a criação de novas linhas e ampliação do metrô”, afirma. Segundo ele, a precariedade no sistema faz com que o automóvel seja escolhido para a locomoção. “Não dá para ir trabalhar sem carro nestas condições”, finaliza.
RAPIDINHAS
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outubro de 2011 Fotos: Layon Maciel
Fotomontagem: Nayara Viana
saúde
Postura errada nos ônibus afeta coluna Layon Maciel
N moradia
O custo da casa própria no DF Ludmila Rocha
S
egundo a Associação do Mercado Imobiliário do Distrito Federal (Ademi) o crescimento no setor nos últimos cinco anos gira em torno de 80%. Além disso, dados do Censo realizado pelo IBGE em 2010 indicam que a cidade foi a que apresentou o maior crescimento populacional do Centro-Oeste, com 24,95%, contra os 21,15% de Mato Grosso, segundo colocado da região. Tanta procura tem gerado, além de uma oferta crescente de imóveis para todos os gostos, preço bem acima da média nacional. Com o déficit da oferta de imóveis no Plano Piloto, em função do tombamento da capital que proíbe construções de mais de seis andares e do preço elevado dos imóveis nessa área, a tendência, especialmente de quem chega à cidade, é migrar para outros bairros. Entre os mais procurados estão Águas Claras, com cerca de 150 mil habitantes, e Sudoeste, com 47 mil. Segundo Wallace Albuquerque, corretor de imóveis da VIA Engenharia que atende DF e entorno, nesses bairros, considerados de classe média alta, o preço de um apartamento de 3 quartos, com 95m2 e área de lazer varia entre 380 e 450 mil reais. Em comparação, na capital goiana, localizada a aproximadamente 210km do DF, um imóvel com características similares localizado em bairros do mesmo nível sócio-econômico, como Setor Oeste ou Bueno, pode ser encontrado pela metade do preço, entre 150 e 250 mil reais. No Setor Noroeste, bairro novo do DF, lançado em junho de 2008, e que já é um dos mais caros da cidade, o preço dos imóveis também cresce de forma acelerada. O bairro só oferece imóveis com espaço superior a 100 metros quadrados que podem custar aproximadamente 890 mil reais. Mesmo com preços acima da média nacional não é impossível para comuns mortais adquirir um imóvel na capital federal. Especialistas afirmam que pou-
pando em média 30% do salário ao mês é possível, ao final de um ano, conseguir a quantia necessária para dar entrada em um imóvel. Além disso, há linhas de financiamento imobiliário com prazos de até 30 anos para parcelamento do valor do imóvel para quem não possui capital próprio para a compra. A Caixa Econômica Federal é uma das instituições financeiras que trabalha com esse tipo de financiamento, e que, em função do aquecimento no mercado, já prevê um crescimento de 25% em relação ao ano passado na concessão do crédito imobiliário. Além disso, a gerente de contas do Itaú-Unibanco, Renata Tarchetti, lembra que o investimento em imóveis é hoje um dos mais seguros e rentáveis, pois, de um semestre para o outro, um imóvel em uma região em plena expansão como Águas Claras ou o Noroeste sofre valorização de mais de 20%, em média. “Seja para morar ou alugar os imóveis serão sempre um bom investimento, especialmente pela rápida valorização. Qualquer coisa que é construída nas imediações, de centros comerciais a estações de ônibus e metrô, valoriza o imóvel. E é bom comprar logo, pois na planta são ainda mais baratos ”, diz. Ademir Ribeiro, funcionário público de 65 anos e morador de Águas Claras, é prova do bom investimento que a compra de imóveis se tornou. Há seis meses ele adquiriu um apartamento na região próxima ao shopping da cidade por aproximadamente 350 mil reais. Hoje, um apartamento igual ao seu, com a mesma disposição espacial, metragem e no mesmo prédio, já está na faixa de 500 mil. “Me mudei com a minha família depois de 20 anos em Taguatinga em busca de mais segurança e conforto e não me arrependo. O preço dos imóveis no DF é realmente alto, mas a valorização que o imóvel sofre a longo prazo, muitas vezes nem tão longo assim, certamente compensa o custo.”
os ônibus há movimentação de gente. Uns ficam em pé, outros sentados, em viagens que podem durar até mais de uma hora. Todos querem chegar logo em casa e a última coisa a se pensar é o bem-estar da coluna e, consequentemente, na postura. Mesmo assim, não se pode bobear. É nela que o nosso corpo se sustenta. Posturas erradas ocorrem por vários motivos: as tentativas de não encostar em alguém, acomodar-se melhor, acostumar o corpo às lotações, se espremendo para os outros passarem. Os modos de sentar e ficar em pé também podem prejudicar a coluna. Jaqueline Dantas, estudante, reclama do tamanho dos assentos dos ônibus e das pessoas “relaxadas”, principalmente dos homens, que sentam além do espaço que têm direito: “As cadeiras são pequenas e próximas demais umas das outras. As pessoas ficam em cima, incomodando”. O resultado do incômodo é se espremer, o que gera dor lombar e pressão alta. Há pessoas que não mudam a postura durante a viagem enquanto estão em pé, como o estudante Rodrigo Freitas. Ele conta que, mesmo em pé, e com um mochilão nas costas, prefere não deixar que os outros carreguem: “Sempre fica comigo. Não sinto dor nenhuma”. Cuidados Allan Keyser, professor do setor de Fisioterapia Ortopédica da Universidade Católica de Brasília, recomenda movimentar o corpo durante a viagem e nunca ficar estático. Isso evita a Lombalgia Funcional (dor na coluna). “A cadeira do ônibus já foi feita para a adequação da coluna. Quando se está em pé, é necessário que durante a viagem a pessoa mude um pouco do lugar onde está.” Allan lembra que, se possível, peça alguém já sentado carregar suas sacolas, bolsas ou mochilas enquanto estiver de pé. Se isso não for possível, ponha as mesmas no chão, entre as pernas. Quem estiver sentado deve apoiar as costas na cadeira. Uma opção é usar uma espuma ou toalha enrolada em forma cilíndrica de 15 cm de diâmetro.
Posturas erradas, como as das fotos, afetam a coluna. Veja mais no blog do Artefato
CIDADES
outubro de 2011
5 foto: Rayna Fernandes
disputa
Primeiros hospitais de Águas Claras só podem funcionar depois da saída de fábricas de cimento que ficam nas proximidades
As toxinas liberadas pelas usinas colocariam em risco a recuperação dos pacientes dos futuros hospitais
Sem espaço para a saúde Bianca Baamonde
Á
guas Claras abriga, atualmente, 136 mil moradores e aloca 545 empresas. Embora o número de habitantes e empreendimentos locais só aumente, a cidade não se desenvolve na mesma proporção. De todos os serviços disponíveis na cidade, nenhum deles oferece saúde pública. O centro de saúde mais próximo fica na quadra 08 do Areal. Os futuros primeiros hospitais de Águas Claras – Amil e Hospital do Câncer – serão particulares e estão sendo construídos em frente a duas concreteiras: Ciplan e Supermix. O Centro Psiquiátrico de Brasília, também particular, funciona na mesma área. Além dos incômodos costumeiros como barulho, poluição e tráfego intenso de caminhões pesados, o cimento é fabricado a partir de misturas nocivas à saúde humana: podem causar problemas respiratórios, irritação nos olhos e na pele. Os claros riscos à saúde dos futuros pacientes, que podem ter as doenças agravadas pelo material tóxico liberado pelas usinas, impedem o funcionamento dos hospitais no mesmo espaço das empresas de cimento.
Ieda Maria Fernandes, 41 anos, mora no edifício Órion, próximo à Ciplan e Supermix. Ela já participou de abaixo-assinado para a retirada das empresas e conta que enfrenta problemas desde que se mudou. “Moro aqui há dois anos e não aguento mais viver com as janelas fechadas por causa da poeira e do barulho. E agora que temos um hospital pronto e, provavelmente já aparelhado, não podemos usufruir dos serviços por conta dos mesmos inconvenientes”, explica. De acordo com a chefe da Assessoria de Planejamento e Ordenamento Territorial de Águas Claras, Patrícia Fleury, os hospitais estão sendo construídos em terrenos comprados pelo programa Pró-DF e têm autorização para funcionar no local prestando serviços de saúde. Ela afirma não haver conflitos entre os donos dos hospitais e as concreteiras, embora os estabelecimentos de saúde dependam da saída das empresas de cimento para iniciar as atividades. A assessora de planejamento conta que já existem negociações para a retirada das empresas de cimento. “A administração,
as empresas de cimento e a Terracap já estão providenciando locais adequados para o destino das fábricas”, explica Patrícia Fleury. As concreteiras precisam de um lugar onde possam cumprir todas as exigências ambientais para garantir o alvará de funcionamento. A assessoria da comunicação da Terracap comunicou que a responsabilidade do lote para destinação da Ciplan e da Supermix é da Administração de Águas Claras, uma vez que a entidade somente vende lotes registrados por licitação. Por meio da assessoria de comunicação, a Administração de Águas Claras afirmou que o administrador entrará em acordo com as concreteiras para a regularização do alvará em outro local. Embora não tenha divulgado o novo lugar de funcionamento, a diretoria da Supermix informou que a construção da nova usina já está em fase de finalização e que a mudança acontecerá em novembro. Funcionários da Ciplan também afirmam que haverá mudança de local, mas não há data e nem um novo endereço definidos.
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CIDADES
outubro de 2011
cotidiano
O avião da chácara 15 Em meio à Avenida Via Estádio, em Taguatinga, existe... um avião. Foto: Paulo Freire
De Belo Horizonte para Brasília, Learjet 24 instiga a curiosidade da população
O
que há em seu quintal? Flores, árvores, uma rede para descanso, talvez? Os artefatos e ornamentos podem variar, mas nada se compara ao objeto escolhido por Mário Tinen: dono de uma floricultura, o empresário escolheu nada menos que um avião para compor o cenário de sua loja. E o resultado disso são inúmeras pessoas se questionando como e por que a aeronave foi parar em um lugar tão inusitado. Localizada na chácara 15 do Núcleo Rural de Taguatinga, a floricultura de Mário tem 37 anos. Mesmo com o nome já instalado no comércio, alguns clientes padeciam de dificuldades para achar o estabelecimento. Assim, com o intuito de melhorar o aspecto referencial de sua loja, o empresário resolveu comprar a sucata de um avião e utilizar como merchandising. A ideia vingou tanto que, hoje, quando alguém fala “chácara 15”, pode ser que nada venha em mente, mas ao mencionar “a chácara do avião, logo as pessoas lembram a minha floricultura”, comenta Mário.
“
Eu mesmo vim na loja por causa da indicação do avião” Antônio Pereira, advogado
Fabricado no Canadá em 1980, o avião de modelo Learjet 24 foi por 31 anos propriedade de uma empresa de táxi aéreo. Com capacidade para cerca de sete passageiros, a aeronave sofreu alguns problemas elétricos por conta do tempo de uso e, assim, foi vendida para o “José de Belo Horizonte”, que, seja por conta do destino ou não, é amigo da família Tinen. José comprou o avião “porque achou
Laís Marinho bonito”. Ficou com ele por um período, mas teve que se desfazer da aeronave. Dessa maneira, fez uma oferta e, com a aprovação de Mário, seu neto Magnum Kléber Tinen foi à capital de Minas Gerais apanhar o tal do avião. A viagem de volta durou menos de um dia. Em cima de uma carreta, o Learjet veio desmontado e disposto na horizontal – “para que não houvesse problema”. Ao chegar à chácara, em outubro de 2010, montadores vindos do estado mineiro remontaram a aeronave que agora tinha um novo endereço: a chácara 15. Em poucos dias, a repercussão foi grande. Muita gente ia à loja e perguntava da aeronave. Certa vez, inclusive, “uma emissora de televisão passou com um helicóptero e o repórter perguntou ‘de quem é esse avião’? Em seguida, várias pessoas ligaram na própria emissora e disseram que era do ‘Seu Mário”, conta o empresário. A ideia de comprar o avião para localizar melhor o estabelecimento comercial atingiu
em cheio a expectativa. Dessa maneira, Mário iniciou um processo de reforma na aeronave e no futuro pensa em deixar o objeto para exposição na loja. “Será aberto a todas as pessoas”. Crianças, estudantes de pilotagem – que inclusive já procuraram o empresário para saber do avião -, e principalmente aquelas que nunca entraram em uma aeronave poderão ver de perto e apreciar seu interior. “Gratuitamente”, enfatiza. Além disso, poderão conhecer a floricultura, localizada em um área verde com dezenas de árvores de todos os tipos, a maioria plantada por Mário – inclusive, a entrevista foi dada embaixo de uma “Pau Ferro” de 35 anos, plantada, é claro, por ele. Seja como uma espécie de “GPS” da floricultura ou objeto de exposição, a aeronave pintada com tinta branca e vinho desgastado pelo tempo aguça a curiosidade de muita gente. “Eu mesmo vim na loja por causa da indicação do avião. Temos que concordar que a ideia foi muito interessante”, finaliza o advogado Antônio Pereira.
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CIDADES
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perfil
O narrador e repórter do Povão
Popular no Distrito Federal, o radialista Marcelo Ramos conta sua história Maria Clara Oliveira e Samira Pádua
C
asa aconchegante, com uma família destaca como marcantes. Entrevistas com tradicional, quatro filhos e três jogadores como Pelé, Palhinha e Romário netos. É nesse ambiente que mora o também integram a lista. mineiro Marcelo Machado Ramos, o Imagina-se que, para um repórter ou Repórter e Narrador do Povão, como comentarista esportivo, cobrir um jogo da é popularmente conhecido. Dono de Seleção Brasileira seja algo emocionante. uma voz inconfundível, que faz parte do Para Marcelo, que já teve a oportunidade de imaginário de crianças, adultos e idosos. realizar uma cobertura dessas, a emoção é a O radialista tem 40 anos de profissão, mesma de um jogo comum. Ele afirma que, atualmente na Rádio Bandeirantes. Com embora exista o envolvimento comum a todos muita história para contar, ele recebeu o os brasileiros ao verem a seleção jogar, nunca Artefato após um longo dia de trabalho. sentiu diferença entre cobrir uma partida O interesse pelo trabalho no rádio normal e, por exemplo, um jogo contra o Chile começou cedo. Em durante as eliminatórias para Divinópolis (MG), o a Copa. pai, Vicente Ramos, E por falar em jogos Coberturas rezava a Ave-Maria comuns – desses que o esportivas brasileiro assiste quando em uma emissora, o marcam que despertou nele o não é época de Mundial gosto pela profissão. carreira de –, a forma utilizada pelo O início da carreira Narrador do Povão, aliada Marcelo Ramos à popularidade entre os foi modesto. Ainda na cidade natal, ia torcedores, ajudou a criar ao ar somente para apelidos para alguns times: informar a hora. o Ceilândia Esporte Clube Ao chegar à capital passou a ser conhecido federal, em meados como “Gato” depois que dos anos 60, trabalhou em outras áreas Marcelo começou a falar da “toca do gato” antes de ocupar a cadeira de radialista. Eram durante os jogos. O mesmo aconteceu com empregos humildes, que levaram muitas o Gama, chamado de “Gamão do Povão” pessoas a tentar – sem sucesso – destruir a graças à frase “Gamão do povão do meu esperança do aspirante a locutor. coração”, usada na narração de algumas Em 1970, teve início sua jornada como partidas. repórter esportivo. Como integrante da Em 2009, ele deixou a Rádio Capital, onde Rádio Independência, atual Rádio Capital, trabalhou por 40 anos, e foi para a Rádio Marcelo acompanhou e cobriu fatos Bandeirantes. Na época surgiram rumores de importantes, como a inauguração dos que sua saída seria por falta de espaço. Marcelo Estádios Mané Garrincha e Augustinho explica que aquele era o momento de mudar Lima, assim como o Bezerrão. de prefixo e horário. As coberturas exigiam De repórter a narrador esportivo, ele muito dele, tanto em termos físicos quanto conta que foram vários os momentos financeiros. Sua casa eram os aeroportos e as marcantes na carreira. Transmitir jogos em rodoviárias brasileiras, o que o deixava longe da grandes estádios brasileiros, como Maracanã, família frequentemente. Esse foi o preço que, Pacaembu, Mineirão, Arena da Baixada e com a mudança de emissora, ele escolheu não Morumbi foi só o começo. mais pagar. Uma situação interessante ocorreu em Se em coberturas esportivas a rotina de 1999, na Série B do Campeonato Brasileiro Marcelo é puxada, a diferença em relação à de Futebol: sem condições técnicas, Marcelo nova carreira é que não há a necessidade de passou 4 horas transmitindo um jogo do viajar para cobrir jogos. Ele acorda às 4h30 Gama em Ji-Paraná (RO) pelo celular. Não da manhã e sai de casa às 6h. Durante a são só as coberturas importantes que ele semana, o programa O Povo e o Poder, que
“
já foi apresentado na Rádio Capital e agora faz parte da programação da Rádio Bandeirantes, é apresentado das 8h às 10h no estúdio. Aos sábados, no mesmo horário, faz a locução diretamente de uma loja de materiais de construção em Brasília. O programa conta com notícias, músicas, entrevistas e reivindicações da população e recebeu os candidatos antes das eleições de 2010. Depois das apurações, os eleitos ou reeleitos compareceram para falar das metas aos ouvintes. Marcelo, que também é presidente do Comitê de Imprensa do Palácio do Buriti desde 1985, acompanha o dia a dia do governador do DF, mas deixa claro que não faz parte do quadro de funcionários do GDF. Sua esposa, Maria Ramos, também é responsável pelo sucesso do programa. Ela faz uma participação diária, e fala de culinária aos ouvintes.
Em outubro de 2009, Marcelo foi homenageado pela Câmara Legislativa do DF com o título de Cidadão Honorário de Brasília. Ele diz que o acontecimento foi “memorável, gratificante e magnífico”. A mulher mostra, orgulhosa, o certificado que ele recebeu na ocasião. Outra fonte de orgulho são as fotos com o “rei” Roberto Carlos, de quem é fã, e com outras personalidades, em uma parede. O botafoguense também coleciona perfumes e relógios. Mas o mais importante mesmo são os filhos. E a Maria? “É uma ma-ra-vi-lho-sa es-po-sa! Eu a amo!”
Marcelo, que não gosta de gravadores digitais, mostra os equipamentos analógicos que possui
Foto: Samira Padua
SAÚDE
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bem estar
Da capoeira para a terapia Programa que reúne idosos é referência em atividade física no Distrito Federal, em mais 150 municípios brasileiros e no exterior
A
capoterapia é um programa idealizado em 1999 por Gilvan Alves de Andrade – o Mestre Gilvan –, em Ceilândia, e que tem a capoeira como base dos exercícios físicos. Para proporcionar aos idosos práticas que harmonizam corpo e mente, foram inseridas atividades lúdicas, cantigas de roda e estudo da cultura afro-brasileira. A capoeira tem origem no Brasil Colônia, como cultura de resistência de negros africanos. Tempos depois, popularizada, passou a ser praticada em todo o país e difundida internacionalmente, tanto do ponto de vista da divulgação da cultura brasileira como atividade física completa, que aciona todas as partes do corpo. Foi com esse pensamento que Mestre Gilvan iniciou, em 1988, o projeto “Capoeira para Todos”, com o objetivo de mostrar que a modalidade poderia ser praticada por todos: crianças, adolescentes, adultos, idosos, pessoas com deficiências de diversos tipos e de todas as classes sociais. No início, as atividades eram desenvolvidas nos Centros de Saúde de Ceilândia com pessoas que tinham diagnóstico de hipertensão e/ou diabetes, para inserir a atividade física como instrumento de qualidade de vida. O programa sensibilizou médicos e enfermeiros para aderirem e, em 1999, adotaram o nome de Capoterapia. Reúne técnicas de capoeira, mas também práticas simples como o resgate das cantigas de roda, o reconhecimento de dinâmicas de grupo e instrumentos como berimbau, além de realizar coreografias. Logo a ideia foi levada a outros centros de saúde. Hoje a Capoterapia reúne mais de 20 mil praticantes, em mais de 150 municípios
Flavio Brebis Foto: Flavio Brebis
Mestre Gilvan (ao centro com berimbau) e o animado grupo de idosos praticantes da atividade
brasileiros e em países como Alemanha e Holanda. No Distrito Federal, agrega cerca de 800 pessoas, em vários locais de funcionamento. Com linguagem própria, o método da Capoterapia é patenteado, com seus princípios resguardos legalmente, para que não se percam e não se desvirtuem as bases da cultura e práticas da capoeira. Os interessados em desenvolver a Capoteria passam por capacitação e, após essa formação, a Associação Brasileira de Capoterapia e o Instituto Ladainha autorizam a franquia. Sem patrocínio ou recursos públicos, o programa sobrevive de doações e seus multiplicadores são voluntários. O próximo passo é estabelecer junto aos órgãos competentes um Plano Nacional de Capoterapia, para que os municípios implantem diversas ações sociais. Uma delas é a Gincana do Afeto, com o lema: “Você já abraçou seu filho hoje?”, que consiste na implementação, durante um
mês, de diversas atividades culturais e gincanas, culminando com um grande encontro, reunindo familiares, educadores, colaboradores. Para o Mestre Gilvan, a Capoterapia visa ajudar principalmente na adoção de políticas públicas para os idosos e na economia que pode propiciar ao Estado, na medida em que consultas médicas e remédios diminuem consideravelmente quando os idosos têm qualidade de vida e, consequentemente, saúde melhor. “O grande desafio é tirar os idosos de casas, levá-los para uma atividade física, para viajar, buscar outras alternativas de lazer. A Capoterapia proporciona esse leque de opções”, afirma. Maria Célia da Silva Pinto, 66 anos, que frequenta a Associação dos Idosos de Taguatinga há cinco, teve um aneurisma cerebral que lhe deixou sequelas nas pernas, comprometendo a locomoção. “Agora com a capoterapia não tenho dificuldades para andar e nem dores nas pernas”, conta.
José Juruá Medeiros, 65 anos, é um dos poucos homens que faz as atividades – eles são cerca de 10%. Veio trazido pela mulher. Medeiros diz que mudou inclusive de atitudes após frequentar o programa. “Eu era sedentário, era de casa pro trabalho e do trabalho pra casa.” Maria Arlinda Morbeck, 59 anos, confessa que a princípio achou engraçada aquela atividade, quando viu pela primeira vez. Não resistiu e logo aderiu. Desde 2007 é dedicada praticante. Mais expansiva e falante, sente-se mais solta e alegre. “Aqui a gente brinca muito, pois é uma atividade lúdica”. Hoje é capoterapeuta, pois participou de formação e já coordena as aulas. “Recomendo para pessoas de todas as idades, pois não é só um atividade física”, afirma. Morbeck é uma das participantes do livro: “Minha história, minha vida: na capoterapia, 66 casos de amor à vida”, organizado pelo jornalista Mano Lima e pelo Mestre Gilvan.
ONDE PRATICAR A CAPOTERAPIA Posto de Saúde 02 (Praça do Bicalho Taguatinga Norte) - Quarta-feira, às 8h Centro de Saúde 05 (Ceilândia Sul) Segunda 8h Centro de Saúde 06 (Taguatinga Sul) Sexta-feira, 8h Centro de Saúde 613 (Asa Sul) Quinta-feira, às 8h SESC (Ceilândia Norte) Segunda-feira, às 9h Taguaparque (Taguatinga Norte) Quinta-feira, às 18h30 Associação dos Idosos de Taguatinga (QNL) – Terças, às 8h e Quintas, às 9h Associação de Capoeira Ladainha (QNL 30, Cj A, lote 31) - Terças e Quintas, às 8h Universidade Católica de Brasília (Centro de Convivência do Idoso), Campus Taguatinga Sul - Sexta-feira, às 9h30 Maiores Informações com Mestre Gilvan: (61) 9962.2511
SUSTENTABILIDADE
9 Foto: Nilton Miranda
Iniciativas da conscientização tropeçam na falta de apoio, mas ações populares avançam: acima, grupo visita área que oferece educação ambiental
educação ambiental
Tem que morrer pra germinar? Entre percalços e conquistas, educadores ambientais convidam à conscientização e percepção do mundo natural Stephany Cardoso
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inda que presente em discursos, o desapego da cultura do consumo desenfreado em detrimento do respeito à natureza está longe de ser realidade no cotidiano. A Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), instituída em 1999, aponta a direção da harmonia entre educadores, sociedade civil organizada, empresariado e governo para inserir reflexão e práticas sustentáveis em sala de aula, e além dela. Porém, aproximando o olhar das articulações no Distrito Federal, a educação ambiental ainda se sustenta em mais frestas que pilares. Até agora, o DF ainda não tem Comitê Interinstitucional da Educação Ambiental, que reuniria representantes desses segmentos sociais para decidir sobre a implementação da política. A educação ambiental deve transpor a sala de aula, passar pela consciência individual e ganhar vida na prática. Ao ir além da
preocupação abstrata com efeitos globais da agressão à natureza, é nas ações cotidianas que a mudança de cultura acontece. “O maior desafio da educação ambiental é a transdisciplinaridade. Proporcionar às pessoas uma visão mais abrangente dos problemas socioambientais que enfrentamos, com o propósito de encontrar a integração, a religação dos diferentes saberes”, define a professora de Educação Ambiental da Universidade Católica de Brasília Patrícia Limaverde Nascimento. Ceilândia, Taguatinga, e Samambaia vistas por fotos de satélite são acinzentadas, puro concreto. Um olhar mais atento localiza no meio de três das Regiões Administrativas mais populosas do Distrito Federal uma extensão de 2.300 hectares de reserva natural, a Área de Relevante Interesse Ecológico Juscelino Kubitschek (Arie/JK). Com 13,6
hectares, o Sítio Geranium, dentro da área, é uma opção para convivência e contato com flora, fauna e hidrografia do cerrado. No sítio, os visitantes têm várias opções de vivência e aprendizado: trilhas para contato com árvores, animais e riachos; observação orientada dos astros; instrução para cultivo de hortas, minhocultura e compostagem; dicas para consumo responsável e manejo de resíduos, entre outras. Para a orientação de quem busca se reaproximar da natureza, coordenados também pela pedagoga Evailza Lima Barros, seis monitores, entre pedagogos, estudantes de Ciências Biológicas, Ambientais e Sociais se revezam de acordo com a disponibilidade de cada um. O sítio recebe principalmente grupos de alunos e professores, com roteiro adequado à faixa etária e tema estudado. Coordenan-
do o trabalho há 25 anos, a odontóloga Maria Abadia Barberato, 53 anos, deixou com a família o condomínio fechado na Octogonal depois da morte do filho de um ano de idade devido à intoxicação por agrotóxicos. A mudança para o local ainda ermo foi em busca de uma opção pouco conhecida e desacreditada na época: o cultivo orgânico. Hoje, os produtos isentos de agrotóxicos são vendidos no sítio e em outras feiras do DF. O trabalho foi ampliado devido à necessidade da região de acolhimento em um espaço promotor de sustentabilidade. “Mas a procura é menor que deveria. As pessoas deveriam se interessar mais. Somos pioneiros e temos que abrir a cabeça das pessoas para a grandiosidade do trabalho.” No ano passado, o Sítio Geranium recebeu cerca de 10 mil visitantes, incluindo pessoas que alugam o espaço para realização de eventos e festas.
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SUSTENTABILIDADE
Com obstinação se segue O trabalho dos educadores ambientais esbarra em diversas dificuldades. A PNEA prevê a inclusão do tema “em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal”. Mas os editais para fomento desses trabalhos são esparsos. Provenientes, principalmente, dos ministérios do Meio Ambiente, da Educação e da Cultura. Segundo o MMA, o papel do órgão, assim como da Secretaria de Meio Ambiente do DF, tem sido oferecer mais apoio técnico que financeiro. Os agentes da educação informal reclamam da demora na disponibilização de recursos e da dificuldade de ter pessoas que se dediquem exclusivamente ao trabalho, à formatação de projetos e acompanhamento dos trâmites. Alguns projetos, mesmo contemplados, não saem do papel porque o dinheiro não é liberado. Nesses percalços, oportunidades são perdidas: “Cem jovens da Casa das Meninas, de Santa Maria, não puderam vir para um dia de vivência de educação ambiental, culinária e atividades culturais em parceria com Pontos de Cultura. Mas é assim, nem sempre você consegue ir até o fim”, lamenta Abadia. Com obstáculos semelhantes, o Instituto para o Desenvolvimento Ambiental (IDA) atua na mobilização para as questões ambientais há 15 anos. O trabalho engloba várias ações de defesa de recursos naturais e sensibilização, principalmente no Guará. Com vários projetos suspensos, um dos coordenadores, Robson Majus, 48 anos, explica que resta partir para atuação na comunidade, por conta própria, autônoma e voluntariamente:
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“Está faltando vontagrupos comunitários, governo, de, priorizar o que é Mas tem muita instituições educacionais e propreciso fazer para codutores rurais, a Mão na Terra gente tentando, fomenta a multiplicação dos meçar as mudanças é uma luta e saberes e ações de sustentabilide fato. E percebo que este governo não dade desde 2004. Focada prinum desafio tem o menor interesna conservação e manter essa cipalmente se. Os recursos são revitalização da Área JK, o traproposta” suficientes, o problebalho da ONG se insere tamma está na burocracia. bém na Sala Verde no Sítio GeNenhuma instituição ranium. Espécie de biblioteca, ABADIA séria que não tenha a Sala Verde é um dos centros BARBERATO o bastante em conpara referência e disseminação trapartida consegue sobreviver.” Ele adiciona de informações socioambientais, resultado à lista de impedimentos a preferência das em- de parceria com a Diretoria de Educação presas privadas por investir em ações pontuais, Ambiental do MMA. de grande visibilidade, mas que não garantem O acervo também é disponibilizado para continuidade no processo de sensibilização. atividades educativas na comunidade. Porém, Ir além de atitudes arrebanhadas por cam- algumas mídias, como os vídeos do Circuito panhas temporárias ‘e grande desafio: “De Sala Verde, não estão em exibição por falta de imediato, o caminho é a conscientização. A alguém para organizar a atividade. Poderia ser médio prazo, a mudança de hábitos, organi- parte da programação do Sarau Cultural, que zação social, a pressão popular e expansão costumava reunir educadores populares no e consolidação das medidas socioambien- primeiro domingo do mês, atualmente suspentais. E, finalmente, a incorporação plena da so também por falta de pessoal. “Não temos dimensão ambiental a todo aspecto do fun- condições de manter tanta gente. A gente tracionamento da sociedade, inclusive no plano balha, trabalha, mas não consegue se manter. político-econômico”, prevê o geólogo e co- Mas tem muita gente tentando, é uma luta e ordenador do curso de Gestão Ambiental da um desafio manter essa proposta.” Várias UCB, Luiz Fernando Kitajima. apresentações e oficinas culturais já aconteceUm dos caminhos mais promissores ram no Geranium, mas a continuidade emperparece ser a diversificação das fontes de fi- ra quando o recurso acaba. “É uma pauleira. nanciamento. Uma das parceiras do Sítio Todo mundo acha lindo, mas não quer por a Geranium, a ONG Mão na Terra, busca cap- mão no bolso”, reclama a coordenadora. tar recursos por meio de editais e doações. Além disso, realiza cursos e vende artigos Experimentar para disseminar artesanais. Proporcionando articulação entre Parte essencial na efetividade da educação
ambiental, em caráter formal e informal, é o interesse e o engajamento que devem partir de cada pessoa. “Tudo parte da ação civil. O cidadão não percebe o poder que possui quando se organiza e trabalha em conjunto”, ressalta a professora Patrícia Limaverde. Perceber as agressões diárias que acontecem bem perto pode ser o primeiro passo, como analisa o educador Robson Majus: “As pessoas muitas vezes não fazem ideia do que acontece no meio onde vivem e o que fazer para mudar os rumos das coisas. Não é poupando a água que sai da torneira, não jogando papel no chão ou reciclando papel que iremos melhorar a vida das pessoas no planeta. Isso é importante, mas não faz nem cosquinhas no problema”. As questões são complexas e é preciso empenho individual para compreender e partir para a prática. “Cada um por conta própria deve ler, pesquisar, comparar, perguntar, tirar dúvidas e agir. Formar pequenos grupos locais de conversa sobre o assunto e se envolver com grupos e movimentos ambientalistas sérios”, prossegue. Além de defender os recursos e áreas naturais e recuperar os já degradados, botar o pé no freio do consumo é necessário. “Todo o poder está na verdade nas mãos do consumidor. Se começarmos a agir com mais consciência e a exigir isso por parte do governo e das empresas, as coisas podem mudar sim”, completa Patrícia. Direcionar o olhar para a própria responsabilidade exige esforço, promovendo coletivamente a mudança de cultura, “com cada um no seu cantinho fazendo a sua parte, o resultado é grande. Agir local, pensar global”, ensina Abadia. Foto: Roberley Antunes
Semear pequenas atitudes: alunos de escola pública ficam próximos à natureza e despertam a sensibilidade em relação ao mundo natural
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POLÍTICA
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legislação
Seu primeiro documento Declaração de Nascido Vivo tenta diminuir índice de brasileiros que não têm certidão de nascimento Victória Camara e Patrícia Rodrigues
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ernanda, Maria, Joana, Felipe, Arnaldo, Rafael e Pedro. Nomes de algumas milhares de crianças que nascem diariamente. De acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 43.093 crianças nasceram no Distrito Federal em 2009. Dessas, muitas ficam anos sem a certidão de nascimento. Para tentar minimizar o problema, no fim de setembro, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 5022/09, que torna obrigatória e dá validade à Declaração de Nascido Vivo (DNV). Mas o que é essa declaração? É um sub-registro expedido por hospitais, funcionários da saúde e até parteiras. A DNV serve para o Estado ter controle de quantas crianças nascem com vida, já que nem todas as famílias registram seus filhos – que ficam na condição de indigentes. Com a declaração, será possível a identificação do cidadão antes mesmo da expedição do registro de nascimento. Muitas pessoas ainda não conhecem a iniciativa. De acordo com o IBGE, 12,2% dos brasileiros não possuem certidão de nascimento, e a DVN não atinge 6% da população. O relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), deputado Décio Lima (PT-SC), acredita que, com a coleta dos dados por meio da DVN, o Estado poderá fazer políticas públicas mais condizentes com a realidade: “Eu tenho certeza que isso melhora estatísticas de saúde pública, a possibilidade de fazer programações para imunizações. O que temos verificado é que os registros feitos pelo sistema brasileiro de saúde têm um percentual de sub-registro menor do que aquele apresentado pelos cartórios.” A DVN é expedida por hospitais, parteiras tradicionais e, na ausência desses, por cartórios. A declaração possui todos os dados da mãe, nome, peso e altura da criança, nome do médico, dados do hospital e informações sobre o pai. Suellen Cristina, 27 anos, escrevente civil do 5º Cartório Ofício de Registro Civil, Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas de Ta-
guatinga, explica que para registrar uma tórios (TJDFT), em 2010 todos os hospi- e a média de países desenvolvidos fica criança, o pai deve comparecer ao cartório tais públicos do Distrito Federal passaram em 96%. munido da DVN, carteira de identidade a ter cartórios civis. O levantamento feito mensalmente da mãe e a própria identidade. Se os pais Os postos de registro civil ajudaram o DF pelo 5º Cartório comprova a estatística. forem casados no civil, qualquer um pode ter o melhor índice de crianças registradas Em agosto de 2011, 377 crianças nasceregistrar a criança, mas, se forem solteiros no Brasil. De acordo com o IBGE, ram no Hospital Regional de Taguatinga e o pai for reconhecer a paternidade, so99,3% das crianças brasilienses são (HRT). No posto de registro civil, localimente ele pode registrar o bebê. “Como registradas, enquanto a zado no próprio hospital, foram registraa DNV tem todos os dados da mãe, fica média nacional é dos 347 bebês, o que dá uma média de praticamente impossível a falsificação de 91% 92% bebês registrados naquela unidade. do registro e é por isso que somente o pai pode registrar a criança”, explica a escrevente. Antigamente, partos em casa eram comuns. Sem DNV, para registrar o filho, os pais precisavam levar duas testemunhas ao cartório para que o registro pudesse ser expedido, o que fazia muitos casais atrasarem para registrarem as crianças. Carlos Antonio, 31 anos, conta de demorou um ano para registrar sua primogênita. Ele nom explica que, para ele, a e nom do rec certidão era algo difícil e da émde conseguir; havia n n m o m ã muita burocracia. e:__ ascido e do Ele não é casado no sexo pai:_ ____ :____ : civil com a mãe da data ( ) ma _____ _____ _____ criança e como _ _ s _ ia reconhecer hosp e hora culino ( _____ _____ _____ _ _ d _ a paternidade, cida ital:___ o nasci ) femin _____ _____ apenas ele men de:_ ___ ___ podia registráto:_ ino ___ _ _ _ _ _ _ la. “Deixei o ___ ___ ___ _ ___ _ tempo passar ___ _____ _____ mesmo, ficava _ ___ _ deixando para o outro dia ___ _____ __ e nisso se passou um ano. Só fui me ___ _ ___ __ preocupar mesmo em registrar minha ___ filha quando ela começou a ir a consultas médicas e era exigida a certidão de nascimento”, conta. Atualmente, os casais não demoram Arte: Layon Maciel tanto para registrarem as crianças. Graças ao projeto Maternidade Cidadã, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Terri-
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infraestrut
Riacho Fundo II: oito Douglas Furtado, Luísa Dantas e Samira Pádua
Governo e administração não chegam a um consenso e prejudicam o desenvolvimento da cidade; ainda há precariedade em serviços básicos Foto: Everton Lagares
Sem quartel e agências bancárias, postos policiais e de auto-atendimento amenizam o problema; a construção ao fundo será a Segunda Companhia da PM
“
Não se pode licitar os lotes, nem o morador consegue empréstimo junto ao banco para poder melhorar sua moradia.”
GERALDA GODINHO, administradora regional
“E
ra uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada...”. Quando Vinicius de Morais fez “A casa”, Riacho Fundo II não existia. Hoje, a cidade possui 16 anos e, desses, oito são como Região Administrativa. Com cerca de 40 mil habitantes, distribuídos sob vários tetos, a cidade ainda sofre com a falta de infraestrutura em alguns pontos. O maior problema é que a R.A. ainda não é regularizada, o que impede a chegada de vários serviços básicos (ou serve de desculpa para a falta de agilidade do poder público). A proximidade com os serviços já estabelecidos do Riacho Fundo I também inibe algumas melhorias. À espera da conclusão da cidade que escolheram para viver ou trabalhar, os moradores concordam: o lugar é bom, sim. Mas pode melhorar. Segurança, por exemplo, é ponto positivo. E, de acordo com a administração, 100% das ruas do Riacho Fundo II são asfaltadas (98,8% segundo dados da Codeplan). Arborização, execução de quebra-molas, iluminação pública (97,3%) e construções de calçadas (89%) são outros serviços já oferecidos à população. Em
compensação, mandar uma simples carta já não é tão fácil...
“Sou forasteiro, percorro esse país quase todo”
Regularização Dono de um restaurante na avenida principal da cidade há 14 anos, “China”, como prefere ser chamado, é ex-morador do Núcleo Bandeirante. Hoje, ele reside em Riacho Fundo II com a família pelo mesmo período de tempo e a queixa maior está na não regularização das moradias. “Aqui é uma cidade que não tem como crescer, porque pra fazer isso tem que ter um documento. E ela não tem”, relata o comerciante. Entre todas as dificuldades que a R.A. apresenta, a maior delas é a falta de regularização dos lotes. Sem ela, não é possível que a cidade forneça alguns serviços básicos para o cidadão. Segundo Geralda Godinho Sales, administradora do Riacho Fundo II, essa questão precisa ser resolvida. “O grande problema da cidade é a regularização. Sem ela, o comércio não acontece”, diz. “Não se pode licitar os lotes, nem o morador consegue empréstimo junto ao banco para poder melhorar sua moradia”, completa. Ainda segundo a administradora, houve negociação com a Terracap, Sedhab, Secretaria do Patrimônio da União e Ministério do Planejamento para priorizar as etapas que faltam regularizar: primeira, segunda e terceira. A quarta etapa, que pertence à parte das QNs, está parcialmente regularizada. Geralda acredita que esse processo já se encontra bem encaminhado. “Nós tivemos uma conversa com o presidente da Terracap. Pedimos, inclusive, para que ele acertasse algumas áreas, porque tem uma parte que já está bem fácil de ser regularizada; e tem também a parte da quarta etapa.” Ela diz que a causa dos entraves se dá pela dependência dos órgãos - Terracap e Sedhab - e assegura que alguma parte está perto da regularização. “Acredito que este ano já deve sair alguma coisa. Provavelmente, primeira ou segunda etapa. Isso porque a projeção delas já está pronta.”
Cearense, Francisco das Chagas já passou por outros estados e agora está no DF em busca de melhores condições de vida. Morador de Samambaia, ele possui um salão em Riacho Fundo II. Sobre ter saído da cidade onde vive, para montar um comércio em outra, o barbeiro explica: “Falta de opção lá. Aqui é cidade nova, está crescendo... Vim arriscar. Sou nordestino e nordestino arrisca”. Questionado sobre os pontos positivos da cidade, Francisco elogia a segurança: “Policiamento tem. Se alguém falar que não, está mentindo.” No último dia 5 de outubro, o Riacho Fundo II foi palco de inauguração da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal (APC), que faz parte da nova política de Segurança Pública do DF. Além do novo espaço funcionar também como delegacia, registrando as ocorrências dos moradores da região, cursos de formação para policiais civis serão oferecidos, bem como para a população. De acordo com da Divisão de Comunicação do órgão, a APC “trouxe à sociedade novos espaços destinados à promoção de cursos, em diversas áreas, assim como, a realização de palestras, com temas relacionados à segurança pública”. Além disso, a população poderá visitar os museus de armas e drogas e utilizar a biblioteca, com acesso gratuito à Internet. Apesar da nova academia, Riacho Fundo possui quatro postos policiais, mas nenhum quartel, ficando dependente do Riacho Fundo I. Segundo a administradora Geralda Sales, existem planos para que o setor do quartel da cidade vizinha responsável pelo policiamento de Riacho Fundo II seja transferido em forma de Segunda Companhia. “Essa construção vai acontecer muito em breve. A companhia do Riacho Fundo II vai ficar aqui dentro e os policiais vão estar mais na cidade; para os moradores é ótimo!”, garante.
CIDADES
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raestrutura
oito anos sem regularização Foto: Miguel Pádua (arquivo pessoal)
A avenida principal da R.A. XXI em 1996...
Foto: Samira Pádua
... e agora, em 2011: a cidade cresceu, mas precisa de atenção
Segundo o tenente-coronel Mota, comandante do 28º Batalhão de Polícia Militar (responsável pela área do Riacho Fundo I e II), as construções da companhia destacada em Riacho Fundo II estão avançadas. “As
paredes já estão levantadas”, assegura. A unidade irá funcionar próxima de onde hoje é o Posto Policial de número 36. “As companhias já existem, mas nada mais justo construir a do Riacho Fundo II no Riacho Fundo II”, diz ele, referindo-se ao fato desta cidade depender da unidade policial existente do Riacho Fundo I. Ainda segundo o policial, tudo tende a melhorar quan-
do a cidade for regularizada e, com isso, se desenvolver mais. “Batalhão é autônomo, faz tudo por si só. A cidade tem que crescer mais um pouco”, diz, ao explicar o motivo pelo qual Riacho Fundo II não receberá um BPM – e só uma companhia. Para ele, isso pode vir a acontecer “quando a cidade estiver pronta; cortar o cordão umbilical”, finaliza. Comerciante, Ailton Pereira possui, há um ano, uma loja de ferragens na avenida principal da cidade. Morador de Taguatinga, ele explica que, por ser nova e em formação, Riacho Fundo II o atraiu por causa da perspectiva de crescimento diferenciada das demais satélites. Para ele, a polícia trabalha bem. “Segurança é boa. Os policiais sempre passam por aqui. Quando cheguei no Riacho, eles passaram e deixaram o telefone do posto policial”, reforça. Apesar dos elogios quanto à segurança, Ailton não se considera totalmente satisfeito com o local. “O que mais falta pra gente são agências bancárias. Isso tem que melhorar muito, porque nós não temos banco aqui”, declara Ailton. O Artefato entrou em contato com a assessoria de comunicação do Banco Regional de Brasília, que pretende instalar uma agência bancária na cidade. Segundo eles, o caso está em estudo e não depende só da vontade, mas também de trâmites legais. “O que dá para adiantar é que, em breve, a cidade terá uma agência bancária”, informa a assessoria. E no Riacho não tem... Outro problema que atinge a cidade é a falta de agência dos Correios e de cobertura em algumas paradas de ônibus. Dos 91 pontos, dez não são cobertos e contam apenas com placa indicativa. Procurada, a assessoria do DFTRANS informou que, além dos técnicos, responsáveis por percorrer o DF e fazer o levantamento dos locais que necessitam de abrigo para paradas, a população também é ouvida, quando pedidos são enviados ao órgão. A assessoria informa, também, que um estudo feito aponta a necessidade de instalação de 750 abrigos em todo o DF; ainda não se sabe a quantidade por Região Administrativa. O edital de licitação, que já está sendo elaborado, tem previsão para ser lançado até o fim de 2011. Quanto à falta de agência dos Correios, o Artefato tentou contato com a assessoria do órgão, mas não obteve resposta até o fechamento da edição. A agência poderia, inclusive, minimizar o problema da falta de bancos,
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(Vir para o Riacho II) Foi mesmo uma porta aberta de Deus pra mim” SILÉSIA SOARES, moradora
pois os Correios atuam como correspondentes bancários, justamente, para a população carente de agências de bancos. No DF, são ao todo 78 agências dos Correios. Se é difícil pagar contas e enviar cartas, também há problemas para encher o tanque. Não há postos de combustível no Riacho II. A implantação de um, de acordo com o SINPETRO/DF, depende uma série de leis e de adequações ambientais. Além disso, segundo o sindicato, cabe ao GDF “a prerrogativa de estabelecer e definir quais as áreas a serem utilizadas pelos equipamentos urbanos através do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT)”. Lar, doce lar Moradora do Riacho Fundo II há 10 anos, a gerente administrativa Silésia Soares chegou na cidade quando tudo ainda era uma grande área coberta por mato. Antes de se mudar, morou em Ceilândia por mais de duas décadas. “O governo começou a distribuir os lotes e, como eu tinha feito a inscrição, recebi um aqui”, relata. “Acho que foi mesmo uma porta aberta de Deus pra mim”. A construção da casa na avenida principal da cidade ainda não terminou, pois Silésia teve que parar para que a filha pudesse cursar uma faculdade. Apesar das dificuldades, ela diz que o essencial em um lar é a paz. “Não adianta ter tudo dentro de casa e não ter isso. Eu deito, durmo... Estou sossegada. A casa, um dia eu termino”, completa. No ano passado, Silésia precisou fazer uma cirurgia. Recorreu ao centro de saúde da cidade e, apesar de ter sido encaminhada para realizar o procedimento em um hospital regional de outra cidade, diz ter sido muito bem atendida quando precisou da equipe médica que trabalha no Riacho Fundo II. “Me sinto amparada pelo centro de saúde daqui. Eles visitam as casas, vêm saber a sua necessidade, o que você está precisando”, elogia. “Não tenho do que reclamar”. Em relação à falta de hospital, a assessoria de comunicação da administração dá a
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CIDADES
14 mesma justificativa: como a cidade não está regularizada, a questão fundiária impede a criação do hospital. A administração garante que a regularização deve sair até o meio do ano que vem. Depois disso, todas essas estruturas governamentais ficam aptas à implantação. Isso quer dizer que, no segundo semestre de 2012, a população do Riacho II pode cobrar do governo hospital, agência dos Correios, banco. Negligência Brasília enfrentou, desde a década de 70, uma série de apropriações indevidas do uso do solo, sem que fossem
reconhecidas suas propriedades. É o que relembra diretor do curso de Arquitetura da Universidade Católica de Brasília, Frederico Barboza. Segundo o especialista, a situação de vários condomínios irregulares ou que estão em processo de regularização se encaixam nesse caso. O Riacho Fundo II não fica de fora. “Depois de formada uma R.A., tenta-se organizar essas apropriações, para se consolidar uma parte da sociedade. Mas quando isso, ainda assim, não ocorre depois de oito anos, podemos refletir duas coisas. Um, o governo não consegue agir sobre a ação, não consegue coibir, nem fiscalizar. Quan-
to à população, ora há um aproveitamento indevido da situação”, afirma. Para o professor de Arquitetura da Universidade de Brasília Frederico Flósculo, esse tipo de situação que o Riacho II enfrenta é consequência de ações de muitos anos atrás, da época em que mais de 600 condomínios irregulares foram “doados” à população pelo governo de Joaquim Roriz. “As condições de vida para cidades como Riacho Fundo I e II, Santa Maria, dentre outras, é uma agressão à população. Não adianta nada oferecer terra para a comunidade, sem dar, em contrapartida, o mínimo de condição de sobrevivência”, alega.
Foto: Douglas Furtado
Oneide Sousa e os dois filhos: Samuel (10) e Vitória (15): aprendizado em família
Integração digital S
e ainda falta infraestrutura, não falta disposição para ajudar a população e elevar a autoestima dos moradores do Riacho Fundo II. Uma dessas iniciativas partiu do curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Brasília. Com o propósito de fazer com que cada curso da UCB esteja ligado a um projeto de extensão, foi criado, há um ano e meio, o projeto “Comunicadores e Comunidades: mídias digitais no estímulo à cidadania”. O tema foi escolhido pelo curso, que decidiu focar o projeto na inclusão digital, a partir de experiências desenvolvidas. Coordenado pelos professores Paulo Marcelo Lopes e
Cynthia Rosa, o programa tem como objetivo mostrar à comunidade do Riacho Fundo II os recursos e a acessibilidade à rede mundial e às redes sociais, além de promover interação com outras comunidades. Para o professor Paulo Marcelo, esse é um trabalho desafiante, tanto para os alunos participantes quanto para quem frequenta as oficinas. “A gente tem um público muito diverso, a comunidade é que escolhe. Então, eles trazem pessoas mais idosas, que têm dificuldades com os computadores, assim como trazem jovens que estão bastante avançados”, afirma. Pelo desempenho, em agosto deste ano o projeto foi vencedor do 8ª Prêmio Engenho 2011, na categoria Iniciativa Acadêmica. As comunidades parceiras são a Associação dos Piauienses do Riacho Fundo II e o Projeto Comunidade Educativa no Riacho Fundo II /UCB. Além dos cursos
Foto: Rick Antunes
Descaso com a cidade: quem sofre é a população
oferecidos, bem como as ferramentas digitais ministradas à população, também são disponibilizadas oficinas sobre empreendedorismo no agenciamento da comunicação. Voltado ao público em geral, o enfoque do projeto é a juventude, com ênfase nas lideranças sociais. Aprendizado A dona de casa Sandra Soares participa há dois anos do projeto. Ela não se considera coordenadora do grupo, apenas alguém que é responsável por acompanhar as atividades da associação. “Quando recebo o comunicado que vai acontecer [oficina], eu começo a chamar as pessoas, aviso os pais que têm filhos e às vezes convido os próprios pais.” Quem aceita o convite, preenche uma ficha de inscrição, que Sandra é responsável por entregar à universidade. Para a artesã Dalva Soares, as oficinas possibilitam aos participantes um aprendizado fortificado de um tema que, para muitos, é complicado. “Pra mim, a internet é uma coisa desconhecida, porque eu não sei mexer. Estou aqui para aprender. E quero aprender”, afirma. Apesar da empolgação, Dalva ainda visualiza muitas dificuldades com o mundo on-line. “Já fiz uma primeira etapa e não aprendi nada; retornei para ver se eu aprendo. Um ano atrás isso aqui pra mim era um bicho, que queimava a minha mão, agora eu já consigo pegar, olha; sem medo”, brinca, apontando para o mouse. Também artesã, Oneide Sousa é um exemplo de que família unida aprende mais. Os filhos, um de 10 e outra de 15, ingressaram primeiro no projeto; depois, ela aderiu. “Eles fizeram no ano passado; eu fiquei do lado de fora. Aí esse ano fiz no primeiro semestre e agora continuei”, conta. “A Vitória é quem sabe mais, ela ensina pros outros que não sabem”. Questionada sobre a importância da participação no projeto, Oneide afirma que, com os encontros, aprendeu a trabalhar com a comunidade. “Aprendi a trabalhar com gente, que é o mais difícil. Eu me divirto muito”, finaliza.
De discentes a docentes Junto aos representantes da Associação dos Piauienses do Riacho Fundo II, os alunos da disciplina de Agência Experimental de Comunicação Comunitária se transformam em professores e participam de oficinas de foto, vídeo, rádio, blogs e redes sociais no espaço da universidade. Para a estudante do 7º semestre de Jornalismo Jordana Ribas, o projeto é uma forma construtiva e eficaz de se trabalhar com a comunidade. “O Comunicadores e Comunidades possibilita ao estudante exercer um papel importante na sociedade, ao colaborar com o aprendizado de pessoas que precisam dessas informações, e precisam aprender como utilizar as ferramentas da internet”, avalia. Professores, estudantes bolsistas de Iniciação à Extensão, voluntários e parceiros compõem a equipe do projeto da UCB. Para aqueles que desejam participar, Paulo explica como funciona o processo seletivo. “Quem faz a seleção é a Associação dos Piauienses. Essa oficina poderia ter um número maior, mas há uma dificuldade de transporte. Ela fica limitada a 22 vagas. Agora, outras pessoas acompanham. Quem quer vir espontaneamente, pode vir. Nós damos certificado de participação”, avisa.
Serviço Associação dos Piauienses do Riacho Fundo II Endereço: QN 12 D conjunto 4 casa 11 Telefone: 3434-8577
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educação
Busão no VOLUME MÁXIMO Funk, axé, forró, rap e sertanejo são alguns dos gêneros musicais que as pessoas geralmente são obrigadas a escutar, muitas vezes a contragosto, nos transportes públicos de Brasília Marcele Degaspari e Roberta Sousa
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mudanças no comportamento das pessoas e faz com que cenas como a descrita por Anísio se tornem cada vez mais corriqueiras entre os transportes públicos da capital. “Vejo que o fácil acesso às tecnologias nos proporciona uma satisfação individual, onde meu prazer vem em primeiro lugar, não importando o outro que está do meu lado.” Para o dj do busão João Paulo, que gosta de rap e Hip Hop, é justamente o tipo musical que faz a diferença. Ele acredita que sua música pode ensinar algo para os passageiros. “Em relação ao ritmo, acho que cada um gosta de um ritmo diferente. Se parassem pra ouvir a letra, com certeza aprenderiam algo”. Boa educação e saúde Silvia Seabra, professora de etiqueta há mais de 20 anos, lembra da importância de respeitarmos as pessoas e os lugares públicos. “Lugar público é público mesmo, mas as regras de etiqueta devem ser respeitadas. Respeite o ambiente que você está. Não é de bom tom perturbar os outros.” Não é apenas questão de educação abaixar o volume do som. A música alta, além de incomodar e trazer desconforto, em longo prazo traz também sérios problemas de saúde. Gustavo Miziara, otorrinolaringologista, ressalta os problemas de audição que a grande exposição aos ruídos provoca. “A exposição ao ruído de moderada à alta intensidade causa queda auditiva após três anos, zumbido constante após seis anos e ‘surdez social’ após nove anos”, alerta. Gustavo também destaca que a exposição ao ruído causa queda auditiva do tipo neurossensorial, de maneira definitiva, ou seja, irrecuperável. Campanha Com os DJs do busão só aumentando, campanhas para tentar conscientizar esse tipo de atitude foram lançadas. Cartazes como “Não seja o DJ do buzu, use fone de ouvido. Nem todos gostam de Racionais, Silvano Salles nem Edson Gomes” ou “Dentro do ônibus curta seu som legal,
use fone de ouvido”, invadiram as redes sociais e, por um bom tempo, os adeptos da campanha passaram essa mensagem à frente. Em Brasília, os usuários do metrô ainda escutam som vindo de celulares ou de pequenas caixas de som, mas houve uma diminuição desde a chegada dos novos metrôs, que além de avisarem quais são as estações em português e inglês, também passam uma mensagem conscientizando os
usuários a usarem fones de ouvido quando quiserem curtir um som. De acordo com pesquisa de 2010 do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação CETIC), cerca de 83,5% das pessoas entre 16 e 34 anos possuem aparelho celular, e o CentroOeste é a região com maior concentração de aparelho telefônico móvel: cerca de 76% da população possuem celular. Foto: Renata Ribas
Entre a indiferença e a necessidade de expressão, os DJs incomodam muita gente
Não custa caro manter a harmonia nos trajetos dos ônibus da capital. Quem quer escutar seu ritmo preferido gasta, em média, R$ 10 para comprar um fone de ouvido e não incomodar o passageiro do lado:
Feira dos Importados – a partir de R$ 10,00 Rodoviária do Plano Piloto – a partir de R$ 9,90 Lojas Americanas – a partir de R$ 9,90 Carrefour – a partir de R$ 10,90 Extra – a partir de R$ 9,90
Arte: Laís Marinho
ue atire a primeira pedra quem nunca presenciou alguém escutar música sem os fones de ouvido em algum transporte público de Brasília. Cena corriqueira na capital muitas vezes cria um ambiente desconfortável para muitos passageiros, que não estão a fim de compartilhar o gosto musical alheio. João Paulo Lima Moreira, 19 anos, é um dos DJs do busão do Distrito Federal. Adepto da moda de escutar canções no celular sem fone de ouvido, diz que é movido a música e que por isso, sempre está curtindo um som nos lugares que frequenta. “Comprei um smartphone há pouco tempo, e sempre quando saio de casa esqueço o fone de ouvido. O rap é uma forma de me expressar, então não ligo muito pro que pensam. Ninguém paga minhas contas”, conta, rindo. Raquel Saraiva, 36 anos, secretária, usuária frequente de ônibus, acha falta de educação atitudes como a de João. “São pessoas mal educadas, que não respeitam o próximo e misturam o que é privado com o público”, explica. Como utiliza o ônibus pra ir e voltar do trabalho, Raquel conta que já ofereceu duas vezes o fone de ouvido para pessoas que escutavam música no alto falante do celular. Em uma das vezes foi completamente ignorada pelo passageiro e, na outra, a pessoa trocou de lugar dentro do coletivo. João explica que, dependendo da maneira com que o passageiro fala, ele abaixa o som sem problema. “Não quero que as pessoas ouçam, eu quero ouvir. Já pediram pra eu abaixar. Se pedir com educação eu abaixo, até paro de ouvir. Agora se vier com grosseria... volume no máximo.” Anísio Lazaro dos Santos, 35 anos, motorista de ônibus há 15 anos, afirma que o volume exagerado da música atrapalha principalmente quem está atrás do volante. Ele já presenciou duas discussões e ressalta que não foi pelo volume, e sim pelo tipo de música que estava sendo tocada. Cymara Dias, 43 anos, psicóloga, afirma que o fácil acesso às tecnologias provoca
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diversão
Sem hora para acabar Nunca entrou em uma casa de strip-tease? Nós tiramos sua curiosidade Guilherme Carvalho, Matheus Martins, Orlando Rodrigues e Patrick Martin
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s nomes variam: infernida casa noturna colocam o pôster nhos, boates, casas noturnas da atração principal da noite: e até mesmo “boeiro” - já que Sheila Lopes. existem clientes que chamam as “Não tem hora para acabar mulheres de “ratas”. No entannão. Enquanto tiver cliente está to, o principio é o mesmo: casas funcionando”. A fala é de Léo onde mulheres fazem números Baiano, o vigia dos carros que em que tiram a roupa enquanto estacionam em frente à American dançam exibindo sensualidade. Show. Ele está bem acordado Em Taguatinga, as duas princie disposto, apesar do frio que pais casas noturnas são a “Boite faz às cinco da manhã de terçaAmerican Show” e a “Queens feira, seis de setembro, véspera Night Club”. As duas ficam bem de feriado. A essa altura, a casa próximas no Pistão Sul: na Qs noturna está lotada e no auge do 03, perto do colégio Leonardo da funcionamento. É na madrugada Vinci. que as casas de Apesar strip-tease têm de começar Nao tem hora para seu êxtase. a funcionar Existem diacabar. Enquanto ferenças entre às 21h, nem mesmo as concorrentiver cliente está as dançarinas tes. A começar funcionando” c h e g a m pela entrada. nesse horário. A recepção da Muito em American é LÉO BAIANO, função disso uma ponte de vigia de carros o movimento madeira que é quase leva à porta, nenhum, com rochas artanto dentro como fora da tificiais em volta e iluminação extraAmerican. Poucos carros vagante. Já na Queens, nada de esestacionam e quase todas as pecial. Apenas uma entrada repleta garotas chegam de táxi. Às 21h20 de seguranças. O som de fundo da a primeira stripper aparece, num American Show é quase totalmente táxi Vectra prata. Ela está de sertanejo com algumas batidas elevestido branco, bem decotado e trônicas. Já a Queens surpreende muito curto. Esse figurino, por com rock clássico, como U2, Red sinal, é quase unânime. Cinco Hot Chilli Peppers e Nirvana. O minutos depois, o mesmo táxi funk, nas duas, não tem como ficar traz mais quatro. O relógio marca de fora do repertório. dez da noite, e mais duas strippers A Queens tem espaço bem entram, enquanto os seguranças menor que a concorrente. O
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O pole dance é uma das principais atrações das casas noturnas
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Não estou gostando. Não está sendo dado tudo o que me foi prometido. É complicado.” ANTRAÍ, dançarina
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Bebidas mais caras? Pois é, não avisam isso na entrada, mas a partir do momento que uma mulher senta na sua mesa e pede uma bebida, a mesma é cobrada em sua comanda. Na American não havia como saber exatamente quanto se iria gastar, pois os cardápios nas mesas vêm sem os preços das bebidas e dos pratos. Talvez para não assustar os clientes. Uma água mineral de 300 ml custa 14 reais, a bebida mais barata da American. A mais cara é o whisky Black Label 12 anos, que sai pela bagatela de 750 reais. A “bebida dos ricos”, aliás, é a que mais vende. Os preços da Queens têm pouca diferença: a água ou uma latinha de refrigerante custam 12 reais cada. A razão para os preços salgados das bebidas se explica no decorrer dos shows. Quem gasta é mais visado pelas mulheres. Numa mesa com dois homens, ambos com gola pólo e três espertas dançarinas, havia uma garrafa de whisky, além das bebidas consumidas por elas. Todas as strippers,
Fotos: Ludmila Rodrigues / Natália Oliveira
apesar da presença das “colegas de trabalho”, no momento de descer do palco, dançaram com os dois homens. Elas tentam, de certa forma, “cavar” um lugar na melhor mesa. A mesma interação não foi observada com quatro futuros jornalistas que tinham apenas refrigerantes e água na mesa. Nos shows de cada stripper as duas casas parecem seguir um roteiro: as mulheres ficam juntas em mesas distantes do palco em que acontecem as apresentações, para que, a qualquer momento, sejam chamadas por um “cliente”. Um locutor com voz sensual chama as mulheres para que comece o show. Primeiro, pole dance acompanhada de música eletrônica agitada. A segunda é mais lenta; a stripper tira a parte de cima da roupa e desce do palco. Cada dançarina tem seu modo de provocar os clientes, desde carinhos na cabeça até dança no colo. Na terceira música, mais agitada, ela volta ao palco e termina o número tirando também a parte de baixo. Alguns clientes saem acompanhados pelas strippers. O garçom da Queens nos informa que “levar uma mulher” custa 130 reais de consumo e mais a taxa do programa de cada uma. “Enquanto vocês conversam a mulher pode gastar 130 reais de bebidas e de pratos. O programa cada uma cobra o seu preço.” Na Queens, uma das strippers se aproxima e começa a conversar. Loira de cabelo curto, 24 anos, vestido branco curtíssimo, ela senta e fala sobre muitos assuntos. Até que pede: “Paga uma água pra mim?”. Quando perguntada o porquê de trabalhar na noite, ela é sucinta: “Trabalho aqui há um mês. Estava desempregada, prometeram muita coisa pra mim, mas até agora nada”. A moça já começa a falar mais alto e a gargalhar. O vestido, que já era curto, fica mais à mostra. “Não estou gostando. Não está sendo dado tudo o que
Caça-palavras
som é mais alto e de pior qualidade. Tanto nos rasgos das cadeiras quanto na sujeira dos banheiros, demonstra ser inferior em estrutura física. Curiosamente, o ambiente da Queens parece ser mais “amigável”. Clientes se conhecem, garçons cumprimentam frequentadores com uma intimidade de algum tempo. Esse ambiente entre amigos deixa a Queens com uma cara bem diferente da American, que tem ar mais comercial. Apesar da proximidade, o público nas duas é diferente. Na primeira, estão em sua maioria vestidos de camisa social ou com gola pólo. Na segunda, são mais jovens e menos arrumados. Homens casados, noivos e solteiros frequentam os dois lugares. Os compromissados, aliás, não se preocupam em tirar as alianças. Na American, existe um garçom próprio para chamar a mulher que o homem escolhe e lhe pede. Mais organizado. Na Queens não funciona assim. O homem vai onde a mulher está e a leva para sua mesa, sem nenhuma vergonha ou pudor. E em muitos casos acontece o contrário: quem toma a iniciativa é a mulher. Mas, seja onde for, em pouco tempo os risos vão ficando mais altos, os abraços mais próximos e as bebidas mais caras.
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Na “Boite American Show”e na “Queens Night Club”, noite adentro os risos ficam mais altos, os abraços mais próximos e as bebidas, mais caras
me foi prometido. É complicado”, revela Antraí, sem entrar em detalhes sobre a promessa. O preço cobrado para que “a levássemos”: 300 reais. Só na hora da saída é que se dá conta que o cigarro que os clientes e as strippers fumam deixam um cheiro muito forte na roupa. Saímos da Queens às 3h da manhã e até os bares que ficam perto já estavam vazios ou fechados. Dentro da boate, a noite parecia estar apenas começando. Na American, saímos às 4h20, também com movimento intenso. Lembram do Léo Baiano? O encontramos sentado na saída da American Show. Além de vigia, o “tio”, como é chamado pelas dançarinas, é figura importante da casa. “Trabalho aqui desde Y
que começou a construir a American. Eu mesmo ajudei a levantar esse prédio.” Ele desenvolve uma relação de amizade com as “meninas”, como ele gosta de chamá-las, e com os patrões. “Na hora do almoço é uma festa aqui. Eu e as meninas fazemos uma bagunça, elas me contam tudo. Eu trato como filhas mesmo.” Com os patrões, a amizade também é forte. “Eles me levam até para viajar. Esses dias os donos viajaram para uma pescaria e me levaram junto.” Essa pescaria teve os quatro donos da American, mais oito pessoas e 41 caixas de cerveja. São 5h da manhã e, mesmo do lado de fora, dá para ouvir que o movimento ainda está intenso. E não tem hora para acabar. “Enquanto tiver cliente está funcionando.”
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vaidade
Muito prazer, sou metrossexual Karoline Soza e Wlissara Benvindo
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engano pensar que a vaidade é vício só de mulheres. Basta dar uma volta pela cidade para encontrar homens de todas as idades frequentando salões de beleza e clínicas de estética. “Gosto de estar sempre arrumado, de unhas feitas e cabelo hidratado. Homem também precisa se cuidar”, admite Jucelino Morbeck (44), casado, pai de três filhos, que assume ser metrossexual. Metrossexualidade é a denominação fashion-mercadológica, utilizada principalmente pela área de marketing, para um homem das grandes cidades que gasta mais de 30% do salário com cosméticos e roupas. Esse novo homem obcecado pela aparência frequenta manicures, aprecia um bom vinho, gosta de ir ao shopping. Metrossexual é mais sensível e menos preconceituoso. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPC), o cuidado com a aparência representa um crescimento no mercado de cosméticos masculinos de 15% ao ano. Os metrossexuais usam hidratante, creme anti-ruga, fazem limpeza de pele, depilação, entre outros tratamentos. O Brasil já aponta como o segundo maior mercado do mundo voltado para a beleza masculina, perdendo apenas para os Estados Unidos. Nos últimos anos, o varejo movimentou R$ 3,9 bilhões só com produtos cosméticos específicos para o público masculino. Mesmo com o aumento, o mercado brasileiro para os homens ainda representa 6% do correspondente feminino. A ABIHPC informa, também, que a principal causa do crescimento do consumo de produtos de beleza exclusivos para homens é a crescente participação desse público nos cuidados com a pele. “Sou muito vaidoso. Faço limpeza de pele, academia, dieta balanceada e depilação. Sou um metrossexual de primeira. Acredito que o homem também tem que se cuidar”, relata o jornalista Tiago Alves, 26 anos. “Não tenho vergonha nenhuma em dizer que faço as unhas e hidrato meu cabelo. Homem bem cuidado tem mais moral”, completa. Tiago não é o único que pensa assim. Pelo contrário: os jovens brasileiros estão
cada vez mais vaidosos. Cabelos lisos, nariz arrebitado e corpo escultural são alguns dos ideais de beleza do novo século. “Aqui na clínica só atendemos homens em tratamento facial. Posso dizer que o número de homens que frequentam aqui aumentou consideravelmente”, observa Renata Almeida, dona da clinica de estética Nova Imagem. A valorização excessiva que a sociedade moderna dá ao “corpo perfeito” influencia a busca dos homens por essa aparência ideal. A prova disso é o crescimento da procura dos metrossexuais por clínicas de estética. Aline de Souza Machado, enfermeira e massoterapeuta, conta que o número de clientes do sexo masculino cresceu de 20% para 30% nos últimos dois anos: “Há procura maior para fazer barba a laser, tirar pêlos das costas e cirurgias de rejuvenescimento e de bioplastia (técnica em que se usa a substância polimetilmetacrilato, ou PMMA, para arrebitar o nariz ou aumentar o queixo, os ombros e os bíceps)”. Entre os tratamentos, os mais procurados são a depilação a laser, o uso de botox, peeling e tratamentos para calvície. Além dos tratamentos corporais, onde a preocupação está principalmente focada na área do abdômen. Boa parte do público feminino se mostra a favor da mudança. Elas concordam que estar ao lado de um homem bem cuidado é muito melhor. Elisabethe Figueiredo é casada há 15 anos e confirma: “Chama mais atenção. Acho importante para manter a chama do casamento acesa”. André Luis, 20 anos, cumpre todos os pré-requisitos de um indivíduo vaidoso e garante que começou a se preocupar com a beleza por causa das implicâncias da mãe. “Desde pequeno, minha mãe me levava nos melhores salões de beleza. Não me deixava sair de casa com as unhas sujas e sem gel no cabelo”, confessa. O jovem completa: “Hoje, acho tudo isso indispensável. Sou capaz de gastar R$ 400 por mês para comprar cera importada para o meu cabelo”. De fato os homens se tornaram mais exigentes e não descuidam de um corpo em forma, cabelos cuidadosamen-
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Eles se depilam, fazem unha e não podem ver um espelho: esse é o retrato do “novo homem”; Brasil é o segundo país em consumo de produtos cosméticos masculinos
Foto: Wlissara Benvindo
te alinhados, pele reluzente, roupas e acessórios bem adaptados a cada estilo. Normalmente, estão na faixa de 20 a 60 anos, mas o interesse também aumenta entre os adolescentes e “avôs”. Esse padrão reforça: a vaidade não tem idade e nem faz distinção de gênero.
Eles também entram na onda da preocupação excessiva com o corpo e não se intimidam com os gastos
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SAÚDE
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CORREDOR DO ESQUECIMENTO
psiquiatria
Com apenas um hospital, atendimento a doenças mentais no DF é um dos piores do país, especialmente para pessoas de baixa renda Fotos: Carolina Alves
Carolina Alves
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rasília possui apenas um hospital psiquiátrico público, o São Vicente de Paulo (HSPV), por isso a procura é grande. São feitos cerca de 2.500 atendimentos, entre internações e consultas, por mês, de pessoas do DF e entorno. Os usuários são na grande maioria pessoas de baixa renda com doença mental moderada, grave, severa e consistente, ou seja, o problema é contínuo e não tem cura. De acordo com dados do Censo de 2009, existem no DF 46.588 pessoas extremamente pobres e 139.799 pessoas pobres. Se alguém dessa parte da população tiver um surto psicótico e precisar de uma internação, só há um lugar para onde recorrer: o HSPV. O Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF) também faz internações, mas somente com encaminhamento do São Vicente de Paulo. Se esse paciente for uma criança ou adolescente a situação piora. Ainda não há um
hospital específico para atender essas faixas etárias. Existem apenas o Centro de Ação Psicossocial (CAPs ) Infantil e o Adolescentro, que têm fins terapêuticos e só funcionam durante o dia. No caso de surtos psicóticos o atendimento só pode ser feito no HBDF, que conta com cerca de 15 leitos. O HSVP só atende pacientes a partir dos 18 anos. Há a opção de clínicas particulares, mas a internação custa em média R$ 500. Esse valor não inclui a medicação. Reforma psiquiátrica Em 2001, foi criada a lei da reforma psiquiátrica no Brasil. O objetivo é a internação apenas em último caso para acabar com a longa permanência em hospitais psiquiátricos. A idéia é sair do modelo assistencial para uma rede de serviços e tratamento mais humanizado. De acordo com o diretor do São Vicente de Paulo, Ricardo Lins, os Centros de Apoio Psicossocial (CAPs) são
o principal instrumento dessa rede. A intenção dos CAPs é evitar a internação. O objetivo é tratar o doente mental perto de casa. O paciente marca os dias e os horários para fazer um tratamento terapêutico específico e objetivo. O problema é que no DF não há uma cobertura completa em todas as cidades satélites. Os centros que existem se localizam em Taguatinga, Paranoá, Planaltina, Riacho Fundo, Samambaia e o infantil na Asa Norte. Existem também os Centros de Apoio Psicossocial para usuários de álcool e outras drogas (CAPSad), que se localizam no Guará, Ceilândia, Sobradinho e Santa Maria. Como as pessoas que precisam do tratamento são de baixa renda há a dificuldade de transporte da família ou do próprio doente mental, quando este não possui a carteirinha do passe livre. Para Lins, a dificuldade é outra. Ele afirma que a rede é insuficiente. “Quando há vaga a popula-
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SAÚDE
ção se ajeita e vai. O problema principal é vaga”, declara o diretor do HSVP. Dados do Ministério da Saúde revelam que o DF tem o menor número de CAPs do país, com taxa de 0,21 para cada 100.00 habitantes. Leila Maria, técnica de enfermagem e funcionária do HSVP, confirma: “Os CAPs andam a passos de tartaruga. Cada satélite deveria ter o seu pra atender a sua própria demanda. O ideal seria ter uns 5 CAPs em cada”. Ela conta ainda que os centros que existem sofrem com falta de espaço físico ou com superlotação. “O CAPSad de Ceilândia funciona dentro de uma sala do hospital, não tem como fazer as atividades. O de Taguatinga tem uma boa estrutura mas atende mais de mil pessoas. Outros CAPs têm de um a dois médicos para atender 500 pacientes”, reclama. Extinção? Já se passaram dez anos da reforma psiquiátrica e os resultados deixam a desejar. O HSVP ainda atende com superlotação. Existem 43 leitos, mas o hospital sempre opera, em média, com 55 pacientes. No caso dos leitos psiquiátricos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a capital do país só ganha do Pará e Amazonas, com 0,03 leitos para cada 100.000 habitantes. Segundo Lins, o antigo sistema manicomial foi construído em 200 anos e o novo sistema existe há uma década. Para ele, a reforma esta avançando e a maior mudança se deu por meio dos CAPs. Valéria Milhome, técnica de enfermagem e funcionária do HSVP, tem opinião diferente. “A reforma está tentando acontecer, acho que está tentando. Acontecendo ainda não. Não tem nem profissional suficiente”, declara. A reforma prevê também as residências terapêuticas, mas elas não existem no DF. Está prevista na reforma psiquiátrica a extinção dos manicômios. O diretor do HSVP explica: “Só pode haver essa extinção se a rede estiver sendo utilizada de forma adequada. E extinguir não significa acabar com o prédio e sim dar outra função a ele, com melhor atendimento, internação com números de leitos adequados”. Entre quatro paredes O São Vicente de Paulo, em Taguatinga, tem vários setores. Ao final ficam os pacientes internados. Eles ficam cercados por grades no pátio externo. Vários pedem cigarro a quem passa perto. São frequentes os gritos: “Não vou voltar pra Papuda”. Os pacientes chegam por conta própria, trazidos por parentes, pelas ambulâncias da própria rede pública hospitalar, pelos bombeiros e polícia militar e também encaminhados pela Justiça. Para quem nunca foi a um hospital psiquiátrico, a cena choca: os internados usam uniformes, andam, deitam no chão, sussurram e gritam. Enquanto isso os técnicos de enfermagem fazem a supervisão do lado de fora das grades. Se um paciente se altera e
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HSVP apesar de bom, às vezes deixa a desejar. No dia da entrevista ela ficou esperando mais de quatro horas para se consultar e pegar a receita do médico. “Como eu preciso, tenho que esperar”, explica.
Superlotados e sem estrutura, centros de atendimento ainda suprem a demanda
Outros tipos de tratamento O hospital dia é uma unidade de semi-internação e funciona, durante a semana, ao lado da internação do HSVP. O paciente fica durante todo o dia para fazer o tratamento e à noite é liberado para ir para casa. O intuito é a desospitalização, consciência da doença e importância do tratamento. A técnica em enfermagem Leila Maria diz que o tratamento no hospital Dia vem dando bons resultados. Pacientes que antes se internavam por longos períodos estão indo menos para a emergência. A técnica de enfermagem Valéria Milhome conta que depois que o paciente sai da internação não há uma rede de apoio nem continuação do tratamento. Assim, a pessoa acaba tendo outro surto. “Paciente com depressão pós parto, tá no surto sai do surto e precisa de um acompanhamento, mas no ambulatório tem mais de mil na lista de espera”, lamenta. Elizabete Gomes Cutrim trabalha no HSVP desde 2003. Ela diz que manter o paciente em casa é mais barato e humanizado do que ele ficar no hospital. O Programa Vida em Casa incentiva essa prática. “É pago cerca de um salário mínimo e uma equipe vai à casa do paciente para fazer a medicação”. Milhome afirma que o tratamento deve ser feito também com a família do paciente, mas na situação atual só é possível cuidar do próprio doente. Ela garante que os funcionários fazem o que podem, mas a situação precisa melhorar. “A saúde foi deixada de lado e a psiquiatria é algo que a gente nem houve falar”, diz.
agride o outro é preciso correr para apartar. a família sem nenhuma supervisão. O loElizabete Gomes Cutrim, enfermeira há 20 cal para visitação é austero e abriga sofás anos e funcionária do HSVP, explica as ves- velhos e escuros. O refeitório, o balcão de timentas dos pacientes. “Eles estão usando atendimento e o pátio externo são os úniesse uniforme porque pode acontecer uma cos lugares que recebem luz. evasão e fica fácil de identificar na rua, mas Quando o paciente sai da internação, ele isso vai ser mudado”, diz. pega a medicação em uma farmácia no próUm jovem magro prio HSVP e é encae baixo chama a minhado aos atenatenção no pátio, dimentos da rede. pois anda com as Os CAPs também mãos amarradas para trabalham com sutrás. A enfermeira perlotação. Quando Gomes justifica: não têm a medicação “A gente contém o o paciente é redirepaciente para que ele cionado para fazer não caia da própria a troca do remédio altura e tenha VALÉRIA MILHOME, receitado. A maioria um traumatismo técnia em enfermagem não pode comprar. craniano ou às vezes Uma mulher de porque está muito agitado, fica quebrando 40 anos que não quis se identificar conta tudo, batendo nos outros. Só é feito com que, antes de ser diagnosticada com depresindicação médica”. são, foi a vários médicos explicando que Na parte interna da emergência os cor- sentia várias dores e falta de apetite. Mas foi Oficinas Terapêuticas redores e quartos são escuros, há água nos uma conhecida que lhe alertou para a doenO HSVP oferece aos pacientes que saícorredores. Na ala feminina, uma jovem ça. Ela precisa de remédios para controlar ram da internação oficinas de tecelagem, birecém internada dormia e depois recebia o problema, mas diz que o atendimento no juteria, serigrafia, entre outras. Senir Gomes, técnica de enfermagem, coordena uma oficina de trabalhos manuais. Ela explica que os pacientes vêm duas vezes por semana e a intenção é a ressocialização, mas é também uma forma de acompanhamento. “Nas oficinas nós estamos sempre observando caso o paciente tenha uma recaída”. Selma Pereira da Silva participa de uma oficina e se diz satisfeita. “Gosto muito de estar aqui, porque é um tempo que a gente tem pra vir e ficar trabalhando, fazendo pulseira, colar, várias coisas. As oficinas me ajudaram a socializar, conversar com as pessoas. Estou cada vez melhor”, afirma. Os trabalhos são vendidos em uma sala no próprio hospital. Quando os produtos têm saída rápida uma parte é repassada para os pacientes e a outra serve para comprar mais materiais. Também há bazares para promover festas entre os pacientes e familiares. Os internados usam uniforme e às vezes escapam das grades do local
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No ambulatório tem mais de mil na fila de espera”
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SAÚDE
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voluntariado
Câncer de periferia
A luta de uma médica oncologista para tratar pacientes carentes Nelson Araújo
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ão mais de 12 milhões de casos de câncer no mundo. No Brasil, a doença afeta mais de 500 mil pessoas. No Distrito Federal, com população em torno de 2,6 milhões, estima-se que mais de 2 mil pessoas sofrem com os vários tipos de tumores. Benigno ou maligno, o câncer não escolhe apenas por cor, gênero ou classe social. É, simplesmente, pelo que somos: seres humanos. Entre todos esses números, uma pessoa soma para a subtração da doença na capital: Luci Ishii. A médica oncologista, especialidade que estuda o desenvolvimento do câncer, une a educação à saúde. Chegou aqui ainda criança, em 1961, e fincou suas raízes. Em 1985 formou-se em medicina pela Universidade de Brasília, onde descobriu a importância de enxergar o outro e de cuidar dos mais necessitados, papel muitas vezes esquecido pelo Estado. Com sede de amor e esperança, Luci fundou, em 1998, a Associação Brasiliense de Apoio ao Paciente com Câncer (ABAC-LUZ), entidade que tornou-se fundamental na vida de muitos pacientes carentes no DF. Hoje, Luci e os mais de 30 profissionais e 200 voluntários fazem um trabalho que transforma a vida de centenas de pessoas. A luta contra o câncer, aliada à educação voltada para saúde e informação para a prevenção, é o principal instrumento para o combate. A iniciativa busca viabilizar tratamento para a população de baixa renda com pequenos atos, mas não menos dispensáveis. Notavelmente, o que a doutora vê em todos os seus pacientes é o resto de esperança que lhes sobra. Principalmente nas mulheres, pois, muitas vezes, lutam sozinhas. Os maridos não as querem mais e os filhos já fizeram questão de esquecê-las.
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A doença mata até a dignidade, dando espaço apenas para aparelhos e o silêncio dos corredores
Foto: Adde Andrade
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Trabalhamos desde as condições básicas de uma pessoa até os casos mais complexos de tratamento” LUCI ISHII, médica
Luci Ishii percorre o DF oferecendo orientação e apoio à prevenção e tratamento de pessoas de baixa renda
Restam histórias e fé, tudo misturado às roupas e objetos que cabem nas pequenas malas encostadas aos leitos. Algumas ainda contam com a ajuda de parceiros e familiares, mas essas são menos da metade. Ainda não foram sentenciadas pelo tempo que as consome. Em locais como esses, leitos de hospitais, a doença mata até a dignidade, dando espaço apenas para aparelhos e o silêncio dos corredores. Para se ter uma ideia, no Brasil, as mulheres são as mais afetadas pelo câncer. Só em 2010, em todo o país, foram registrados 236 mil casos da doença para o sexo masculino e mais de 253 mil para o sexo feminino. Segundo Luci, no DF não é diferente. Sete em cada 10 casos são com mulheres. “Elas chegam, na maioria das vezes, com câncer de mama, no colo do útero ou tumores de pele não melanoma”, explica. Luci busca a cada dia colocar um pingo
de esperança na vida de pessoas tão carentes como essas. Pobres, moradoras de periferia, com pouco dinheiro para alimentação, quem dirá para tratamento. Foi a partir desse olhar amplo que surgiu a ideia de montar um ônibus ambulatório que passasse, a cada mês, pelas regiões administrativas mais afetadas pelo descaso dos governantes. O ônibus passa 12 vezes ao ano por diferentes bairros carentes do DF, inclusive em áreas rurais. Com toda a estrutura para diagnosticar e realizar a pré-prevenção do câncer, o veículo ambulatório também oferece a todos os moradores do local atendimento odontológico, corte de cabelo e exames de clínica geral. Nesse percurso, já foram atendidas pessoas da Estrutural, Riacho Fundo II, Varjão, Recanto das Emas, Águas Lindas, Santa Maria, São Sebastião, Paranoá. De acordo com Luci, todas as vezes centenas de pessoas buscam o atendi-
mento. “Não é apenas o descaso do governo, mas do país, sobre a saúde pública que reflete nessa situação”, ressalta. O Dia da Beleza é uma dessas pequenas mas importantes ações. Manicures, cabeleireiros e maquiadores, todos voluntários, vão ao Hospital de Base de Brasília para oferecer momentos agradáveis principalmente às portadoras da doença. Muitas delas não tiveram informação suficiente para tratar a doença a tempo; outras tiveram vergonha de assumir o câncer. São mulheres entre 25 e 60 anos que lutam, dia após dia, contra o fato de não terem escolhido a situação em que estão. Como todo o trabalho realizado é voluntário, o dinheiro para manter as ações tem que sair de algum lugar, e não é ajuda governamental. A médica realiza, duas vezes por mês, um jantar beneficente para mil pessoas e cobra R$ 100 por convidado. Todo o dinheiro é revertido para os atendimentos no ônibus e possíveis manutenções e compras de equipamentos. A associação paga pelos serviços de assistência psicológica, orientação jurídica, biblioteca com livros de auto-ajuda, empréstimo de perucas, doação de lenços, echarpes e bonés. Empréstimos de aparelhos (nebulizadores, aspirador de secreção, umidificadores, cadeiras de rodas, cadeiras de banho, andadores, muletas, camas hospitalares), médicos voluntários, equipe e todos os exames necessários ao diagnóstico dos casos suspeitos também são pagos pela ABAC-LUZ. “Queremos oferecer à população de baixa renda o que ela não possui condições de ter. Trabalhamos desde as condições básicas de uma pessoa até os casos mais complexos de tratamento.”
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CULTURA
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Diversão
Com R$ 20,00 no bolso Se você pensa que se divertir com pouco dinheiro é uma missão impossível, pode se surpreender com as ofertas que a capital do Brasil oferece Carolina Alves Foto: Carolina Alves
O Centro Cultural Banco do Brasil é uma das opções brasilienses a preços acessíveis
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rasília tem a maior renda do país. O Produto Interno Bruto (PIB) per capita chega a quase R$ 50 mil, três vezes mais do que a média brasileira. Por conta dessa fama muitos brasilienses acham que se divertir por aqui sai caro. É o que prova uma rápida enquete feita pelo Artefato na Rodoviária. Quando perguntadas se é possível ter momentos de lazer por aqui sem gastar muito, 25 pessoas responderam que não. Apenas cinco acham possível se divertir com pouco dinheiro na capital do país. Por isso, o Artefato foi às ruas em busca de formas de lazer que cabem no seu bolso. É claro que a queixa dos brasilienses tem algum fundamento. Na capital do Brasil 19% dos domicílios têm renda familiar que ultrapassa cinco salários mínimos (R$ 2.725): maior percentual entre os estados e quatro vezes superior à média nacional. Por conta dessa forte concentração de renda existem opções bem caras por aqui. Um bilhete de cinema pode custar até R$ 47 numa sala vip de um shopping. E chega-se a gastar R$ 8 mil numa noite de balada. Segundo dados do Instituto Brasiliense de Estudos da Economia Regional (Ibrase) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a estimativa é que uma família brasiliense com renda mensal de R$ 4,5 mil gasta R$ 517,05 com despesas pessoais, ou seja, 11,49 % do orçamento familiar. Esses gastos incluem: salão de beleza, motel, hotel, empregado domésti-
co, cinema e fumo. O morador de Brasília gasta em média R$ 11,50 a cada R$ 100 de seu orçamento com esse tipo de despesa. É o caso de Bruno Silva. Morador do Riacho Fundo II, ele separa R$80 do salário para cinema, teatro e outros. “Eu achava os passeios daqui bem caros, levando em conta o meu salário. Daí comecei a frequentar esses lugares públicos no Plano, como o CCBB e o Museu Nacional. Tem lugar legal aqui, só tem que procurar”, garante. E o tempo? Segundo pesquisa do IBGE, se somarmos o tempo que gastamos fazendo atividades domésticas, as oito horas de trabalho, o tempo de deslocamento e oito horas de sono, restariam para as mulheres quatro horas e, para os homens, cinco horas. Esse “tempo livre” são as horas usadas para lazer, estudos, cuidados pessoais, entre outros. Mariane Oliveira se enquadra nesse perfil: tem pouco tempo para o lazer, por isso prefere ver filmes em casa ou sair só no fim de semana – nesse caso acompanhada da família. “Pra mim fica difícil sair porque tem que ser um programa que dá pra família toda. É o tempo que eu tenho pra ficar com eles e ficar sempre em casa cansa”. Para que você não precise riscar da rotina e da planilha de gastos os momentos de descontração, basta pesquisar lugares mais baratos, ter criatividade e disposição.
CONFIRA ALGUMAS DICAS: Filmes Taguatinga Shopping Quarta-feira “exceto feriados” - ingresso (R$ 12,00 - inteira) + passagem (R$ 6,00)TOTAL = R$18,00 Sexta, Sábado, domingo e feriados – ingresso de sessões iniciadas até 17:00 (R$ 15,00) + passagem (R$ 6,00) TOTAL = R$ 21,00 Parkshopping Quarta-feira “exceto feriados” – ingresso (R$ 15,00 – inteira) + bilhete metrô (R$ 4,00) TOTAL= R$ 19,00 Centro Cultural Banco do Brasil Qualquer dia -Entrada Franca + passagem (R$ 6,00) + lanche (R$ 10,00) TOTAL = R$ 16,00 Cine Brasilia ingresso (R$ 6,00) + passagem (R$ 6,00) +lanche (R$ 8,00) TOTAL = R$ 20,00 DVD em casa Biblioteca Pública Machado de Assis, em Taguatinga – videoteca com cerca de 160 DVD’s. Locação gratuita, basta se associar – DVD ( R$ 0) + refrigerante (R$ 4,00) + pipoca ( R$ 1,50) + caixa de bombons (R$ 6,00) TOTAL = R$11,00 Locadora DVD ( R$ 5,00) + refrigerante (R$4,00) + pipoca (R$ 1,50) + caixa de bombons (R$ 6,00) TOTAL = R$ 16,00 * preços pesquisados em três locadoras do Guará e duas de Taguatinga
Parque da cidade Churrasco (para 4 pessoas) Passagem (R$ 24,00) + Lingüiça e frango (R$ 20,00) + Carvão ( R$ 5,00) + 2 refrigerantes (R$ 8,00) + gelo (R$ 5,00) + fósforo e álcool ( R$ 6,00) + mandioca (R$ 4,00) + vinagrete (R$ 5,00)+farofa (R$ 3,00) TOTAL = R$ 80,00 ou seja, R$ 20,00 para cada pessoa. Piquenique Passagem (R$ 6,00) + bolo (R$ 4,00) + suco (R$ 4,00) + morango (2,00) + pão (R$ 2,00) + presunto (R$ 2,00) TOTAL= R$ 20,00 * preços pesquisados em três mercados do Guará
Parque Ermida Dom Bosco Passeio de caiaque Aluguel caiaque (R$10,00) + passagem metrô fim de semana (R$ 4,00) + passagem ônibus (R$ 6,00) TOTAL = R$ 20,00
Teatro Centro Cultural Banco do Brasil ingresso inteira (R$ 6,00) + passagem (R$6,00) + lanche (R$ 8,00) TOTAL = 20,00 Funarte ingresso inteira (R$ 15,00) + passagem ( R$ 6,00) TOTAL = R$ 21,00
Exposição Museu Nacional entrada franca + passagem (R$ 6,00) + lanche (R$ 14,00) TOTAL =R$ 20,00 Centro Cultural Banco do Brasil entrada franca + passagem (R$ 6,00) +lanche (R$ 14,00) TOTAL = R$ 20,00 Caixa Cultural entrada franca + passagem (R$ 6,00) + lanche (R$ 14,00) TOTAL =R$ 20,00 Galeria de Arte do Banco Central entrada franca + passagem (R$ 6,00) + lanche (R$ 14,00) TOTAL =R$ 20,00
Música Teatro Nacional – Orquestra Sinfônica de Brasília 20h – entrada franca + passagem R$ (6,00) + lanche (R$ 14,00) TOTAL = R$ 20,00 Transporte CCBB *É oferecido um transporte gratuito para o CCBB que funciona de terça a domingo Saída do Teatro Nacional – 11h, 12h25, 13h50, 15h15, 16h40, 18h05, 19h30, 20h55, 22h Retorno do CCBB - 12h10, 13h35, 15h, 16h25, 17h50, 19h15, 20h40, 21h45, 22h45
ponto & vírgula
Foto: Sue Couto
Perfil: Ellen Oléria
Nua no palco
Bárbara Fragoso e Stephany Cardoso
A
presença altiva e intensa se desmancha na fala tranquila e em sorrisos que entrecortam as palavras, ora as confirmando, ora aflorando lembranças. Apaixonada por cinema e pela capital do país; por cachoeira e pela água do mar; gosta de doce, mas prefere salgado. Com voz marcante, Ellen Oléria, militante das próprias causas, se faz canal entre a música e os sentimentos do público difuso que, juntos, tornam-se uma coisa só. Mistura ritmos amazônicos com tradições da Afro-diáspora. Reggae, rap, rock e pop. Tudo misturado com carimbó, undu, marabaixo. Canta, toca violão, cavaco e percussão. A filha da Dona Eva e de Adalberto gosta de cozinhar, mas só porque não é obrigada a fazer isso todos os dias. Toma refrigerante, mas prefere suco. É puxadora de conversa, na fila do banco ou na parada de ônibus. Aprecia a troca de palavras nos encontros inusitados com pessoas que, possivelmente, nunca mais verá. A brasiliense, que considera agressiva a linguagem das embalagens de xampu para os cabelos “rebeldes” dela, gosta muito de ouvir música, principalmente a que seja diferente da que faz. Gosta de bicicleta, de andar, correr e nadar. “Sou essa. Flamenguista e escorpiana”, acrescentou, com a amiga Aira, que não parava de latir, nos braços. A agitação que a invade no palco nem sempre se estende além dele. Ruídos, música alta e aglomeração de pessoas já a relegaram ao isolamento, envolvida por filmes em casa. A fase que vive agora é a de apreciar a companhia dos amigos, músicos sempre com violão à mão, menos regada a cerveja que outrora. Tem apreciado momentos de silêncio e de imersão em poesias, que a fazem sentir-se viva. A paixão por Belém, no Pará, se estendeu à ambientalista Sue, hoje namorada, parceira e produtora. Gosta muito de namorar. Beijar na boca. Olhar no olho.
Canal sem interrupções Cresceu na casa em que a mãe até hoje mora, na QNL, entre a convivência em Taguatinga e Ceilândia. Nascida em uma clínica no Lago Sul devido a um “presente” à mãe, lamenta não poder encher o peito para dizer que é ceilandense por completo. Há dez anos, começou a compor, cantar e tocar. Como a família não podia pagar o curso de Cinema em faculdade privada, optou pelo curso de Artes Cênicas na Universidade de Brasília. “Foi ótimo para mim. Foi um acidente positivo. Mas me dediquei, nesses últimos cinco anos, à música.” Agora, vive namorando os amigos de curso para montar algo para o teatro. A caminhada agregou valores que vêm do universo de outros músicos e musicistas, que se juntaram no projeto autoral da banda Pret.Utu. Seus espetáculos não são entretenimento. Prefere chamar de música, de arte. A profissão não traz estabilidade financeira. “Se fosse por causa de cachê, eu fazia concurso público.” Tem semana que diz ser rica, mas passa três a quatro meses sem perspectiva. Não há pretensões também na reação do público. A expectativa é esvaziar-se e converter-se em ser canal livre de interrupções. A música – que é maior, mais rápida, poderosa e magnética – deve atravessá-la e chegar até as pessoas. Assim como ela não pega uma comida que está na geladeira há alguns dias e oferece à visita sem saber se está apetitosa, ela faz com a música. Antes, experimenta as notas, as emoções e o arrepio e, depois, carrega consigo esse momento que passa ao público. Em cima do palco, fica despida. Nua e sem pensar no peso das
palavras, revela as diversas personagens que a compõem. A música de Ellen Oléria não é pensada a partir de militância, seja pelas aflições de mulher com o corpo e posturas, pela etnia ou exclusão social. Escreve sobre o que a permeia. A poesia acompanha sua ideia de mundo. Quando as pessoas se sentem assistidas por algum verso e cantam junto, o milagre da música acontece e a cura pode ser vista. É o momento que, de alguma forma, as pessoas exorcizam os demônios. Liberdade horizontal Para os artistas locais e independentes, gravar o CD não é a grande dificuldade, mas um dos primeiros degraus. A grande aliada para divulgar o trabalho é a internet. Mesmo não tocando nas rádios mais ouvidas e sem música em novelas, Ellen não se acha refém dos grandes meios midiáticos. Para ela, a prova disso é o grande número de acessos que tem, diariamente, nas mídias sociais Myspace e Youtube, comentários de shows por e-mail e transmissões de espetáculos pelo Twitter. O público é o grande investidor do cenário independente. Para “a Nega”, a geração dela é muito feliz, pois veio colher muita coisa que o povo preto plantou. “Muita gente derramou sangue para eu exercer, hoje, os meus direitos e ter liberdade de falar o que penso”, pondera. Os 25 anos da carreira de Genival Oliveira Gonçalves (GOG), contando a história do Hip Hop de Brasília e do Brasil são uma inspiração. Ela e o rapper brasiliense estiveram juntos muitas vezes. “Eu tive a oportunidade de ver, em todos os lugares que fomos, pessoas muito impactadas pela música dele. Desde crianças até homens barbados, todos emocionados”. Presenciou várias vezes choros e agradecimentos ao GOG pela poesia. O cenário da música independente do Distrito Federal está em ascensão. Mas, para Ellen, a arte de hoje não é melhor que antes. “Eu acho que a cultura é. E a música sempre foi. Ela é soberana e anda comigo desde que eu existo. Anda contigo desde sempre. A minha voz é essa, que me acompanha desde sempre”, reflete. Como em outros tempos, hoje a música reflete as realidades, com outros tipos de acesso, mas sempre na caminhada, não necessariamente pensando em um final. “Então não fica pensando se você vai encher estádios de gente cantando a sua música, mas pensa no que você está fazendo hoje”, aconselha aos aspirantes. Ellen Oléria está satisfeita com a cena local e destaca artistas como Flora Matos, Kiko Santana e Rapadura. Remete o poder da cena de Brasília às tradições do Centro Oeste, aos povos que já habitavam aqui antes da ideia de modernidade chegar, aos indígenas e quilombolas. “Tem muita gente caminhando para que os eventos aconteçam na sociedade. Precisamos entender que devemos caminhar sempre juntos, e é isso!”.