Artefato 06/2016

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Ano 2016 - N° 3 - Jornal-Laboratório do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Brasília - Distribuição Gratuita - Junho de 2016

Foto: Thiago S. Araújo

Parque da Cidade: sexo ao ar livre e sem pudores. Utilização do espaço para a prática sexual gera polêmica. Pág. 12

CIDADANIA

CIDADANIA

COMPORTAMENTO

Adoção: burocracia não impede a realização do sonho de aumentar a família

Trabalhadores sobre quatro patas: cães que transformam a história de pessoas

Eles são Pais com P maiúsculo e resolveram assumir a criação dos filhos

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Quem disse que não pode? A sociedade brasileira ficou perplexa com o acontecimento do último mês, onde uma adolescente foi estuprada por 30 homens, segundo relatos. Os homens que violaram o corpo da menina, não satisfeitos em cometer a barbárie, também filmaram e expuseram vídeos do ato em redes sociais. Foi a gota d’água. A sociedade não se calou ali. Homens, mulheres, adolescentes, se mobilizaram na internet em uma luta contra o crime e a favor da punição dos que praticaram o ato. A estupidez machista teima em não querer enxergar que as mulheres são donas de seus corpos, são donas de seus destinos e tem vontades próprias. O cenário aos poucos se molda em favor da luta das mulheres, não é de hoje que a sociedade empondera e dá voz a todas essas que são reprimidas, julgadas, apontadas e culpadas. Em um levantamento realizada pelo Ipea, que tomou como base dados de 2011 do Sistema de Informações de Agravo de Notificação do Ministério da Saúde (Sinan) revelou que 70% das vítimas de estupro no Brasil são crianças e adolescentes. Os dados ficam ainda mais assustadores se olharmos o Mapa da Violência - Homicídio de Mulheres de 2015: a cada 4 minutos, 1 mulher dá entrada no SUS vítima de violência. São homens que fazem parte diretamente de suas vidas: namorado, pai, irmão e padrasto. Qual a justificativa? Por que a mulher é desrespeitada de diversas formas desde a infância? Não faz parte da chamada Cultura do Estupro ou das diversas violências cometidas contra mulheres, crianças e adolescentes por quem as executam, é todo um conjunto de comportamentos que perpetua uma sociedade já entorpecida pela hostilidade e agressividade. As leis existem para assegurar direitos e muitas vezes, chegam tarde ou não são efetivas. O Senado aprovou lei que amplia pena para estupro coletivo e criminalização de fotos ou vídeos com conteúdos de violência sexual, porém segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública apenas 35% dos estupros no Brasil são notificados. O que isso nos mostra? Nos ensina que o Brasil ainda precisa urgentemente investir no pilar de um mundo melhor: educação. Educação que se norteie para a igualdade e cidadania. Não precisamos de uma identidade masculina que se molde na agressividade ou de mulheres sendo incapazes de andar na rua sozinhas, de roupa curta. Necessitamos educar nossas crianças para um respeito intrínseco ao outro, humanizando para uma sociedade sem violência de gênero. O mundo que nos cerca possui muros ideológicos: são pensamentos e valores morais questionáveis. Parte da sociedade segue o fluxo do machismo sem questionar, muitas vezes sem saber, mas a verdade é que se permitirmos isso, seremos levados por uma sociedade medíocre, com isso igualmente limitados. Feminista ou não, o importante é ter liberdade. Ser bancada ou independente, não optar pela maternidade ou se dedicar à atividade materna, ser piloto de avião ou dirigir caminhão, possuir vários parceiros sexuais ou ser virgem. Mulher tem que poder, e poder sem ser julgada, violada, assediada ou maltratada. Elas tem que poder!

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Brasília Ano 17, nº 3, junho de 2016 Reitor: Prof. Dr. Gilberto Gonçalves Garcia Pró-Reitor Acadêmico: Dr. Daniel Rey de Carvalho Pró-Reitor de Administração: Prof. Fernando de Oliveira Sousa Diretora da Escola de Educação, Tecnologia e Comunicação: Drª. Christine Maria Soares de Carvalho Coordenador do Curso de Jornalismo: Prof. Dr. Joadir Foresti Professora responsável: Me. Fernanda Vasques Ferreira Professora auxiliar: Me. Cynthia Rosa Orientação de Fotografia: Me. Bernadete Brasiliense Apoio: Me. Fernando Esteban Apoio Técnico: Sued Vieira Monitores: Larissa Nogueira e Lucas Lélis Editores-chefes: Brenda Knutsen e Jéssica Luz Editores de arte: Ana Póvoa e Webert da Cruz Editores de texto: Dalila Boechat, Mayara Dias, Micaela Lisboa e Pedro Grigori Diagramadores: Catarina Barroso, Juliana Procópio, Letícia Teixeira e Tatiane Alice Editores de fotografia: Maria Alice Viola e Sarah Peres Subeditores de fotografia: Anna Paula Fernandes, Bruce Macêdo, Hellen Rezende e Karine Santos Editores web: Ana Velozo e Giovana Gomes Repórteres: Aline Cabral, Amanda Lima, Bruno Santana, Eliezer Lacerda, Filipe Cardoso, Hariane Bittencourt, Lorena Braga, Maianna Sousa, Pabline Souza e Susanne Mello Checadores: Andressa Guimarães, Daniela Martins, Enoque Aguiar, Jhéssica Almeida, Katielly Valadão e Lorena Carolino Fotógrafos: Alan Rios, Aline Castelo Branco, Aline Gabriela Brandão, Bárbara Carvalho, Beatriz Ferreira, Celise Duarte, Daniele Matias , Danilo Queiroz, Diego Rodrigo, Douglas Rodrigo, Ello Romanin, Evelin Criss, Gabriela Gregorine, Germana Ferreira, Giovana Ferreira, Hellen Resende, Jordania Ferreira, Karine Santos, Karyne Nogueira, Layla Andrade, Leticia Leonardi, Letícia Viana, Lucas Valverde, Patrícia Moura, Rodrigo Souza, Tatiana Castro, Thiago S. Araújo e Vitor Hugo Stoianoff. Ilustrações: Freepik.com Tiragem: 2 mil exemplares Impressão: Gráfica Athalaia Universidade Católica de Brasília EPCT QS 7 Lote 1, Bloco K, Sala 212 Laboratório Digital Águas Claras, DF Telefone: 3356-9098/9237 Todas as matérias têm ampliação de conteúdo na web. Acesse nossas redes sociais e site. E-mail: artefatoucb1@gmail.com Jornal online: issuu.com/jornalartefato Facebook: facebook.com/jornalartefato artefatojornal.wordpress.com

Foto: Alan Rios

EDITORIAL

EXPEDIENTE


EDUCAÇÃO Cultura nas escolas

Além da sala de aula

Estudantes de escolas públicas recebem grupos de teatro e música para vivência cultural fora de sala, em diversos pontos do Distrito Federal

Foto: Alan Rios Diagramação: Ana Póvoa e Webert da Cruz

Bruno Barbosa

Levar arte a escolas públicas parece tarefa difícil se pensarmos nos vários problemas com o sistema educacional público no Brasil. Mas existe ainda quem leve cultura a escolas, por vezes, abandonadas e sem boa infraestrutura. Diversos grupos de música e teatro sem fins lucrativos se envolvem com atividades pedagógicas com a intenção de propor novos métodos de ensino. Cantando o melhor do rock nacional e internacional, como Legião Urbana, The Beatles, Raul Seixas, Nirvana e Pearl Jam, a banda brasiliense LedBed lidera o projeto Minha Música, iniciativa que apresenta e dá voz a composições feitas por estudantes de escolas públicas do Distrito Federal, como o CEF 03 de Brazlândia, uma das instituições beneficiadas pela ação do grupo. O projeto tem como finalidade reunir os estudantes para comporem músicas a partir de tema sugerido pela banda. As canções passam por uma seleção, e a melhor letra ganha a gravação de videoclipe dentro do colégio e com a participação de todos os alunos. Sair do comum não é papel somente dos alunos, mas também dos professores e diretores dos colégios. O músico e professor Flávio Leão apresenta nas escolas de Brasília o projeto “A História da Música Brasileira”, que reúne educadores da rede pública de ensino em um trabalho que une música e teatro. A proposta é proporcionar aos estudantes a vivência de novas experiências fora do contexto da sala de aula. Os alunos ampliam, assim, seus conhecimentos históricos sobre a música brasileira e a sua importância para a contribuição do país. Quando a escola não vai à arte, a arte vai

até a escola. Em um ônibus atraente e charmoso, o projeto Caravana Buriti, passeia por todo o país com apresentações de dança e teatro. No Distrito Federal, a companhia de teatro já passou por colégios de Ceilândia, Arapoanga, Samambaia, Santa Maria e Varjão. O Caravana encena pequenas apresentações de música, dança, teatro, bonecos e contação de história, que envolvem a participação dos alunos e professores. Fundadora do projeto há 20 anos, Eliana Carneiro ressalta como é a dinâmica das apresentações: “Temos uma temática voltada às crianças, mas que também envolve os adultos, que relembram brincadeiras, histórias e medos de quando eram jovens”, explica. No Gama, um projeto tem tomado conta da cidade nos últimos anos, o Festival Festineco, evento que reúne grandes bonecos nacionais e internacionais. O Festival acontece em diversos pontos do Gama, em especial nas escolas, onde os estudantes participam por meio de oficinas, peças teatrais e dança. Para o bonequeiro e organizador do evento Marco Augusto Resende, a interação entre os alunos nos espetáculos é excelente. “A gente está em casa, quando estamos na escola. Os alunos têm muita vontade de ver e participar das peças e brincadeiras”, ressalta. Segundo a Agência Senado, em maio deste ano, a então presidente Dilma Rousseff promulgou a lei 13.278/2016, que inclui as artes visuais, a dança, a música e o teatro nos currículos dos diversos níveis da educação básica. A lei estabelece um prazo de cinco anos para que as escolas promovam a formação de professores para implantar esses componentes curriculares nos ensinos infantil, fundamental e médio. 3


Foto: Vitor Stoianoffo

CIDADANIA Doação de alimentos

Fome de viver

Famílias em situação de risco social dependem de alimentos reaproveitados para sobreviver

Amanda Lima e Mayara Dias

O desperdício de alimentos é um dos maiores problemas socioeconômicos do Brasil. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) divulgou uma pesquisa, em maio de 2015, com dados alarmantes. O percentual médio de desperdício no país é de 40% a 50% das comidas produzidas. Para diminuir o impacto causado por esta estatística, foram criados projetos que visam combater a fome por meio da coleta de alimentos que seriam jogados fora, mas que ainda são bons para o consumo. O termo “desperdício” é utilizado quando a comida já foi enviada para os supermercados, centros de distribuição e feiras, porém é descartada por não ser considerada boa para o comércio. Também ocorre quando o próprio consumidor a joga fora por estar vencida ou com a aparência fora do padrão. O professor de ecologia da UnB, José Francisco Gonçalves, afirma que o grande problema da quantidade desperdiçada é a prática do consumo excessivo. Ele ressalta que a data de validade dos produtos é um dos problemas relacionados a essa realidade, pois amplifica a venda e o consumo da população. “O leite, por exemplo, possui embalagem informando que após aberto deverá ser consumido em 24 horas. Mas muitas pessoas, inclusive eu, tomamos mesmo depois de 72 horas. Já imaginou quanto dinheiro o Brasil poderia economizar com alimentos?”, alerta. Outra questão é o impacto ambiental causado pelo desperdício. O lixo acumulado pode causar graves problemas de saúde para as famílias que moram próximas às zonas de risco ou que dependem da utilização de materiais que foram contaminados pelo descarte inadequado. Por isso, pessoas em situação de rua estão expostas aos agrotóxicos e produtos 4

químicos utilizados em alimentos que podem desencadear complicações como intoxicação e câncer. Moscas, ratos e baratas também são atraídos e considerados vetores de doenças.

Iniciativas No Distrito Federal, alguns projetos se destacam pela proatividade e coletam alimentos que seriam descartados para doá-los às famílias e instituições voltadas a trabalhos sociais. Criado em 2014, o Programa Alimenta Brasil do Instituto de Pesquisas e Estudos Aplicados à Sociedade (IPEAS-Brasil) tem o intuito de combater a fome e a pobreza, além de diminuir os danos causados pelo desperdício. Realizado por voluntários, o programa conta com o apoio de seis empresas comprometidas com a responsabilidade social. O Programa começou a partir da autorização do Grupo Pão de Açúcar (GPA) para o recolhimento de hortifrutigranjeiros – produtos provenientes de hortas, granjas e pomares – em suas lojas. Carlos Valim, presidente do Programa, analisa como o projeto cresceu. “A distribuição inicialmente contemplava 12 entidades que atendiam crianças, idosos, usuários de drogas, gestantes e deficientes, nas localidades de Taguatinga Norte e Ceilândia. Posteriormente o número aumentou e atualmente alcança 21 instituições e engloba outras Regiões Administrativas do Distrito Federal”, relata. A Associação Ambiente, dos catadores de lixo da Estrutural, é uma das instituições beneficiadas pelo Alimenta Brasil. Ana Cláudia Lima é a presidente, à frente do projeto desde 2013, e explica como funciona

a distribuição de alimentos no local. “Nosso objetivo é atender os catadores da região. Na nossa Associação são 1039 trabalhadores, uma média de 200 famílias beneficiadas”, explica. Para saber a quantidade de comida necessária para cada família, o presidente do programa monta uma tabela com todos os alimentos doados dos supermercados ou da indústria alimentícia. “A partir daí, faço o cálculo de quantos gramas vem em cada embalagem. A pirâmide alimentar determina que 50g de carne por dia é o suficiente para a sobrevivência. Verifico quantas pessoas possuem na família e calculo quantos produtos serão necessários para suprir a fome de uma semana com duas refeições por dia”, esclarece. A catadora Marinalva Alves tem três filhos e buscou pela segunda vez os alimentos distribuídos pela associação. “Essa ajuda para mim é tranquilizante. Tem muita coisa boa que vem para a gente daqui, e como as comidas estão muito caras, ajuda muito. As pessoas desperdiçam ou deixam de comprar alimentos que parecem não estar bons, mas para nós é maravilhoso”, conta. Outra beneficiada com a entrega de alimentos é a catadora Kelly Cristina, que possui cinco filhos, e sua única renda vem de sua profissão. Ela tomou conhecimento do projeto pela Ana Cláudia, que costuma passar no lixão avisando aos catadores quando tem doação. “Já vim várias vezes porque sempre vale a pena. Lá em casa, por exemplo, a comida dura uns quatro dias, o que já ajuda muito já que o que eu ganho não dá para tanto”, afirma Kelly. Há também o programa Mesa Brasil, desenvolvido pelo Serviço Social do


Comércio (SESC), em 2003. Trata-se de uma rede nacional de banco de alimentos contra a fome e o desperdício. No DF, 200 instituições são atendidas por meio de 25 doadores entre supermercados, indústrias alimentícias e padarias. Além da coleta e distribuição, o projeto também oferece ações educativas para as instituições, por meio de palestras e oficinas como forma de alerta. Carla Tristão, nutricionista do Mesa Brasil DF, conta como funciona este processo. “O programa realiza oficinas de aproveitamento integral dos alimentos, ensinando a utilizar a casca e a congelar adequadamente esses mantimentos. Também ministramos palestras voltadas para temas que desenvolvam sustentabilidade. Como captar recursos, conseguir convênios e parcerias e como cuidar do seu estoque são algumas das ações propostas”, relata. As palestras e oficinas são realizadas no

próprio SESC, em faculdades conveniadas ou nas próprias instituições. “Para o Programa Mesa Brasil é tão importante distribuir alimento, quanto realizar ações educativas. É uma via de mão dupla. A instituição tem que participar de ações educativas para ensinar a otimizar esses alimentos, que já não são de ótima qualidade”, analisa Carla. Filipe Rodrigues é coordenador da Associação Viver, beneficiada com as doações do Mesa Brasil. A instituição presta serviços para crianças de 6 a 14 anos, filhos de catadores do aterro sanitário, que em maioria acompanham os pais no trabalho. A atuação é focada na proteção básica dos direitos da criança e adolescente, ampliando o universo artístico, cultural, social, emocional e esportivo. “O Mesa Brasil é um parceiro imprescindível. Pelas doações serem diversificadas, temos condições de aumentar nossa oferta de variedades no cardápio montado para nosso

público atendido”, explica. Atualmente 300 crianças são atendidas no espaço. Os alimentos são separados e verificados quanto ao prazo de validade e depois são acondicionados no estoque. O nutricionista responsável faz a distribuição dos alimentos para serem servidos na montagem do cardápio semanal. Um dos beneficiados é Francisco Oliveira, de 13 anos, que ajudava seu pai no trabalho como catador. “Meu pai não conseguia alimentar todos os filhos, então dávamos prioridade aos mais novos. As pessoas não têm noção... O que é pouco, o que é resto para elas, para a gente é um almoço e uma janta”, desabafa.

Diagramação: Ana Póvoa

Foto: Amanda Lima

Doação de alimentos do Ipea para integrantes da Associação Ambiente

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CIDADANIA Adoção

Gerados pelo coração Burocracia no sistema brasileiro de adoção não impede que famílias lutem pelo sonho de criar uma criança Katielly Valadão e Pabline Souza

Os dados das crianças e adolescentes aptas a serem adotadas e dos candidatos habilitados se encontram hospedados no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que guarda os documentos de todas as Varas da Infância e da Juventude. O sistema oferece um cruzamento de informações com o objetivo de reduzir a burocracia, mas essa realidade ainda é distante. A adoção no país é cheia de desafios. O perfil dos órfãos, disponíveis no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), infelizmente não bate com o perfil procurado pelos futuros pais. Segundo análise feita pelo CNA, o maior 6

Foto: Simone Mariano

Espera por um novo lar

obstáculo da adoção não é a questão racial, e sim a idade. A família do empresário Everaldo Silveira, 45 anos, passou por uma mudança no ano de 2001. Casado há seis anos, tomou a decisão de adotar um garoto que havia acabado de perder a mãe. “Pedimos ao juiz a guarda provisória do Antônio, que depois foi transformada em uma guarda definitiva. Respeitamos esta particularidade para não criar nenhum tipo de sequela emocional nele”, explica. Cintia Liana, 39 anos, é psicóloga e trabalha com crianças abrigadas e adotadas desde 2002. Para a especialista, uma alternativa de agilizar o processo de adoção seria os candidatos optarem por crianças que estão na instituição e não crianças que para eles estão dentro de um ideal, ou seja, até três anos, branca e completamente saudável. Para a psicóloga, a contratação de pessoas empenhadas afetivamente para realizar o trabalho jurídico ajudaria na diminuição da burocracia e consequentemente na aceleração dos processos. “O trabalho da vara da infância é investigar a problemática dos pais, da família e se a criança tem chances de permanecer com eles, e isso deve ser feito com cuidado, mas não é preciso que se leve anos para se fazer essa investigação e sim alguns meses”, explica.

Foto: Gabriela Gregorine Diagramação: Letícia Teixeira e Webert da Cruz

Filas, cadastros e uma espera que dura bem mais que nove meses. Essa é a realidade vivida por famílias que desejam adotar. Inúmeras crianças esperam a decisão judicial para serem destituídas do âmbito familiar e estarem aptas à doação. A demora nos processos adotivos é o principal fator para a longa lista de espera: estima-se que para cada criança, haja seis famílias interessadas. O procedimento no Brasil contém regras básicas. Conforme o Código Civil, o candidato que pretende adotar deve ter idade igual ou superior a 18 anos e procurar uma Vara da Infância e Juventude para preencher um cadastro com dados pessoais, antecedentes criminais e judiciais. A legislação – ainda que no intuito de proteger os menores - acaba dificultando esse processo. Há casos em que famílias entram com o pedido, a criança se mostra afetivamente interessada pela família, mas o impedimento legal não permite que o processo siga em frente.


CIDADANIA Convivência

Amor não conta cromossomo Inclusão social e suporte familiar são essenciais para o desenvolvimento de pessoas com Síndrome de Down

Foto: Simone Mariano Diagramação: Ana Póvoa e Webert da Cruz

Andressa Guimarães, Catarina Barroso e Katielly Valadão

Acordar cedo, ir ao trabalho, almoçar, assistir televisão, escrever um livro, fazer atividades físicas. Tudo isso está na rotina de Liane Martins Collares, 53 anos. Com lindos olhos puxados e amendoados, tem uma vida tranquila e produtiva, com afinco. Publicou livro, ganhou medalhas de natação em competição internacional, faz teatro. O que a torna diferente das outras pessoas? Um pequeno detalhe no DNA dela: terceiro cromossomo de número 21. A alteração genética de Liane é definida como trissomia 21. Essa deficiência se caracteriza pelo funcionamento intelectual inferior à média e é conhecida como Síndrome de Down (SD), com a presença de três cromossomos 21 em todas ou na maior parte das células do corpo do indivíduo. A pessoa com o terceiro cromossomo tem características bem peculiares: estatura menor, olhos amendoados, déficit na comunicação são alguns. A origem da SD é difícil de ser identificada, pois pode envolver fatores genéticos ou ambientais. A Cartilha Diretrizes de Atenção à Pessoa com Síndrome de Down, do Ministério da Saúde, indica que uma entre 600 e 800 crianças nascidas têm a Síndrome, independente de etnia, gênero ou classe social. O documento explica também que não existe a possibilidade de prever qual grau de autonomia uma criança com esse tipo de alteração genética no organismo terá durante a vida adulta.

Inclusão

Preparo

Luiz Fernando Calvacanti, 12 anos, tem SD e participa de atividades na sala de recursos da escola em que estuda, além de praticar natação. Já fez tratamento de fonoaudiologia e equoterapia, técnica que utiliza cavalos para desenvolver psicologicamente e fisicamente os pacientes. A mãe de Luiz, Margareth Jardim Calvacanti, conta que há muito preconceito na sociedade. “Adaptar-se a uma criança com SD em casa é fácil, mas é difícil na sociedade, que cobra muito dos pais. Infelizmente as alternativas são poucas”, desabafa. A falta de informação gera distanciamento entre a sociedade e as pessoas com SD. Dandara Soares é voluntária do movimento de inclusão CaminhaDown e alerta que é necessário entender que essas não são pessoas incapacitadas, são apenas especiais. “É por isso que precisamos mobilizar a sociedade para ver que pessoas com SD alcançam muitas coisas na vida”, afirma. Maria de Lourdes Marques, presidente da Associação DFDown, conta que o nascimento de sua filha, Lia Luiza Marques, foi a motivação para lutar em defesa dos direitos das pessoas com Down. “A melhor forma de incluir é matricular a criança em uma escola regular e ajudar na convivência com a sociedade. Faço isso com a minha filha de dez anos, e ela se sente incluída e feliz”, comemora.

A estimulação física e cognitiva é um ponto fundamental para o desenvolvimento dessas pessoas desde a infância, e grupos de apoio e terapia ocupacional são procuradas para auxiliar à família. “Elas necessitam de auxílio para se tornarem independentes, confiantes e com mais autonomia em suas atividades diárias”, afirma a terapeuta ocupacional Ana Priscila da Silva. Desde pequena, Liane foi estimulada pelos pais a realizar seus sonhos. No teatro ela interpreta uma menina com SD na peça Meu precioso Cabaré. Marilei Collares, mãe de Liane, explica que desde cedo buscou atividades para a filha em diferentes áreas. A legislação sobre a inclusão no Brasil tem avançado. Mas sua aplicação é um objetivo a ser melhorado. “Na escola da minha filha, não tinham interesse em receber alunos com SD. Mas ela sempre foi muito interessada, terminou o ensino fundamental e começou a trabalhar”. Marilei lamenta a dificuldade que enfrentou na época. A coordenadora da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae/DF), Kizzi Queirós, explica qual é a situação ideal: “É preciso que escolas e profissionais da educação sejam preparados para o acolhimento, auxílio e acompanhamento nos processos de inclusão”.

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Pets

Heróis de quatro patas

Foto: Alinne Castelo Branco

CIDADES

De farejadores a guias de cegos, cães ajudam pessoas em situação de vulnerabilidade. É uma verdadeira aula de companheirismo, lealdade e bravura Hariane Bittencourt e Tatiane Alice

amarelo, que chegou ao lar de Silvo com dois anos e meio de vida, deu novo sentido aos desafiadores trajetos do deficiente visual. “A diferença na locomoção é absurda. A gente passa a ter mais agilidade e segurança, porque o cão desvia de obstáculos que a bengala não consegue perceber”, acredita. Em 2009, o animalzinho teve de se aposentar em virtude de um problema cardíaco e, três anos depois, faleceu. O servidor público foi, então, novamente contemplado. Desta vez com Naná, uma labradora preta. Em 2015, ela também se aposentou por conta de um problema na coluna, mas ainda vive sob os cuidados de Silvo. E parece que ele é mesmo um homem de sorte. Em novembro do ano passado recebeu Bia, sua atual cão-guia. Derretido pelos bichos que possui, incluindo uma pequena e ciumenta lhasa apso, ele defende que os cachorros são extremamente fiéis. “O cão é um amigo para toda hora. Eles são seres que gostam de viver em sociedade e fazem de tudo para estar conosco”, argumenta. Quanto aos cães-guia, aos quais conhece muito bem, ele destaca um fator importante: a integração social. Com a bengala, as pessoas tendem a se afastar dos deficientes visuais. Já na presença dos animais, o goiano destaca que até os corações mais duros não resistem a um elogio ou ao toque. “Quando a gente chega, todo mundo olha e quer conversar. Isso ajuda a formar um círculo de amizade e contribui para a inclusão dos cegos”, descreve. Mas, como os seres humanos, os cãesguias trabalham muito e, por isso, também precisam descansar. Explica-se que o limite

de trabalho está na capacidade de observar as condições de saúde do cão, sempre levando em conta que com cerca de nove anos o animal já tem idade avançada e precisa de cuidados especiais. “Eles dão sinais de Foto: Rodrigo Souza

Conhecidos pelo companheirismo, os cães são seres mais que especiais. Mesmo sem saber, podem agir como verdadeiros anjos e modificar a vida dos seres humanos com um jeito único. Guiam, protegem e salvam: sempre de forma incansável e gratuita. Para os cegos, são os olhos. Para os deficientes intelectuais, são o refúgio e a esperança de recuperação. Para as polícias militar e federal, são integrantes da corporação, prontos para ajudar no serviço. Mas, apesar das qualidades intermináveis, eles também podem se cansar. O serviço, que pode parecer brincadeira, é exaustivo e precisa de supervisão para que os melhores amigos do homem tenham vida longa. O goiano de Córrego do Ouro, Silvo Gois de Alcântara, 42 anos, é deficiente visual. Morando em Brasília desde 1977, ele perdeu a visão ainda muito novo, em razão de uma doença congênita e progressiva. “No início, eu enxergava em ambientes claros e tinha dificuldade em lugares escuros. Depois, a minha visão zerou. Agora, só percebo vultos no olho direito, mas no esquerdo nem isso”, explica. Por conta da deficiência, o servidor público teve de se adaptar ao uso da bengala. Durante anos, ela foi a companheira fiel de Silvo. Mas isso mudou em meados de 2001, quando o Projeto Cão-Guia de Cegos entrou, por acaso, na vida dele. À época, o então coordenador do programa foi o responsável por explicar o passo a passo do programa aos interessados. “Gostei muito e me inscrevi. Depois, passei pela avaliação de orientação e mobilidade e Deus me abençoou com o Zircon, meu primeiro cão-guia”, emociona-se. O labrador

Silvio com sua cão-guia: uma relação de amor e amizade

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Diagramação: Catarina Barroso e Webert da Cruz

que está na hora, pois o desgaste físico é inevitável”, frisa Silvo. Corajosos e obedientes, os cachorros também são muito úteis para o trabalho da Polícia Militar do Distrito Federal, no chamado Batalhão de Policiamento com Cães (BPCães). Eles são treinados para a detecção de drogas, armas e explosivos. Além disso, auxiliam na busca e captura de criminosos, e também no policiamento em locais com grande movimentação de pessoas, como na Rodoviária do Plano Piloto e no Aeroporto Internacional de Brasília. O 1º Tenente Ronan Sakayo, chefe da subseção de logística do BPCães, afirma que o prêmio que os animais recebem pelo trabalho é um brinquedo, geralmente uma pequena bola. “O cão precisa gostar de brincar. Eles fazem de tudo para receber o brinquedo. Não funciona como um trabalho, é diversão”, conta. Alguns animais são comprados, mas a maioria chega por doação, desde filhotes até jovens adultos. “Quando o cachorro atinge oito anos, não consegue mais trabalhar. Então, o policial adestrador responsável por ele o leva para casa”, explica. Existem aproximadamente 70 cães no Batalhão, quase todos das raças pastor belga malinoá e pastor belga cinza. Mas apesar da eficiência do trabalho, é necessário ter cuidado. Os riscos são muitos e o tenente recorda que um dos animais já morreu em serviço. “Estávamos realizando treinamento em um prédio. Era uma simulação. Quando o cão foi receber a bolinha como premiação pelo trabalho, ela bateu no focinho. Ao ir atrás do brinquedo, ele acabou caindo do sexto andar e não sobreviveu”, entristecese. E esse não foi o único caso. Outro acidente aconteceu na rodoviária e também foi causado quando o animal recebia um brinquedo. “O cachorro foi atrás da bolinha, caiu do pavimento superior e quebrou uma das patas. Mas, depois disso, nós o tratamos e ele ainda continuou trabalhando. É um cão excepcional”, relata.

Na saúde e na doença E se você pensa que as únicas finalidades desses cães especiais são guiar e farejar, aqui vai mais uma função para lá de especial. Eles também podem ser grandes aliados no tratamento de várias doenças e deficiências

Foto: Alinne Castelo Branco

Bons de faro

Bia possui identificação com dados do dono e contato do Projeto Cão-guia de Cegos

intelectuais. Autismo, depressão e câncer são algumas delas. A denominada Terapia Assistida por Animais (TAA) consiste em colocar cachorros e outros bichos em contato com essas pessoas para ajudá-las na recuperação. E por conta dos benefícios dessa interação, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4.455/12, que propõe o uso da TAA em hospitais públicos. A iniciativa é do deputado federal Giovani Cherini, do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Na justificativa do projeto, o deputado ressalta que a utilização dos animais humaniza os hospitais e abranda as dores de um tratamento médico. “Essa intervenção ajuda a descontrair o clima pesado de um ambiente hospitalar, melhora as relações interpessoais e facilita a comunicação”. Além disso, ele reafirma que os cães podem ser benéficos tanto para crianças, quanto para adultos e idosos, especialmente quando o paciente passa muito tempo internado. “Afagar um animal permite abrir um espaço potencial para expressar a criatividade e lidar com as emoções. Tal prática possibilita a brincadeira,

onde brincar é viver e aprender a viver ao mesmo tempo”, completa. E a influência dos pets pode ir muito além da esfera psicológica. Um estudo realizado pela revista norte-americana JAMA Pediatrics analisou o impacto do convívio de animais com 600 mil crianças. O relatório afirma que quando uma criança tem contato com os bichos durante o primeiro ano de vida, possui menos chances de ter asma e outras doenças respiratórias. Para a veterinária e bióloga Aline Ramos Marques Maragon, os cães se sobrepõem a outros animais pela proximidade com os humanos e pelo processo de domesticação. “A relação entre as pessoas e os cães sempre foi de proteção. De forma geral, eles se mostram sempre abertos ao contato”, afirma. Ainda assim, a especialista ressalta que essa sensibilidade não se restringe aos cachorros. “Qualquer animal apresenta esse sentimento. Trabalhei por quatro anos como instrutora de equoterapia e percebi a influência dos cavalos no tratamento de crianças com necessidades especiais”, recorda. 9


COMPORTAMENTO Gravidez

Mulheres querem ter profissão estável e ser bem-sucedidas antes de serem mães. Pesquisa aponta que o número de grávidas após os 35 anos cresceu quase 50% na última década Lorena Braga e Maria Alice Viola

Fazer graduação, procurar emprego, estudar para concurso e se realizar profissionalmente faz parte de uma série de pré-requisitos da realidade de muitas mulheres, antes de terem filhos. Questões sociais e pessoais influenciam nessa decisão, mas elas preferem a estabilidade para oferecerem o melhor para os filhos no futuro. Aos 34 anos, a funcionária pública, Arlene Nascimento foi mãe pela primeira vez. Ela teve o apoio da família e do marido ao escolher ter filhos em uma fase mais madura de sua vida. “A maturidade ajuda a ter clareza no que é ou não razoável. Acertei em ter filhos no momento que eu achava que era certo”, destaca. Segundo pesquisa realizada pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), no período de 1996 a 2013, cresceu o número de mulheres que foram mães entre os 30 e 49 anos. A maternidade tardia se tornou a preferência entre o grupo de 15 a 29 anos e, portanto, reduziu o número de mulheres que foram mães com essa faixa etária. A Federação Nacional de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) relaciona a gravidez tardia a diferentes fatores: necessidade de formação acadêmica e profissional, assim como a estabilidade econômica, ausência de relacionamento estável e a realização de planos pessoais antes de uma gestação. Com isso, o número de grávidas após os 35 anos aumentou entre 35 a 50% na última década no país. A advogada Karine Sousa de 34 anos reitera os indicadores. Para ela, ter um filho não é simplesmente colocar uma pessoa 10

no mundo, ela acredita que é necessário ter condição financeira mais sólida. “Tenho dúvidas quanto a ter um segundo filho. Hoje tenho condições de pagar uma boa escola, comprar o que ele precisa e não precisa. Mas gostaria de ter sim. Só não sei se terei (risos) ”, pondera. A historiadora Fernanda Lisboa também adiou a gravidez. “Primeiramente me dediquei à vida acadêmica, a me enquadrar no mercado de trabalho e fazer aquilo que gosto, para depois tomar essa decisão”, explica. Esse também foi o caso de Jaqueline Pacheco, 39 anos, funcionária pública teve seu primeiro filho aos 29. O segundo veio quatro anos depois, mais quatro para o terceiro e para finalizar, mais um ano e meio para o quarto filho. Ela diz que foi o momento certo, mesmo que talvez devesse esperar mais. “Priorizei ter um bom emprego, uma casa, pensando em como seria mais tranquilo criá-los assim. Somente meu marido estava de acordo. Fui muito criticada tanto pela família quanto por pessoas próximas, mas ser mãe era abrir mão de buscar prestígio profissional”, justifica. Para Arlene a sociedade já está convencida de que as mulheres têm direito a esta escolha. O pior são os comentários e as críticas, ainda que subliminares. O principal deles é o tamanho da família. “ Hoje tenho três filhos e os comentários são sempre do tipo: “nossa você é animada”, “seus filhos não te dão trabalho? Tenho um só e o meu me deixa exausta (o)”, “já parou ou ainda vai ter outro?”, “você deve ter uma renda bem alta para ter três filhos”, e por aí vai (risos) ”, conta a funcionária pública. A escolha tardia de ser mãe, também, pode

A maioria das mulheres do Distrito Federal que tiveram seu primeiro filho no período estudado, entre 30 e 49 anos, eram casadas e optaram pelo parto cesáreo. Fonte: Codeplan

Segundo os dados coletados no Datasus-Sinasc, no ano 2000, o maior percentual autodeclarou-se negra 61% e 39%, não negras. Nos anos de 2006 e 2013, as mães de primeira viagem não negras tiveram maior participação.

Segundo o IBGE, as mulheres representam hoje, 14% da população economicamente ativa do país, chefiando 25% das famílias brasileiras.


Desde a sociedade tradicional, a mulher era preparada desde criança para ser mãe, adiando estudos, trabalho para criar os filhos. Para a psicóloga Nádia Chaves, a maternidade ocupou espaço central na identidade feminina em décadas anteriores, mas agora o contexto é diferente. “Enquanto alguns grupos incentivam e estimulam que a mulher seja mãe, outros destacam objetivos sociais que a mulher possa exercer e tornar-se uma pessoa realizada. Ela passa a se identificar com outras atividades e não somente o de mãe, se esse realmente não for o seu objetivo”, explica. Segundo a psicóloga, no momento político e social atual, a mulher está investindo em novos papéis e espaços. “São escolhas, prioridades, planejamentos e contextos”, pondera. Mas Nádia faz uma ressalva: “Não é possível generalizar que as mulheres que escolheram ter filhos após estabilidade profissional estejam psicologicamente preparadas para a gravidez”.

Driblando riscos O médico responsável pela diretoria cientifica da Febrasgo, Marcos Felipe de Sá, afirma que a escolha da mulher por engravidar com mais idade pode ser arriscada: “O que podemos afirmar é que à medida em que a idade avança, o primeiro risco é a menor possibilidade de engravidar. Há chances de maiores problemas genéticos e abortos, principalmente após os 35 anos”, esclarece. Para enfrentar os riscos, algumas mulheres estão congelando óvulos para preservar a fertilidade. Mas para o médico do Hospital Regional do Gama (HRG) José Paulo da Silva Neto, essa ainda não é a melhor decisão a ser tomada. “O mais recomendável é não adiar tanto a gravidez e se programar para uma concepção abaixo dos 35 anos”, aconselha. O procedimento custa, em média de R$ 10 a 12 mil, considerando que o ideal para a coleta é que a paciente esteja com 30, ou no máximo 35 anos de idade.

FDiagramação: Catarina Barroso

ter um reflexo na vida social da mulher, segundo Tamara Virgínia, 35 anos, fisioterapeuta que se tornou mãe há dois meses. O motivo não foi o lado profissional, mas o desejo de encontrar a pessoa certa. “Sempre sonhei em ter filhos quando conhecesse a pessoa certa e quando eu me casasse, por isso os planos foram sendo adiados. Me casei ano passado e engravidei meses depois. Estou feliz que tenha sido assim” esclarece. Embora a pressão social possa influenciar a mulher psicologicamente, são construídos novos olhares em que muitas se identificam, mas não consideram o papel da maternidade como prioridade. “Recomendo que a mulher seja dona de si quando decidir ser mãe. Que tenha sua estabilidade financeira e psicológica. Que tenha certeza que quer essa responsabilidade. Se isso ocorre aos 20, 25, 30 anos, não sei. Para mim foi após os 30. Mas a maturidade é fundamental”, desabafa Karine Sousa.

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COMPORTAMENTO Ao ar livre

Sexo casual e fácil

Espaço para lazer, esporte e cultura é utilizado para relações sexuais. Floresta dos Sussurros é conhecida da Polícia Militar. Mesmo com rondas, as práticas acontecem diariamente e causam polêmica Jéssica Luz e Pedro Grigori

Exibicionismo O artigo 233 do Código Penal Brasileiro classifica como crime a prática de ato libidinoso em local público, aberto ou exposto a demais pessoas. A Polícia Militar do Distrito Federal informou, por meio da assessoria de imprensa, que existem trabalhos e ações 12

específicas na área do Parque da Cidade, por já ser ponto de encontro dos participantes. A pena para quem for varia de três meses a um ano, ou pagamento de multa. Diversas prisões já foram feitas no local, mas a assessoria ressalta que as falhas contidas na legislação trazem a sensação de impunidade, fazendo com que haja reincidência de casos. João Carlos*, tem 52 anos e é graduado em Direito, servidor público, e diz que sabe que está infringindo a lei, mas que vê as idas ao Parque da Cidade como uma aventura normal. “Sou divorciado, e prefiro garotos de 18 a 25 anos. As vezes transamos embaixo das árvores, mas quando me sinto à vontade eu levo para meu carro ou para um motel”, conta. Sobre a orientação sexual, João diz que não gosta de rótulos. “Meu casamento foi com uma mulher, mas tive relações sexuais com homens pela primeira vez após a separação”, revela. Relações sexuais entre homens que se consideram héteros não é algo tão incomum. O psicólogo e terapeuta sexual Breno Rosostolato conta que essa necessidade de nomear a sexualidade vem de uma normatização. “Pessoas não precisam reconhecer nenhum rótulo, homem e mulher já deixam a sociedade divididos. Aquilo que te faz bem e propicia felicidade sem destruir o outro já está ótimo”, relata. Já para Alberto Lopez* de 29 anos, a prática de sexo em locais públicos é algo comum. Sem demonstrar preconceitos ou problemas em falar sobre o assunto, ele conta que já manteve relações sexuais em diferentes locais do Distrito Federal. Ele diz que já foi ao Parque da Cidade em busca de sexo, com mulheres conhecidas ou não, o importante

para ele é não expor o parceiro e não ferir a moral de ninguém que esteja por perto. Ao ser questionado sobre os motivos que o levaram ao ato, ele conta que foi o sentimento de realização em fazer o que tinha vontade, na hora e lugar que queria. “É uma responsabilidade que assumimos, acredito que toda a responsabilidade da prática deve ser atribuída a quem a pratica”, ressalta. O psicólogo Breno Rosostolato conta que esse sexo casual, aproveitado por João e Alberto, não é visto como algo errado dentro da psicologia, e diz que as relações sexuais no geral devem ser vividas de forma plena. “As pessoas devem se apropriar de seus desejos e vontades. Realizar fantasias não é desrespeitar o outro, portanto, quando existe consentimento e respeito o sexo casual é tão saudável quanto qualquer outra relação sexual”, explica.

Prática antiga

Engana-se quem acredita que a sociedade começou agora a criar um comportamento sexual sem amarras. Na Idade Antiga, entre 4.000 antes de Cristo (a.C) e até o século V depois de Cristo (d.C), prostituição e homossexualidade eram comuns e aceitos, já os abusos eram severamente punidos. Casais de pessoas do mesmo sexo faziam parte do cotidiano na Grécia antiga. Assim como muitos frequentadores da Floresta dos Sussurros, os homens na Idade Antiga descobriram que o amor não era um sentimento eterno, o prazer também não era possível somente com pessoas de gêneros diferentes. Na época, surgiu a questão do

Foto: Webert da Cruz

Quarta-feira, por volta das 20h, 30 carros já transitam nos estacionamentos ao redor do Pavilhão do Parque da Cidade. Veículos andam devagar para que os motoristas possam interagir. Entre as árvores, estão mais de 50 homens em busca da mesma coisa: prazer. O local, foi apelidado de Floresta dos Sussurros, entre às árvores, homens andam ordenadamente. O chão próximo às árvores é repleto de preservativos. “Curte o quê?”, frase que inicia uma conversa que acontece antes da relação sexual. Embaixo de uma árvore, três homens se revezam no sexo oral, enquanto mais quatro se masturbam ao assistir. A presença de público não os inibe, e quem quiser pode se juntar, mas claro, ninguém é obrigado a manter qualquer tipo de relação com quem não queira. “Saí do trabalho e vim para cá. Venho quando sinto vontade, mas não busco nada sério. Sou casado”, conta um dos visitantes. O homem, que deve ter 50 anos, está bem vestido, e ao perceber que a conversa não vai levar a nada, segue atrás de outra companhia. De tempos em tempos, a cavalaria da Policia Militar aparece com lanternas para vigiar a região. Os visitantes se dispersam, mas quando a polícia deixa o local, as práticas continuam.


Foto: Webert da Cruz Diagramação: Webert da Cruz

divórcio, além do relacionamento afetivo ou apenas sexual entre pessoas do mesmo sexo. “Os conceitos de homossexualidade e heterossexualidade não eram conhecidos, o melhor paralelo que podemos tecer, mas com cuidado, é que o comportamento sexual ateniense, por exemplo, era próximo ao que o termo bissexualidade hoje pode indicar”, ressalta a professora de História Grecoromana, Carolina de Abreu. Para Carolina, a idéia de sexualidade na antiguidade não deve ser vista ou interpretada baseando-se em conceitos contemporâneos que a sociedade possui sobre o assunto. “O significado que a palavra “pudor” carrega hoje em dia não necessariamente corresponde aos mesmos da antiguidade. Nossa cultura é muito baseada nos preceitos e moralismos judaicocristãos”, completa. A evolução da Antiguidade teve queda com a ascensão da igreja católica na Idade Média, que trouxe para a sociedade da época regras e leis que deveriam cumprir para que não cometessem pecados ou para que fosse evitado o pagamento de impostos para o clero. Nessa época, o sexo começou a ser visto como algo impuro, por conta do domínio que a igreja tinha sobre a sociedade na época. No mundo ocidental, tudo que era relacionado ao sexo se tornou pecado, menos quando era praticado para fins de procriação. Trazendo até hoje a questão do tabu que é o sexo, onde homens e mulheres se escondem em meio as árvores ou dentro de carros para satisfazerem seus prazeres pessoais sem sofrer julgamentos.

Prazer pelo prazer

Precaução

Sérgio D’Avila, Gerente de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST’s) da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, conta que a prática de João não é totalmente eficaz na prevenção de DST’s. “Na masturbação é extremamente raro pegar alguma doença. Já no sexo oral, a pessoa que está recebendo não corre risco, mas quem está fazendo corre, devido o contato direto da genitália com a boca”, relata. Para quem realiza sexo casual, Sérgio indica que os exames de DST’s sejam realizados periodicamente. “Existem dois tipos de exame, o com coleta de sangue, que o resultado saí em média de 15 dias, e o teste rápido, que funciona para AIDS, sífilis e hepatites, o resultado sai em 30 minutos”, explica. Porém Sérgio ressalta que os exames podem não ser eficazes caso a relação sexual tenha ocorrido a pouco tempo. “O organismo pode demorar até 30 dias para reagir ao vírus, então ele não é detectado em exames. Após o risco de contaminação ser avaliado, o paciente utiliza uma medicação chamada PEP (Profilaxia Pós Exposição) por 28 dias, que reduz em 98% as chances de contágio”, conta. Segundo Sérgio D’Avila, todas as Unidades Básicas de Saúde do DF têm condições de realizar exames para detectar doenças sexualmente transmissíveis. Além delas, o Centro de Testagem e Acolhimento, localizado na Rodoviária do Plano Piloto, realiza testes rápidos de HIV, sífilis e hepatite B e C.

A sexóloga Carla Cecarello conta que antes de fazer o download de aplicativos de sexo casual, devem ser considerados os prós e os contras. “São coisas novas, viver relações em que você admite que não quer afetividade. Mas existem pessoas que podem se sentir como objeto, e essas, com certeza não estão preparadas para o envolvimento sem afeto”, explica. Carla é sexóloga do C-Date, um site alemão fundado em 2008, que hoje já possui 15 milhões de usuários em 35 países, sendo desses, cinco milhões apenas no Brasil. “O fato de se envolver com estranhos é pensando em si próprio, principalmente, e é isso que torna as pessoas mais realizadas”, conta Carla. Ainda há preconceitos em relação a certo tipos de relacionamento, como o casual, mas é importante entender que são apenas escolhas. A melhor forma de quebrar tabus e entender os diferentes tipos de relações humanas é através do conhecimento. Sendo consensual e feito com prudência, o sexo casual pode sim ser prazeroso, e assim como ninguém é obrigado a praticar, ninguém também deve se deixar impedir por conta da opinião de outro alguém que não está envolvido no ato.

*Os nomes dos personagens utilizados na reportagem foram alterados para proteger a identidade das fontes.

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COMPORTAMENTO Família

Eles estão mais presentes

As atribuições familiares são cada vez mais divididas: cresce, a cada ano, o número de homens que assumem a educação integral dos filhos Dalila Boechat e Lorena Carolino

A rotina na casa da família Silva começa cedo. Davi Farias, 35 anos, acorda antes do dia clarear, prepara o café da manhã e leva a pequena Rebeca, de cinco anos, para a escola. Ele retorna para casa, tempera o almoço, coloca a casa em ordem e busca a filha no colégio. Durante a tarde, o pai brinca com a menina, ensina a fazer a tarefa de casa, leva para o curso de inglês, de espanhol e para o ballet. A mãe de Rebeca, Teresa Matias Silva, 32 anos, chega do trabalho no início da noite e encontra tudo em ordem, graças ao marido que, desde que ficou desempregado, desempenha com excelência a função de pai em tempo integral. Para Teresa, a tranquilidade em saber que o marido cuida da filha enquanto ela trabalha é fundamental no desempenho das tarefas profissionais. “Graças aos cuidados do Davi, eu posso trabalhar em paz, pois sei que a minha filha está sendo bem cuidada pelo pai. Não precisei deixá-la em creche e nem contratar uma babá. Sinto-me privilegiada por ter um marido tão dedicado”, assegura. A estrutura familiar está passando por mudanças e os homens estão assumindo papeis, vistos até então, como funções exclusivas da mulher. Essa quebra de paradigmas se dá por vários motivos, entre eles estão a situação financeira do casal e a possibilidade de o homem exercer atividades profissionais em horários flexíveis. Para a psicóloga Graziele Santana, a mudança de mentalidade é fundamental para acompanhar o avanço da sociedade. “Não podemos ficar presos a paradigmas e tabus empregados anos atrás pela sociedade tradicional. Não importa quem é o provedor da casa e quem cuida das tarefas domésticas, o importante para a criança é ter pai e mãe presentes em situações reais do dia a dia”, defende. 14

Foto: Daniele Matias Diagramação: Tatiane Alice e Webert da Cuz


O músico e produtor Paulo Romero, 36 anos, cuida da filha de quatro meses desde o nascimento, devido à flexibilidade de horário no trabalho. Ele trabalha meio período e estava sem condições de contratar uma babá para cuidar da filha enquanto a esposa trabalhava, foi então que resolveu assumir as responsabilidades de cuidar da pequena Maria Flor. Passou a trocar fraldas, preparar a mamadeira, colocar para dormir e dar muito amor e carinho. “Essa experiência é sensacional, pois aumenta a ligação do pai com o filho, além da divisão de tarefas em casa. A relação familiar melhorou muito, me tornei um pai presente e pude compreender melhor as angústias e dificuldades que uma mãe tem no cotidiano”, conta.

Para Denise Teixeira, psicóloga clínica, a ideia passa pelo princípio de que pai e mãe devem empenhar-se num compromisso mútuo de manter as necessidades do lar e da casa em ordem e harmonia, independente de quem passa mais tempo com os filhos.“Ainda que o pai desempenhe papéis culturalmente destinados à mulher, ele deve lembrar-se de exercer sempre uma liderança amorosa no trato com os filhos e sua esposa, a fim de proporcionar um ambiente familiar seguro”, assegura. Douglas Humberto, 28 anos, ficou desempregado. Ele começou a procurar emprego enquanto a esposa Dadja Correia, 22 anos, estava de licença maternidade, mas não conseguiu uma vaga no mercado de trabalho. Diante da situação, o casal conversou e decidiu que o pai ficaria em casa para cuidar do pequeno Davi. No início, Douglas foi vítima de preconceito e chegaram a duvidar que ele conseguisse cuidar bem do filho sem ajuda. “Foi difícil no começo, até a Dadja acreditava que eu não iria dar conta, mas com o tempo ela ganhou confiança, além disso, o preconceito é grande e o machismo predomina na sociedade. Muitos homens acreditam que atividades domésticas são exclusivas da mulher”, afirma. Dadja engravidou aos 21 anos e diz que foi difícil contar para a família que o marido ficaria em casa cuidando do filho. “Essa história não agradou ao meu pai, ele só começou a aceitar que eu iria trabalhar fora e o Douglas em casa, depois de muita conversa”, desabafa. Apesar das dificuldades, o casal conquistou estabilidade na relação conjugal e familiar, que melhorou bastante, e o rendimento de Dadja no trabalho aumentou, pois ela sabe que Davi está seguro com o pai. Segundo a psicóloga Graziele Santana, é necessário conversar antes de tomar decisões para que a relação familiar não seja prejudicada com possíveis desentendimentos. “Quando o casal se sente confortável com a decisão que tomou, os conflitos são afastados e a situação é encarada com naturalidade. O pai pode cuidar tão bem quanto a mãe e o fortalecimento dos vínculos entre pai e filho resulta em uma relação indescritível”, afirma.

Rotina nova Marco Antônio Azevedo, 42 anos, arquiteto, cuida das duas filhas desde que seu casamento terminou, em 2008. Ele toma conta da casa, das filhas e trabalha fora para manter o lar. Marco considera que a paternidade é vivida por homens que sentem prazer na relação com os filhos. “Ser pai é o que me torna pleno, e o homem precisa romper com o padrão de solidez que a sociedade impõe. É importante se comover, ser sensível aos nossos filhos, sorrir, brincar e se emocionar a cada conquista deles”, atesta. É neste sentido que a psicóloga Denise Teixeira esclarece: “O pai deve ter em mente que assumir este papel exigirá de si tempo, dedicação e paciência; mas que o grande segredo para se manter firme nessa jornada dependerá, em larga escala, do “olhar” que ele dará à essa condição. Se encarada como um privilégio e uma prioridade em sua vida, ele terá condições de atuar de maneira prazerosa, e poderá colher os frutos do seu empenho”, certifica. Marco deixou a rotina de 12 horas diárias de trabalho, e atualmente trabalha apenas seis para se dedicar às filhas Débora de dez anos e Júlia de 13. Marco optou por tempo de qualidade com as meninas. “Decidi abrir mão de ganhar mais dinheiro e de trabalhar longas jornadas para ter tempo de acompanhar o crescimento das minhas filhas, e isso valeu muito a pena. Abdicar de alguns tostões a mais no bolso é ganhar a alegria imensurável de ouvir: papai, você é o melhor do mundo. Isso não tem preço”, conclui.

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SAÚDE Dilema masculino

A vida por um toque

Câncer de próstata tem estimativa de 61 mil novos casos para 2016. Preconceito ainda impede o avanço na prevenção e tratamento da doença

Eram meados de 1999 quando o senhor José Geraldo Leite faleceu. De origem nordestina, foi um homem trabalhador e corajoso que sempre cuidou de sua família, um verdadeiro cabra-macho para a cultura tradicional nordestina. Lutou até o último minuto de sua vida para vencer o câncer de próstata. Aos 71 anos, porém, já não demonstrava a mesma força de outrora. Foi quando a morte o levou. O câncer fora descoberto pouco menos de um ano da sua partida, e rapidamente tiroulhe a vida. Os sinais da doença apareceram bem antes do diagnóstico. Ao ser levado para o hospital, José relutava em se consultar com o urologista. Ele não queria se expor ao ridículo, temia aquele que talvez seja o mais desonroso exame médico pelo qual um homem tenha que passar: o toque retal. “Ele era um homem do tempo de Adão e Eva. Morreu por conta da ignorância. Lutamos para que ele se tratasse e fizesse a cirurgia, mas não quis”, afirma a senhora Raimunda Leite, viúva de José. Hoje com 83 anos, Raimunda relembra seu marido com ternura. “Foram 46 anos de muito amor. Nunca dormimos sequer uma noite separados. Foi triste ele ter decidido não se cuidar. Aquilo não faria dele mais ou menos homem”, lamenta. O exame de toque é o mais preciso no diagnóstico do câncer maligno de próstata. É por este procedimento que o médico consegue sentir se o tamanho da glândula prostática está alterado ou não. Mas assim como José, boa parcela da população masculina tem preconceito ou desconhece a fundo o processo de avaliação. Segundo o urologista e autor do livro A 16

fragilidade do sexo forte, Aguinaldo Nardi, no Brasil, este preconceito está relacionado à cultura e ao senso de indestrutibilidade do homem, que acredita ser intocável por doenças. “O homem não faz reunião para discutir o câncer de próstata e pensar em medidas preventivas, assim como as mulheres fazem com o câncer de mama. Existe uma incapacidade de iniciativa, já que sua fragilidade não é reconhecida”, afirma o médico. O especialista acredita que o posicionamento é fruto do meio cultural. Indivíduos de origem hispânica demonstram certo preconceito, assim como os brasileiros, ao exame de toque retal e acompanhamento médico. Segundo o urologista, homens de países nórdicos enxergam esta rotina com mais naturalidade. Pesquisa da Sociedade Brasileira de Urologia constatou que 87% dos seus pacientes têm preconceito ou receio de realizar exames que detectam precocemente o câncer. A doença atinge principalmente homens acima de 50 anos, mas especialistas recomendam o início do acompanhamento a partir dos 45. Esta idade pode ser reduzida se o paciente tiver histórico familiar, como explica o médico William Nahas, professor de urologia da Faculdade de Medicina da USP. “É uma doença que pode atingir o homem na idade entre os 40 e 50. Não é comum, é exceção. Mas o indivíduo precisa iniciar os exames a partir da idade mínima caso tenha antecedente familiar, ou seja, se o pai ou um irmão que foi acometido”. O médico afirma que quanto mais cedo a doença for identificada, maiores são as chances de cura. Segundo estimativas do Instituto Nacional

do Câncer (Inca), somente em 2016 serão mais de 61 mil novos brasileiros afetados pelo câncer de próstata. É o segundo tipo mais comum nos homens do Brasil, ficando atrás apenas do câncer de pele. O último dado disponível do Inca, de 2013, indica que a doença causou 13.772 mortes naquele ano. O receio da morte levou Jacinto Cunha* a buscar acompanhamento médico antes da idade crítica: “Meu pai desenvolveu o câncer, mas morreu por outra causa. Tenho dois irmãos mais velhos e eles já tiveram problema de próstata. Os três sempre tiveram medo do exame de toque. Mas eu com 42 anos, aconselhado por meu cardiologista, decidi antecipar logo meus exames”. “Na época, não houve alteração. Depois fiquei quase 10 anos sem fazer o exame. Quando voltei ao Hospital Universitário de Brasília, era outro urologista. Ao me consultar, ele perguntou se eu poderia contribuir na formação de umas médicas. Falei que sim, só não sabia o que era”, recorda Cunha*. O novo médico pediu que o paciente permanecesse na posição para que duas residentes de medicina também pudessem efetuar o toque retal. “Pelo menos elas tinham o dedo mais fino”, gargalhou. Hoje aos 67 anos, Jacinto Cunha faz acompanhamento regular da próstata e celebra a vida. “Esta história de preconceito não tá com nada. Ainda quero viver mais, curtir minha esposa e meus filhos. Antes um toque do que morrer mais cedo”, ponderou.

Foto: Virginia Barbosa

Eliezer Lacerda


Foto: Virginia Barbosa Diagramação: Letícia Gomes e Webert da Cruz

A escolha de iniciar o acompanhamento da próstata é algo individual de cada homem. Existem correntes que aconselham o rastreamento, que é um processo em que indivíduos sadios buscam informações e exames precoces para identificar algum problema. Outros especialistas acreditam que esta preocupação antecipada pode gerar riscos como falso diagnóstico e tratamento desnecessário, devido a exames imprecisos. O Inca não recomenda o processo de rastreamento mas indica acompanhamento médico e a discussão com urologista.

Buscando a cura Estudo divulgado em abril, conduzido pelo professor Salman Hyder, do Departamento de Ciências Biomédicas da Universidade de Missouri nos EUA, descobriu que uma molécula, utilizada na fabricação de medicamento contra o colesterol, pode ser a chave para a cura do câncer de próstata. Camundongos implantados com células do câncer de próstata humano foram utilizados na pesquisa. A molécula classificada como RO 48-8071 foi então introduzida nestes roedores para constatar se haveria alguma eficiência no combate à doença. Após os testes, ficou comprovado que a molécula utilizada possui capacidade de cura do câncer, uma vez que retraiu a expansão e até promoveu a morte de células cancerígenas da próstata. A RO 48-8071 ainda está em fase de testes. Ela é produzida em laboratório e encontrada em medicamento experimental desenvolvido pela indústria farmacêutica Roche, nos EUA. Ao contrário do que pode parecer, a droga não foi criada para o tratamento do câncer, mas sim para reduzir o índice de colesterol no sangue. Em entrevista ao Artefato, o professor Hyder explicou a relação da molécula no tratamento ao câncer: “O colesterol está presente nas células animais, e serve como um componente estrutural de suas membranas. Quando as células cancerígenas crescem, elas sintetizam mais colesterol. A ação desta molécula inibiu esta síntese”. Mas nem todos os medicamentos usados para reduzir o nível de lipídios (gorduras) no sangue podem ser eficazes no combate ao crescimento do tumor. “Os remédios mais comuns na redução do colesterol são da classe das estatinas. Mas a RO 48-8071 não pertence a este grupo. Ela ainda está sendo desenvolvida”, ressalta o professor. Atualmente, o tratamento primário do tumor inclui exposição constante a drogas quimioterápicas que focam no combate aos receptores andrógenos - de origem masculina - existentes nas células tumorosas. De acordo com o pesquisador: “Apesar das células cancerígenas reagirem a estas terapias,

muitas podem desenvolver resistência, fazendo com que o câncer cresça e se espalhe”. Hyder enfatiza que a descoberta pode reduzir o uso de métodos traumáticos no tratamento do câncer de próstata. “Os pacientes com a doença geralmente são tratados com quimioterapia tóxica. No nosso estudo, focamos em reduzir a produção de colesterol nas células cancerígenas, potencializando a destruição delas, além da redução da necessidade de tratamentos tóxicos”, explicou.

Contra o preconceito O Novembro Azul é um movimento de conscientização para os problemas de saúde dos homens. Teve início na Austrália, em 2003, quando dois amigos discutiam sobre tendências sociais. Um deles brincou que o bigode, que anos antes era massivamente usado pelos homens, já não aparecia com tanta frequência nos rostos masculinos. Eles decidiram criar um movimento em que cada participante doaria dez dólares para deixar crescer o bigode, símbolo da campanha. O dinheiro arrecadado foi doado a instituições que cuidam da saúde masculina, para pesquisas ao tratamento do câncer de próstata e campanhas para reduzir o preconceito. Nascia então o Movember fusão das palavras inglesas moustache (bigode) e november (novembro), mês que tem o dia 19 como o dia internacional do homem. O Instituto Lado a Lado Pela Vida é o responsável pela organização do Novembro Azul no Brasil. A primeira campanha foi idealizada em 2008, mesmo ano de fundação do instituto, que é uma instituição sem fins lucrativos. O movimento conta com o reconhecimento da sociedade médica brasileira e também do governo. Em 2015, monumentos nacionais como o Cristo Redentor e o Congresso Nacional foram iluminados pela cor azul durante a campanha.

*O nome do personagem utilizado na reportagem foi alterado para proteger a identidade da fonte.

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Foto: Ello Romanin

Perfil No salto alto

Onde muitos vêem preconceito, Magno Garrido se encantou, enxergou oportunidade de negócio e hoje tenta desmistificar o conceito

Diagramação: Juliana Procópio

Susanne Melo

Tudo começou numa aula de maquiagem e figurino. Ele aprendeu a colocar cílios, peitos falsos, vestir o sutiã, calçar a bota. Pegou roupas emprestadas da irmã. Comprou uma peruca platinada. Assim Magno César Filho Garrido Vieira, 25 anos, ator por formação, compôs pela primeira vez sua personagem preferida, uma dragqueen, ainda sem nome. Magno esclarece que uma drag só pode ser batizada por outra drag. Então, Cíntia Carla, mulher, casada, professora e atriz que também interpreta dragqueen, deu nome à personagem. Nascia ali Natasha Yohara. Mas outros desafios viriam. A reação inicial dos pais, Cesar Vieira e Edileuza Garrido, ambos 51 anos, foi de receio e chegaram a pedir para o filho abandonar a personagem. Mas Magno não desistiu de Natasha e insistiu com eles para que o vissem se apresentar como drag ao menos uma vez. “Eu forçava, de fato. Mostrava foto, vídeo engraçado. Com o tempo, quebrei a resistência”, demonstrando a esperança que tem e que acabou se manifestando em relação a seus pais. Hoje em dia, eles dão todo apoio, principalmente depois que o filho abriu a própria empresa de animação de eventos: a mãe trabalha na linha de frente da produção meu pai cuida da gestão. “Minha mãe é meu braço direito, me acompanha nas apresentações, me ajuda a montar, coloca meu sutiã, meus peitos falsos, organiza a minha entrada. É muito importante ter os dois cuidando de tudo, comprando maquiagem, cílio, sutiã, meia calça, calcinha e

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tudo mais para montagem dos figurinos”. Outro segmento em que enfrentou resistência foi o religioso. Magno frequentava grupos de jovens na Igreja Católica, e diz que parou por falta de tempo, não por falta de vontade. Ele se considera praticante na fé que escolheu seguir desde criança e é devoto de Nossa Senhora Aparecida. “Para mim, o que importa é minha ligação com Deus, ao pedir orientação e proteção nas orações da manhã, antes de entrar em cena ou em alguma reunião. Magno compreende que o preconceito da sociedade se dá pela associação errônea da arte de interpretar uma dragqueen com questões de sexualidade: “Sou Católico Apostólico Romano praticante, e claro que na Igreja tem preconceito por parte de algumas pessoas’’. Eu tenho orgulho de interpretar a Natasha porque levo alegria às pessoas. Qual é a diferença do meu trabalho para o de um comediante da televisão? Nenhuma”, explica, emocionado. Ele não se afastou de sua fé. As missas continuam a fazer parte do repertório dominical do ator: “Na época do grupo de jovens, eu ia às reuniões com amigos. Era uma relação tranquila com aqueles que me conheciam”.

Divas da noite Magno esclarece que dragqueen é um personagem artístico, em nada ligado à sexualidade ou gênero, embora considere

esses temas igualmente importantes de serem discutidos. “Dragqueen é um personagem com roupas e traços femininos ao exagero”, afirma, ressaltando que é um tipo interpretado inclusive por mulheres, como é o caso de sua madrinha, Cíntia Carla, uma das drags mais famosas do Brasil. “Pode existir tabu da parte de quem vê. Mas da parte de quem faz, interpretar uma drag é uma arte como qualquer outra; é como fazer qualquer personagem no teatro. Só que meu palco é a festa e minha plateia, os convidados”, afirma. São várias as linhas de estilização, entre elas, as top drags, inspiradas no padrão de beleza das beldades; drags caricatas, com caracterização bem mais exageradas; e drags animadoras, categoria em que Natasha Yohara se encontra, um meio termo na caracterização e mais voltada ao entretenimento. Magno antes só conseguia atuar uma vez por semana. Quando começou a fazer a drag, esse número aumentou três ou quatro vezes e o cachê dobrou. Foi então que decidiu abrir uma empresa especializada, a “Divas da Noite”. A empresa possibilitou a inserção de outras drags no mercado de trabalho. “Atualmente, são 14 pessoas interpretando esse estilo de personagem numa média de nove eventos por semana”, orgulha-se. Afinal, foi para isso que Natasha Yohara foi criada: levar alegria às pessoas. E de quebra transformar Magno num profissional mais completo. Apesar do preconceito.


Foto: Bárbara Carvalho

Tecnologia Vigilância

Pequenos voadores dominam o céu Com o avanço e barateamento da tecnologia, drones se tornam cada vez mais comuns entre empresas, civis e militares

Diagramação: Ana Velozo e Juliana Procópio

Brenda Knutsen e Filipe Cardoso

As autoridades monitoram um carro suspeito em uma estrada de terra na fronteira do Brasil com o Paraguai, enquanto isso o posto da operação de força tarefa entre a PF e a Força Aérea já tem um helicóptero pronto para interceptar os suspeitos. O presidente dos Estados Unidos vê em tempo real uma localização na Síria do que parece ser uma base de operações do grupo terrorista ISIS e pode dar o comando para que bombas sejam lançadas sobre os radicais. Uma casa abandonada com diversos focos de dengue é descoberta sem nenhum fiscal da vigilância sanitária precisar ir lá. Detentos recebem drogas e celulares dentro do presídio durante o horário do banho de sol sem nenhum guarda perceber. Estas são algumas das possibilidades criadas pelo uso de VANTs - os veículos aéreos não tripulados, popular e comercialmente conhecidos como drones. Dotados de motores, baterias potentes e radiocontroles de longa distância, os drones têm se popularizado entre os civis nos últimos anos devido ao barateamento e avanço da tecnologia, mas esses equipamentos já existem desde o fim da primeira guerra mundial, inspirados nos mísseis teleguiados alemães, que são responsáveis por mortes e salvamentos, assim como todo tipo de tecnologia militar. A discussão a respeito da regulamentação dessas tecnologias se intensificou quando em maio do ano passado um homem pousou um drone comercial DJI Phanton - um modelo especial para fotografia e filmagem - no gramado da residência oficial do presidente dos Estados Unidos. No Brasil, a Secretaria de Aviação Civil, juntamente com a Agência Nacional de

Aviação Civil (Anac) estão na fase final de desenvolvimento das regulamentações para uso experimental, comercial e doméstico dos drones. O projeto batizado de “Drone Legal” prevê que os veículos aéreos não tripulados operados de forma recreativa se enquadram em uma regulamentação antiga, de 1999, a mesma dos aeromodelos, que são aviões e helicópteros de controle remoto. Para uso comercial, como em filmagens, fotografia e vigilância, ainda não existe uma regulamentação completa, conta Jefferson Bispo Ferreira, assessor de imprensa da Anac.

Privacidade Susana Luiz, que mora em um condomínio fechado em São Paulo conta que certa vez estava na piscina com amigas e o namorado quando algum vizinho começou a sobrevoar sua casa com um drone para filmá-las. “Meu namorado tentou jogar água e alguns objetos no veículo para tentar afastá-lo, e comunicamos a administração do condomínio. Por sorte o evento nunca mais se repetiu”. Invasão de privacidade é uma das principais preocupações a respeito do uso de drones, pois é possível conectar a eles câmeras de vídeo que transmitem imagens ao vivo para tablets e smartphones a até 2 quilômetros de distância. Shamash Vicentini, da assessoria de comunicação da Secretaria de Aviação Civil conta que é a própria legislação vigente no Brasil que deve julgar os casos de invasão de privacidade, danos ao patrimônio ou lesão corporal envolvendo drones, e cabem aos policiais prestarem o primeiro atendimento

aos envolvidos. Ismael Pereira, antigo entusiasta de aeromodelos e automodelos, que são miniaturas funcionais de aeronaves e automóveis, logo embarcou na onda dos drones. Dono de um DJI Phantom, mesmo modelo daquele que pousou na Casa Branca, o piloto amador passeia por seu bairro com o veículo, vendo tudo através de uma câmera no drone que transmite imagens em tempo real para seu celular. “Sobrevoar a vizinhança com o drone é uma sensação de liberdade muito boa. Ver as casas de cima, o movimento das ruas, tudo ficando pequeno à medida que o Phantom ganha altitude”, conta Ismael. Além da admiração pelos equipamentos, também existe gente ganhando a vida com eles. Fotógrafos de casamento conseguem ângulos únicos nos vídeos e filmagens das cerimônias. Corretores de imóveis fazem vídeos de grandes propriedades com os veículos para promover as vendas, e as empresas de vigilância mapeameiam áreas e garantem a segurança. Para possuir um drone hoje no Brasil, é necessário fazer a homologação na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para garantir que a frequência de rádio do equipamento não interfira com outras aeronaves. É interessante também que o piloto se filie a Associação Brasiliense de Aeromodelismo (Abra), pois eles possuem um local seguro e preparado para o uso deste tipo de veículo, com pistas e bases de pouso e decolagem.

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Turismo Opções culturais

Planaltina é a cidade mais antiga do Distrito Fede

Daniela Martins e Jhéssika Almeida

Quando se fala em turismo em Brasília, logo se pensa em passear pela Esplanada dos Ministérios, ou percorrer o lago Paranoá e os diversos parques que a cidade tem. Considerada patrimônio cultural, do alto de seus 156 anos de história, Planaltina é uma opção de turismo regional para moradores de todo Distrito Federal. A riqueza da cidade se percebe na diversidade de pontos turísticos, com opções que vão desde as mais tradicionais, como arquitetura e religião e hotéis fazendas que oferecem lazer a turistas e visitantes.

Fotos: Evelin Criss Diagramação: Webert da Cruz

História e tradição Planaltina se consolidou como cidade no final século XVIII, no chamado Ciclo do Ouro, em função da abertura de uma estrada colonial que ligava a Bahia aos sertões mineiro e goiano. A arquitetura da cidade se mantém preservada e ainda é considerada uma verdadeira aula de história a céu aberto. Segundo o professor de arquitetura Marcílio Sudério, no centro histórico ainda se tem a escala urbana próxima àquela datada do século XIX. “Mesmo com a preservação do centro histórico, é possível notar que em alguns pontos de Planaltina encontram-se traçados rígidos de bairros que foram projetados e outros, frutos de crescimento espontâneo”, afirma. Entre outros atrativos que a cidade oferece está o Museu Histórico e Artístico, que tem em seu acervo utensílios e móveis da época. Inaugurado no ano de 1974, mescla características do século XIX e XX em seu estilo arquitetônico. A presidente da Associação dos Amigos do Centro Histórico de Planaltina (AACHP), Simone dos Santos, 56 anos, explica quais os objetivos principais do Museu. “Aliado à informação sobre a história da cidade, ele pode ser um espaço

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dinâmico com ações educativas, arte e cultura, saraus e roda de conversa”, esclarece. Para a estudante Lorenna Oliveira, 19 anos, esse tipo de instituição tem grande importância para a população local e também para os visitantes. “É uma forma da comunidade entrar em contato com a arte e a cultura, além de ser benéfica para a formação da opinião artística das pessoas”, diz. A coordenadora da Via Sacra da Criança, Eliane Rodrigues, 52 anos, diz que a preparação da celebração reúne um número significativo de pessoas para receber os visitantes e turistas. “São 1400 membros voluntários trabalhando em

Morro da Capelinha

prol da Via Sacra durante o ano inteiro. Há uma organização detalhada, e é um trabalho feito em conjunto com a Defesa Civil, médicos, bombeiro e polícia”, relata

Religiosidade Aguinaldo Barbosa, 36 anos, trabalha na ornamentação da igreja São Sebastião. Ele lembra que o turismo na cidade vai além dos atrativos físicos. “A Festa do Divino não é um ponto turístico, mas se torna uma alternativa turística para quem vem conhecer, porque vê a diversidade de trabalhos e eventos”, ressalta. O diretor de Articulação da Administração de Planaltina, Luiz Carlos de Sousa, conta que nesses períodos a cidade se prepara. “Temos uma grande preocupação com a segurança, o transporte é reforçado e o número de médicos aumenta”, esclarece. A artesã que mora no Espírito Santo, Amélia Entringer, 61 anos, está visitando a cidade, que já conhecia, e conta sua percepção. “Os valores são outros, o lado espiritual faz toda diferença., relata. Entre os atrativos que ela quis rever em seu roteiro de passeios está o Vale do Amanhecer. O local foi fundado na zona rural de Planaltina no ano de 1969 pela clarividente Neiva Chaves como um movimento religioso e doutrinário. O estudante João Pedro Falcão, 18 anos, vem de várias gerações de participantes do Vale do Amanhecer. “É uma doutrina com preceitos cristãos, espíritas e com elementos de cultos antigos, sejam eles egípcios, maias ou nórdicos”, informa. Atualmente, o Vale do Amanhecer conta com 25 mil pessoas trabalhando nas várias frentes de atuação da comunidade, que recebe em média de 20 a 30 visitantes por dia.


Federal e oferece aos turistas religiosidade e lazer

Turismo rural e ecoturismo Ecoturismo está em alta ultimamente, e em Planaltina existem boas alternativas. A Estação Ecológica Águas Emendadas é um verdadeiro tesouro nesse sentido. É uma área preservada que só pode ser visitada com autorização da Secretária do Meio Ambiente do DF devido à diversidade de ecossistemas do cerrado que se encontram na região e por se tratar da única nascente de onde se originam as maiores bacias hidrográficas do Brasil. O turismo rural também é bastante forte na região. Planaltina conta com vários hotéisfazenda que oferecem atividades rurais, como passeios a cavalos, ordenha de vacas e degustação de frutas tiradas diretamente dos pés. Marco Freire é funcionário de um dos hotéis fazendas da região e conta que no local os visitantes têm contato direto com à natureza. “Os hóspedes desde a chegada ao Hotel desfrutam do ar puro do campo; é um lugar para se desconectar da rotina do dia a dia”, explica. Para Ana Beatriz Alves, 22 anos, valeu a pena conhecer o hotel fazenda que visitou. “O almoço é extremamente delicioso e variado, tem piscinas aquecidas e lazer para as crianças, como brinquedos e piscinas infantis ”, diz.

construções portuguesas, em estilo colonial. De acordo com a funcionária do hotel Maria das Dores, 39 anos, a casa é uma das mais importantes para a região. “Desde pequena escuto histórias sobre esse hotel e de pessoas importantes que já se hospedaram aqui; as primeiras pessoas que vieram estudar Brasília ficavam aqui”, relembra. Clóvis Alves Araújo, 69 anos, morou em Planaltina por 45 anos, mas agora vive em Santa Rita de Cassia, na Bahia. Veio à cidade para realizar alguns exames, e sempre quem volta fica hospedado no Hotel Casarão. Segundo o aposentado, Planaltina é um bom lugar para morar, e ele enaltece: “Todos deveriam conhecer essa cidade; entre aqui e a Bahia, prefiro Planaltina. Não tem dois anos que fui para lá, mas estou doido para voltar (risos)”. Planaltina mistura o passado com o presente e até mesmo o futuro. Ao preservar o passado, há a possibilidade de contar para as gerações futuras as histórias da cidade. Enquanto esse ciclo for preservado, sempre haverá histórias para contar.

Hospedagem ou hotelaria Quem busca tradição e história em locais que carregam o passado da cidade deve procurar o setor tradicional de Planaltina. Nesta parte da cidade existem opções de hotéis que resistiram ao tempo e que têm muita história para contar. O Casarão Hotel é um desses lugares. Fundado no século XIX, tem arquitetura inspirada nas 21


TURISMO Hospedagem

Albergues cativam o público e se tornam opção de acomodação para diversas finalidades

Juliana Procópio

Diagramação: Tatiane Alice

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passaram. Michel era receoso quanto a esta forma de estadia, mas trouxe de volta lembranças e opiniões positivas. “Minha impressão foi muito boa. As recepcionistas eram gentis e muito CTS educadas, nos davam dicas e orientavam quanto ao turismo. Era um lugar seguro e agradável que ficou marcado para mim, e toda vez que voltar a Lisboa pretendo passar por lá ”, afirma. Tomas Lima também tem uma boa experiência a respeito desses locais, apesar dos problemas pelos quais passou em seu projeto de conhecer o Brasil fazendo o tradicional “mochilão”. Ele sofreu um acidente na estrada, e conta sua história com muita gratidão pelo desfecho que teve: “Um carro me atropelou e não prestou socorro. Machuquei o joelho e tive de ir ao hospital, mas estava totalmente sozinho. Quem me ajudou foi um caminhoneiro que transportava coco. O motorista me levou ao médico e me esperou lá até eu ser liberado, depois me deu carona até uma cidade próxima para que eu pudesse vender o resto que sobrou da bike e seguir o meu sonho”, Ele queria chegar ao Rio de Janeiro. Foi nesse momento que Tomas conheceu a cultura dos hostels. Ele lembra que nesta etapa da viagem não possuía mais o mapa que lhe guiava, tampouco tinha internet para se localizar ou encontrar estadia, e mesmo que possuísse, também não havia dinheiro para pagar por ela. A saída encontrada foi a mais primitiva forma de negociação entre os seres humanos: a troca. “Já que eu estava sem nada, trocava comida e hospedagem por trabalho. Em alguns dias trabalhava na recepção, às vezes em serviços gerais, era bem relativo. O que tivesse que fazer eu fazia.” O rapaz realizou uma pequena etapa de seu

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ROYAL POST

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Há quem os utilize por curiosidade, outros pelo baixo preço, outros ainda por indicação de amigos. Mas todos concordam que, na maioria dos casos, a combinação qualidade e preço surpreende. Estamos falando dos hostels ou albergues, uma variação de acomodação que se encaixa entre as pensões familiares e os hotéis tradicionais. A filosofia desses locais é baseada na ideia de gerar Pinteração O S T O entre os hóspedes, F F I experiências CE proporcionando a troca de e expansão da cultura de diferentes indivíduos, aliada à hospedagem de baixo custo. O fundador deste modelo de hospedaria foi o professor alemão Richard Schirmann. A tradição conta que, durante uma viagem, ele foi surpreendido por uma tempestade e precisou improvisar um local para se abrigar na estrada. Ali, o professor teve a ideia da criação dos hostels e três anos mais tarde, em 1912, fundou o primeiro: o Albergue da Juventude na Alemanha, que funciona até hoje. A referência à juventude é devido às viagens que ele costumava fazer com estudantes; mas a modalidade não tem preconceito e pode ser desfrutada por pessoas de qualquer idade. Por muito tempo, os albergues foram considerados locais de baixa qualidade, sem conforto e até inseguros, mas essa opinião tem mudado consideravelmente. Vinicius Faustino e Michel Fonseca são amigos e adeptos desta forma de acomodação. Vinícius viaja com a ideologia do baixo custo e já se hospedou em mais de 30 albergues de sete países diferentes, todos muito diversos entre si, alguns com água quente e luz, outros sem nem energia elétrica. LY à Europa Os dois amigos fizeram uma viagem I TA em 2014 e contam que se hospedaram em três S C Tpelos hostels diferentes, nos cinco países quais

.Y. CIT Y

29.01.11

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sonho e diz que mesmo tendo passado transtornos em sua primeira viagem, não pretende parar com uma história apenas: “Eu deixei o Exército pra perseguir o meu sonho. Quero viajar o Brasil todo desse jeito. Voltei para Recife só por causa do joelho, estou em reabilitação, mas pouco a pouco vamos nos preparando para a próxima batida”, sorri divertido o jovem que se apresenta na rede social como 9 “Dora, 0 na empresa Dora 9 0 5 Aventureira” em referência ao desenho animado º1 N de uma personagem infantil que sempre se envolve em alguma aventura. Vanderson Yamashita é outro entusiasta dessa modalidade. Ele afirma que gosta de conhecer gente nova e por isso optou por essa forma de hospedagem quando veio a Brasília tirar visto de turista em 2015. Segundo ele, os albergues proporcionam ambiente mais amigável, P O Sum T O adequado à interaçãoF Fdo I C Eviajante: “É como se você entrasse num quarto com seus primos por exemplo. É alegre, aconchegante, deixa de ser algo do tipo ‘vim a trabalho’ e passa a ser ‘tô viajando cara, estou curtindo’ ”, diverte-se. A gaúcha Andressa Hoff veio a Brasília a trabalho no ano passado para participar de um evento em Pirenópolis (GO) por alguns dias. Ela justifica que optou pela hospedagem em um hostel de Brasília em vez de se acomodar diretamente na cidade do evento, porque, ainda assim, o custo seria menor, e conta como foi sua experiência: “Usamos um aplicativo para localizar o lugar e nos encantamos ao chegar lá. O atendimento é maravilhoso, o ambiente é aconchegante, tem uma decoração ímpar e de muito bom gosto. A diversidade de culturas que encontramos nos proporcionaram momentos muito agradáveis de integração e amizade que levarei comigo por muito tempo”.


Temos amigos Esse é o slogan do Hostel7, primeiro empreendimento do gênero em Brasília que possui padrão internacional de qualidade. Esse selo é conferido pelo Hostelling Internacional (HI), a única rede global de Associações de Albergues da Juventude. O local foi criado por Aurélio Araújo, Alfredo Moreira, Eldon Clayton, Danilo Lima e André Perotto, cinco amigos que desde a infância viajavam juntos e idealizaram a ideia de criar a primeira rede de hostels do Centro-Oeste. O albergue é novo, foi fundado há três anos, na época da Copa das Confederações. André Perroto conta que o desejo estava adormecido, mas nessa época tornou-se realidade. “A ideia vem de muitos anos; então em 2013 aproveitamos o evento esportivo que fez com nosso sonho fosse acelerado. Abandonei a profissão de agrônomo e hoje me dedico à administração dos hostels e em meio período sou organizador das atividades da casa”, explica. Hoje, eles possuem duas filiais, em Brasília e em Goiânia, e almejam fundar mais algumas. Quando perguntado sobre o porquê do número 7, ele sorri e responde: “O

7 é um número cabalístico. Além disso, temos o sonho de ter sete hostels”. Ele analisa que no dia-a-dia do Hostel7 já não existe mais a tradição de receber apenas jovens mochileiros viajando e que o público é bastante diverso.“Há pouco tempo recebemos um grupo de mais de 30 pessoas da Áustria. O clima do albergue mudou, era inteiramente europeu”, anima-se recordando a façanha. E a variedade de hóspedes se mantém. “Hospedamos com frequência motoqueiros que viajam fazendo volta ao mundo e gente que estuda, faz pós-graduação e volta toda semana”, orgulha-se. Perrotto explica a origem do termo hostel, que significa albergue em nosso idioma. Ele esclarece também que ainda existe a ideia geral de que albergues são lares de hospedagem para idosos e moradores de rua mantidos pelo governo, abrigos onde se encontra gente maltrapilha, carente e necessitada. Entretanto, os albergues filiados ao HI são auditados e avaliados. Caso estejam dentro dos padrões de qualidade, recebem o selo Hostelling International e passam a fazer parte da rede mundial de hospedagem, que possui em média 110 hostels no Brasil.

Experiência de qualidade O empreendimento de André e seus amigos tem dado certo. O local conta com 38 leitos e recebe ligações frequentes de hóspedes buscando acomodação. Em contrapartida, ele critica a ambição de pessoas que desenvolveram projetos similares sem qualidade, focados no lucro puro e simples. “Com a Copa muita gente quis abrir. Achou que era só montar umas camas dentro da casa da avó. Mas a gente não vende camas, é mais que isso, é uma experiência mais complexa. Nós vendemos Brasília”, defende. Como empreendedor e morador da cidade, André Perroto julga importante manter a ideologia dos albergues da juventude, integrar o hóspede à cultura local, saber fornecer dicas e orientações e cativá-lo. “Nós preservamos a alma do hostel, tentamos fazer com que a pessoa se sinta em casa”, argumenta. As opiniões dos hóspedes são boas e convidativas, como as de Andressa e Vanderson, que consideram o estabelecimento acolhedor e o mercado favorável. E seguindo por essa estrada é pouco provável que André e seus amigos não realizem seu sonho. Sete vezes ou mais, quem sabe.

Foto: Letícia Leonardi

Foto: Gabriela Brandão

Hostel 7: não temos hóspedes, temos amigos

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CRÔNICA

Ilustração: Samuel Falcão

Diagramação:Juliana Procópio e Webert da Cruz

Filipe Cardoso O navio de Teseu é uma história da mitologia grega, contada pelo filósofo Plutarco. Nela, Teseu e outros jovens são enviados a Creta, ilha onde habitava Minotauro com o objetivo de tentar matar a criatura. Mas o navio vai apodrecendo, e tem suas partes substituídas ao longo dos anos de viagem, de modo que ao retornar a capital Atenas, todas as suas peças foram trocadas. Segundo a história, atrás dele vinha o Carniceiro, outra embarcação construída das partes que o navio de Teseu jogava fora. Quando os dois barcos atracaram no porto de Atenas, os filósofos da capital iniciaram uma longa discussão que deu início ao paradoxo do navio de Teseu. Os questionamentos sobre esta história permaneceram por séculos, perdurando até hoje - será que o barco que foi é o mesmo que voltou? Ou seria o Carniceiro o verdadeiro navio de Teseu, e o navio de Teseu um outro barco completamente diferente? Navegando por outras águas, este paradoxo pode ir mais longe, e ser aplicado na existência humana, será que o “Eu” que nasceu é o mesmo dos dias de hoje? E o de hoje, é o 24

mesmo que vai morrer? Um exemplo claro pode ser visto na biologia - Estudos indicam que 70% do corpo humano é composto por água, que é completamente trocada a cada três meses. Seguindo essa lógica, podemos dizer que quatro vezes por ano, 70% de nós é renovado. Além disso, as células estão constantemente se dividindo e morrendo, e o cérebro está sempre adquirindo novas memórias, aprendendo e desenvolvendo. Mas ao mesmo tempo em que há uma evolução em seu aprendizado, existe uma perda de informações que foram esquecidas ou apagadas pelo tempo, talvez pela falta de uso ou para dar espaço ao novo. Os questionamentos permanecem: Seríamos nós pessoas diferentes daquelas de dez anos atrás ou continuamos os mesmos? Permanecemos com os mesmos princípios, preceitos e preconceitos do passado ou tivemos tantas partes modificadas que já não nos identificamos mais com nosso “eu” anterior? Se fosse construído um Carniceiro a partir das partes que deixamos para trás, ele iria refletir quem somos hoje? Pense em quem era você antes de entrar na universidade, e

quantos conceitos formados que você levava como verdade acabaram apodrecendo e foram substituídos pelo novo. Quantos planos e objetivos de vida que faziam sentido no passado, e hoje, mais sábio e mais vivido, lhe parecem loucura, ou bobeira? A universidade é como os mares navegados por Teseu, momento de mudanças, de deixar para trás suas partes velhas carregadas de conceitos que você carregava como uma verdade absoluta, para dar espaço ao novo. E cabe a você aceitar essas mudanças, se não quiser acabar se tornando um carniceiro, velho e cheio de partes podres. Se está no começo da vida acadêmica, abra-se ao máximo para o novo, para o diferente, experimente. Se está no final, pense na sua colação de grau como a chegada ao porto. Você retorna como um paradoxo, tão diferente que não se identifica mais com o navio do passado ou permanece imutável, com a mesma cabeça que tinha no ensino médio? Após navegar por anos na universidade, cabe somente a você escolher qual navio quer ser ao voltar ao porto.


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