ASTROLOGIA A internet vira o caminho para quem busca respostas sobre si Pg. 20 e 21
DOMÉSTICAS Na última reportagem da série, histórias de “casas de família” Pg. 18 e 19
BELEZA O culto ao corpo e o esforço para ser perfeito adoece cada vez mais pessoas Pg. 06 e 07
PORNOGRAFIA Legitimidade e protagonismo marcam cenário e personagens que dão vida à ocupação cultural Pg. 12 e 13
Se o sexo vira problema, a alternativa são os tratamentos de saúde e terapia Pg. 04 e 05
EDITORIAL Chega ao fim o Artefato do segundo semestre de 2016. A disciplina, sem sombras de dúvidas, é decisiva e determinante para definir o tipo de profissional que nós, estudantes, seremos no mercado de trabalho. Produzir, editar, diagramar e principalmente viver a realidade de um jornal, nos ajudou a definir como vamos nos portar frente às dificuldades e desafios do jornalismo contemporâneo. O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros diz que a atividade jornalística deve ter “como base o direito fundamental do cidadão à informação”. Guiada por essa premissa, a equipe do ARTEFATO, durante as três edições, trabalhou temas de interesse social e que levantam discussões, abrangendo distintas questões e aspectos que impactam diretamente no cotididano. As reportagens escritas pelos repórteres humanizam a profissão do comunicador, característica do jornalismo plural e ético. O jornalismo que leva a informação correta, o jornalismo que vê a tudo e a todos. Os assuntos tratados durante essa jornada dão destaque a fatos do cotidiano que são ignorados. Para encerrar as atividades, nós buscamos novos desafios e pautas inovadoras. O nosso objetivo é que este jornal converse com você, leitor. O desafio maior é explorar assuntos que não são abordados pela grande mídia. O universo peculiar do Mercado Sul, em Taguatinga, é a matéria de capa com histórias e personagens únicos. Neste jornal, você encontrará reportagens sobre jovens missionários na Internet, empoderamento feminino por meio da poesia e saúde pública. A última reportagem da série sobre empregadas domésticas conta os desafios que esses profissionais ainda têm pela frente. Os temas não acabam aí! Até que ponto a vaidade pode virar doença? Duas reportagens tratam do assunto, a pornografia é capaz de destruir relacionamentos. Já a obesidade infantil pode virar uma tortura na vida de muitas famílias. Em meio a tantas angústias, a astrologia se transforma em tábua de salvação para muita gente que recorre à Internet. Na correria da graduação, dos conflitos, desafios de romper com as próprias limitações e alcançar novos sonhos, trabalhamos como profissionais e estamos felizes em dizer que nessa miríade de obstáculos conseguimos produzir reportagens inspiradoras e textos envolventes. Foi uma gestação: com dores, dificuldades e lamentações, mas ao final de cada “nascimento” as edições se mostraram satisfatórias e motivo de orgulho para todo grupo. Foram três no total e muita satisfação - a certeza que Jornalismo é a nossa vida! A Equipe ARTEFATO está pronta para os próximos desafios com a certeza que as dificuldades ajudaram no aprimoramento e no fortalecimento das determinações porque no Jornalismo é assim: as vitórias são diárias e o novo é constante. 2
EXPEDIENTE Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Brasília Ano 17, nº 6, novembro/dezembro de 2016 Reitor: Prof. Dr. Gilberto Gonçalves Garcia Pró-Reitor Acadêmico: Dr. Daniel Rey de Carvalho Pró-Reitor de Administração: Prof. Fernando de Oliveira Sousa Chefe de Gabinete da Reitoria: Prof. Dr. Dilnei Lorenzi Diretora da Escola de Educação, Tecnologia e Comunicação: Drª. Christine Maria Soares de Carvalho Coordenador de Curso de Jornalsimo: Prof. Dr. Joadir Foresti Professora responsável: Profa. Drª. Renata Giraldi Professora Auxiliar: Profa. MsC. Angélica Córdova Orientação de Fotografia: Profa. MsC. Bernadete Brasiliense Apoio: Prof. MsC Moacir Macedo, Prof Fernando Esteban, Cristian Lisboa, Janaína Araújo, Larissa Nogueira e Marianne Paim, Samyr Almeida Apoio Técnico: Sued Vieira Monitora: Jéssica Luz Editores-chefes: Bruna Andrade, Gilvanete Costa e Marina Brauna Editores de arte: Fernanda Sá e Matheus Contaifer Editores de texto: Flávia Alves e Mateus Lincoln Diagramadores: Celise Duarte, Isabela Moreno, Lorena Souza, Lucas Rodrigues, Maiza Santos e Tissyane Scott Editores de fotografia: Charles Jacobina e Gláucia Cardoso Subeditores de fotografia: Thiago Suares Editores web: Rodrigo Souza, Stella Fernanda e Vitor Stoianoff Social mídia: Faby Rufino e Vitor Stoianoff Repórteres: Amanda Ferreira, André Baioff, Bárbara Bernardes, Bárba Xavier, Bruna Andrade, Bruce Macedo, Celise Duarte, Charles Jacobina, Elizabeth Oliveira, Fernanda Sá, Faby Rufino, Gabriela Mota, Gilvanete Costa, Gláucia Cardoso, Isabela Menezes, Isabela Moreno, Lucas Rodrigues, Luiza Barros, Maiza Santos, Marina Raissa, Marina Brauna, Mateus Lincoln, Matheus Contaifer, Mylena Tiodósio, Nikelly Moura, Raphaella Torres, Rodrigo Souza, Rosana Santos, Stella Fernandes, Tarcila Rezende, Thais Miranda, Thais Rodrigues, Tissyane Scott, Vítor Stoianoff Checadores: Amanda Ferreira, Bruce Macedo, Mylena Tiodósio e Rodrigo Souza Fotógrafos: Aline Brito, Ana Caroline Martins, Ana Clara Arantes, Ana Cláudia Alves, Ana Clara Pessoa, Adriana Gonçalves, Andressa Paulino, André Rocha, Brena Oliveira, Brenda Santos, Bruna Neres, Caio Almeida, Camila Sousa, Daniel Neblina, Fernanda Soraggi, Iago Kieling, Joksã Natividade, Juliana Dracz, Lukas Soares, Mabel Félix, Marcos Prudêncio, Matheus Dantas, Mirelle Bernardino, Patrícia Nadir, Paula Carvalho, Renata Nagashima, Rodrigo Neves, Sara Sane, Thiago Siqueira, Thiago Suares, Verônica Holanda e Yasmin Cruz Ilustrações: Fernanda Sá, Matheus Contaifer e Freepik.com Tiragem: 2 mil exemplares Impressão: Gráfica Athalaia Universidade Católica de Brasília EPTC QS 7, Lote 1, Bloco K, Sala 212 Laboratório Digital Águas Claras, DF Telefones: 3356-9098/9237 Todas as matérias têm ampliação de conteúdo na web. Acesse nossas redes sociais e site. E-mail: artefatoucb1@gmail.com Jornal online: issuu.com/jornalartefato Facebook: facebook.com/jornalartefato artefatojornal.wordpress.com Snapchat: @artefato Instagram: @jornalartefato
Foto: Spa Sorocaba
SAÚDE
Distrito Federal lidera ranking nacional de obesidade infantil Luiza Barros
No Distrito Federal, uma em cada três crianças, de 5 a 10 anos, apresenta sobrepeso, segundo pesquisa realizada pelo Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional em parceria com o Ministério da Saúde. De acordo com especialistas, os números são alarmantes. O quadro é agravado por um conjunto de fatores: genética, alimentação inadequada e sedentarismo impulsionam a obesidade infantil. Porém, as causas podem começar ainda na amamentação e serem acentuadas com o consumo de alimentos industrializados. De acordo com o levantamento da Global Burden of Disease - grupo de pesquisa norteamericano que avalia a mortalidade de grandes doenças -, o Brasil ocupa a quinta posição entre os países com o maior índice de obesos no mundo, perdendo para os Estados Unidos, China, Índia e Rússia. No Brasil, calcula-se a existência de 22 milhões de pessoas acima do peso, das quais 83,8% são crianças. “Comecei a sentir os problemas da obesidade aos 25 anos, agora, com 42, sinto os problemas do meu filho”, desabafou a advogada Simone Lima, que conta o drama vivido pelo filho Victor Hugo, 12 anos, que é vítima de doenças respiratórias em
decorrência dos 29 quilos acima do ideal. No caso de Victor Hugo, a nutricionista Kátia Baptista, é preciso avaliar a possibilidade também do ar não entrar corretamente pelas vias nasais o que danifica o pulmão. Lara Garcia é especialista em nutrição infantil e costuma propor mais atenção no preparo dos lanches dos filhos na escola. “As crianças devem levar pelo menos duas frutas diferentes, uma fatia de pão ou dois biscoitos de água e sal com o acompanhamento do suco natural preparado em casa”, sugeriu ela. De acordo com a especialista, o importante é dosar a quantidade de doces, frituras e massas consumidas pelas crianças durante a semana. O equilíbrio, segundo ela, está na escolha por legumes e verduras, assim como o arroz e o feijão. Desta forma, a criança estará bem alimentada e evitará a tendência ao sobrepeso. A professora de Educação Física Daiane Patrícia Fernandes defende que os pais deveriam incentivar mais a prática de esportes. “As crianças não se interessam mais em fazer atividades físicas, o celular têm sido um instrumento muito ‘viciante’ e que toma boa parte do tempo delas”, observou. “Elas
precisam de um momento para brincar e movimentar o corpo”, disse ela, sugerindo limites ao acesso à internet e aos jogos de videogame. Valéria de Assis, 37 anos, conta que a filha Bianca, 14 anos, sofre com sobrepeso e não consegue praticar atividades físicas. “Ela fica extremamente cansada e depois dos exercícios, está ofegante”, reagiu. Para Marcos Georggini, fisioterapeuta e personal training, o problema da adolescente é a inconstância da prática. “Não adianta fazer atividade física um dia sim, outro não. É preciso praticar todos os dias e aos poucos, assim o ritmo aumenta com o hábito”, ensinou. A nutricionista infantil Clarisse Lima disse que, embora os fatores relacionados à genética sejam os que mais acarretam o sobrepeso e a obesidade, o quadro pode ser facilmente revertido. Segundo ela, o ideal é mudar a rotina da casa e os hábitos alimentares. “Alimentação balanceada, prática de atividades físicas e fazer com que criança durma cedo por volta das dez da noite e acorde às oito da manhã, assim o sistema digestivo funciona de forma correta e são evitados os problemas de sobrepeso”, disse ela.
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Sensação trazida por vídeos eróticos na internet pode ser ainda pior se comparada com a cocaína e heroína Tissyane Scott
Segundo Morgan Bennett, do Instituto de Witherspoon, a pornografia pode ser ainda pior que as dependências químicas. “Com a pornografia, não há um período de abstinência que possa apagar os ‘carretéis’ pornográficos de imagens no cérebro que podem continuar a alimentar o ciclo viciante”. Isso porque, segundo Morgan, na masturbação não é liberado a endorfina-substância responsável pela satisfação- ao contrário do que acontece no ato sexual,assim, a falta dessa sensação levará a pessoa a repetir inúmeras vezes o feito. A terapeuta sexual Priscila Calil afirmouque um dos motivos do excesso da pornografia se dá pela falta de intimidade sexual e até de diálogo com o parceiro. “A pornografia acaba se transformando numa muleta para suportar a situação dentro do lar.¨
Como foi o caso da Ana Beatriz*, que se divorciou pela obsessão do ex-marido com pornografia. “Ele demorava a ir para a cama, só ficava no escritório e um dia acordei para saber o que tanto ele fazia e vi que estava se masturbando. Na outra semana fiz uma surpresa, mas, na hora ele não ficou excitado, pensei que o problema era comigo, mas descobri que era mais um problema da cabeça”, contou ela. No Brasil, há o grupo Dependentes de Amor e Sexo Anônimos que trata os participantes e os ajuda a contornar o vício. Os participantes seguem os mesmos 12 passos do Alcóolicos Anônimos, em que o primeiro passo é o reconhecimento da dependência. Atualmente o grupo está localizado em 16 estados- e há previsão de abertura para um grupo em Brasília é em março de 2017. Há também ajuda online, como é o caso do site NOFAP. A proposta é um desafio que consiste em ficar sem a masturbação e vídeos eróticos por 90 dias. Existem fóruns e também a versão brasileira. Foto: Visual Hunt
Entre quatro paredes e com acesso à internet, basta um clique para entrar no mundo da fantasia sexual - lugar sem preconceitos ou julgamentos: são vídeos, imagens e gifs que atendem todos os gêneros e gostos. Em um espaço com tanta liberdade, é preciso tomar cuidado para o prazer não se tornar vício. Especialistas não classificam o “hábito pelo pornô” como transtorno mental, mas uma pesquisa recente, que compara tal costume como uso de drogas, pode mudar o reconhecimento desse problema. A efeito da pornografia sobre o cérebro é o mesmo de substâncias químicas viciantes como a cocaína e a heroína. A cocaína é um estimulante de dopamina, responsável pelas sensações de prazer e motivação, o que poderia facilmente ser comparada com o ato da excitação sexual. E o orgasmo causaria o mesmo efeito relaxante presente na heroína.
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INTERNET X REVISTAS Há pouco mais de duas décadas, o acesso à pornografia era bem mais difícil para os jovens do que ocorre atualmente, pois a compra de revistas eróticas só era permitida para adultos. Com a internet, a pornografia mudou: é só procurar em um site de buscas que aparecem milhares de links. Não é de se espantar que as revistas de conteúdo erótico não tenham mais as vendas de tempos atrás, como contou Jaqueline Carvalho, funcionária de uma banca de revistas da Rodoviária de Brasília. “Nós só trabalhamos aqui com a Playboy e a Sexy, e os números de exemplares vendidos variam de cinco a dez, por mês, no máximo”, afirmou. Essa reformulação faz com que homens e mulheres vejam o sexo de outra forma e passam a ficar decepcionados quando vão de encontro com a realidade. Priscila Calil, que já tratou de alguns pacientes nesse vício, considera que esse problema se dá também quando a pessoa não está bem resolvida no relacionamento e nem com ela mesma. “Os indivíduos que já tratei com vício em pornografia, traziam junto disfunções sexuais importantes.O tratamento as informa a respeito dos males da pornografia, após entenderem os seus problemas e limitações, eliminaram de suas vidas a pornografia.” *o nome foi alterado para preservar a identidade da entrevistada
A expressão “pornografia” surgiu pela primeira vez nos “Diários de uma Cortesã, autor desconhecido.Nele são narradas histórias sobre prostitutas e orgias, quando a palavra pornographos significa “escritos sobre prostitutas”.
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SAÚDE
Vigorexia, mal silencioso Doença faz com que as pessoas se vejam magras, quando estão fortes e musculosas Gilvanete Costa & André Baioff
Anorexia x Vigorexia A vigorexia é o contrário da anorexia, que o indivíduo busca emagrecer e cerca de 90% dos casos são de mulheres, dados do Índice Saúde mostram que o transtorno dismórfico corporal afeta principalmente homens que praticam musculação e fisiculturismo. Na vigorexia, o paciente se vê cada vez mais magro, mesmo quando tem músculos e veias saltitantes. A psicóloga Juliana Muniz Sobrinho afirma que o indivíduo desenvolve a vigorexia tem uma percepção errônea sobre si: “O que traz sofrimento ao sujeito, pois ele se mostra constantemente insatisfeito com o corpo ou 66
partes dele, fazendo de tudo para alcançar uma perfeição pondo a saúde”, afirmou. Juliana Muniz associa o transtorno a questões históricas: “Uma explicação para alta incidência deste transtorno nos homens é que pelos tempos reproduziram a ideia de que eles devem ser fortes e musculosos para proteger sua família.”
Briga com o espelho O advogado José C. Neto, 30, sofre de diversos transtornos como bulimia, anorexia e também vigorexia há dez anos. Ele conta que primeiro começou a malhar de forma intensa e, conforme os resultados surgiam, não tinha mais controle. “Passei a treinar intensamente e comecei a sentir diferença em alguns meses, mas não foi o suficiente e passei a usar suplementos.” Não satisfeito com o que via no espelho, José Neto decidiu partir para outros métodos, como os esteróides, substância proibida para o uso humano. “Passei a usar anabolizantes, chegava a tomar de duas a três doses por semana”, confessou ele, que passou a ter alguns sintomas: dormir, por exemplo, já não era tão simples. “Meu corpo fervia por dentro, mesmo no ar- condicionado precisava jogar uma toalha com água e gelo no chão para melhorar.” O advogado procurou ajuda de profissionais para tratar o problema, abandonou os hormônios e afastou-se da academia.
“Deixei de tomar anabolizantes e entrei em um processo de aceitação com psicólogos, psiquiatras e com medicação que melhorasse um pouco meu ânimo.” Em seguida, José Neto admite que a luta é constante. “Na verdade, vejo a vigorexia como um transtorno sério interno e eterno de insatisfação e aceitação do corpo. Acho a busca incessante pelo corpo perfeito uma doença que possui tratamento, mas é demorado”, lamentou José. Apesar das angústias, José Neto se reergueu e diz que hoje gosta do que vê no espelho. Ele mantém um grupo no Facebook com mais de seis mil seguidores. O espaço tem ajudado pessoas com transtornos alimentares e distorção de imagem. Especialista em Psicologia Clínica da Saúde e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB), Alexandre Cavalcanti Galvão, é categórico: “A pessoa com vigorexia perde a noção de si, torna-se muito forte, porém, não gosta do que tem. Eles, os fisiculturistas, têm uma preocupação pelo delineamento de seus músculos e boa parte deles acabam adquirindo o distúrbio.” No Brasil, a preocupação de tratar a vigorexia como saúde pública não está entre as prioridades. Há apenas um projeto que tramita na Câmara dos Vereadores de Venâncio Aires (RS). Nele, há uma política municipal de prevenção e combate às doenças associadas aos distúrbios alimentares, incluindo a vigorexia.
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O culto ao corpo vem desde a Grécia antiga, quando esculpiam estátuas em mármore, com a imagem humana padrão estético ideal de beleza. Essa padronização se estende até os dias de hoje. O desejo de ter um o corpo dos sonhos pode esconder muitos problemas e desencadear doenças psicológicas, como a vigorexia, quando o indivíduo não se aceita por não conseguir alcançar a perfeição – transtorno dismórfico corporal que afeta mais homens praticantes de musculação e fisiculturistas. Os sintomas são cansaço, insônia, ritmo cardíaco alterado, mesmo que o indivíduo não esteja fazendo esforço físico, dores musculares, tremedeira e baixo desempenho sexual. Há, ainda, irritabilidade, depressão, ansiedade e desinteresse por outras atividades que não estejam ligadas a atividades físicas.
COMPORTAMENTO
Quando a beleza leva à doença Padrões e estereótipos que fazem mal à saúde Elizabeth Oliveira
ou imaginário sobre a aparência, que leva a pessoa a se concentrar no assunto todo o tempo. Solange se tratou e contou com o apoio familiar. “Agora saio de casa sem maquiagem e não deixo de ir a nenhum lugar por causa da minha aparência. Não me considero perfeita. Sei que tenho meus defeitos, mas eles não me tornam uma pessoa feia”, contou Solange. Os pacientes diagnosticados com TDC representam cerca de 3% da população e enxergam seu ‘defeito’ maior do que realmente é. R. V.*, 30 anos, administrador, conta que percebeu que tinha algo de errado com sua autopercepção aos 16 anos. “Eu me sentia uma pessoa estranha”, disse ele. O seu grande problema, segundo R., era o nariz. Enxergava-o desproporcional ao seu rosto. Chegou a procurar diferentes médicos para fazer a cirurgia para modifica-lo, mas acabou desistindo, pois, não viam no que mexer. “Comecei a achar que todo mundo estava olhando pra mim, que me notavam (de um jeito diferente)”, completou. Ainda hoje não se considera totalmente curado, mas garante que já melhorou bastante com a ajuda da terapia.
diretamente ligada a esses distúrbios, ansiedade, hipertensão e diabetes, por exemplo. “São quadros clínicos, psiquiátricos híbridos. É muito comum ter uma pessoa acima do peso que possa vir a ter anorexia por conta do bullying”, afirmou Joana. Com apoio do pai, Paula deu uma reviravolta em sua vida. A partir do projeto “Sobre Nossa Visão Distorcida”, um documentário sobre a autoestima, bullying e depressão, ela começou a ganhar confiança em si mesma e já conquistou vários prêmios na área audiovisual. A psicóloga Luciana Brasil, especialista em transtornos alimentares, alerta que os tratamentos nestes casos devem ser acompanhados tanto por psicólogos quanto por psiquiatras. “Nunca se exigiu que a gente fosse tão magro e nunca se ofereceu tanta comida”, enfatizou, lembrando que vivemos numa sociedade contraditória. *Não quis ser identificado.
Outros males A pesquisadora ressaltou ainda outras enfermidades ligadas à aparência que podem levar à problemas de depressão e outros transtornos. Na lista dela, estão anorexia, bulimia, ortorexia, vigorexia e diabolimia, todas classificadas como distúrbios alimentares. Paula Kim é paulista, filha de imigrantes sul-coreanos, sofria bullying na escola e aos 11 anos começou uma dieta para emagrecer. Aos 13, estava abaixo do peso e já não sangrava mais quando se cortava. Diagnóstico: anorexia nervosa. A psiquiatra esclarece que casos como este são muito comuns e acarreta numa série de comorbidades, como a depressão que está
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No Império Romano, o filósofo Sêneca alertou sobre os riscos causados pelo culto à beleza: “é inata em nós a estima pelo próprio corpo, temos o dever de cuidar dele. Não nego que devamos dar-lhe atenção, mas nego que devamos ser seus escravos”. Séculos depois, a busca pelas curvas suntuosas agora dão lugar a silhuetas retas, esguias e cada vez mais secas. Mas a que preço tamanho esforço? Pelos padrões atuais, o belo está associado à silhueta esbelta que nem sempre representa saúde. Para a psiquiatra, professora e coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social - LIPIS da PUC-Rio, Joana Vilhena de Novaes, essa é uma visão que reflete a “sociedade do consumo”. Pesquisadora do assunto há mais de 20 anos, Joana atesta a ilusão causada pelo padrão estético dito perfeito. “A beleza virou um passaporte para a felicidade”. Segundo ela, essa preocupação com o ideal de beleza é um “sintoma social” e tem aumentando nos últimos anos, sobretudo, devido ao valor que é dado à imagem corporal. Solange Cassanelli é catarinense, publicitária e tem 33 anos. Descendente de italianos, alta, branca, cabelos loiros, tem sardas e é magra, sonho da maioria das adolescentes. Mas não era assim que ela via o seu próprio reflexo: olhos grandes, dentes tortos, nariz de batata, magra demais e um rosto coberto de manchas. Foi preciso fazer terapia para descobrir o mal que a acometia: dismorfia corporal. Em seguida, começou o tratamento adequado. Para tratar o Transtorno Dismórfico Corporal (TDC), caracterizado pela intensa preocupação em relação a um defeito mínimo
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Charles Jacobina
Sinuca: do hobbie à profissionalização
Uma mesa de bilhar ali, outra aqui. Não é difícil ver a “sinuquinha” em vários dos bares espalhados pelo Distrito Federal. Amigos pagam a ficha e se divertem. Os mais ousados apostam R$ 5,00, R$ 10,00 e R$ 50,00 ou uma cervejinha. Mas essa negociação é válida apenas para quem quer brincar. Já no “sinucão”, a competição, segue regras rígidas com direito a campeonatos internacionais, organizações específicas e atletas que se preparam por anos. A “sinuquinha” é o jogo tradicional das 15 bolas ímpares e pares - coloridas e uma branca, que é a chamada “tacadeira”. Essa mesa é a mais popular, encontrada nos botecos e bares da cidade, o público não passa de amadores ou iniciantes no esporte. A regra principal é: o jogador fica com uma série par ou ímpar e vence o jogo aquele que encaçapar – fazer com que a bola entre na caçapa – todas de uma só vez. Já o “sinucão”, snooker (do inglês) ou sinuca brasileira é jogado com sete, 13, 16 ou 22 bolas de cores diferentes – vermelha, amarela, verde, marrom, azul, rosa, preta e branca –, cada cor equivale a uma pontuação – valendo de um a sete pontos. Essa modalidade tem uma característica reservada em nível de competição mais formal. No Brasil, é consagrado vitorioso aquele que fizer mais pontos a partir de uma ordem. Pelo histórico da Federação de Sinuca do Distrito Federal, a prática dos jogos chegou ao Brasil muito antes da fundação de Brasília e rapidamente se espalhou pela cidade. Nesta época, o jogo era marginalizado. A partir dos anos de 1980, o esporte chegou a ter uma visibilidade maior com modalidades diferenciadas e campeonatos 8
O esporte com diferentes regras vai além de diversão
regionais, nacionais e até internacionais. Para o presidente da federação, Fernando José Ferreira da Silva, 73 anos, o preconceito em torno do esporte envolve aspectos que não tem relação direta com a prática da sinuca em si. “Não apoiamos as práticas que envolvem apostas e bebidas. Essas ações que carregam uma visibilidade negativa. Apoiamos o esporte que é jogado com regras reconhecidas pelo Conselho Nacional de Desportos”, disse ele. O vice-presidente da FSDF, Daniel Furtado de Morais, 63 anos, acrescentou que houve mudança na forma como a sinuca é vista atualmente no país em comparação aos anos 60. “Hoje temos jogadores brasileiros nos rankings mundiais. O Brasil vem crescendo na modalidade, levando jogadores a jogarem no exterior com a regra inglesa (Snooker)”, relatou ele. O ARTEFATO conversou com dois dos principais competidores do país. Robson Alves, 49 anos, que tem orgulho da conquista dos dois vice-campeonatos nacionais, 10 títulos brasilienses e vários títulos paralelos nas competições menos reconhecidas no Brasil. A prática do esporte começou logo na infância, quando observava os tios jogarem. “Comecei com 15 anos, parei por um tempo e voltei. Faz 15 anos que participo das mais variadas competições do DF e de outros estados do Brasil e venho me
destacando”, contou Robson Alves, que treina seis horas por semana na mesa inglesa. Com todos esses títulos conquistados, ele calcula ter recebido cerca de 20 mil reais somente no “sinucão”. “Não é possível viver (economicamente) apenas deste esporte, por isso o tenho como um hobbie”, ressaltou o atleta que é dono de óticas em Brasília. Nivaldo José da Silva, 50 anos, é um concorrente forte de Robson Alves e famoso no cenário do sinucão brasiliense. Conhecido pelo apelido “Sobradinho”, dado por jogadores de sinuca de Brasília, conta com dezenas de títulos em seu currículo: uma Copa do Brasil de Sinucão, um vicecampeonato nacional, 17 Campeonatos de Brasília e um paulista. Mesmo com tantos títulos, Sobradinho contou que a carreira foi marcada por muitas dificuldades. “Posso dizer que a quantidade de dinheiro que eu ganhei em todos esses anos, não foi suficiente para pagar o tanto de despesas que tive com o jogo. Não temos quase nenhuma ajuda de custos da federação”, reagiu Sobradinho. Crítica que é rebatida pelo presidente da federação, Fernando José Silva. Segundo ele, é difícil levantar recursos para o esporte a começar pelos valores pagos nas competições: “O principal campeonato do Brasil paga para o primeiro colocado cerca de R$ 5 mil. No Reino Unido, os campeonatos chegam a pagar cerca de R$ 2 milhões para os campeões”.
Foto: Charl es Jacobina
COMPORTAMENTO
Crianças x Tecnologia: males e benefícios
TECNOLOGIA
Foto: Sara Sane e Thiago Siqueira
Estudo mostra que a geração “Z” lida naturalmente com meios tecnológicos
Amanda Ferreira
Uma pesquisa feita pela empresa produtora de software, a AVG Technologies, em 2015, revelou que 97% das crianças no Brasil entre 6 e 9 anos usam a internet e, 54% delas já possui perfil no Facebook. O estudo fez mais de 2 mil entrevistas com mães em países como Brasil, Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia, Itália e Japão. Essas crianças são chamadas de geração “Z”, pois nasceram a partir da década de 1990 e representam o boom tecnológico. João Pedro Nunes, 11 anos, é uma dessas crianças que já tem um perfil no Facebook, além de passar boa parte do tempo entretido com jogos online. “Minha mãe não queria que eu usasse o Facebook, mas eu entrava no dela sempre que podia, até que depois de tanto pedir, ela fez um pra mim. Eu entro sempre pelo celular dela, e a senha já fica salva”. Já Maria Eduarda Dantas, 13 anos, também tem uma conta no Facebook, e relatou que passa bastante tempo na rede social, “porque gosto muito de postar foto”, disse. Com o uso da tecnologia no cotidiano, a vendedora Edna Silva, 43 anos, contou que controla os filhos e suas atividades na internet: “Tenho
dois filhos pequenos, um de 8 e outro de 10 anos. Eles gostam de mexer no notebook e no meu celular, mas só podem fazer isso comigo ou algum adulto por perto, e também eu estabeleço limite até para eles assistirem TV, porque se deixar, eles ficam o dia todo”. As preocupações dos pais e da sociedade como um todo sobre a utilização cada vez mais ativa da tecnologia pelos pequenos é com a pedofilia (quando adultos se sentem atraídos por crianças). A dona de casa Maristela Oliveira, 40 anos, permitiu que a filha, de 13 anos, mantenha um perfil no Facebook, mas acompanha o que a menina faz na rede social. “Como pais, devemos ficar em alerta, porque existe muita gente ruim no mundo e muito pedófilo na internet”, disse ela. Para se manter atenta às coisas que a filha faz na internet, Maristela tem todas as senhas das redes sociais da filha, e costuma entrar no bate papo do Facebook para ver as conversas dela. Ana Cristina, a filha, contou ser tranquila em relação a essa proteção da mãe, “porque sei que minha mãe só está cuidando de mim”, expressou ela. A relação das crianças com a internet
também levanta questionamentos a respeito da tecnologia ser ou não prejudicial no desenvolvimento e aprendizado dos pequenos. A pedagoga Lohane Peixoto trabalha com educação precoce, uma área voltada para crianças de 1 a 4 anos com deficiência e transtornos. De acordo com ela, a tecnologia funciona como aliada na aprendizagem, mas deve ser usada de forma adequada e com tempo pré-determinado. Segundo a pedagoga, são necessárias algumas orientações aos pais para que eles saibam lidar com essa era tecnológica. Ela afirma que é preciso desenvolver uma rotina com a criança, de modo que ela tenha tempo definido para fazer uso da tecnologia, brincar, fazer atividade física, socializar com a família e amigos, entre outras atividades que estimulem a criança. Lohane também lembrou que “a tecnologia não pode ser utilizada como uma forma do adulto se desvencilhar da criança, não pode ser um substituto da interação dela com a família, e nem vice-versa, pois esses processos de trocas são fundamentais para o desenvolvimento”, completou.
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PERFIL
Sonhos rimados
Um artista de Ceilândia em defesa da arte popular Maiza Santos e Flávia Pacheco
é fazer com que as pessoas aceitem quem você é e lutar pelo o que quer”. 10
Ao definir o trabalho que faz, Caduco reagiu: “Muita gente pensa que as ‘batalhas’ são xingamentos e que as pessoas vão lá para ofender uma à outra. Mas, não, essas batalhas existem para todos trocarem conhecimento. É uma reunião de ideologia”. Assim, determinado, em 2015, Caduco foi protagonista do curta-metragem Faz seu corre, produzido em Ceilândia e exibido no Festival de Cinema de Brasília. A produção é um de seus maiores orgulhos. O filme narra o dilema de um jovem que precisa ajudar a mãe a pagar a dívida do aluguel para não ser despejada.
Foto: Fernando Soraggi
Um sorriso tímido esconde a força Um dos eventos organizados por das cordas vocais de um jovem sonhador Caduco é o Consciência Ritmada. “Tem que se define como rapper, mas que sarau, batalha de rima, b-boy, skate. É a também canta MPB. “São sinônimos”, consciência em um ritmo, colocar o que brincou. No palco, a timidez some e o garoto você pensa em qualquer tipo de arte. Na franzino se revela um artista com rimas verdade, é a junção de todos os tipos de ousadas. Marquinhos Caduco, de 23 anos, artes, em um evento só”, afirmou. é um espírito aventureiro que experimenta O trabalho que faz é um sonho e se permite viver todas as facetas da arte. de infância e ele procurou especialização É em Ceilândia que o Marquinhos para desenvolvê-lo. “Queria juntar uma Caduco artista atua como agente cultural galera, cada um com sua arte. Mas só no P Sul e movimenta consegui entrar a cena da cidade. Um fundo nessa ideia em artista completo a seu outubro de 2014. Eu modo: não tem CD estava trabalhando “A MAIOR com milhares de cópias e apareceu vendidas, a música dele DIFICULDADE É FAZER um curso de não toca nas rádios e produção de COM QUE AS PESSOAS seu curta-metragem eventos, m não lotou salas de o c u p a ç ã o ACEITEM QUEM VOCÊ cinema. O estrelato de espaço não é uma realidade público. É E LUTAR PELO O no presente, o início da Aprendi a QUE QUER”. caminhada é trilhado ocupar espaço na rua do anonimato público, sem e ele sonha com a ter problema valorização de sua arte e com polícia o dia em que ela seja seu único sustento. e vara da infância”, disse. Compositor desde muito jovem, sua No P Norte, um outro espaço inspiração vem de tudo que vê de forma de expressão une as diferentes espontânea. Segundo ele, quando tenta tribos urbanas cujo elo são procurar em lugares específicos, não o apreço pela arte e a encontra, “às vezes, estou no ônibus e, necessidade de expressão casualmente, a inspiração vem. As minhas e representatividade. Às melhores letras eu perdi, porque não terças-feiras, sempre tinha onde escrever”, disse. Como agente às 19h00, na Praça da cultural, Caduco organiza e participa de Bíblia, o local vira vários eventos na cidade. Mas, pelo menos, palco para poetas dois entraves são constantes na vida dele: que protestam em faltam recursos e há preconceito. Após forma de versos, ser rotulado de “doido e vagabundo”, o no “Sarau-Va”. artista desabafou: “A maior dificuldade
ECONOMIA POPULAR
Crowdfunding, vaquinha virtual
Histórias de sucesso e outras nem tanto da nova mudança de hábito Faby Rufino
necessária para atender à uma oportunidade de trabalho na Índia. Com o objetivo alcançado, hoje ele é muito feliz com a experiência de trabalho fora do país. Criado em janeiro de 2011, o Catarse foi o primeiro site de financiamento do Brasil. Em sua fundação, os criadores disseram que era doloroso ver tanta gente brilhante com projetos engavetados. “O Catarse veio para mudar esse cenário. Mostrar que é possível, com a união das pessoas, abrir novas vias para realizar projetos”, contou Diego Reeberg. Outro portal semelhante é o Benfeitoria que se propõe a divulgar e apoiar projetos transformadores e que tem como objetivo a cidadania. De 2011 a 2016, segundo organização do site, foram promovidos mais de 800 projetos.
Frustração Mas nem todos reúnem resultados positivos com o financiamento coletivo via internet, como foi com a Alyne Matos (foto), que por pouco não deu errado. Em junho deste ano, ela ajudou no resgate de uma cachorrinha abandonada - a Maria Flor - que precisava de uma cirurgia na coluna e ela recorreu ao vakinha.com, mas não conseguiu ajuda e nem recebeu doações. Alyne ainda esbarrou com dificuldades para resgatar o valor doado. “Eles pedem para passar o número da conta que receberá o dinheiro, só que existe um prazo para a doação cair. Vi essa demora como algo prejudicial, afinal quem fez a doação espera ajudar de imediato”, disse ela, que reclamou da insistência do site em “transformar” o valor em crédito para celular.
Foto: Adriana Gonçalves
A prática do crowdfunding ou financiamento coletivo vem se tornando cada vez mais conhecido no país, já faz sucesso no exterior e é utilizada desde a publicação de livros a financiamentos de espetáculos e tratamentos de saúde. É o modo moderno de fazer as velhas “vaquinhas” de antigamente que eram promovidas para levantar dinheiro ou doações. A banda britânica Marillion, que usou o crowdfunding para produzir um álbum e financiar suas turnês em 1997, foi uma das primeiras a lançar mão da iniciativa de levantar dinheiro por intermédio da web. A ideia foi tão bem recebida pelos fãs que até hoje a banda, formada por homens com mais de 50 anos, faz álbuns e show a partir do financiamento coletivo. Experiência semelhante viveu a publicitária Sophia Costa, ex aluna de Publicidade e Propaganda da Universidade de Brasília (UnB). Para seu trabalho de conclusão de curso, ela fotografou mulheres negras que posaram como deusas e montou uma exposição chamada “Raízes”. Com a repercussão positiva do trabalho, Sophia recebeu um convite para levá-lo à Alemanha onde seria exposto no Centro de Mulheres Interculturais SUSI. Porém, sem dinheiro, Sophia foi encorajada a lançar uma campanha no site vakinha.com, para levantar a quantia necessária para a viagem e despesas. O resultado a surpreendeu, “Não só consegui bater a meta, como ultrapassei. Tinha pedido R$ 3.500 e deu R$3.800”, comentou. O fotógrafo Mateus Lucena também ficou satisfeito com a experiência de crowdfunding. Ele recorreu ao financiamento coletivo vakinha.com e conseguiu arrecadar a quantia
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Beco da cultura de portas abertas Cores, plantas, sons e sorrisos: assim, no meio de uma das avenidas mais movimentadas de Taguatinga Sul, a Samdu, onde tudo se mistura - é o Mercado Sul que ganhou o apelido de “Beco da Cultura”. Quem transita pelas ruelas vê um espaço tomado por gente que se movimenta das mais variadas formas. No fins de semana, o local se transforma em um ambiente livre que ora respira samba e capoeira com direito à paradinha no boteco e ainda é palco para debates e saraus. Mais do que nunca o Mercado Sul Vive - movimento que ocupa o local desde fevereiro de 2015 - transforma, preenche e resiste em um ambiente que já foi referência como ponto de drogas e violência. A má reputação foi causada após uma crise financeira, na qual empresários e o poder público deixaram os estabelecimentos à deriva. Porém, este ano, as secretarias de Cultura do Distrito Federal (Secult) e de Relações Institucionais e Sociais (Seris) passaram a negociar com o Mercado Sul Vive (MSV) e a Justiça para a utilização de oito lotes. O apoio do governo do Distrito Federal é comemorado como reforço à legitimidade e ao protagonismo da organização que enfrenta embates judiciais. Neste cenário, personagens dão vida e significado ao Mercado Sul. O ambiente, na visão de cada uma delas, é diferente mas igualmente transformador. 12
Foto: Brena Oliveira
Isabela Menezes e Marina Raissa
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Eli Ferreira, artista plástica que trabalha no Mercado Sul Como pessoa me sinto rica de morar aqui, não sou ocupante, eu pago aluguel, mas apoio a ocupação. Acho que veio para enriquecer e ajudar. A gente valoriza muito o outro. Eu venho de uma cidade que tem muito turismo, lá as pessoas não preocupam umas com as outras. Eu me sinto muito mais em casa aqui do que de onde eu venho.
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Naomi Cary, estudante de Ciências Sociais na UnB.
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O Mercado Sul, ao mesmo tempo que me transforma em uma pessoa mais livre de ‘certas’ normas sociais, de como viver e do que é sucesso, traz uma coisa coletiva que é muito única. Eu sinto que é um lugar muito fértil, tanto literalmente, do ficar grávida quanto o de criar. Você se acha muito.
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Juacir Moura, artesão instrumentos musicais
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O Mercado Sul tem de tudo: da costureira ao mecânico, artista, arquiteto, mestre de artesanato e de boneco. Eu me encontrei aqui. Eu sou ribeirinho, vim de comunidade da Bahia. Essas relações humanas que existem são muito latentes. Aqui também é um espaço de conflitos. A gente está numa cidade cheia de doenças e disputas. Estamos em processo de amadurecimento.
”
Mirella Dias, artista plástica que trabalha no Mercado Sul
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É uma comunidade onde artistas multiplicam seus saberes e convivem. Acho que é isso que a gente faz aqui no Mercado Sul: conviver. Aqui tenho a premissa da paz e do colaborar, as pessoas colaboram umas com as outras. Se tem uma criança na rua, é filho de todo mundo, todos ficam de olho.
”
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Nara Oliveira, designer do Estúdio Gunga
Eu vim pra cá com 16/17 anos e estava por aí, cheguei aqui e vi toda essa coisa diferente. Foi aqui que eu conheci a cultura popular brasileira e foi aqui que eu entendi que o Brasil é muito maior do que eu via. Acho que foi um divisor de águas na minha vida ter conhecido esse lugar.
”
Abder Paz, militante do Movimento Mercado Sul
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O grande desafio que a gente tem aqui é o de construir uma sociedade onde as pessoas possam viver bem. Cada pessoa, cada participante, cada integrante, doa aquilo que pode e aquilo que tem condição de fazer. É um mundo mais do nosso jeito. O Mercado Sul não é uma solução de um mundo melhor ou uma fórmula mágica, mas estamos tentando construir um mundo do jeito acreditamos.
”
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LITERATURA
Poetry slam, batalha poética O empoderamento feminino em poesia: mulheres saem às ruas em nome da arte Thaís Rodrigues
Duelos É na poesia que os jovens se encontraram como expressão artística e cultural, levando à criação de grupos, em vários locais do país, dispostos a promover competições. Nesses espaços há verdadeiros duelos entre 14
as participantes que apresentam os versos de autoria própria. Para participar, é preciso seguir uma série de regras. Cada participante tem três minutos para se apresentar. Não é permitido o uso de adereços, figurinos, música ou cenário. E, o mais importante: todos os poemas e textos devem ser de autoria própria. O slam das minas possui as mesmas regras, porém, a maioria dos textos tem o foco no empoderamento feminino e elas não avaliam a performance.
Em geral, as batalhas de poesias são promovidas nas periferias das capitais. Em São Paulo, por exemplo, as disputas poéticas são ao ar livre na zona leste da capital, toda última sextafeira do mês em uma praça ao lado do metrô promovido pelo projeto “Slam da Guilhermina”, o segundo slam mais velho do país. Também em São Paulo, é realizado o slam mais antigo do país – o “Zap Slam” que, desde 2008, reúne jovens poetas e escritores. A Zona Autônoma da Palavra é o primeiro “Poetry Slam” (campeonato de poesia) do Brasil. As batalhas acontecem na segunda quinta-feira do mês na sede do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos -Teatro Hip Hop em São Paulo.
História
Foto: Ana Cláudia Alves
No Distrito Federal, quatro jovens se uniram e criaram um movimento feminino em forma de poesia, o “Slam das Minas”. Assim Meimei Bastos, 25 anos, Tatiane Nascimento, de 31 anos, M. Rodriguês conhecida como Marinão de 24 anos e Val Matos, de 26 anos, trabalham intensamente para divulgar as batalhas de poesias de autoria própria. Há quase um ano, o evento é realizado pelo menos uma vez por mês, em espaços cedidos por parceiros nas periferias do DF e também no Plano Piloto. “A ideia do slam é de criar um espaço só pra minas. Isso se expande a todas as mulheres do gênero feminino: lésbicas, transexuais e não binárias (que não se identificam com o padrão binário de gênero, homem-mulher/masculino-feminino)”, disse Meimei Bastos. “É um espaço de empoderamento e acolhimento. O Slam das Minas é o primeiro slam de poesias só pra minas, foi criado em 2015. Agora tem um em SP.”, enfatizou. Meimei Bastos, uma das fundadoras, é elogiada com frequência pelos poemas cujo foco está nas periferias do DF. Aos 25 anos, ela prepara o lançamento do primeiro livro de poesias: Um verso e Mei. A primeira edição tem uma tiragem de 1,5 mil exemplares, e a estudante de artes cênicas conta com a ajuda de amigos e parentes na parte do financiamento de sua obra.
O poetry slam ou batalha de poesia chegou ao Brasil na década de 1990 e se expandiu pelo país. Idealizado nos anos 80, em Chicago, Estados Unidos, por Marc Kelly Smith - um trabalhador da construção civil e poeta -, o movimento provocou uma renovação para os encontros poéticos ao oferecer uma nova proposta no cenário cultural. O gênero ganhou força com a aceitação de adolescentes e poetas independentes, que viram nessa forma de fazer literatura um campo maior de possibilidades de inovação e arte. O termo slam possui diversas traduções. Porém, as poetisas preferem a tradução associada ao “barulho” - palavra que se vincula à literatura de protesto. O slam é a união de performance e poesia e por meio dele há as apresentações de spoken word ou da “palavra falada”, podendo ser também “poesia falada”.
SOCIEDADE
Desafio é incluir Igreja Católica se dedica a atividades para pessoas com deficiência Bárbara Xavier e Thaís Miranda
é especialista em educação de surdos. Ele explicou ao ARTEFATO que a iniciativa se deu a partir de uma sensibilidade religiosa a fim de possibilitar o acolhimento e a escuta da palavra de Deus por parte das pessoas que têm outras necessidades de comunicação. Segundo Cristino, a maior dificuldade encontrada na comunidade é a cultura de intolerância. “O trabalho é uma tentativa de sensibilizar outras pessoas para a constatação, aceitação da diferença e diminuição dessa cultura dentro da sociedade. Por isso, a colaboração é fundamental na ação de inclusão”, disse o padre. Maria Callado é uma das estudantes de Libras que auxiliam os surdos durante a celebração. “Percebi que só o folheto não era suficiente para que eles entendessem o que acontecia ali, na missa, e era preciso alguém para
interpretar”, disse ela. Segundo a intérprete, ainda falta preparo para que a comunidade receba pessoas com deficiência. “Mesmo não entendendo o que o outro fala, a receptividade não tem língua”. Para o religioso e a intérprete, é importante que outras iniciativas de inclusão sejam adotadas para que os deficientes se sintam autônomos e em condições de contribuir como cidadãos ativos na sociedade e na igreja.
Foto: Ana Cláudia Alves
No Distrito Federal, pastorais e obras assistenciais da Igreja Católica investem cada vez mais na integração das pessoas com deficiência. Os desafios vão desde encontrar voluntários dispostos a colaborar à falta de recursos financeiros, ao preconceito e até desconhecimento da própria comunidade. Uma das principais referências é o Centro Educacional da Audição e Linguagem Ludovico Pavoni (Ceal/LP), na Asa Norte. Há mais de 40 anos, a instituição atua em parceria com as pastorais inclusivas e transformou-se em referência na inclusão de surdos. Recentemente passou a acolher pessoas com deficiência intelectual e transtorno do espectro do autismo com atividades destinadas a bebês e jovens, mas idosos também podem receber acompanhamento desde que com orientação do Sistema Único de Saúde (SUS). Na instituição é oferecido apoio para diagnóstico, orientação familiar, acompanhamento com profissionais, tratamentos, apoio educacional, inclusão social e, consequentemente, melhoria nos relacionamentos interpessoais. Também são disponibilizados cursos e outros métodos educativos com o intuito de orientar familiares, voluntários e profissionais engajados na iniciativa. A Pastoral do Surdo de Brasília é, atualmente, o maior projeto de inclusão. No Gama, a Paróquia São Sebastião retomou há pouco tempo as missas interpretadas em Libras. A iniciativa conta com a ajuda de intérpretes e um padre da comunidade para fazerem o uso da língua de sinais durante a celebração que acontece aos domingos. O vigário da paróquia, Padre Thiago Cristino,
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COMPORTAMENTO
Eles trocam tudo pela fé Jovens se dedicam à religião e saem pelo Brasil em pregações Gabriela Mota e Gláucia Cardoso
Conectados 24 horas por dia, os jovens utilizam os meios digitais para propagar a religião cristã. É assim a vida de jovens dos mais distintos credos. Com apenas 17 anos, uma adolescente do interior de Pernambuco é admirada entre jovens católicos nas redes sociais por suas pregações. Thayná Azevedo nasceu em Taquaritinga do Norte, a 134 quilômetros de Recife e hoje percorre o país evangelizando. Thayná Azevedo teve o primeiro contato com a religião por meio do tio Jorge Gomes, fundador da Comunidade Católica Kairós, da qual Thayná faz parte. Aos 13 anos, ela criou um grupo jovem em sua paróquia e deu início às suas pregações. “Estava apaixonada por essa religião, por esse modo de viver, por esse estilo de vida”, disse ela. “Eu leio bastante a bíblia e rezo muito, mas não gosto de planejar a pregação”. Questionada sobre como conciliar os apelos e desejos da juventude com a religião, Thayná afirmou que “o pecado é atraente”. Um de seus vídeos no Youtube soma mais de 100 mil visualizações. Ela reúne ainda cerca de 12 mil seguidores nas redes sociais. “A internet é uma grande via de evangelização. Tenho feito o máximo para cuidar e fazer com que se sintam bem recebidos na Igreja”.
Missão Criado pela Igreja Adventista do Sétimo Dia, o projeto Missão Calebe está em vários locais do Brasil e da América Latina. Com o propósito de propagar a fé, jovens e adolescentes trocam as férias por estudos bíblicos. A brasiliense Thayan Hadassa, 18 anos, participou pela primeira vez do projeto em julho deste ano, na cidade de Padre Bernardo, em Goiás. “Eu me tornei mais cristã. Você vê que as pessoas precisam, aprende a respeitar o outro 16
e ter mais fé”, disse ela. “Aprendi que o mundo não vai me satisfazer, vejo isso em pessoas próximas, elas não são completas, o mundo oferece muita coisa boa, porém, quando saem dali, não se tem nada, mas eu tenho”. Joyce Muriel, que há três anos faz parte do projeto Jocum ou Jovens com uma missão que cativa jovens protestantes de diversas partes do mundo reúne 18 mil missionários: 1.300 brasileiros em atividade em 180 países, faz treinamento missionário no núcleo rural do Gama (DF). “Estar longe da família significa que você deixa tudo por algo maior. É uma questão de dependência em Deus, não dependemos de coisas”, afirmou Joyce Muriel, acrescentando que o objetivo do projeto é levar o evangelho às pessoas por meio da arte, cultura, educação e saúde. “É assim que levamos o amor de Deus. Se precisar, usamos a palavra, mas tentamos levar nossas ações”. O estudante de medicina veterinária, Caio Paiva, 21 anos, é integrante do Cefak - Centro Espírita Fraternidade Allan Kardec, em Taguatinga Sul. Caio sempre foi participante ativo na religião e atualmente participa do grupo jovem Mocidade Espírita. Com uma série de projetos, os jovens praticam assistência social, uma vez ao mês, em atividades como: fabricação de berços, recuperação de sapatos e organização e recuperação de roupas. “O conteúdo é sempre adaptado às etapas da juventude, pois é prezada a completa compreensão do que está sendo estudado”. Caio Paiva relembra que o evangelho espírita tem algumas diferenças, “É todo comentado por Alan Kardec, além de conter parábolas. A maior experiência é ver como aquilo que você lê reflete de forma direta em palavras diferentes na sua vida cotidiana, desde alguns provérbios antigos a explicações de condutas”.
Vocação Daniel Veloso é casado, pai, e está à espera de seu segundo filho. O jovem de 24 anos é pastor na Igreja Batista Filadélfia de Taguatinga e estudou durante dois anos e meio na faculdade de teologia Christ For The Nations Institute, nos Estados Unidos. Desde pequeno Daniel teve o desejo de tornar-se pastor, talvez por influência da família, onde mãe, pai, tios e avós seguem a mesma profissão. Daniel trabalha na Igreja em tempo integral. Ele é responsável pela comunicação e por supervisionar os jovens, além de auxiliar no ministério de ensino. O pastor relembra o valor da evangelização “Todos estão aqui por algum propósito, temos um Senhor com um reino que precisa ser expandido, isso significa levar as boas novas para todos que convivem conosco”. E completa, “Temos a oportunidade de nos parecermos com Ele, ao falar de Jesus para alguém, crescemos em conhecimento. O evangelho é isso, é se relacionar com Cristo, não um tipo de segmento religioso”. O pastor afirma ser de extrema importância o envolvimento dos jovens na Igreja, “Nosso ministério de jovens, o Freedom, está com a meta de ganhar mil pessoas para Jesus no próximo ano. Nosso desejo é conseguir desenvolver estratégias para que a gente possa levar a palavra do Senhor, para que elas possam ter um encontro real com Deus e ter suas vidas transformadas”. Daniel revela que é maravilhoso as pessoas que decidem levar o evangelismo adiante. “Temos que dedicar todo tempo a evangelização, onde você está você tem que viver para evangelizar. É como estar em um relacionamento com alguém, você não separa um tempo para contar para todos, as pessoas percebem isso, é algo natural”.
“Tudo que move é sagrado” O trecho da música Amor de índio, de Beto Guedes, é uma das prediletas de Guilherme Souza Rosa. O sotaque carregado, traz vestígios de sua origem interiorana, de Jacareí, no Vale do Paraíba, é a marca do caçula de três filhos. Aos 11 anos, ele assumiu a coordenação da Pastoral da Juventude e desde então, dedicou a vida à Igreja Católica. Após 6 anos como líder do grupo jovem, Guilherme Rosa foi convidado a cuidar do Santuário de Ribeirão Cascalheira, no Mato Grosso. Mas logo depois, passou a ser alvo de ameaças por causa do trabalho social que desenvolvia na região e o obrigou a retornar para a cidade natal. O que era mágoa se transformou em combustível para fortalecer sua fé e a propagá-la à outras pessoas. Agora, aos 19 anos, Guilherme Rosa chegou à Brasília com um novo propósito: ingressar no seminário Oblatos de Cristo Sacerdote, onde permanecerá por cerca de dez anos até completar sua formação e ser ordenado padre. Emocionado, ele lembra o que ouviu da ex-namorada: “Fico triste é saber que, a quem você escolheu seguir, eu não posso competir”. Desistir nunca passou pela cabeça do seminarista. Mesmo que, por vezes, Guilherme Rosa afirme sentir vontade de se unir a amigos em confraternizações, compreende que a renúncia é por um motivo maior, o sacerdócio. Ele é ordenado com votos de pobreza, castidade e obediência, contudo, o futuro padre acredita que a obediência é o mais difícil de cumprir, pois para tudo é necessária permissão. “Se a sua vocação for a vontade de gritar para o mundo que este amor não tem fim, ela é verdadeira. Quando colocamos uma túnica e subimos no altar, percebemos o quanto vale a pena aquilo que escolhemos”, expressou. Ele, que é conectado e envolvido com as redes sociais, acrescentou: “Devemos anunciar e denunciar, independente das consequências.” O jovem precisa passar por avaliação superior antes de postar qualquer conteúdo na rede.
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SÉRIE: DOMÉSTICAS
O patrão e a empregada A relação nas “casas de família” e o reconhecimento da profissão
Marina Brauna e Mylena Tiodósio
Em vigor há três anos e meio, a PEC das Domésticas, que estabelece jornada máxima de 44 horas semanais e 8 horas diárias com o pagamento de hora extra, adicional noturno, seguro-desemprego e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), ainda é um universo à parte para 20% das empregadas que trabalham informalmente no país. Como contrapartida, muitas vezes o que surge é uma “relação familiar” entre as profissionais e as casas para as quais trabalham. Relação que mistura afeto e abusos. Mas os vínculos entre empregadas domésticas e patrões se sustentam em uma linha tênue e, em alguns casos passa de “laço familiar” à situações de conflito intenso – de abusos e agressões. As histórias são as mais variadas com relatos de ofensas e também de dramas que perpassam gerações. Nesta última reportagem da série sobre a vida das domésticas, este é o tema: a relação entre elas e as famílias para as quais trabalham. Por que será que muitas vezes são tratadas como “pessoa da família” sob o argumento do respeito e carinho, enquanto em outras casas a violência – seja moral ou psicológica – é recorrente? Nas duas matérias anteriores desta série, tratamos dos abusos cometidos contra as empregadas domésticas brasileiras e da relação que há entre essa profissão e o período colonial brasileiro. Relatos Maria Luisa Ferreira, 48 anos, é um exemplo clássico do drama de quem vive em dois universos opostos. Ela trabalha na mesma casa há 17 anos e sente-se como uma “profissional apenas” diferentemente 18
do que viveu no passado, quando era tratada como filha pelos patrões. “Na família que eu trabalhava antes, considerava meus patrões como pais. A patroa era muito simples e até se preocupava comigo quando eu saía aos finais de semana”, disse. Já na casa da família onde está atualmente, sente-se totalmente diferente. “Na casa onde estou agora a relação é mais profissional. Não temos tanta intimidade, mas os patrões me permitem fazer certos acordos, como chegar mais tarde e sair mais cedo”, afirmou. Há 30 anos trabalhando na mesma casa, Maria de Fátima Souza, 50 anos, começou como faxineira e babá da filha da patroa e, depois passou a ajudar a cuidar dos netos da patroa, de 7 e 2 anos. De tão presente na criação das crianças, é comum que ela leve as duas crianças para casa em feriados prolongados para passar mais tempo com as meninas. Após trabalhar por 28 anos para uma mesma família, a terceira das Marias, Maria José Juvêncio, 57 anos, saiu desta casa, mas ainda mantém uma relação de amizade com seus ex-patrões. Ela conta que nem sempre foi assim. “Já brigamos muito. Fiquei seis anos sem falar com eles. Fizemos as pazes e hoje somos amigos. Eles me ajudam em tudo o que eu preciso”. Mudanças Segundo Maria José, foram os patrões que a ajudaram a ter a casa própria, a localizar a mãe e encontrá-la em outra cidade. “São coisas que eu não esqueço”, falou ela, emocionada. “Eles são padrinhos da minha filha mais velha. Eu fui babá de um dos filhos deles, que é meu dentista e não cobra nada pelos serviços.”
Uma das alternativas para sanar a tal “relação familiar” nem sempre harmoniosa são as empresas nacionais Domésticas Brasil e Casa e Café, que também atendem o DF. Os portais das empresas na internet funcionam como mediadores entre quem procura emprego e quem quer contratar. Os cadastros são gratuitos para empregadas e têm custos diferenciados para domicílios e empresas. Eles oferecem qualificação por treinamento, cálculos trabalhistas, orientações para cumprimento da lei e até dicas para as entrevistas. Assim encerramos a nossa série que tentou mostrar parte da realidade das trabalhadoras domésticas do país. Nesta terceira reportagem, detalhamos os melindres que ainda contornam essa profissão. Mostramos que a complexidade do trabalho doméstico rende discussões que não se esgotam.
Serviço Agências de trabalho: Domésticas Brasil goo.gl/YTLKDa Casa e Café goo.gl/gnKGjs Direitos e deveres: E-Social goo.gl/a0CQ3P Doméstica LegaL goo.gl/h7Nm98 Tabela do INSS: goo.gl/5suzQL
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Aqui, os retratos de mulheres, domésticas. Faces da luta pela valorização do trabalho doméstico enquanto profissão: Marilza Dorneles (1); Adriana Amaral (2); Maria Chaves Soares (3); Terezinha Maria Bastos (4); Maria do Carmo Braga (5); Maria Luiza (6); Maria José Juvêncio (7); Penha Santos (8); Maria da Guia das Bastos (9); Divina Alves de Sousa (10); Mônica Dias (11).
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Foto: mylena Tidosio/ Patricia Nadir/ Mabel Félix
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os a e d tu s qu ia s e e ico olog a u q ôm str ur a i c tron a a roc e o n a p s ciê s a , já as vid a a o r m a um men Ter os, om é r ia enô a da ast les c m f no os for a os de o r o . e m d t As tros ece stu açã oas as ont m e a lig ess ac mbé der as p ta ten o d en stin 21 de
Manifestantes são contrários às mudanças no ensino médio e ao ajuste fiscal
A decisão do presidente Michel Temer de encaminhar ao Congresso a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que limita os gastos públicos por 20 anos, e a Medida Provisória (MP) 746, que propõe a reforma do Ensino Médio, causou uma reação em cadeia no país. Estudantes ocuparam colégios, Institutos Federais e universidades, obrigando a suspensão das aulas e até o adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), marcado para o começo de novembro. Em dois meses, os estados do Paraná e Minas Gerais lideraram o movimento. Os estudantes reclamam que as duas propostas foram impostas pelo governo, sem diálogo com os alunos, professores nem a sociedade. Alguns dos manifestantes reconhecem que é preciso reformar o Ensino Médio, mas não aceitam a forma como o governo sugere as mudanças. A estudante Thais Souza, de 19 anos, integrante da União dos Estudantes Secundaristas do Distrito Federal, é uma dessas manifestantes. “A gente precisa de uma reforma, mas não essa que foi imposta. Só quem sabe realmente das reformas que são necessárias somos nós que estamos nas escolas todos os dias”, afirmou. Para Caio Silva, de 16 anos, da escola CEMTN de Taguatinga e que integra o movimento de ocupação no colégio, a proposta de limitar os gastos públicos é um erro. “A PEC implica no congelamento de investimentos 22
Arquivo pessoal (Facebook)
Bruce Macedo
do governo em educação e saúde. A gente está aqui para discutir e melhorar nosso país, coisas que eles (os governantes) não querem fazer”, disse. Vilmara Pereira do Carmo, professora de História da Secretaria de Educação e Coordenadora da Secretaria de Mulheres do Sindicato dos Professores do Distrito Federal – (SinproDF), que apoia o movimento estudantil, também defende maior aproximação entre governo e
sociedade. “A gente precisa de uma reforma no Ensino Médio porque ele não é atraente ao estudante. Qualquer reforma que venha modificar todo quadro da educação precisa ser discutida com a sociedade, ela não pode vir de cima para baixo por meio de uma medida provisória como ela está vindo”. A especialista em Educação e diretora do Instituto de Estudos Socioeconômicos, uma organização não-governamental, Cleomar Manhas, criticou a reforma proposta pelo
Arquivo pessoal
Arquivo pessoal (Facebook)
governo. “A reforma vinda por meio de medida provisória, irá tirar mais estrutura do ensino público, vista que, ao mesmo tempo em que se tramita uma medida provisória para flexibilização de ensino, tramita-se também uma PEC que congela o recurso da educação por 20 anos”, lamentou. Cleomar ainda acrescenta que o ensino integral deverá ser aplicado somente em escolas privadas, fazendo com que o ensino público se torne ainda mais precário.
DESOCUPAÇÕES Já estudantes e especialistas em educação contrários as ocupações pedem um diálogo franco para quem é contra a reforma da educação, solicitando um novo debate para falar sobre a medida provisória 746 e sobre o que de fato ela trará para a educação e o aluno a longo prazo. Gabrielle Leoni, 23, estudante de
Pedagogia da Universidade de Brasília e uma das dirigentes do Distrito Liberal (DL) e é contra as ocupações. “Por serem medidas provisórias eu acredito que seja importante neste momento, o ensino médio precisa de reforma há muito tempo, são muitas discussões e pouca efetividade. Essas medidas que estão sendo colocadas tem muita importância de acontecer nesse momento, e nós precisamos levar mais informações para o aluno a respeito dessa reforma.” A secretária-executiva do Ministério da Educação (MEC), Maria Helena Guimarães destacou que escolas com mais alunos de maior nível socioeconômico, indicador que considera escolaridade dos pais, posse de bens e contratação de serviços apresentam médias maiores no Enem do que alunos de nível mais baixo. “Do grupo de alto nível socioeconômico para o médio há uma
diferença de 100 pontos, que é muito grande, quase absurda, ter mais de 100 pontos de diferença revela a enorme desigualdade no ensino. Muitos alegam que a reforma vai aumentar a desigualdade, mas é o contrário, ela vai promover maior equidade ao sistema.” Enquanto a reforma da educação e a PEC dos gastos tramita no Senado, alunos que tiveram a prova do Enem adiadas por conta das ocupações farão a prova nos dias 3 e 4 de Dezembro, trazendo um gasto de R$ 15 milhões para o governo. Com as novas aplicações o gasto do governo que já era em torno de R$ 788,3 milhões passará a aproximadamente R$ 803,3 milhões. Esse valor é gasto com despesas de funcionários, aluguel de escolas, lanches para os aplicadores e etc. Até o fechamento desta edição 1.100 instituições, incluindo escolas, Institutos Federais e universidades públicas estavam ocupadas.
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CRÔNICA
Foto: Paula Carvalho
Nome: Ana, Maria, Jéssica, Luiza, Bruna, Camila, Laura, Antônia. Mães, irmãs, tias, primas, esposas, namoradas, colegas da faculdade, colegas do trabalho, MULHERES. Elas já foram cultuadas como deusas da beleza, virgens, puras e também já foram escravizadas, mutiladas e desvalorizadas por padrões patriarcais que favoreciam o sexo masculino e desrespeitavam seu direito a vida e a liberdade. Quando nos deparamos com essas situações da mulher ao longo da história, logo pensamos que é algo totalmente perverso e antiquado, algo que não condiz com a
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nossa realidade – digo nossa porque somos todxs nós, seja você de qualquer orientação sexual, essa crônica é para você, para todxs nós. Infelizmente nós costumamos imaginar que esses estereótipos de submissão e fraqueza nas imagens femininas são coisas do passado, mas quem dera conhecer a fundo a sociedade como ela realmente é. Pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada em setembro, mostra que 30% dos homens brasileiros acreditam que mulheres que usam roupas que mostram seu corpo não podem reclamar de violências sexuais como o estupro. Ou seja: um em cada três homens pensam que você, mulher, pode ser estuprada por usar uma roupa curta demais. Quem são essas pessoas? São nossos pais, irmãos, amigos, filhos, namorados, tios, professores, médicos, políticos. São pessoas que estão do meu lado nesse exato momento e que, de algum modo, pensam que uma violência tão forte como o estupro é culpa da vítima. Eu, mulher, não vou me amedrontar quando sei que um homem me olha apenas como uma peça de carne enquanto uso uma roupa que quero? Não vou sentir medo de andar na rua sabendo disso? Não vou me julgar por andar com roupas mais curtas? É claro que vou. É um instinto de sobrevivência ficar com medo quando tem uma força maior te pressionando a agir de um modo que você não quer. Mas também existe a resistência. Sim, existe a possibilidade de não seguir os padrões estabelecidos pela sociedade. E, enquanto sigo com vigor na minha resistência, sou chamada de puta, revoltada, mulher que
não se dá ao valor, ingênua, esquerdista – sim, existe isso até aqui -, entre outros adjetivos que buscam valor pejorativo para classificar, ou melhor, desclassificar o que é a minha verdadeira busca: a liberdade. Cara – homem, você mesmo - imagina que chato você andar na rua e não poder usar as roupas que deseja. Ficar com medo do escuro e de algum homem, um outro ser humano, que possa surgir atrás de você em um beco escuro. Imagina sua vida sem você conseguir ser o que quer, fazer o que quer, usar o que quer, trabalhar com o que quer, sonhar com o que quer. É por isso que lutamos, é pela liberdade. Está certo que muitas mulheres atualmente conseguem o que querem, mas existe mesmo essa liberdade quando ainda nos deparamos com resultados como esses? Onde a visão do homem sobre a mulher ainda é pensar que ela é “apenas um corpo”? Quando quase um terço dos brasileiros desmerece o outro gênero e não enxerga sua dor? A luta feminina pela liberdade vai muito além de salários melhores e direitos iguais. A nossa luta está na busca por ser encarada como ser humano, como uma pessoa normal, que pode usar o que quer sem se importar e se amedrontar diante da sociedade. Esteja eu de vestido curto, batom vermelho, terno, lingerie, tênis, camisa ou o que quiser, o que importa não são minhas roupas e sim a liberdade que luto para fazer o que quero, para ser o que quero. Cara – homem, você mesmo – é por isso que sigo na minha resistência, pois é no valor da minha luta que consigo andar na rua e tento viver a minha liberdade plena, absoluta e com a certeza de que sou mulher livre, autônoma descomprometida de padrões normativos.