Artefato 4/2016

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Ano 2016 - N° 1 - Jornal-Laboratório do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Brasília - Distribuição Gratuita - Março de 2016

Curtindo a vida com o Sugar Daddy Jovens usam site para relacionamento com homens mais velhos Pág. 14

Foto: Tatiana Castro

CIDADES

Tuk-tuks: transporte alternativo ainda não tem regulamentação Pág. 10

CULTURA

Drag Queens: artistas vencem o preconceito e conquistam as noites do DF Pág. 8

CIDADANIA

Idosos em situação de rua: história de descaso e abandono Pág. 12


EDITORIAL

EXPEDIENTE

De que valem estes rancores, precisamos de amores

Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Brasília Ano 17, nº 1, março de 2016 Reitor: Prof. Dr. Gilberto Gonçalves Garcia Pró-Reitor Acadêmico: Dr. Daniel Rey de Carvalho Pró-Reitor de Administração: Prof. Fernando de Oliveira Sousa Diretora da Escola de Educação, Tecnologia e Comunicação: Drª. Christine Maria Soares de Carvalho Coordenador do Curso de Jornalismo: Prof. Dr. Joadir Foresti Professora responsável: Me. Fernanda Vasques Ferreira Professora auxiliar: Me. Cynthia Rosa Orientação de Fotografia: Me. Bernadete Brasiliense Apoio: Me. Fernando Esteban Apoio Técnico: Sued Vieira Monitores: Larissa Nogueira e Lucas Lélis

O país que está deitado eternamente em berço esplêndido muitas vezes acorda para realidade. Principalmente quando esta realidade traz a insatisfação política, econômica e moral. Foi assim nos períodos conturbados da República Velha, do Estado Novo de Getúlio, dos anos dourados de JK, passando pela renúncia de Jânio Quadros com a quase ascensão de João Goulart, até o golpe militar e o clamor pelas Diretas Já. Em todos estes cenários houveram manifestações e discussões populares que moldaram o Estado e a democracia que vivemos hoje no Brasil. As recentes descobertas de escândalos de corrupção no governo federal esbofetearam, mais uma vez, a realidade na cara dos brasileiros. Não que a corrupção seja um problema contemporâneo, ela não é. Na verdade, enquanto o país crescia financeiramente, poucos se atentavam para a corrupção nossa de cada dia. Aparentemente, quando acaba o dinheiro, acaba o amor; e a crise moral deste relacionamento, governo e governados, vem à tona. A crise levou milhares, se não milhões, de pessoas às ruas do país para manifestarem contra, e a favor do atual governo federal. O embate político saiu do Congresso e caiu nas mãos dos brasileiros, trazendo um acirramento nunca antes visto na história deste país. A insatisfação das pessoas, tanto de um lado quanto de outro, está conflitando com os pilares mais firmes da democracia: o direito à liberdade política e à liberdade de expressão. Como numa tragédia arquitetada e montada pelas forças políticas do país, que se fundamentam nas paixões mais animalescas do ser humano, a segregação da população, entre eles e nós, tem crescido cada vez mais nos espaços de opinião, nas ruas, nas redes sociais, na televisão e nos jornais. Discursos de ódio e de rancor tomam a discussão que deveria ser pautada na participação política do povo brasileiro e não na divisão de seguidores partidários. Nessa vertente do desrespeito, brasileiro se põe contra brasileiro. Falta de respeito. Insultos. Conflitos. Tapas e porradas. Estes não são ingredientes da democracia, mas da selvageria. Não adianta reclamar da política, não adianta reclamar do político. Platão já dizia que não há nada de errado com aqueles que não gostam de política, simplesmente serão governados por aqueles que gostam. Portanto, é preciso agir. A ação, porém, não significa guerra, ela é efetiva quando estratégica e inteligente. Manifestar é certo, protestar é certo, brigar é errado. Não somos um rebanho que carrega em sua anca traseira, direita ou esquerda, uma marca de ferro quente com a sigla de um partido político. Somos seres pensantes e inteligentes capazes de mudar nossa própria história e rever nossos preceitos morais e culturais. Racionais o suficiente para respeitar a diversidade político-partidária, respeitar a manifestação alheia e construir juntos o país que queremos para o futuro. Esse futuro depende de nossa união como povo que participa da política, com o voto consciente, com o acompanhamento e cobrança de nossos representantes, com a participação direta nas mudanças que queremos ver. Não adianta partir para o conflito partidário, para a guerra nas ruas e nas redes sociais. Precisamos de amores, pois somos um povo só, com toda a diversidade presente neste país de proporções continentais, ainda assim, somos todos brasileiros.

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Editores-chefes: Eliezer Lacerda e Jéssica Luz Editores de arte: Bruno Santana e Maianna Souza Editores de texto: Hariane Bittencourt, Juliana Procópio, Lorena Braga e Micaela Lisboa Diagramadores: Brenda Knutsen, Pedro Grigori, Tatiane Alice e Webert da Cruz Editores de fotografia: Amanda Lima e Maria Alice Viola Subeditores de fotografia: Aline Castelo Branco, Ana Paula, Daniela Naiana e Patrícia Moura Editores web: Bruno Barbosa e Enoque Aguiar Repórteres: Ana Póvoa, Ana Velozo, Dalila Boechat, Jhéssika Almeida, Katielly Valadão, Letícia Teixeira, Hariane Bittencourt, Lorena Carolino, Mayara Dias, Pabline Souza, Giovana Gomes, e Sarah Peres Checadores: Aline Cabral, Andressa Guimarães, Catarina Barroso, Daniela Martins, Filipe Cardoso e Susanne Melo Fotógrafos: Alan Rios, Alinne Castelo Branco, Beatriz Ferreira, Celise Duarte, Daniele Matias , Ello Romanin, Evelin Criss, Gabriela Brandão, Hellen Resende, Jordania Correia, Karine Santos, Karyne Nogueira, Leticia Leonardi, Lucas Valverde, Rodrigo Souza, Tatiana Castro, Thiago S. Araújo e Webert da Cruz, Ilustrações: Freepik.com Tiragem: 2 mil exemplares Impressão: Gráfica Athalaia Universidade Católica de Brasília EPCT QS 7 Lote 1, Bloco K, Sala 212 Laboratório Digital Águas Claras, DF Telefone: 3356-9098/9237 Todas as matérias têm ampliação de conteúdo na web. Acesse nossas redes sociais e site. E-mail: artefatoucb1@gmail.com Jornal online: issuu.com/jornalartefato artefatojornal.wordpress.com


SAÚDE Crossfit

O que faz bem e o que faz mal

Criado como treinamento militar na década de 80 e hoje popularizado como esporte, a modalidade traz benefícios e riscos Katielly Valadão e Maria Alice Viola

podem encontrar a lista no site www.crossfit. com. As aulas devem ser supervisionadas por profissionais que realizaram o curso Level One CrossFit Course para estarem aptos a passar o treinamento. “Existem muitos boxes irregulares. É necessário procurar locais legalizados e fazer sempre um acompanhamento médico”, afirma Kleber. Por ser realizado em forma de circuito, o crossfit é considerado um esporte pesado e completar um treino pode levar o praticante à completa exaustão. No caso da atleta Ludmila Silva, 25 anos, a modalidade é parte essencial na vida diária. Competindo oficialmente na modalidade há dois anos, ela confessa que sofre muito preconceito por ser mulher. “Já me falaram que não é uma coisa feminina, principalmente por causa das mãos que ficam calejadas e não são macias igual às de mulher”, relata. Segundo o CREF7/DF, o crossfit pode

ser praticado por qualquer pessoa, desde que não haja nenhum impedimento físico ou médico. A praticante Fátima Fonte, 62 anos, começou a treinar há um ano. Apesar de ter problemas de coração e precisar de marcadores, o médico a liberou para a modalidade. “Com o treino, ganhei mais energia e força. Tenho mais facilidade em fazer as coisas, além de um equilíbrio muito bom. Não preciso andar devagar e com medo. Tenho uma agilidade muito grande, sou flexível e feliz”, diz. Para uma prática saudável, é necessário que cada um conheça o próprio limite e que não o ultrapasse. Para a servidora pública Aline Rodriguez, 31 anos, corpo perfeito é um corpo saudável. Praticante de crossfit há um ano, ela ressalta a importância de se cuidar. “O esporte te leva a outro estilo de vida. Acredito que você tem que percorrer um caminho e ter a consciência que está fazendo isso em prol do futuro e da saúde”, relata. Foto: Karine Santos

Com a crescente popularização do crossfit, a busca pelo esporte vem crescendo entre diversas faixas etárias. Entretanto, a falta de preparo profissional e de acompanhamento médico pode gerar graves danos ao praticante. Um levantamento científico feito no Reino Unido apontou que 3/4 dos 132 entrevistados reportaram algum tipo de lesão devido aos treinos, principalmente na coluna e nos ombros. Nove deles precisaram de cirurgia. Como na prática de qualquer outro esporte, é indispensável obter atestado de aptidão física antes de treinar, mas nem todos seguem essa regra. O profissional de crossfit Kleber Barros, 35 anos, é personal trainer há mais de dez anos e valoriza a necessidade do acompanhamento profissional. “O risco de lesões existe, mas temos o cuidado de estar sempre acompanhando o aluno para que isso não ocorra. Quem chega agora não vai pegar peso. Primeiro, vai fazer uma consciência corporal, ou seja, vai conhecer o corpo e os limites para depois começar a intensificar os treinos”, explica. Segundo o Conselho Regional de Educação Física da 7º Região (CREF7/DF), o crossfit é um programa de treinamento e condicionamento físico geral. O ser humano nasce com diversas aptidões físicas, entre elas resistência muscular, resistência cardiorrespiratória, força, flexibilidade, coordenação e agilidade e essa modalidade é a única que trabalha e desenvolve todas em conjunto, tanto que surgiu como treinamento militar.

Riscos x Benefícios Entre os riscos da prática negligenciada, estão os boxes ilegais. Antes de se matricular é preciso saber se o local é licenciado. Os interessados 3


EDUCAÇÃO Teoria e prática

Futuro para quem empreende Empresas juniores desenvolvem habilidades de universitários e contribuem com o crescimento econômico do país Eliezer Lacerda e Lorena Braga

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no Distrito Federal, a federação nacional das Empresas Juniores, conhecida como Brasil Júnior. Esta instituição está presente em 18 estados brasileiros e conta com 317 Empresas Juniores federadas. São mais de 11 mil universitários, de todo país, engajados neste projeto. O último levantamento realizado pela entidade mostrou que o PIB registrado pelas Empresas Juniores no Brasil, em 2015, foi de aproximadamente 11 milhões de reais. No DF existem 27 empresas federadas ao movimento Brasil Júnior, 24 delas estão na Universidade de Brasília (UnB), uma no Centro Universitário de Brasília (UniCeub), e duas na Universidade Católica de Brasília (UCB). Segundo Mullen, além do espírito empreendedor o aluno desenvolve também a responsabilidade: “Trabalhamos com a formação de lideranças. São quase mil alunos passando anualmente pelas empresas juniores aqui do DF. É uma

responsabilidade muito grande. Precisamos quebrar o clichê de que o Brasil é o país do futuro. Queremos mostrar que o Brasil é o país do presente. Fazer a diferença hoje, para que o futuro seja outra realidade”. Esta formação de liderança beneficia não só o mercado privado, mas também a esfera pública. Com a cultura dos concursos públicos presente na capital federal, muitos empresários juniores optam por trabalhar para o governo. “Estes jovens estão preparados para empreender também no serviço público, apesar de ser um lugar de mudanças lentas e burocráticas. Mas eles têm a capacidade de mudar este cenário aplicando aquilo que aprenderam no espaço da empresa júnior”, é o que pensa o professor Jairo Bittencourt, doutor em economia e coordenador do curso de administração da Universidade Católica de Brasília. Foto: Bárbara Carvalho

O cenário de crise econômica do Brasil traz desafios para toda sociedade. Soluções criativas estão sendo desenvolvidas para melhorar o futuro econômico do país. Neste cenário, existem universidades apostando no empreendedorismo como ferramenta de mudança, aliando teoria e prática com o movimento Empresa Júnior. Apesar de existir desde o ano 2000, este movimento ganhou força nos últimos anos e recentemente teve sua atividade legalizada pelo Congresso Nacional. A Empresa Júnior (EJ) é ligada aos cursos de graduação que estabelecem sua criação, é gerida voluntariamente pelos universitários e atuam principalmente na área de consultoria, realizando projetos para empresas que estão inseridas no mercado. Todos os trabalhos são realizados pelos alunos, sempre com a supervisão de professores profissionais. Em regra, as Empresas juniores vendem seus serviços para micro e pequenas empresas. O custo é abaixo do preço praticado por profissionais já renomados. Dessa forma, os alunos desenvolvem suas habilidades e ajudam a economia, prestando serviço de qualidade a empresas que carecem de consultoria qualificada - algumas quase em estado de falência. O dinheiro arrecadado é investido no desenvolvimento da própria EJ. “Trabalhar com uma EJ neste momento de crise, consiste numa oportunidade muito boa para as empresas que estão sem orçamento para contratar uma consultoria de renome. Nosso foco não é o lucro em si, é manter a Empresa Júnior e formar melhores profissionais para o futuro”, afirma Pedro Mullen, presidente do conselho administrativo da Concentro. A Concentro é a entidade que representa,


Segundo pesquisa da Global Entrepreneurship Monitor (GEM), o brasileiro tem um espírito empreendedor, pois três em cada dez brasileiros adultos, entre 18 e 64 anos, possuem uma empresa ou estão envolvidos com a criação de um negócio próprio. Para o professor Jairo, a Universidade oferece ao estudante uma experiência além da sala de aula. “A EJ tem o objetivo de proporcionar um momento de prática a partir da teoria que o aluno tem em sala de aula. Conhecer as empresas, estrutura, problemas, planejamento, organização, direção e controle. Assim, os estudantes vão tendo contato desde presidentes a funcionários. Tudo isso vai criar a expertise dos alunos das EJ”, disse. A Proade é a Empresa Júnior do curso de administração da UCB, ela oferece o serviço de consultoria administrativa desde empresas grandes às que estão começando. O presidente, Carlos Veloso, aluno do 7º semestre, afirma que mesmo com algumas dificuldades, a participação ativa abre ao estudante novas portas no mercado de trabalho: “Sou apaixonado pelo que faço aqui. Percebo que tenho grande ganho de conhecimento com a experiência de passar por uma EJ. Tem que gostar do que faz, se comprometer e aproveitar as oportunidades que surgem”. “Você tem uma visão 360º de tudo o que está acontecendo. Aqui temos uma estrutura definida, e isso nos ajuda a desenvolver habilidades. Ter o contato com os empresários é uma grande responsabilidade. Sinto-me mais preparada para o mercado de trabalho”, afirma a estudante de gestão pública, Letícia Borges, assistente de gestão de pessoas da Proade.

Dentro da lei Os senadores aprovaram no último mês de março projeto de lei que regulamenta o funcionamento das Empresas Juniores. O PLS 437/12 foi proposto pelo senador José Agripino (DEM-RN), e após sofrer pequenas modificações na Câmara dos Deputados, foi aprovado pelo plenário do Senado. A lei fomenta a capacidade de iniciativa dos jovens. Ela dá amparo legal aos universitários que passam a dispor de um espaço físico, ter a presença de professor orientador com carga horária garantida pela sua atividade. Garante também a isenção tributária pelo fato da empresa não ter fins lucrativos, e veta ideologias partidárias nas

PROGRESSÃO DO MOVIMENTO EMPRESA JÚNIOR NO BRASIL

1967: O MEJ surgiu na ESSEC (Escola Superior de Ciências Econômicas e Comerciais em Paris). No mesmo ano chegou até a FGV em SP por intermédio da Câmara Franco Brasileira de Comércio

1988

1999 1992: Surge a primeira EJ no DF. Foi a AD&M, EJ de Administração da UnB. Na década de 90 o movimento se proliferou em Brasília

1988: O Movimento Empresa Júnior (MEJ) veio para o Brasil com o apoio da Câmara Franco Brasileira de Comércio

1967 1992 EJs. “Precisávamos ajudar aqueles, que num país capitalista, se dispõem a organizar para prestar um serviço e com isso garantir o seu crescimento de vida, e também do país”, disse o senador José Agripino. Para a senadora Ana Amélia (PP-RS), que foi a relatora do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a lei incentivará a conciliação entre teoria e prática. “A convivência harmoniosa da prática e a teoria dentro do ambiente da universidade é extremamente relevante. Em algumas universidades públicas já existe a consciência da necessidade do país se atualizar nesse sentido, mesmo naquelas onde os aspectos ideológicos vão contra o capital, o que é uma visão ultrapassada. Se o Brasil não investir no empreendedorismo, ele vai perder o bonde da história. E nós temos uma coisa fundamental, que é o talento e a criatividade”, concluiu.

Caso de sucesso Tarso Frota, 26 anos, foi empreendedor júnior quando ainda cursava administração na UnB. “Venho de uma família de juristas, maioria servidores públicos. E eu, desde sempre, quis empreender, ser um executivo de uma grande empresa ou ter meu próprio negócio”, disse. Ele chegou a ser presidente do conselho

2016: O Senado Federal aprovou projeito de lei que regulamenta a atividade e a criação das EJ no país

1999: Surgiu a Concentro. Atualmente são 27 EJs federadas, além de mais 30 iniciativas de empresas juniores em Brasília. A grande maioria ainda não tem maturidade e nem faz projetos. A Concentro está focada na expansão destas empresas

2016

deliberativo da Concentro quando ainda cursava administração. “Eu passei no processo seletivo para ser embaixador da Brasil Júnior na Confederação Europeia de Empresas Juniores. Fiquei no movimento Empresa Júnior por três anos e meio, o que foi de fato, a minha faculdade”, avalia Tarso. Atualmente o ex-empreendedor júnior é um empresário de sucesso. Após sair da faculdade em 2011, Tarso investiu no seu próprio negócio. Juntamente com seu sócio, compraram a empresa Mr. Brownie, fabricante de doces e guloseimas de chocolate. “Pegamos a empresa praticamente falida. Empreendemos todos nossos conhecimentos adquiridos durante a faculdade e nos anos de Empresa Júnior. Desenvolvemos novas estratégias e hoje estamos com a empresa funcionando a pleno vapor”, disse. Além da Mr. Brownie, os sócios estão investindo em mais dois negócios. Suas empresas empregam mais de 50 pessoas e têm um faturamento anual de quase seis milhões de reais. “A hora da universidade é uma hora de realização e não de ficar rico, até porque salário de estagiário não é pra ficar rico. O aluno deve aproveitar o momento da universidade para realizar coisas, para fazer coisas, e não para ficar no piloto automático e deixar tudo passar”, finalizou. 5


CULTURA Projetos culturais

A voz da periferia

Moradores de Ceilândia assumem papel de protagonistas em atividades que aliam música, dança e diálogo. Realidade de jovens é transformada a partir de suas experiências Tatiane Alice

Quem pensa que o eixo cultural do Distrito Federal se concentra apenas no Plano Piloto, mal sabe que a oferta pode se estender a outros lugares, como Ceilândia. Música, poesia, dança e teatro compõem o cenário cultural ceilandense. Jovem de Expressão, Sarau VA e Samba na Comunidade levam arte e incentivo social para os moradores da cidade. Projetos como esses são fundamentais para a região, considerando que esta é a mais populosa e com a maior taxa de homicídios da capital. É comum escutar que crianças e jovens são o futuro do país, mas muitos estão em situação de vulnerabilidade, expostos à violência e sem acesso à cultura e conhecimento de qualidade. Os dados do Mapa da Violência de 2014 são preocupantes: no Brasil, a principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos é o homicídio. Negros e moradores de regiões periféricas de grandes centros urbanos engrossam as estatísticas. Foi pensando nesses jovens que surgiu o Jovem de Expressão, custeado pela Caixa Seguradora. O programa é gerido pela Rede Urbana de Ações Socioculturais (R.U.A.S) e voltado para a juventude. No espaço, que fica na Praça do Cidadão, em Ceilândia Centro, são realizadas oficinas gratuitas de dança, fotografia, teatro e empreendedorismo. Grande parte do público mora em Ceilândia, mas também frequentam o local moradores de outras cidades como Samambaia, Recanto das Emas e Planaltina. Durante as oficinas acontece o Fala jovem, um momento de diálogo em que os participantes podem discutir problemas e receber auxílio. Nas rodas de conversa são 6

discutidos temas como sexualidade, drogas e questões de gênero. Toda atividade é pautada com temas relacionados à juventude. O jornalista Davidson Pereira, 30 anos, conheceu o projeto há seis anos, quando ainda estava fazendo a gradução. Participou de uma oficina de produção de eventos durante três meses e, desde então, trabalha no local. Para ele, a importância do Jovem de Expressão “é canalizar oportunidades e fazer com que jovens façam curso superior, encontrem um trabalho, tornem-se um empreendedor e sejam criativos no que fazem”.

Mudança Um novo caminho para o empreendedorismo foi o que motivou Lucas Pinheiro, 24 anos, a montar uma produtora. Ele é morador de Ceilândia e teve a ideia junto com amigos, que não sabiam como colocá-la em prática. Isso mudou quando conheceram o Laboratório de Empreendimentos Criativos (LeCria) – a incubadora de ideias do Jovem de Expressão. “Dentro do laboratório assistimos palestras, aprendemos como captar recursos e outros aspectos que são essenciais para a criação de um negócio”, conta. A equipe se dividiu, mas Lucas seguiu em busca do sonho e criou o Movimento Undergroud de Brasília (MUB), uma produtora com quase dois anos de atividade. A empresa conta com seis voluntários e realiza eventos relacionados à cultura urbana. “O Jovem de Expressão mudou nossa rotina, nossa forma de pensar e de viver. Houve uma transformação no cenário

da minha cidade, sentimos na pele essa mudança. O projeto é uma verdadeira uma fonte de inspiração”, emociona-se.

Samba para todos Não é tarefa fácil implementar um projeto que insira um gênero musical onde ele é pouco conhecido e para todas as idades. Mas é justamente isso o que acontece no Samba na Comunidade, ação idealizada por Michael Santos, 30 anos, e Negro Vatto, 45 anos. O primeiro toca cavaquinho e o segundo, percussão. Ao participar de eventos de samba, começaram a observar uma série de problemas que envolviam este gênero musical no DF. E foi isso que os motivou a começar o projeto. O samba de raiz é oriundo dos morros e das favelas mas, no Distrito Federal, está mais concentrado no Plano Piloto e no Cruzeiro. Além disso, existe a dificuldade de locomoção para o público e a maioria dos músicos que fazem samba moram em outras regiões administrativas. Durante quase dois anos, eles fizeram um estudo do cenário do samba no DF e, em maio de 2014, com a ajuda de amigos, realizaram a primeira roda de samba. Ao fazer as primeiras pesquisas para o projeto, Michael percebeu que muita gente confunde samba com pagode. “Quando você sai do Plano Piloto o samba começa a ser perder, pois muitas pessoas nas outras cidades nem sabem o que é samba. Existe muito pagode na mídia, mas não samba”, acredita. Pensando nisso, eles queriam levar o samba de raiz para os locais onde ele não é


Foto: Hellen Resende

conhecido. “A cultura do samba de raiz é tão maravilhosa, por que não pode estar em todo lugar e ser para todos, já que ela foi feita para todos?”, indaga o sambista. O mais interessante é que o projeto é feito inteiramente pela comunidade. Existem pessoas que vão apenas para ouvir, outras que chegam somente para tocar na roda, e algumas que, quando podem, contribuem financeiramente com o movimento. “A comunidade abraçou o projeto de uma forma maravilhosa”, conta. No geral, a ideia é que o samba é para todos, inclusive para as crianças. É um evento para toda a família. Em algumas ocasiões, a ação conta com pula-pulas e futebol de sabão. O Samba na Comunidade acontece todo terceiro sábado do mês na Praça da Bíblia, em Ceilândia Norte.

Conexão de anônimos Em oficinas, alunos do Jovem de Expressão aprendem a tocar e a confeccionar os instrumentos

Foto: Webert da Cruz

No processo de construção do Samba, Michael e Vatto conheceram o Sarau VA (Voz e Alma), antes denominado Sarau da CM (Caligrafia Mardita). Eles ficaram maravilhados com o que acontecia ali e perceberam que era possível fazer um projeto cultural virar realidade, mesmo sem dinheiro. O Sarau VA também acontece na Praça da Bíblia, toda terça-feira à noite, desde 2013. Segundo um dos organizadores, Rafinha Bravoz, 30 anos, o projeto surgiu a partir da vontade que amigos de infância tinham de se reunir novamente. Inseridos na cultura do Hip Hop, eles se juntavam para trocar versos. No começo não havia música mas, com o tempo, o movimento começou a crescer. Ao receber sugestões de frequentadores, eles ainda resolveram colocar som e microfone. Para Bravoz, a grande importância do Sarau é que os frequentadores assumem o papel de protagonistas. “Anônimos chegam e se sentem importantes”, conta. Assim, o Sarau se tornou um lugar de resistência na periferia, onde os participantes podem expor seus problemas, dificuldades e anseios pela arte. Cada pessoa que frequenta tem spaço para falar, seja cantando, declamando poesias ou mandando rimas de rap. Além disso, acontecem shows e apresentações de artistas locais e de outras cidades.

Jovens lotam Praça da Bíblia às terças-feiras. Apesar de dificuldades financeiras, o Sarau VA é um sucesso

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CULTURA Expressão artística

Embaladas pelo sucesso do reality show americano RuPaul’s Drag Race, drag queens conseguiram ampliar o público e se tornaram figuras reconhecidas nas boates da capital Pedro Grigori

Tudo começa com a maquiagem. Massa de modelar para os olhos, base de efeito para palco, pó compacto, cílios postiços e glitter são apenas alguns dos materiais utilizados. Depois disso, é hora de se vestir. Meia calça fio, vestidos extravagantes – muitas vezes feitos em casa -, peruca e salto alto. Em média duas horas e pronto: qualquer homem se torna uma drag queen*, uma das mais fortes figuras artísticas do meio LGBT*. Mas o que existe por baixo de toda essa montagem? Flávio Alexandre, 20 anos, é tímido, mora em Taguatinga e acredita não se encaixar nos padrões de beleza masculinos. Mandy Million é elegante e expressiva. Mesmo sendo milionária, continua humilde e não abandona as raízes do gueto. O que estas pessoas têm em comum? Tudo. Flávio criou Mandy há dois anos e oito meses. De lá para cá, muita coisa mudou. Ela o ajudou a construir diversas amizades, conquistar trabalhos e adquirir conhecimentos que talvez não tivesse conseguido sendo Flávio. Mandy Million é uma drag queen. Uma personagem criada por um artista masculino, que se transveste de mulher e adiciona características próprias e adereços extravagantes, tendo como principal objetivo entreter o público. Elas existem desde o século XVI, onde, no Teatro Isabelino na Inglaterra, homens faziam papeis femininos, devido à proibição de mulheres subirem ao palco. Desde então, as razões para se tornar uma drag mudaram. Hoje é uma expressão artística, um artifício utilizado pelo ator por trás do personagem para expressar um de seus lados ocultos ou simplesmente mostrar 88

ao mundo quem seria se tivesse nascido mulher. Segundo o psicólogo Bayard Galvão, especialista em psicanálise, a criação do alter ego drag queen é saudável. “Quando montada, a pessoa por trás da drag vive um momento em que mostra outro pedaço dela. É algo que não gera sofrimento, pelo contrário, é um exercício de viver uma parte própria em que ninguém é atacado ou agredido. É extremamente saudável, pois uma das maiores fontes de doenças psicológicas é justamente não viver os mais verdadeiros valores e vontades”, conta.

Mercado de trabalho Do século XVI até hoje, o alcance drag só cresceu. Elas chegaram à TV, cinema, música e principalmente a boates. Em cidades como São Paulo, drag queens comandam casas de show com capacidades que superam 1,5 mil pessoas. Enquanto isso, no DF, o movimento ainda está engatinhando, mas a cada dia se torna mais forte. Boates como Victoria Haus, Velvet Pub e Oficina Club já se tornaram as principais “moradias” das drags brasilienses. A explicação para o crescimento do interesse por essa cultura é unânime entre quem é do meio: o reality show americano RuPaul’s Drag Race. “No Brasil temos acesso a uma versão muito caricata da drag, e em RuPaul aprendemos que vai muito além disso, ser drag é usar e abusar da criatividade e personalidade. E essa pluralidade cultural cativou diversas pessoas a acompanharem o mundo drag”, conta Flávio, que criou Mandy Million após virar fã do reality.

A drag queen é uma profissional artística como qualquer outra. Por noite, como performer, elas podem ganhar de R$ 100 a R$ 700. Mas para chegar a isso não é fácil. “No começo a gente precisa ser vista, então aceita o que tem. Já fui paga com consumação e já cheguei a nem ser paga, mas faz parte do período de construção de um nome”, relata Mandy, que já trabalhou como host – quem recepciona os clientes nas festas -, performer, dançarina, DJ e tequileira. Melina Impéria, drag queen de Gabriel Sims, 19 anos, existe há quatro meses e vive o momento de ser vista. Atualmente, trabalha como promoter de festas, ajudando na divulgação dos eventos que participa. Para isso, recebe como pagamento uma quantia revertida em consumação dentro da festa. “Pretendo continuar trabalhando como drag, mas espero conseguir a oportunidade de receber em dinheiro pelo trabalho, pois ser drag não é barato. A montagem básica custa, em média, R$ 400. Esse valor não inclui a mão de obra, feita, na maioria das vezes, por nós mesmas”, conta Melina. Uma das festas que mais emprega drag queens na capital é a WoW, do produtor Wilson Nemov, 28 anos. São 15 drags entre as equipes fixa e periódica. “Há anos atrás, drags tinham espaço limitado, sofriam preconceito e desconforto. Felizmente é um quadro que vem mudando, e na WoW isso não acontece. Minhas meninas são prioridade. Qualquer sinal de desrespeito, olhar feio e abuso, é expulsão”, conta Wilson. A WoW acontece às quartas-feiras no Velvet Pub e, periodicamente, o produtor traz para Brasília drags participantes de


Foto: Leticia Leonardi

No dia 23 de março, a drag queen maranhense Pabllo Vittar abriu sua nova turnê com um show lotado na boate Victoria Haus

RuPaul’s DragRace, como Katya e Laganja Estranja, recebidas pelo público como verdadeiras divas pop. Seus cachês chegam a até 10 mil dólares e o público é tão grande que a festa é levada para espaços maiores. “Sabemos que uma hora a moda irá passar e o mercado ficará morno. Mas agora que as descobrimos, é impossível esquecêlas. A porta foi aberta, e as drags não irão deixar que ela seja fechada facilmente”, completa o produtor. Vivenciando outro lado do mundo drag, encontra-se a empreendedora Allice Bombom, personagem de Alexandre Loyola, 45 anos. Allice apareceu pela primeira vez em público em uma festa em Taguatinga, há 20 anos. “Comecei em boates, em algumas delas, no início da minha carreira, cheguei a pagar para entrar. Depois de um tempo, eram as pessoas que me pagavam para comparecer”, conta Alexandre. Hoje, por um cachê a combinar, Allice anima casamentos, aniversários, formaturas e despedidas de solteiro. E não para por aí. Alexandre, antes mesmo de se montar, vendia bombons caseiros para festas e eventos, e um dia após uma perda de encomenda, decidiu vender os bombons montado. “Na minha primeira vez fui para

o bar Barulho, no Parque da Cidade, e desde então não parei mais. Descobri que comercializando os bombons como Allice o lucro era maior”, conta. Assim como Allice, existem diversos outros tipos drags, como por exemplo, as comediantes, que fazem a vida em stand ups; as misses, que participam de concursos de beleza; as modelos, que se montam para participar de anúncios publicitários e vídeos na internet; e até mesmo as drag king, quando uma mulher se monta como um homem.

Preconceito Confundidas com travestis, as drag acabam sofrendo os mesmos preconceitos que um membro da comunidade LGBT, mas por se tratarem apenas de uma expressão artística, não fazem parte desse meio. No cotidiano, diferente das travestis, o ator por trás da drag abandona os utensílios femininos, podendo também exercer qualquer tipo de profissão durante o dia. Como é o caso de Breno Tavares, 27 anos, que dá vida a Xantara Thompson há três anos. Além de drag, ele trabalha com edição de imagens, é maquiador e editor gráfico do Miss DF.

Segundo ele, o preconceito ainda existe e engana-se quem acha que ele se resume ao público heterossexual. “O mundo gay ainda é regido pela heteronormatividade. Você pode ser gay, mas tem que ser macho, ter barba e voz grossa. Isso ocorre porque muitos se sentem obrigados a se masculinizarem para se misturar dentro da sociedade, o que afeta negativamente os afeminados. E quando você se torna drag queen, rema contra isso. Já sofri muito preconceito por ser drag, mas nada que me faça querer mudar quem sou”, conta Breno.

Drag queen: a palavra drag é uma abreviação de dressed as a girl – vestido como uma garota, em português. LGBT: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros. RuPaul Drag’s Race: reality show americano onde drags competem semanalmente em provas para conquistar o titulo de próxima estrela drag queen americana. Seis de suas oito temporadas estão disponíveis no Netflix.

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CIDADES Mobilidade

Aprovados pela população, eles esbarram na burocracia e no impasse governamental. Triciclos são opção para problemas de transporte no DF Juliana Procópio

Música alta, mesas lotadas e um happyhour bem no meio de uma badalada quadra no centro da capital. Nessa bagunça, um bar tem chamado atenção dos brasilienses: o Godofredo, que fica na 408 Norte. O motivo? Uma ideia que alia respeito à lei seca e serviço ao cliente. O estabelecimento oferece o tuk-tuk para transportar os clientes do bar depois da diversão. O Proprietário, Ailton Trisão, 45 anos, teve a ideia durante uma viagem ao Peru - local onde o veículo também é usado para transporte -, e implantou a cortesia. Ele garante que a ideia tem dado certo. “Temos notado o aumento do número de clientes. As pessoas ligam e fazem reservas para utilizar o tuk-tuk, clientes que antes utilizavam carro próprio na volta para casa não usam mais”, conta. É o caso do empresário Ben-Hur Reis, 52 anos, morador da Asa Norte. Frequentador assíduo do estabelecimento, ele conta que o tuk-tuk do Godofredo busca e leva os clientes em casa, e que para isso há um termo de compromisso que é assinado pelos usuários: “O transporte está sujeito a acidentes, por isso assinamos um termo de responsabilidade. Muitas vezes me arriscava após consumir álcool quando não encontrava um motorista da vez”. Graças a essa iniciativa, o Bar Godofredo recebeu o Prêmio Sem Excesso, entregue pela Associação Brasileira de Bebidas, que reconhece a conscientização em prol do consumo responsável. Originários de países asiáticos como Índia e Tailândia, os tuk-tuks chegaram ao Brasil em meados de 2014. Em Brasília, por 10

volta de junho de 2015, já era possível ver os triciclos em pontos específicos. O uso pode ser complementar ao sistema de transporte coletivo. A prática já conta com apoio popular. Para o arquiteto e membro da iniciativa voluntária Urbanistas por Brasília, José Hélder, a utilização dos tuk-tuks em vias secundárias de baixa velocidade seria uma opção de ligação entre locais distantes e grandes vias. Cristiane Messias, moradora da quadra 25 do Park Way, relata que a quadra sofre com a falta de transporte público. Segundo ela, os colaboradores do condomínio onde mora chegavam a passar horas no ponto de ônibus. “Muitas vezes tivemos que nos deslocar para levá-los de carro até a passarela, que é onde passam os transportes coletivos, os tuk-tuks que começaram a atuar aqui nos ajudam muito”, relata. No Gama, é possível encontrar Bruno Oliveira, 33 anos, que abandonou o emprego antigo como atendente numa distribuidora de gás e foi para as ruas oferecer o serviço de transporte de passageiros com o tuk-tuk. Um mês depois da compra do veículo, ele diz que já consegue renda suficiente para se manter. “Ganho, em média, R$ 60 por dia. Tenho por volta de dez clientes fixos que andam comigo todos os dias, fora as ligações e chamados via WhatsApp que recebo entre um cliente e outro”, diz. Além de ser uma alternativa de renda, os tuk-tuks são opções para suprir a ausência de transporte público: “Acho que Uber e tuk-tuk são evoluções naturais da concorrência, principalmente quando o Estado não faz a sua parte com qualidade”,

declara Cristiane, moradora do Park Way que reclama das opções de ônibus na região.

Impasse Apesar de todo apelo popular, o tuktuk enfrenta problemas com os órgãos de trânsito e mobilidade para se regularizar. No DF, um dos veículos foi multado duas vezes e apreendido por fiscais da Secretaria de Estado de Mobilidade do Distrito Federal (Semob) por falta de regulamentação como prática comercial. Por meio de assessoria, o órgão esclareceu que o tuk-tuk é um transporte de uso individual e familiar e, por isso, é proibido cobrar pelo serviço. Já os profissionais que trabalham nessa nova iniciativa relatam possuir toda documentação exigida junto ao Departamento Nacional de Trânsito (Detran), além da filiação obrigatória junto ao Sindicato dos Mototaxistas do Distrito Federal (Sindmototaxi-DF), mas lamentam que não exista interesse público em regularizar a atividade como profissão. Atividade similar à dos triciclos é a dos food trucks - veículos adaptados para o comércio de produtos alimentícios – e que foi regulamentada por meio de uma lei porque o governo entendeu que gera emprego e renda. O presidente do Sindmototaxi-DF, Luiz Carlos Galvão, conta que a situação não tem evoluído como esperado: “Estávamos com uma negociação em andamento, mas com a alteração do secretário de mobilidade, toda a negociação foi perdida. Hoje temos dialogado com a Semob e com o Ministério Público para dar andamento às negociações”, explica.

Foto: Gabriela Brandão

Tuk-tuks: pode ou não pode?


MERCADO Gênero

Elas podem voar

Mesmo sem nenhuma barreira física que impeça mulheres de serem pilotos de avião, elas ainda são minoria. Fugindo à regra, empresas criam políticas de incentivo à participação feminina

Brenda Knutsen e Filipe Cardoso

Rompendo barreiras

especificamente na carreira de piloto. Ela se inscreveu para a Escola Preparatória de Cadetes do Ar (Epcar) que não aceitava mulheres. Mas uma semana antes da prova, a FAB mudou a política interna e abriu vagas para mulheres na Academia da Força Aérea. Vocação e persistência foram palavras-chave para a capitã. Sem qualquer distinção, mulheres têm a mesma rotina que os homens na Academia da Força Aérea. “Na minha turma se formaram apenas duas mulheres, mas a procura vem aumentando. A Força Aérea tem aviadoras desde 2003 e a tendência é termos cada vez mais mulheres na profissão”, assegura Débora. Nos últimos doze anos, o efetivo feminino da FAB mais que triplicou. Em 2003 eram 3.662 mulheres nas fileiras da Força Aérea, hoje são 12.640, totalizando quase 17% do efetivo militar. Estas mulheres ocupam postos de 3° Sargento até Tenente-Coronel. No caso das aviadoras, podem chegar ao maior posto da instituição, de Tenente-Brigadeiro do Ar. Em nota, a Associação Brasileira dos Pilotos da Aviação Civil (Abrapac) informou ser favorável ao incentivo cada vez maior à participação feminina

na profissão de piloto de aeronaves. A Associação esclareceu que pilotos mulheres apresentam as mesmas médias de desempenho profissional que os homens.

No mundo De acordo com a Sociedade Internacional de Mulheres Pilotas da Aviação Comercial todas as companhias aéreas americanas, além de algumas canadenses, francesas e indianas têm poucos pilotos mulheres. A United Airlines, uma das maiores do mundo, possui um quadro de 12 mil pilotos, dos quais somente 700 são mulheres, segundo dados da própria empresa. Mas a pequena companhia aérea canadense Porter Airlines se destaca. Sediada em Toronto, tem em seu efetivo uma das mais altas taxas de pilotos mulheres; atualmente dos 272 pilotos da empresa 36 são mulheres, ou seja, 13% do efetivo. O CEO da companhia, Robert Deluce espera conseguir balancear as estatísticas pela base de recrutamento e incentivo a jovens mulheres para considerarem carreiras na aviação. Foto: Acervo FAB

Comparando com outras profissões que também exigem muito tempo de trabalho, esforço e estudo da profissão, as mulheres ocupam os piores lugares nas estatísticasnaprofissãodepiloto.AlineBorguettiTorres, pilota da Azul Linhas Aéreas, iniciou sua carreiraemum cargo predominantemente feminino, o de comissária de bordo. Mas desde o início sabia que sua vocação estava na cabine do avião. “Eu nunca me importei com o fato de ser uma profissão masculina, estava ciente de que sofreria preconceitoporestar‘invadindo’umaprofissãodominada por homens”, ponderou. Frequentemente Aline ouve comentários machistas dos colegas de trabalho, dos próprios passageiros e de outras mulheres. “Observo os olhares desconfiados dos clientes que embarcam e escuto piadinhas do tipo: ‘você não deveria estar pilotando fogão?’ Mas relevo e ainda brinco com os passageiros: ‘Senhor (a), fique tranquilo que eu não preciso fazer baliza com o avião’”. Aline esclarece que havia restrições por causa da necessidade de força física para operar os aviões, como baixar trem de pouso em aeronaves de pequeno porte, mas que hoje os sistemas são hidráulicos e compensadores para as superfícies de comando.

A Força Aérea Brasileira (FAB) conta com um efetivo de 40 pilotos mulheres em atividade e outras 21 em fase de formação. A primeira turma de oficiais aviadoras da FAB se formou em 2006. A Capitão Débora Ferreira Monnerat pilota o helicóptero H-36 Caracal, no Esquadrão Puma sediado no Rio de Janeiro, e realiza missões de busca e salvamento, missões humanitárias, apoio em casos de enchentes, incêndios e todo tipo de calamidades. Débora descobriu que queria ser militar e encontrou na aeronáutica o seu maior interesse, 11


CIDADANIA Desamparo

Melhor idade sem dignidade

Distanciamento familiar, envolvimento com drogas, violência e o desemprego são fatores que levam idosos a viverem nas ruas Andressa Guimarães e Catarina Barroso

Há tempos não vê a família, não se lembra mais do rosto do filho. O céu é seu cobertor, a calçada é a sua cama, as estrelas sua televisão, não toma banho há três dias, suas roupas estão rasgadas. Tem medo, fome, e o frio não lhe deixa dormir, por isso bebe: “a cachaça é o cobertor do pobre”. Viver nas ruas é a realidade de cerca de 4 mil pessoas no Distrito Federal, segundo levantamento de 2015 da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Humano e Social (Sedhs). São pessoas que não têm casa para morar e sobrevivem com dificuldades. A situação piora na velhice. Romão Honório da Silva, está há quatro meses acolhido na Casa Viva Unidade de Acolhimento para Idosos (Unai), em Taguatinga. Nascido em Recife, após a morte da mãe, foi abandonado pela mulher. Sem laços familiares, em 1996, resolveu sair pelo Brasil em busca de uma vida melhor. Seu primeiro destino foi Alagoas, onde morou por quase 15 anos, depois Rondônia, Manaus e Bahia. “Ano passado eu decidi vir para Brasília e fiquei um tempo na rodoviária do Plano Piloto. Foi um período em que eu só me alcoolizava. Todos os dias”, enfatiza. Já passou fome. Romão se mudou para a Unidade de Acolhimento para Adultos e Famílias (Unaf), no Areal. Ficou por lá apenas dois dias e foi transferido para a Unai. Ele tem planos: “Não tenho nada lá – Recife -, mas quero voltar. Se não der para viver eu vou para outro canto, até arrumar um dinheiro, conseguir me aposentar e comprar um barco para mim”, 12 12

planeja. Mudar é o verbo que o homem de 61 anos usa para explicar as idas e vindas de sua vida. Mas nas entrelinhas de sua história, mudar serve para expressar o abandono que marca uma vida itinerante de desamparo. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estimase que nos próximos 14 anos o Brasil terá mais de 30 milhões de idosos. Dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) explicam que em 2030, para cada cem pessoas menores de 15 anos existirão 51 pessoas de 65 anos ou mais. A melhora da qualidade de vida é, sem dúvida um avanço, mas ocasiona o aumento da população idosa. Para assegurar qualidade, o Estatuto do Idoso busca oferecer proteção à vida e à saúde, deixando claro ser dever do Estado implementar políticas públicas para os maiores de 60 anos. Para acompanhar o crescimento deste número, a Sedhs oferece serviços socioassistenciais, realizando a abordagem social nas ruas e encaminhando os moradores em situação de rua para as Unidades de Acolhimento, que são vinculadas à Secretaria. A Casa de Acolhimento Santo André, conveniada com a Secretaria, é referência em atendimento às pessoas em situação de rua. Atualmente acolhe cerca de 220 pessoas, entre homens e mulheres de todo DF. Mas a unidade do Gama, que é exclusiva para idosos, corre o risco de ser desativada pela Vigilância Sanitária, por não cumprir os requisitos da Resolução

RDC nº 283/2005, que estabelece normas de organização e infraestrutura adequadas para receber os acolhidos. O coordenador da Casa, Cleven Rodrigues, destaca que todos os lares e Instituições de Longa Permanência para Idoso (ILPIs) estão lotados, com uma lista de espera de cem idosos, sendo que novas vagas só podem ser abertas quando um idoso morre. “O perfil do Santo André é ser uma casa de passagem, nós acolhemos os idosos fazendo o que o Estado não faz, e ele acaba nos penalizando por isso”, desabafa Cleven ao questionar as exigências da Vigilância Sanitária.

Motivos Existem quatro principais causas para idosos irem parar na rua – e ao contrário do que muitos pensam - a principal não é relativa a problemas com drogas ilícitas, mas o distanciamento familiar. A pesquisa Idoso em Situação de Rua e Vivência em Centros de Acolhida: Uma Revisão de Literatura, feita por alunos da PUC-SP, mostrou que o álcool pode ser capaz de induzir os idosos a romperem os laços familiares. Somado a isso a violência doméstica contribui para que eles saiam de casa. Humberto Silvio Barreto, 65 anos, largou a família e a vida estruturada para manter o vício. Alcoólatra desde os 20 anos, atualmente mora na Casa Santo André. Emocionado, conta como seria se estivesse na rua: “Seria apenas mais um velho mendigo morrendo à míngua.


Foto: Patrícia Benevides

Apanhando da polícia. Convivendo com fome, frio, humilhação e o medo”. Sua luta é constante para rever os filhos, ficar sóbrio, ter um emprego digno e alugar um local simples para “poder colocar os filhos sob suas asas novamente”. Sorrindo ele conta sobre a tristeza que marca seus dias: “Eu choro sozinho de saudade”. Outro motivo que coloca os idosos em situação de rua é o fato de que eles buscam melhores condições de vida e muitas vezes não encontram trabalho. Questões de saúde também engordam as estatísticas do Distrito Federal. É o caso de Raimundo Barbosa da Silva, 85 anos, “O médico que sempre me consultou e que tenho confiança é daqui. Aproveito também para ir ao INSS sacar minha aposentadoria”, comenta explicando o porquê de ter saído de Teresina, Piauí, e de perto de sua família e ter vindo para Brasília.

Elas também sofrem Estatísticas da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam que o número de mulheres supera o de homens em todo o mundo, causando uma feminização do envelhecimento. No Censo de 2010, realizado pelo IBGE, demostra que as mulheres representam mais da metade da população idosa no Distrito Federal, mas segundo dados do Creas-Pop, menos de 10% dos moradores de rua são mulheres. Aos 72 anos, Teresinha de Jesus Silva, encontrou nas ruas da Rodoviária do Plano Piloto o seu sustento. Aposentada, ela passa o dia todo catando latas para conseguir completar a sua renda e ajudar na criação da neta pequena. “Hoje eu ajudo a minha filha, mas a dificuldade ainda é muito grande. A gente tem que escolher se paga as contas atrasadas ou se deixa o dinheiro para comprar comida”, desabafa.

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COMPORTAMENTO Ambiciosas

Amor, me banca? Longe das relações tradicionais, jovens encontram na internet a oportunidade de conhecer homens maduros e endinheirados, dispostos a gastar o que for preciso para mantê-las Hariane Bittencourt

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a relação dar certo”, considera. Negando a polêmica que existe em torno do site, que costuma ser visto como um canal promotor da prostituição de luxo, Jennifer garante que os termos da plataforma proíbem isso. “Prostituição é uma transação entre sexo e dinheiro, não existe relacionamento e não há afinidade entre o homem e a mulher. É um trabalho. No Meu Patrocínio, os casais formam relacionamentos com expectativas e afinidades”, argumenta.

Experiência Aos 45 anos, o executivo Roberto, que preferiu não revelar o sobrenome, conheceu o site por um amigo e se cadastrou em janeiro deste ano. O

morador do Lago Sul está em processo de divórcio e revela, sem grandes rodeios: tem renda mensal de R$ 39 mil. Segundo ele, o grande atrativo da plataforma é o fato de permitir relacionamentos afetivos honestos. Disposto a arcar com os desejos destas mulheres, ele revela o que o levou a se cadastrar. “Eu gosto de bancar uma moça mais jovem. Este tipo de relação me rejuvenesce”, afirma. Discreto, ele garante que desde fevereiro sai com apenas uma sugar baby. Ele elegeu como namorada uma brasiliense de 24 anos, estudante de administração. “Jantamos em muitos lugares e costumamos viajar para a fazenda da minha família. Temos encontros normais, como os que acontecem com qualquer casal que se gosta”, defende. Foto: Tatiana Castro

Bolsas de marca, viagens, intercâmbios e jantares nos mais conceituados restaurantes. Estes são alguns dos mimos adquiridos pelas chamadas sugar babies — mulheres jovens dispostas a serem bancadas por homens ricos e mais velhos —, os sugar daddies. Os conceitos, que podem parecer novos, foram difundidos por um site brasileiro que promove relacionamentos amorosos nada convencionais: o Meu Patrocínio. Lançada em novembro de 2015, a plataforma atrai homens e mulheres de todo o país, que querem um romance diferenciado, baseado na qualidade dos benefícios financeiros. Um ranking divulgado pelo próprio site revela: Brasília é a sétima capital com mais usuários. Sede do poder político brasileiro e lugar escolhido para acolher empresas de renome, a capital federal tem motivos de sobra para ocupar uma posição de destaque quando o assunto é relacionamento com benefícios. Não por acaso, de acordo com pesquisa divulgada pelo Meu Patrocínio, a renda média dos sugar daddies premium chega a R$ 54 mil. A média de idade das sugar babies está em torno dos 26 anos, enquanto eles têm uma média de 42 anos. Em Brasília, a maior parte das usuárias é universitária e está na Universidade de Brasília (UnB): são 63 babies. Logo em seguida está a Universidade Católica de Brasília (UCB), com 53. A criadora do site, Jennifer Lobo, trouxe a ideia de Nova Iorque e apostou que este estilo de relacionamento funcionaria no Brasil. Para ela, a ideia central é possibilitar relações transparentes, especialmente quando a questão envolve finanças. ‘‘No Meu Patrocínio, homens e mulheres podem conversar sobre estes assuntos e alinhar as expectativas, aumentando as chances de


Roberto acredita que o site permite a conquista e viabiliza relações que em nada se parecem com qualquer tipo de serviço de acompanhantes. Ele explica que os mimos são uma forma de agradar às jovens, assumidamente ambiciosas. No caso dele, as despesas com a amada beiram os R$ 4 mil por mês. “Pago por todas as atividades que fazemos juntos, custeio faculdade, academia e dou presentes a ela”, diz. Opinião muito parecida com a de Roberto é a de Laura Pessoa, 26 anos, estudante de Publicidade e Propaganda e usuária do site. Depois de receber uma sugestão no Facebook, ela resolveu buscar mais informações sobre o Meu Patrocínio e se interessou pela proposta. “Achei a ideia mega interessante, uma vez que já vivi relacionamentos onde a questão financeira era o que mais afetava”, comenta. Laura acredita que as vantagens de ser uma sugar baby são muitas. “Vivo um relacionamento sincero, em que posso expor tudo o que penso e quero. Meu daddy é muito generoso e me faz feliz”, orgulha-se. Perguntada sobre as desvantagens deste tipo de relação, ela não hesita: o grande problema é a falta de tempo. “Ele (daddy) é empresário e viaja muito, então não conseguimos estar juntos todos os dias”, lamenta. Atualmente, a estudante se relaciona com um homem divorciado de 42 anos e fala abertamente sobre os presentes que costuma ganhar. Viagem com tudo pago para Trancoso, em Porto Seguro, intercâmbio nos Estados Unidos, carteiras de marcas famosas e joias são alguns dos agrados que Laura já ganhou. Apesar do luxo, ela defende que o relacionamento é como qualquer outro. “Ter um sugar daddy é ter um namorado, a diferença é que ele faz tudo o que pode por mim. Eu ainda não sei porque algumas pessoas não entendem que é uma relação normal”, questiona.

Controvérsias Argumentos à parte, o fato é que o assunto levanta discussões acaloradas. Ainda assim, um passeio pela história da sociedade revela que relações muito parecidas com essas já ocorriam antes. Na Grécia Antiga, as chamadas hetairas eram mulheres letradas, tinham acesso à cultura e recebiam dinheiro dos homens interessados em se relacionar com elas — vale lembrar que essas relações não

eram obrigatoriamente sexuais. No Japão, as gueixas faziam a mesma coisa. Elas estudavam, entendiam de arte e literatura, e eram pagas para divertir e instruir os homens. Nos dois casos, as mulheres comuns costumavam ser oprimidas pela sociedade. Nem sequer eram consideradas cidadãs. Estas ocupações, por assim dizer, eram uma saída para esta situação opressora. A psicóloga e terapeuta sexual Lorena Torres Noronha explica que, tanto as gueixas quanto as hetairas, escolhiam quando e com quem iriam se relacionar e trocavam essas relações por dinheiro. “Apesar de serem julgadas pela sociedade, elas eram socialmente independentes e faziam as próprias escolhas. Se analisarmos a relação destas mulheres com os homens e com a sociedade, vemos o germe do feminismo. Elas não tinham que obedecer, tinham propriedades e eram livres”, explica. Para ela, o Meu Patrocínio vem ao encontro dessas vivências que já aconteciam no passado. “Tanto antes quanto agora, a relação financeira é explícita. Eu não vejo o site como uma coisa perversa, que explora a mulher de forma negativa. Vai depender da relação que ela estabelece com o homem”, justifica. Sexualmente dizendo, a especialista pontua que a diferença de idades leva a um encontro fisiológico. “Uma mulher na casa dos 20 anos tem a libido mais baixa, na comparação com os homens que, aos 50 anos, passam por uma diminuição

- O que elas buscam nos homens Dinheiro Inteligência Humor Generosidade

- Instituições de ensino no DF -

1º Universidade de Brasília: 63 2º Universidade Católica de Brasília: 53 3º Unip Brasília: 50 4º Unopar Brasília: 42 5º Centro Universitário de Brasília: 20

significativa desta libido. Ou seja, há um encontro. O homem vai se sentir gratificado com uma mulher mais nova porque ela tem uma exigência sexual menor. Para ele, vai ser mais fácil satisfazer uma jovem do que uma mulher mais velha, geralmente bem mais exigente”, destaca. Mas esse ponto de vista gera controvérsias. Para a psicóloga clínica e sexóloga Isabel Lazzarotti, esse comportamento traduz uma total distorção do que é amor. “São relacionamentos que começam a partir de um jogo de interesses. Parece que o amor foi corrompido, que virou uma coisa comercial”, considera. Ainda de acordo com Lazzarotti, algumas dessas jovens podem ter alguma questão do passado mal resolvida. “Elas (sugar babies) podem ter passado por algum problema com homens, até mesmo com os pais, em que o dinheiro foi um fator determinante. Então, esse tipo de relação com parceiros mais velhos e ricos se torna uma maneira de satisfação pessoal”, pontua. Isabel acredita que esse tipo de relação pode dar a essas mulheres uma sensação de poder, coisa que muitas vezes elas não acreditam ter a chance de conquistar sozinhas. “Poder e dinheiro sempre estiveram relacionados e isso chega a gerar um fetiche, uma vontade de estar com homens que ocupam cargos de destaque”, completa. Ao final das contas, só se tem certeza de uma coisa: nessa história não existem vilões ou mocinhos. Quem se cadastra no Meu Patrocínio já sabe o que esperar e tem plena convicção do que procura.

- Escolaridade 59% cursam o ensino superior 34% concluíram o ensino superior 6%cursampós-graduaçãooumestrado

- Cursos mais procurados -

1º Direito 2º Administração 3º Psicologia 4º Design e Moda 5º Comunicação 15


EDUCAÇÃO Prevenção

Informação para proteger Redes sociais são palco para a prática do sexting e os aplicativos usados por crianças e adolescentes preocupam pais e escolas. Leis precisam ser mais severas para punir agressores Bruno Santana

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agressor e danos emocionais irreversíveis são algumas das consequências dos riscos aos quais essa geração está exposta. É o que explica o advogado Luciano Poubel, especialista em direito criminal: “O sexting reúne características de diferentes práticas ofensivas e criminosas que envolve Foto: Thiago S. Araújo

O compartilhamento de vídeos e imagens é bem comum por aplicativos. Mas o problema é quando o conteúdo extrapola os limites do que é saudável para crianças e adolescentes. Este é o sexting, palavra de origem inglesa sex – sexo e texting – enviar mensagens de texto, que é a distribuição de vídeos e imagens com conteúdo sexual na internet ou pelo celular. Com facilidade de acesso às redes sociais, crianças e adolescentes estão mais expostos. E, por mais que alguns pais estejam alertas, celulares e computadores podem ser vilões e aumentar os riscos de abuso ou assédio por parte de abusadores a partir das redes. Especialistas recomendam leis mais severas. A socióloga Graça Gadelha, especialista em políticas públicas na área da infância e juventude, explica que estudo recente, sobre crianças e adolescentes de 14 a 17 anos de idade, revelou que 58% deles já assistiram pornografia em seus aparelhos de telefone. “Não existem estatísticas dessa prática no Brasil. Mas um levantamento na União Europeia concluiu que 25% dos jovens com idades entre 9 e 16 anos já tinham visto imagens de cunho sexual no celular. Na Grã-Bretanha quase um terço dos jovens com idades entre 16 e 18 anos haviam acessado conteúdos de natureza sexual em seus aparelhos”, aponta. Essa prática é cada vez mais comum entre crianças e adolescentes. Constrangimentos, humilhação, a invasão digital motivada pela vingança por parte do

ciberbullying, por ofender moralmente e difamar as vítimas que têm suas imagens publicadas sem o consentimento delas, estimula a pornografia infantil e a pedofilia em casos envolvendo menores”, sublinha Luciano. O adulto que for pego praticando sexting pode ser preso por crime de

pedofilia. A conselheira tutelar Clementina Bagno conta que nos casos envolvendo menores de idade, os responsáveis pela divulgação podem ser enquadrados no artigo 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - (Lei 8.069/90). “O referido artigo qualifica como crime grave a disseminação de fotos, vídeos ou imagens de crianças ou adolescentes que contenham cenas em situação de sexo explícito ou pornográfico, com pena de três a seis anos de reclusão”, explica a conselheira. Além disso, a exposição de crianças e adolescentes nesse contexto pode ser classificada como difamação ou injúria, segundo os artigos 139 e 140 do Código Penal. Contudo, Clementina sustenta que devem haver leis mais rigorosas para coibir de imediato qualquer exposição de crianças e adolescentes. “A educação sexual pode ser a emergência no contexto da promoção da qualidade de vida, na desconstrução de preconceitos e no enfrentamento de violências contra crianças e jovens”, explica Dhara Cristiane, pedagoga da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (Seedf). A sexóloga Sandra Freitas informa que existem pesquisas e relatos diversos de que tratar de questões sobre a sexualidade com crianças e adolescentes, serve como uma ação protetiva, pois “quem reflete sobre a própria sexualidade, promove atitudes de cuidado consigo mesmo e com o outro, reforça a autoestima e promove a conscientização de que dizer ‘não’, quando se é coagido, é um direito”, afirma.


SAÚDE Controlando o caos

Epidemia midiática

Informações ultrapassam a linha tênue que separa os dados estatísticos e científicos do exagero. Buscar soluções rápidas causa desinformação e pânico na população Jéssica Luz

Uma emergência sanitária ligada ao Zika vírus fez com que a mídia voltasse os olhos para o tema. Notícias mostrando que crianças abaixo de sete anos e idosos teriam mais chances de adquirir problemas neurológicos após a infecção pelo vírus ou teorias citando mosquitos transgênicos criados para disseminar o vírus surgiram e como um vírus se proliferaram nos meios de comunicação, principalmente nas redes sociais na internet. A ligação do Zika vírus com casos de microcefalia passou a assustar mães. Dayane Lima, 25 anos, moradora do Guarujá, litoral de São Paulo, foi diagnosticada com Zika um mês após dar à luz sua filha. O susto maior veio em decorrência da desinformação: ela não sabia como deveria agir com seu bebê. “Eu ainda estava amamentando e as notícias que saem sempre assustam a gente”, diz. Após procurar ajuda médica, Dayane foi informada de que o bebê estava fora de risco. Juliana Neves Ribeiro, 24 anos começou a sentir mal-estar no sábado que antecedia o carnaval. O primeiro sintoma foi falta de apetite. No dia seguinte outros sintomas começaram a aparecer. “Senti dores nas pernas e costas, mas achei que era normal. Dois dias depois, a sensação que eu tinha era de que um caminhão tinha me atropelado”, relata remetendo a fortes dores no corpo. Após exames de urina e sangue, o tratamento foi direcionado para infecção nos rins. Após seis dias de internação e nenhuma melhora, Juliana ligou para um médico e amigo, que também trabalhava

no hospital em que foi internada. Depois de avaliar o quadro, o médico levantou a hipótese de doenças relacionadas ao Aedes aegypti. Foi aí que ao fazer os testes, Juliana recebeu o diagnóstico positivo para a doença. “A minha maior preocupação, e claro, desespero, foi a dificuldade do diagnóstico. Eu era tratada de forma errada e os médicos não pediram os exames corretos, cheguei a achar que iria morrer”, conta. Preocupada, Juliana relaciona a falta de informação sobre a doença, que é algo novo, e o tratamento indevido e desconhecido por profissionais que não sabem como agir. “Me desesperei porque ninguém sabe muito sobre a doença, e a mídia, ao mesmo tempo que informa, assusta”, conclui a jovem.

Para o tecnologista da Fiocruz e mestre em Divulgação da Ciência, Wagner de Oliveira, as medidas preventivas se tornaram ineficazes. O DF conta com a prática do fumacê, um carro ou pequeno caminhão que dispara inseticida sobre as casas para evitar que o mosquito se propague. “O uso indiscriminado de inseticida acaba tornando o mosquito mais forte e resistente a este tipo de ação”, explica. Wagner questiona as informações divulgadas pela mídia a partir de apurações superficiais e boatos que surgem em redes sociais distorce o foco do problema porque busca soluções rápidas para algo que é novidade. “A busca por um culpado se torna o alvo da apuração, enquanto questões sociais são esquecidas”, ressalta Wagner. No dia 5 de fevereiro de 2016, a Fundação Oswaldo Cruz informou que presença do Zika ativo, com potencial de transmissão, foram encontradas em amostras de saliva e urina. “O Brasil está passando por uma questão de emergência sanitária, falar sobre um potencial risco de infecção para a população é melhor do que tornar a instituição omissa com relação ao assunto”, conta Elisa Andries, assessora de comunicação da Fiocruz.

Conhecimento No Brasil, a Fiocruz é conhecida por ser uma instituição de pesquisa e ensino, mas ainda não atua como figura esclarecedora para trabalhadores da área de saúde. “É função do médico ir atrás de esclarecimentos sobre como deve agir em uma situação de epidemia”, esclarece Elisa Andries, coordenadora da assessoria de comunicação da Fiocruz.

Mito - IDOSOS E CRIANÇAS DESENVOLVEM PROBLEMAS NEUROLÓGICOS APÓS CONTAMINAÇÃO - VACINA DE RUBÉOLA CAUSA MICROCEFALIA - MOSQUITO MODIFICADO CAUSA MICROCEFALIA - COMER ALHO AJUDA A AFASTAR O MOSQUITO - O MOSQUITO SÓ PICA DE DIA

Verdade

Incerteza

- ALGUNS REPELENTES NÃO SÃO SEGUROS PARA GRÁVIDAS

- A AMAMENTAÇÃO DEVE SER SUSPENSA EM CASO DE

- A MELHOR PROTEÇÃO É COMBATER O AEDES AEGYPTI

SUSPEITA DE ZIKA

- VOCÊ PODE TER SIDO CONTAMINADO E NÃO SABER

- O VÍRUS PODE SER TRANSMITIDO PELO SÊMEN DURANTE

- É POSSÍVEL SE CONTAMINAR COM ZIKA E DENGUE AO MESMO

O ATO SEXUAL

TEMPO

- QUEM PEGA UMA VEZ NÃO PODE SE CONTAMINAR DE NOVO

- O ZIKA PODE CAUSAR A SÍNDROME DE GUILLAIN-BARRÉ

- O ZIKA É TRANSMITIDO PELO BEIJO - O ZIKA CAUSA PARALISIA

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SAÚDE Estética

Em busca do corpo “perfeito” Mulheres procuram manter equilíbrio entre beleza e saúde ao superar limites e aumentar a qualidade de vida Amanda Lima e Mayara Dias

Barriga em formato côncavo, ossos da costela e quadris mais evidentes do que o abdômen. Esta é a definição de barriga negativa, termo recente que surgiu na internet e se tornou obsessão na busca do corpo perfeito, principalmente entre as mulheres. O sucesso desta nova configuração corporal despontou após uma foto postada no aplicativo Instagram da modelo sul-africana da Victoria’s Secret, Candice Swanepoel. Na imagem, ela exibe seu abdômen com curvatura negativa, evidenciando a magreza

extrema com ossos salientes aparentes. A postagem gerou repercussão nas redes sociais, levando milhares de usuárias ao redor do mundo a publicarem fotos de suas barrigas com baixíssimo percentual de gordura. Com a nova moda, mulheres decidiram buscar medidas – literalmente – radicais, para alcançar o objetivo com alimentação restrita, exercícios excedentes e suplementos. Algumas seguem orientação médica, enquanto outras optam por dicas de outras mulheres por meio de redes sociais Foto: Amanda Lima

Tatyana Faleiro, com sete meses de gravidez, levanta 45kg durante exercícios

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como Instagram e Facebook. “O que falta para algumas adeptas do corpo malhado são orientações e acompanhamento multiprofissional, guiados constantemente por nutricionista, psicólogo e personal trainer ou coach”, orienta a nutricionista especialista em perda de peso Lívia Bandeira. Segundo especialistas, apesar de incontáveis conselhos e informações que podem ser obtidos na internet, o emagrecimento deve ocorrer de forma saudável e, para isso, é preciso conhecer o próprio metabolismo. Lívia Bandeira esclarece que alguns fatores auxiliam na perda de peso, como idade, patologias, genética e rotina. Ela ressalta que existe risco quando a dieta é desenvolvida ignorando características individuais. “Deve-se avaliar o estágio inicial, pois cada um tem o seu tempo e ponto de partida. Algumas pessoas querem pular etapas e fazem restrições desnecessárias, há também quem se baseie em musas e informações sem fundamentação”, alerta. A jornalista de 28 anos, Kamila Farias, emagreceu 18 kg há três anos. Seu objetivo inicial era a barriga negativa, mas ela mudou de ideia. “Quando comecei a perder peso, montei uma rotina de alimentação por conta própria, pois já havia consultado vários nutricionistas. Fiz errado, porque ao invés de emagrecer, perdi massa magra e fiquei flácida. Hoje busco só a barriga definida”, pondera. O treino de Kamila é orientado por Rodrigo Marques, coach de crossfit. O professor


de educação física conta que em três anos de profissão já recebeu vários pedidos de orientações sobre suplementos. “Muitos alunos me perguntam sobre nutrição. Eles indagam o que poderiam tomar para treinar e acelerar a perda de peso, mas evito fazer recomendações, pois é necessário realizar um teste médico antes e consultar um nutricionista”, aconselha. Em razão das buscas por medidas radicais, uma grande preocupação dos profissionais de saúde é o desenvolvimento de distúrbios alimentares. Segundo a psicóloga especialista em emagrecimento e transtornos alimentares, Paula Soares, muitos casos podem estar mascarados pelo modismo. “A busca pela barriga negativa pode estar camuflando, por exemplo, a anorexia. Dependendo de como esse desejo é tratado pelo indivíduo, ele pode causar sérios transtornos como bulimia e compulsão alimentar ”. Paula destaca que, na maioria dos casos, a busca pelo corpo perfeito é inatingível, gerando frustação. A decepção por não alcançar o objetivo gera sentimento de incapacidade pode acarretar ansiedade, depressão, dificuldade de relacionamento e baixa autoestima. Segundo a especialista, o tratamento indicado para esse tipo de caso é a psicoterapia juntamente a orientações de outras especialidades médicas.

Gravidez fitness A busca por um corpo saudável e definido também é característica de gestantes. Ultimamente tornou-se comum a exposição na internet de mulheres grávidas fazendo exercícios intensos, dividindo opiniões. A imagem de uma grávida levantando peso e realizando treinos que poderiam ser considerados inadequados ao bebê gerou discussão entre a área médica e esportiva. A chefe da Unidade de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB), Lucila

Nagata, alerta para os cuidados que devem ser tomados durante a gestação. Ela esclarece que os exercícios podem ser realizados desde que a paciente esteja em uma gravidez fora de risco e sem nenhuma contraindicação “No decorrer do primeiro trimestre, caso a mulher não seja praticante de atividades físicas, não é recomendável fazer nenhuma até a 12ª semana”, explica. “Existem estudos que mostram que gestantes com um ritmo acelerado de malhação podem gerar fetos com restrição de crescimento. Pacientes que já possuem pouca massa gorda para queimar e fazem dieta restrita para não engordar, impossibilitam o ganho de peso adequado para o bebê”, afirma a ginecologista. Ela também confirma que há o risco de taquicardia, e, que caso algum exercício gere uma queda, poderá causar parto prematuro, sangramento e deslocamento de placenta. Apesar das contraindicações e alertas, existem mulheres que já possuem o corpo acostumado ao ritmo de malhação intenso e conseguem adaptar sua rotina à sua nova realidade. É o caso da empresária e atleta de 34 anos, Tatyana Faleiro, que iniciou o sétimo mês de gravidez e continua na ativa, mas com ritmo adaptado. “Antes eu treinava de cinco a seis vezes na semana, de três a quatro horas.

Com a gestação, malho três vezes na semana durante uma hora e com um treino mais leve, pegando pouco peso e fazendo menos musculação. O meu obstetra falou que é essencial ter consciência e escutar meu corpo”, explica Tatyana. Para ela, praticante de crossfit há dois anos, seus exercícios exigem o mesmo esforço como qualquer outro, a exemplo da corrida. Ao citar as razões de continuar malhando com frequência, Tatyana é decidida. “Estou me cuidando tanto com a alimentação, quanto com o exercício. Faço isso para conseguir voltar rapidamente a ter o corpo que eu tinha antes de engravidar. Portanto, eu continuo fazendo crossfit para não perder o condicionamento físico e conseguir recuperar forma de antes. Não tenho muito objetivo quanto à barriga negativa ou definida, pois para mim a saúde sobressai à estética”, destaca. O acompanhamento de Tatyana é atualmente feito por seu obstetra e pelo coach Bernardo Camargo, que estudou os movimentos humanos. Ele está nessa área há 12 anos e já trabalhou com diversas mulheres grávidas, inclusive a própria mulher. “Não é necessário treinar com o polar (monitor cardíaco), porque é possível controlar por outros meios. Por exemplo, a grávida precisa conversar sem ficar ofegante. Para isso, ela faz pausas frequentes e, dependendo do esforço, pausas longas. Todo os exercícios são adaptados às condições da gravidez”, reforça. Alguns exercícios são proibidos durante a gestação. “A partir do primeiro trimestre, ela não deita de costas no chão, porque pode cortar o fluxo sanguíneo para a criança. Tentamos evitar movimentos como pular na caixa e plantar bananeira. A carga de treino diminui, mas é possível fazer quase tudo no período gestacional. Afinal, gravidez não é doença”, explica o coach. 19


SAÚDE Alternativa

A cura pela mente

Tratamento clínico busca na hipnose novo caminho para a melhora de doenças

Daniela Martins e Maianna Souza

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jardim cheio de flores e o câncer uma erva daninha. Se ela regasse todos os dias as ervas morreriam”, recorda. Silberfarb conta que a fé é outro componente importante no processo de cura: “A mulher venceu o câncer e acredito que sua religiosidade, aliada à hipnose, foi de grande valia”. Doutorando em Ciências Médicas pela Universidade de Brasília (UnB), o médico Gil Montenegro também utiliza a prática contra a dor, a ansiedade e a depressão em pacientes que lutam contra o câncer no trato digestivo. “Em minha experiência os resultados são expressivos e demonstram que a hipnose é viável como terapia complementar em pacientes oncológicos”, relata.

De acordo com Alves, a hipnose é benéfica mesmo se for apresentada como uma brincadeira. “Se o hipnólogo for ético, saberá trabalhar o inconsciente da pessoa e ajudar o consciente a resolver algum problema”, acredita.

Medo, fobia e vício Quando falamos de medo, estamos falando de fobia? O psicólogo e doutor em Neurociências, Danilo Assis esclarece a diferença: “A fobia é uma reação patológica a determinados estímulos que levam a atitudes e ações extremas. O medo tem uma reação muito menor que uma fobia”. Esta é a Foto: Thiago S. Araújo

Um homem mastiga uma cebola crua com a fome de quem encontra uma maçã suculenta após correr uma maratona. “Está gostoso?”, pergunta Guilherme Alves, hipnólogo com mais de uma década de experiência. O participante com a boca cheia afirma com a cabeça. A cena pode ser vista em cursos e shows que Alves faz por todo o país. Durante anos a hipnose foi usada para simular truques de mágica em shows de entretenimento, conhecida como hipnose de palco. A prática busca agora seu lugar no rol de ciências que lidam com a saúde mental. “A capacidade de experimentar um estado de transe é a mesma capacidade de sentir medo, dor ou felicidade. É parte do ser humano’’, afirma o hipnólogo. Entre outros tratamentos, Alves realiza um curso específico para mulheres que enfrentam a anorgasmia, disfunção sexual que impede a experimentação do orgasmo. Outros profissionais também utilizam a técnica em uma variada gama de distúrbios. Criador da metodologia Hipnoterapia Cognitiva e com certificado em Hipnoterapia clínica pelo Instituto Weizmann de Ciência em Israel, o psicólogo Benomy Silberfarb utiliza a hipnose clínica em conjunto com a Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC): “A hipnose ensina ferramentas de controle para lidar com transtornos mentais, dor, insônia e controle de dietas alimentares”. O objetivo desta abordagem é a reestruturação do processo de conhecimento para identificar os erros de raciocínio e transformar as emoções. “Lembro de uma cura ocasional em que uma paciente tinha câncer no pulmão. Fiz ela imaginar que o órgão era um


experiência do consultor Numa Duisit, que sentia pânico ao passar por túneis. “Estava em um engarrafamento em um túnel em São Paulo e pensei que ia morrer. Todos os sinais físicos surgiram: coração acelerado, pressão baixa. Fiquei em estado de choque, quase parando de respirar”, descreve. O alívio veio após a regressão hipnótica que fez em outubro de 2015. “Eu não imaginaria que a regressão fosse tão forte e profunda, que iria tão longe no tempo. Eu diria que melhorei 80%”, diz. Os resultados da prática variam. A primeira vez que o representante comercial João Domingos participou do procedimento para curar o tabagismo, não funcionou. Decidiu então fazer um curso para aprender a hipnose e aplicar em si mesmo. “Em janeiro deste ano fiz uma auto-hipnose, em que induzi o meu subconsciente a associar um cheiro ruim de cigarro a cada vez que eu sentisse vontade de fumar e funcionou’’, comemora. Guilherme Alves explica que o efeito conseguido por Domingos é esperado

porque todo estado hipnótico é um processo de auto-hipnose, que pode ser ou não guiado por alguém. “A hipnose é fé e expectativa, não tem nenhum poder. Ninguém faz o que não quer por estar em um estado hipnótico. Eu posso sugerir algo, mas a pessoa não fará se ferir os princípios morais e éticos dela”, explica.

Orientação O uso da hipnose como recurso auxiliar é aprovado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP). “Cabe a cada profissional avaliar se a hipnose poderá ser utilizada em determinado atendimento. O registro destes profissionais fica a cargo dos Conselhos Regionais de Psicologia. O Conselho Federal atua em instância recursal”, explica a assessora do CFP Raquel de Lima. Do mesmo modo o Conselho Federal de Odontologia (CFO) normatizou a hipnose na Resolução nº 82/2008 como uma prática integrativa e complementar, utilizada como substituta de anestésicos quando o paciente é alérgico.

Para quem deseja se tratar com a hipnose, os profissionais recomendam cautela. O neuropsicológo Silberfarb acredita que o profissional deve ter formação em psicologia ou psiquiatria. Essa é a mesma opinião do psicólogo Danilo Assis que sugere procurar o CFP para encontrar um bom hipnólogo, assim como verificar se o profissional possui mestrado ou doutorado. ‘’Fazer pós-graduação possibilita mais artifícios para trabalhar, como acesso a materiais em inglês e leituras de textos e artigos científicos”, aconselha. Apesar das diferenças, os profissionais concordam em um ponto: um dos grandes desafios da área é a criação de uma legislação que estabeleça regras para ensino e prática da hipnose e que puna de maneira severa o exercício por pessoas não qualificadas. O hipnólogo Gil Montenegro concorda com a critica ao uso sem critérios da técnica. “O que prejudica a imagem da hipnose é que ela tem sido utilizada por pessoas interessadas apenas em aparecer”, finaliza. Foto: Alan Rios

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SAÚDE Anticoncepcional

O perigo da pílula

Remédio que revolucionou a sexualidade feminina é alvo de discussões nas redes sociais sobre o uso e a falta de orientação Letícia Teixeira e Lorena Braga

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atividade, com cardiopatia isquêmica e com antecedente de AVC não podem fazer uso da pílula. Esses fatores podem favorecer o aparecimento de trombose, que é a formação de um coágulo sanguíneo em uma ou mais veias localizadas na parte inferior do corpo, problemas do coração ou AVC. Nesses grupos a ameaça é até quatro vezes maior que em mulheres fora do grupo de risco. A tecnóloga em estética Aline Najar, 36 anos, faz parte da página do Foto: Amanda Lima

Aceita como um método contraceptivo simples, acessível e eficaz, a pílula anticoncepcional faz parte da realidade de milhares de brasileiras há mais de 40 anos. Pílulas mais modernas, compostas pelo hormônio drospirenona - uma progestina sintética - são procuradas por mulheres que querem não só evitar uma gravidez indesejada, mas também prevenir ou tratar a acne e minimizar as alterações hormonais causadas pela Tensão Pré Menstrual (TPM). Mas o número de relatos negativos sobre o uso da pílula com esse tipo de hormônio tem crescido. Mesmo apresentando diversas vantagens, o uso do medicamento trouxe problemas de saúde, e casos como trombose, acidente vascular cerebral (AVC) e embolia pulmonar estão entre os mais citados. A ginecologista Claudimary Oliveira afirma que o anticoncepcional é indicado a toda paciente que tem atividade sexual para controlar a Síndrome do Ovário Policístico (SOP), regular o ciclo menstrual e para evitar gravidez. “Existem outros métodos recomendados no caso de quem não quer engravidar, depende muito do histórico de saúde da paciente, porque em alguns casos a pílula é contraindicada ”, explica. A doutora também afirma a necessidade de procurar um médico caso alguns incômodos permaneçam como dores fortes de cabeça, nas pernas, enjoos e febre. E não fazer mais o uso da pílula, até o diagnostico médico. Como todo medicamento, a pílula anticoncepcional tem contraindicações. Segundo relatório do Ministério da Saúde, mulheres diagnosticadas com hipertensão arterial, doenças tromboembólicas em

Facebook, Trombose X Anticoncepcional. Ela foi diagnosticada em 2015 com trombose venosa profunda na perna esquerda. O incômodo com o fluxo menstrual a fez procurar um médico, que receitou o uso da pílula. Após o segundo mês de uso, Aline passou a sentir dores na panturrilha esquerda e foi ao hospital. “Fiquei sete dias internada. Quando recebi alta, a médica me afastou do trabalho por seis meses. Já estou há nove meses afastada do trabalho, tomando remédio e usando meias de compressão. Os últimos exames mostram ainda o coágulo, que ainda não se desfez”, relata. “Vítimas de anticoncepcionais. Unidas a favor da Vida” é uma página que reúne mais de 80 mil seguidoras no Facebook. Ele tem sido um portal de desabafos e reclamações de muitas mulheres que tiveram sérios problemas de saúde devido ao uso da pílula. Elas trocam informações e contam suas histórias. Sem orientação médica algumas mulheres se arriscam, como foi o caso da empresária Adriana Moreira, 27 anos, que mesmo sendo hipertensa iniciou o uso da pílula por recomendação de uma amiga para o tratamento de espinhas. “Senti muita dor de cabeça nos três primeiros meses, mas não relacionava isso ao uso do medicamento. Nos meses seguintes percebi o surgimento de varizes, aumento da gordura localizada, muito estresse e ansiedade, mas como minhas espinhas haviam melhorado bastante nem cogitei suspender o uso”, conta Aline. A empresária continuou tomando o contraceptivo por quase um ano até


perceber o inchaço das pernas. Com ajuda, Aline descobriu que por ser hipertensa uma trombose tinha se formado. Ela ficou internada por uma semana em repouso absoluto.

Anvisa A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou um alerta, em 2011, sobre possíveis reações adversas em mulheres que tomam anticoncepcionais com o hormônio drospirenona. O alerta orienta médicos a conversarem com seus pacientes sobre sinais e sintomas do tromboembolismo venoso e pulmonar. Mesmo com as recomendações, a pedagoga Daniele Medeiros foi vítima de negligência médica. “Em 2014, aos 32 anos, iniciei o uso da pílula, indicada pelo ginecologista, para tratar a SOP mesmo eu sendo portadora de uma mutação genética hereditária que favorece a formação de coágulos e à trombose, o Fator V de Leiden”, relata Daniele. Depois de uma forte febre, a pedagoga foi internada e ficou em coma induzido por

Foto: Giovanna Ferreira e Layla Andrade

40 dias. “Tive três paradas cardíacas e várias respiratórias, além de tromboembolismo pulmonar e pneumonia. Meus membros inferiores necrosaram dos joelhos pra baixo”, conta Daniele. A pedagoga teve que amputar os dedos dos pés. Em todo caso, é muito importante que as mulheres procurem saber sobre o quadro geral de sua saúde e discutir detalhadamente com seu médico quando for o caso de usar a pílula anticoncepcional. Além disso, mesmo usando a pílula, caso sinta algum desconforto, descontinue o use e procure imediatamente orientação profissional. Entramos em contato com a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), mas o Artefato não obteve respostas até o fechamento desta edição.

Alternativas Para mulheres que fazem parte do grupo de risco ou já tiveram algum problema com o uso do anticoncepcional, há outros métodos não hormonais, seguros e eficazes para prevenir

a gravidez indesejada, como os preservativos masculino e feminino. Há também os contraceptivos internos que são os mais procurados nos hospitais, como o dispositivo intrauterino (DIU) e o diafragma, pois, ambos impedem a migração dos espermatozoides e, consequentemente, a fecundação. Um outro método que ainda está em pesquisa, mas gera opiniões controversas é a pílula masculina, considerado o 18º contraceptivo. Como desafios os pesquisadores procuram desenvolver uma fórmula que evita problemas com a infertilidade e o desempenho sexual. A pílula bloquearia a liberação de espermatozoide durante o ato sexual evitando uma possível fertilização. Isso daria a oportunidade aos homens de optar por um método menos invasivo e de possível reversão. Vale lembrar que nenhum desses métodos orais e internos evitam as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), como a siflís e a AIDS. Apenas o preservativo é capaz de oferecer segurança contra essas doenças e um gravidez indesejada.

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CRÔNICA

Não sou obrigada Susanne Melo

Há meses, conheci o homem perfeito. Muito carinhoso, fazia de tudo pra estar perto de mim, romântico... Até me fez querer algo que eu jamais havia imaginado: casar. Apresentei à família, compramos apartamento juntos; investimos no relacionamento. Um mar de rosas. No trabalho também. Harmonia! Sempre fui a funcionária exemplar. Sempre prestativa, cumpro com todas as demandas da minha função. Acho que minha chefa não tem do que reclamar; ela fala, eu acato. Faço tudo sem murmurações, sem questionamentos, sem pensar demais. É o meu ponto de vista para manter um bom relacionamento no trabalho. Até começamos a almoçar juntas de vez em quando! O tempo passou e, como era de se esperar, o romantismo diminuiu, o cavalheirismo acabou. Mas está tudo bem, nosso relacionamento é estável. Embora eu ainda estivesse totalmente encantada, ele já não demonstrava o mesmo interesse. E ai de mim se não envio uma mensagem fofa ao chegar em casa! Mas é normal. Coisa de homem... né?! Pra piorar, parece que a chefa está cansada. As funções dela são, cada dia mais, passadas para mim. Tudo bem, “tamo” aqui pra ajudar. Estamos quase amigas, talvez ela me conte o que está acontecendo. Por hora, seguro as pontas na empresa.

Mas na minha vida pessoal, as coisas começaram a ficar bem estranhas. Como assim eu devo excluir meus perfis nas redes sociais? Como assim não posso sair à noite com minhas amigas? Será que venho me comportando de forma vergonhosa durante todo esse tempo? Não, não é nada demais. Assim como minhas roupas curtas: nada demais. Mas que implicância é essa agora? Será que deixei meu companheiro mal acostumado? Falha minha. Deveria ter estabelecido limites desde o começo. Agora não tem mais jeito. Se eu fui a responsável por esse comportamento, tudo bem. Eu aguento. Quando chego ao escritório eu já ouço a gritaria. O que está acontecendo?! O mundo desmoronando ao meu redor? De repente, sou motivo de chacota no trabalho. Xingamentos sem fim. Talvez seja o dia que esteja péssimo mesmo... Ou não. Há semanas venho ouvindo reclamações desnecessárias, pressões sem fim de funções que nem são minhas! E mais xingamentos. Tenho ido demais ao banheiro apenas para chorar e tentar desabafar essa sensação de ser humilhada por nada. Isso não está normal. Não. Eu não aguento. Preciso me impor e colocar um basta. É isso. Estabeleci algumas regras. Mas... O quê?! Eu nunca o vi chorar antes! Chorou. Arrependido, não quer terminar tudo. Pediu desculpas. Eu senti culpa. Como tive coragem de

pensar em acabar um relacionamento tão lindo? O que diria para minha família? Eu exagerei. Eu o amo. Perdoei. Segui perdoando, até que... apanhei pela primeira vez; fui trancada em casa; não podia sair para almoçar até entregar o último relatório; comecei a ter vergonha de ser vaidosa; senti medo de sair com meus amigos; a humilhação excedeu seus limites; chorei e não voltei para a mesa do escritório. Ah, não suporto mais tudo isso! Meu sangue ferve e meu coração pede socorro. Percebo que só eu posso me ajudar; eu não preciso mendigar atenção, amor ou respeito. Agora eu sei: só eu posso me fazer feliz! Sempre fui o tipo de mulher cheia de autoestima, que controla a situação e sabe lidar com as adversidades da vida. O convívio com essas pessoas tóxicas sugou minha energia e minha positividade. Mas... para infelicidade deles e minha sorte, meu amor próprio permaneceu aqui, quietinho, em mim. Resolveu aparecer e eu resolvi dizer: Não! Voltei a protagonizar minha própria vida, a estabelecer os limites necessários para a minha dignidade. Rolou delegacia da mulher. Rolou delegacia do trabalho. Rolou denúncia nos órgãos competentes. Nas redes sociais na internet eu fiz campanhas de conscientização. Sim! Porque, se tem uma coisa que eu não sou, é obrigada. Foto: Amanda Lima

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