Ano 14, Nº 4 Jornal-Laboratório do Curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Brasília Distribuição Gratuita Brasília, junho 2013 Foto: Luma Soares
Jornal - Laboratório - UCB
Fugitivos da morte
Famílias indígenas abandonam aldeias para garantir sobrevivência das crianças Págs. 04 e 05
Graduados e endividados
Universitários contratam o Fies para financiar ensino superior. Mas e depois da formatura? Págs. 12 e 13
Ilegalidade
Luto
Há quase quatro décadas a Feira do Rolo é ponto para troca e venda de produtos variados Págs. 10 e 11
Gastos funerários podem comprometer o orçamento da família Pág. 15
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Tradição Irmãos Portugal mantêm prática circense que começou em 1958 Págs. 18 e 19
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EDITORIAL
Por ora, brinquedo interditado Fazer um jornal não é fácil. Após concluir quatro edições do Artefato, não é necessário muito esforço para constatar isso. Em alguns instantes parece que nada está dando certo, e em outros o sentimento de sermos repórteres de um grande jornal, corre vivo em nossas veias. O fechamento de um jornal é como uma montanha russa. A adrenalina começa na apuração.
Conseguir aquela fonte praticamente impossível, que aparentemente desligaria o telefone ao saber que estava falando com um estudante de jornalismo, equivale a uma descida abrupta na máquina. A vontade de gritar de felicidade enche o peito. É a sensação de dever cumprido. É o amor à futura profissão batendo forte. Mas existem também as longas escaladas. Subidas sem fim. Em alguns
momentos, mesmo com trabalho árduo, as informações se fazem impalpáveis, como se fossem nuvens. Nesses casos, nem a existência de uma montanha russa até o céu seria a solução. São casos impossíveis. São pautas que caem, mas sem gritar. Elas caem silenciosas.Tristes e cabisbaixas. Após erros e acertos, gritos de alegria e desespero, o percurso chega ao fim temporário. Acabou. É
após muitas chacoalhadas e frios na barriga que lhe entregamos em mãos a quarta e última edição do Artefato. É gratificante dizer: conseguimos. Apesar de secas, as páginas impressas aqui e nas outras renderam muito suor. Então, sente-se, relaxe e desfrute de um conteúdo feito depois de muito trabalho árduo. Nos vemos novamente em agosto!
que se assustou ao ver problemas pontuais no Estádio Nacional Mané Garrincha. Nome grande. Nunca vi ninguém chamando pelo nome completo. Uns chamam de Estádio Nacional e ponto. Outros preferem lembrar o camisa sete conhecido por grandes dribles em clubes tradicionais do Brasil e, claro, na Seleção Brasileira. Problemas na compra e distribuição de ingressos aqui, falta de estacionamento ali. Os banheiros? Melhor não citar. Onde estão as informações? Em português, inglês, espanhol? Pra que lado eu viro? Qual é minha cadeira? Para qual câmera eu olho? Esse time convence? E ano que vem, vence? Riscos de tudo se tornar um grande e belo elefante branco. Jeitinho brasileiro.
Os valores, inclusive, não couberam no bolso de muitas pessoas. Isso não significa menor número de pessoas no estádio. Brasileiro é chato, não desiste das coisas facilmente. E se endivida com a oportunidade de diversão. E de ver a Seleção frente a frente, mesmo que contestada. Assim, terá chance de falar. Bem ou mal, apenas falar. Muitas razões para reclamar e só uma constatação: a festa continua.A bola vai rolar, a torcida, gritar. Quem está dentro, comemora. Quem está fora também. O país ainda é do futebol e esse é um motivo para fazermos o que dizem que somos
os melhores: festejar. E assim tornamos real o que a campanha publicitária de uma marca de cerveja sugere: mostrar em vez de apenas imaginar a festa.
OPINIÃO
Imagina a festa >> Jéssica Antunes
Programei o relógio, o bolso e o coração. Daqui a exatamente um ano, toda a atenção do mundo estará voltada para o quadradinho central. Dessa vez não se trata de nenhum escândalo político. É “apenas” a abertura do maior evento esportivo do planeta. Mas não vamos tão longe. Estamos no meio de outra copa e já temos o que contar. Dessa vez o verde não representa dinheiro na cueca, mas o gramado plantado há quilômetros de distância e trazido especialmente para completar a monstruosa construção arquitetônica próxima à Torre de TV. Impressionante. Depois de um jogo-teste, alguém me parou na rua e disse que “ainda falta caprichar na arrumação da casa”. Parece
Ilustração: Henrique Carmo
EXPEDIENTE Jornal-laboratório do curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Brasília - Ano 14, Nº 4, junho de 2013 Reitor: Prof. Dr. Afonso Galvão Diretora do Curso: Profª. Angélica Córdova Machado Miletto Professoras responsáveis: Karina Gomes Barbosa e Fernanda Vasques Orientação de Fotografia: Profª. Bernadete Brasiliense
Editores-chefes: Luana Lopes e Thyago Santos Editores de fotografia: Elza Milhomem e Mariana Lima Editores de web: Carlos Ribeiro e Maria Rita Almeida Editores de arte: Enaile Nunes e Júnior Assis Editores de texto: Heloíse Meneses, Jéssica Antunes, Percy Souza, Rayanne Alves, Renata Cardoso e Samuel Paz
Repórteres: Altieres Losan, Ana Carolina Alves, Ana Paula Viana, Anna Cléa Maduro, Dayane Oliveira, Dayanne Teixeira, Elza Milhomem, Enaile Nunes Flávia Sousa, Heloíse Meneses, Henrique Carmo, Jéssica Antunes, Júnior Assis, Lane Barreto, Luana Lopes, Maria Rita Almeida, Mariana Lima, Michelle Brito, Nayara Viana, Percy Souza, Quéssia Maia, Raiane Samara, Rayanne Alves, Renata Cardoso, Robson Abreu, Samanta Lima, Samita Barbosa, Samuel Paz, Simone Sampaio, Susana Senna, Thyago Santos, Victor Araujo, Walquíria Reis e Yale Duarte
Tiragem: 2 mil exemplares Impressão: Gráfica Saturno Universidade Católica de Brasília EPCT QS 07, Lote 01 - Águas Claras - DF CEP: 71966-700 - Tel.: (61) 3356-9237
Fotógrafos: Adriana Braga, Allan Viríssimo, Amanda Gonzaga, Ana Karoline, Bárbara Cabral, Bianca Lima, Carol Freitas, Carlos Ribeiro, Carolina Matos, Filipe Rocha, Guilherme Pesqueira, Ingrid Rodrigues, Jéssica Lília, Jhonatan Ribeiro e Luma Soares Subeditores de fotografia: Bárbara Soares, Ingrid Rodrigues, Jussara Rodrigues e Raissa Miah Checadores: Ana Carolina Alves, Ana Paula Viana, Dayane Oliveira, Quéssia Maia, Nayara Viana e Robson Abreu Diagramadores: Dayanne Teixeira, Felipe Carvalho, Flávia Souza, Samita Barbosa, Samanta Lima e Samuel Paz
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CONSTITUIÇÃO
POLÍTICA
Eles não entendem nada de lei Gasto estimado em mais de R$ 4 milhões mensais com funcionários de consultoria legislativa não é suficiente para sanar a falta de conhecimento constitucional pelos deputados distritais >>Flávia Sousa Simone Sampaio
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ão é à toa que o DF é o vicecampeão em leis inconstitucionais em todo o país, segundo o Anuário da Justiça Brasil de 2012. O decreto assinado pelo governador Agnelo Queiroz, em 9 de maio, que estabelecia multa em casos de homofobia, por exemplo, não durou nem 24 horas: foi revogado na mesma data da publicação no Diário Oficial. Segundo a Secretaria do Governo, a publicação foi um “erro de tramitação do gabinete”, e o texto não passou pela área jurídica. Aprovar leis sem, ao menos, consultoria jurídica não é exclusividade do gabinete do governador. A Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) conta hoje com uma equipe de 52 consultores legislativos e 130 consultores técnicos legislativos, responsáveis por estudar os textos de todas as propostas antes de serem aprovadas. Esse serviço custa aos cofres públicos, todos os meses, R$ 1,26 milhão e R$ 2,96 milhões respectivamente, com base no quadro demonstrativo de pessoal referente ao mês de maio desse ano, divulgado no portal da Casa. São, pelo menos, R$ 50,7 milhões anuais. Todo esse investimento parece não ser suficiente. Em 2012 o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) considerou inconstitucionais 43 leis aprovadas pelos distritais. Até 11 de junho de 2013 o tribunal julgou 12 leis publicadas como inconstitucionais. Quatro delas de autoria do Poder Executivo e uma do governador Agnelo Queiroz. Entre os deputados distritais, Patrício (PT) e Eliana Pedrosa (PSD) apresentaram duas normas irregulares cada um, seguidos por Roney Nemer, Chico Vigilante e Cláudio Abrantes, cada um com uma lei em desacordo com a Constituição. Dentre as normas de autoria de
Patrício está a Lei 4.890, que dispõe sobre a obrigatoriedade de utilização de coletes infláveis de proteção – airbags – para motociclistas. Segundo o processo do TJ, a norma invadiu a competência exclusiva da União de legislar sobre direito do trabalho, trânsito e condições para exercício das profissões, segundo o artigo 22 da Constituição. Ou seja, Distrito Federal quis legislar sobre o que não lhe cabe. Consultoria O Consultor Legislativo da CLDF José de Souza esclarece que essas leis nascem das promessas de campanha feitas pelos deputados ou por demandas de todos os tipos recebidas da população. Antes de serem aprovadas passam por uma consultoria e por comissões. Nessas etapas é possível detectar problemas referentes à constitucionalidade do texto. Segundo o consultor, depois de estudos feitos pelas comissões, o distrital é avisado caso seja detectado algum problema que fira a Constituição. Contudo, isso não impede que o projeto seja concluído e encaminhado. “Muitas vezes o parlamentar quer apenas dar uma satisfação ao eleitor, mesmo sabendo que aquela proposta tem dificuldades de ser implementada. O deputado dá continuidade porque tem compromisso com o cidadão”, afirma. Já o especialista Gleidson Bonfim afirma que muitas vezes os deputados, na ânsia de produzir resultados, criam projetos de leis que afrontam a ordem constitucional. “Os parlamentares não têm formação jurídica obrigatória, o que poderia ser uma desculpa para os resultados das leis criadas”, ressalta. O jurista afirma ainda que os distritais estão em árdua busca por inovar na legislação vigente, tendo em vista
que já existe lei para quase tudo o que fazemos. Muitas vezes nessa busca, “equívocos ocorrem e permitem que a população perceba o lado mais frágil do Legislativo:,a falta de conhecimento constitucional dos deputados”, explica. Ele acrescenta a má assessoria e o precário controle de constitucionalidade do Legislativo, antes mesmo de a lei entrar em vigor. Bonfim questiona a necessidade de assessores jurídicos nas casas legislativas.“Será que eles estão desempenhando bem o seu papel? Se não, porque são necessários?”, indaga. “Existem sérios problemas que deveriam ser explicados à sociedade, ou então que se exonere todos os assessores parlamentares e os responsáveis pelo ‘controle de qualidade’ das leis distritais”, argumenta. Melhorias Para o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Legislativa, deputado Chico Leite (PT), responsável por examinar todos os
assuntos ligados à constitucionalidade, juridicidade e legalidade das redações, são três os motivos da elaboração de leis inconstitucionais na CLDF: desconhecimento geral da legislação em vigor, a limitação do Poder Legislativo na criação de leis e o populismo. Chico Leite explica que medidas estão sendo tomadas para evitar a aprovação dessas leis. Entre elas está a transparência nos dados da comissão, com a publicação na internet de todas as informações. Reuniões frequentes e distribuições dos projetos para relatoria mediante sorteio são outras iniciativas. A última medida, diz, evita a barganha ilícita e a aprovação de leis inconstitucionais por conveniência. “Apresentei um projeto para que, em todas as comissões, relatores sejam designados por sorteio Temos feito trabalho redobradoparaevitar que propostas inconstitucionais cheguem a plenário”, garante o deputado. Foto: Bianca Lima
À esquerda, Chico Leite (PT) em reunião da CCJ: promessas para barrar leis irregulares 3
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REFÚGIO
CIDADES
Direito à vida ou respeito à tradição? No Distrito Federal, crianças indígenas vivem longe das suas terras. O motivo? Elas estavam marcadas para morrer
Ilustração: Henrique Carmo
>> Maria Rita Almeida Raiane Samara Susana Senna
Na Atini, a filha de Muwaji é uma das 13 crianças que estavam marcadas para morrer na aldeia
M
uita estrada separa a chácara Casa das Nações de Brasília; caminho sobre asfalto e terra batida. Logo no portão, um pequeno quadro mostra que ali, há aproximadamente 35 km da capital, fica a ONG Atini. No local, voluntários, em tempo integral, acolhem indígenas que não aceitaram
a condenação de morte dos filhos. Segundo tradições culturais de determinados povos, crianças que nascem com deficiências, gêmeas, filhas de mãe solteira ou indesejadas pela comunidade a qual pertencem são sentenciadas à morte por envenenamento ou são enterradas vivas.
Desde 2006, a ONG Atini, que na língua da etnia dos suruwahá significa voz, acolhe esses pequenos indígenas marcados para morrer e também outras que buscam atendimento médico inexistente nas aldeias. Em sete anos de trabalho, a coordenadora Simone Melo, 27, lembra que pelo menos 13 famílias chegaram ao local porque suas crianças corriam risco de morte. Segundo Simone, a Atini era um movimento que surgiu para chamar atenção das autoridades sobre a morte de crianças indígenas e, assim, levar conhecimento tanto para os índios quanto para a sociedade. Hoje a ONG funciona como uma casa transitória para acolher famílias. Entre as 23 crianças assistidas atualmente pela ONG, sete têm patologias físicas ou neurológicas. Além de trabalhar em benefício das famílias que buscam refúgio para suas crianças, por conta da tradição cultural, existe também as que procuram condições adequadas para tratamento dos filhos. A coordenadora Simone destaca que, em ambos os casos, a procura é por conta própria:“A gente nunca vai lá tirar os indígenas de suas aldeias, eles sempre chegam até nós”, afirma. Foi o que aconteceu com Muwaji, 35. Ela abandonou sua tribo da etnia dos suruwahá, no Amazonas. Saiu com a família à procura de ajuda para salvar umas das filhas que nasceu com paralisia cerebral e estava condenada a morrer envenenada pelo tio, de acordo com as tradições do grupo. Com dificuldade para falar português, Muwaji lembra como a ONG acolheu sua família que não tinha para onde ir. “Não dava para ficar na aldeia, mesmo porque não teria como minha
filha andar de cadeira de rodas”, explica. Na Atini, a filha de Muwaji tem conforto para se locomover na cadeira de rodas, estudar e receber acompanhamento médico. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) é o órgão responsável por garantir assistência nas aldeias. Desde que começou a atuar na gestão do Subsistema da Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS), em 2010, a instituição conseguiu levantar poucos dados que mostrem a atual situação nas aldeias brasileiras. Nos últimos números divulgados pela Sesai a taxa de mortalidade, em 2011, entre crianças indígenas chegou a 49%, índice bem maior que a média nacional de 2010, de apenas 16%. No entanto, não há dados de quantas morrem por conta da tradição cultural.
A gente nunca vai lá tirar os indígenas de suas aldeias, eles sempre chegam até nós” Simone Melo Atualmente, muitas aldeias possuem assistência à saúde básica. De acordo com a Sesai, 613 comunidades recebem atendimento e possuem postos de saúde com diversos especialistas entre médicos, enfermeiros e agentes. Contudo, em casos que exigem tratamentos complexos cabe à instituição encaminhar o indígena para casas localizadas em cidades onde podem receber atendimento de maior complexidade. Apesar de ser casa de passagem para quem faz tratamento, a ONG não funciona em parceria com a Sesai ou com a Fundação Nacional do Índio (Funai). “A gente mantém relação
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REFÚGIO quando precisa encaminhar algum paciente, então, eles entram em contato. Mas não há nenhuma parceria formal com a Atini”, comenta a antropóloga da área técnica de saúde mental da Sesai, Roberta Terri. Voluntários A coordenadora da Atini, Simone Melo e o marido Vagner Carvalho vivem no local com os dois filhos e os voluntários. Como o lugar é mantido apenas com doações de pessoas físicas, a ONG é mantida principalmente por trabalhos voluntários. Uma professora de educação infantil e de inglês; um fisioterapeuta, uma advogada, um administrador, uma enfermeira, um motorista, um responsável pela manutenção do ambiente e uma pessoa para a
comunicação são os que mantêm o lugar e trabalham em tempo integral. Eles conheceram a Atini de diferentes maneiras; a maioria depois de assistir palestras sobre a organização. Para Débora do Vale, 25, chegar até a Atini foi uma longa viagem. Ela conheceu a ONG ainda em Rondônia, onde nasceu. Como a família mora em Porto Velho, Débora decidiu doar seu tempo de forma integral para o lugar. “Minha casa é aqui mesmo”, ressalta a professora que dá aulas de inglês para as crianças. Além de desenvolver práticas recreativas, os voluntários também ajudam no reforço escolar dos indígenas. É o que destaca a coordenadora Simone: “aqueles que não têm idade escolar estão iniciando a alfabetização aqui. Assim, podemos facilitar o caminho desses pequenos à inclusão na
CIDADES CIDADES escola comum”. Além dos que trabalham em tempo integral, existem voluntários que desenvolvem atividades de lazer com as famílias, uma ou duas vezes na semana. Políticas públicas De acordo com a coordenadora da Atini, 20 etnias já passaram pela ONG que é a única no Brasil a trabalhar para atender famílias de indígenas que abandonaram suas aldeias. Entre os questionamentos sobre atuação da organização para salvar essas vidas, Simone pontua que o problema nasce com a falta de atenção e investimento em saúde.“Dizem que a Atini tira os índios de suas tribos, mas na verdade a falta de políticas públicas na aldeia obriga essas pessoas a saírem”, afirma. O Artefato procurou a Funai para
saber o posicionamento do órgão em relação à situação. A instituição informou, por email, que não haveria nenhum responsável apto para responder sobre o assunto no momento, mas destacou que: “O fato de atuar em defesa dos direitos dos povos indígenas, de suas culturas e tradições, conforme preconiza a Constituição Federal, não exclui a defesa pelos direitos humanos”. Para o professor de direito constitucional e um dos assessores parlamentares responsáveis por criar o projeto de lei 1.057, mais conhecido como lei Muwaji, Paulo Fernando Melo, a Funai precisa ser mais presente para garantir os direitos reais dos indígenas: “Somos a favor que a Funai faça a intervenção e não seja omissa como faz hoje. Ela deve efetivamente salvar vidas”, reforça. Fotos: Luma Soares
Direitos humanos x tradições Desde 2007, o PL 1.057, de autoria do deputado federal Henrique Afonso (PV), segue em análise na Câmara dos Deputados. Atualmente aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). O objetivo é combater a prática do homicídio de crianças, tanto indígenas quanto em sociedades declaradas não tradicionais. A proposta busca assegurar que as práticas culturais e tradicionalistas sejam respeitadas, desde que não violem os direitos humanos estabelecidos na Constituição Federal. O projeto original previa a criminalização desse tipo de prática. Contudo, o substitutivo aprovado na Comissão de Direitos Humanos, da deputada Janete Pietá (PT), traz nova abordagem. Além de colocar “a criminalização daqueles que tiverem conhecimento da ocorrência das práticas tradicionais” como um equívoco, o PL aprovado sustenta a criação do Conselho Nacional dos Direitos Indígenas (CNDI) e o Conselho Tutelar Indígena. Caberia a eles conscientizar e promover discussões voltadas à cultura
desses grupos. Para o antropólogo e doutor pela Universidade de Brasília Roque Laraia, pela Constituição, os indígenas têm suas práticas garantidas: “Eles não podem ser julgados por esses atos, a não ser que tenham uma enorme convivência com a sociedade branca”. Diante de críticas sobre a suposta intervenção na cultura, o professor Paulo Fernando rebate: “Entendemos que mesmo com uma minoria entre as 200 etnias do Brasil, é necessário conscientizar; não há como condenar à morte [uma criança] simplesmente porque é doente”, pontua. Ele lembra que há poucos casos desse tipo. Infanticídio? Para Paulo Fernando, do ponto de vista do Código Penal, esses atos não devem ser considerados infanticídios – quando problemas psicológicos levam a mãe a matar o próprio filho. “Em algumas etnias seria comparado ao homicídio, a matar um indefeso”, explica. No entanto, do ponto de vista
antropológico, como lembra Laraia, o termo é correto. “Talvez a palavra infanticídio valha mais quando a sociedade que comete o ato não o considera crime”, destaca. Segundo ele, o homicídio de criança faz parte de uma cultura tradicional, por isso, sacrificar bebês com necessidades especiais não é considerado ato criminoso pelos índios. Simone Melo, que convive diariamente com indígenas que sofreram com isso, reforça: “As pessoas ouvem sobre o infanticídio e não entendem que para esses povos às vezes é fundamental esse ato. O indígena não é cruel”, retrata. “Esse assunto é muito delicado, porque mexe com a base dos nossos valores humanos. É fácil você criar uma imagem de selvageria em cima dos índios sem saber de todos seus princípios”, avalia a antropóloga da Sesai, Roberta. No entanto, Simone confirma que a Atini considera que os indígenas estão cometendo um crime no ato de matar crianças quando têm contato suficiente com a sociedade moderna, mas reforça: “Aqui lutamos por aqueles que escolhem ser ‘desviantes’ desse ato”, finaliza. 5
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CIDADES
SUPERAÇÃO
“A vida é dura para quem é mole’’ Lema que levou Durley ao sucesso improvável, da miséria à riqueza >> Samuel Paz Foto: Amanda Gonzaga
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ada, na aparência ou nos modos do empresário entrega quem ele é, ou o passado difícil. Roupas sociais simples disfarçam o sucesso nos negócios. “Não faço questão de luxo. Em vez disso, posso ajudar várias pessoas com meu dinheiro”, conta. Ao mesmo tempo, o ar inteligente e sagaz esconde a pouca escolaridade do ex-albergado, que chegou a viver nas ruas de Brasília na adolescência. “Senti na pele o desprezo e o medo das pessoas, que olhavam para mim com nojo”, recorda. Ainda era cedo. A porta entreaberta da tapiocaria Raízes do Sertão deixava ver as cadeiras escoradas em mesas de madeira clara. Nas paredes, decoradas com motivos nordestinos, pendiam molduras com recortes de jornais. O homem estava sozinho, arrumando umas coisas atrás do balcão, quando percebeu a chegada de estranhos. Deixou de lado o que fazia e se aproximou: “Boa tarde, eu sou o Durley Soares. Vocês são do Artefato? Vamos nos sentar aqui.” Filho de trabalhadores rurais, nasceu há 33 anos, em Iaciara (GO). Mudou-se para o Distrito Federal aos sete, quando o pai fraturou a coluna em um acidente de trabalho e tornou-se inválido. Ao chegar, sem conhecer ninguém, nem ter dinheiro, a família se alojou no albergue público de Taguatinga. Mesmo com tão pouca idade, o menino ajudava no sustento. Vendia picolés, doces, capinava lotes, e juntava materiais recicláveis na rua.
Tapioca de chocolate, morango e castanha de cajú. Um dos mais de 120 sabores
Por ser o mais esforçado dos 12 irmãos, aos 11 anos tornou-se responsável financeiramente pela família. Nessa época já tinha saído do albergue, morava no Vale do Amanhecer, em Planaltina. A lida diária não deixava tempo para os estudos. Mesmo se deixasse, não adiantaria. “Meu pai era uma pessoa ignorante e não entendia o valor da educação.
Dizia que era coisa de vagabundo”. Aprendeu a ler e escrever sozinho e os livros abriram a mente do garoto para o mundo. Frequentou a escola até a quarta série do primário, mas foi obrigado a sair para trabalhar, ou a família passaria fome. Aos 17, conseguiu a doação de um terreno para o pai, em um programa do governo que cedia terra
a portadores de necessidades especiais. Financiou em nome dos pais a compra dos materiais de construção e ergueu uma casa para a família. Pela primeira vez puderam morar em um lugar que lhes pertencia. Mesmo assim, Durley não era feliz. “Foi o momento mais difícil da minha vida”, lembra. “Me esforçei para dar aos meus pais a melhor condição de vida que tiveram até então, mas não valorizaram isso”. Neste ponto da conversa, pela primeira vez, Durley desfaz o semblante impassível. Afasta a cadeira, apoia os cotovelos sobre a mesa e desabafa: “meu pai era ingrato, arrogante e violento. Me sentia impotente diante daquilo.” (longa pausa, choro) “Não importava o que eu fizesse, nunca era suficiente. Então saí um dia para trabalhar e não voltei mais.” Por sete meses dormiu embaixo de marquises na Asa Norte. Apesar da dificuldade, continuou com o trabalho e os estudos independentes. “Nunca pedi esmola, nem peguei coisas dos outros, também tive força para evitar as drogas e outras coisas ruins que a rua oferece”. No tempo livre, lia. “Naquele ano terminei 367 livros. Bem diferente de hoje, que estou na página dez de um romance há três meses. Ando muito ocupado”. Um dia pegou o jornal Correio Braziliense e se assustou ao ver a foto da mãe. “Na reportagem, ela dizia que estava muito doente e que chorava pela falta do filho, que nem sabia se estava vivo”. Era dia das mães e Durley voltou para casa.
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SUPERAÇÃO
CIDADES Foto: Bárbara Cabral
A loja da 409 Norte foi a primeira com a marca Raízes do Sertão. Funciona todos os dias, das 16h à meia-noite
Anos depois, fez um curso de garçom no Senac. Naquele tempo, ainda não imaginava que abriria uma tapiocaria, muito menos que ela se tornaria uma franquia com sete lojas – três no DF, uma em Fortaleza (CE), outra em Palmas (TO) e duas no Pará, nas cidades de Marabá e Parauapebas. Teve o melhor rendimento no curso, a nível nacional, e conseguiu emprego em um bom restaurante em Brasília. “Em dois dias meu chefe me promoveu a gerente.” Tomou gosto pela profissão e aprendeu muito sobre o ramo. Um dia a tapiocaria ao lado fechou. Durley conta que não foi surpresa: “eu observava como era o funcionamento e sabia que dava para lucrar ali, mas a administração era ruim”. Com ajuda de um sócio, arrendou a loja e a reinaugurou. Funcionou bem por um tempo, mas o relacionamento com o sócio se tornou problemático. “Não
quero entrar em detalhes. Basta continua pagando royalties duransaber que preferi fechar aquela e te a vigência do contrato. começar uma que fosse só minha”. Agora, os problemas do passado são apenas lembranças tristes que impulsionam o empresário. “Tudo contribuiu para que eu chegasse Nunca pedi esmola, onde estou. Vejo aqueles que me nem peguei coisa dos maltrataram como heróis, poroutros, também tive que me fizeram querer mudar de vida”, reflete. Nem mesmo o reforça pra evitar as lacionamento conturbado com o drogas e as coisas ruins pai o perturba mais. “Eu tinha ódio dele, mas encontrei o equilíbrio e que a rua oferece. Durley Soares me libertei”. Do sofrimento, tira lições que passa para os filhos. Deu certo. “Hoje minha marca é “Tenho três, dois enteados, que consolidada e está crescendo bas- amo como se fossem meus, e uma tante”. O sistema de franquias, no que é minha. Ela é a prova de que qual pessoas pagam pelo direito de Deus existe, porque eu era estéril abrir um negócio usando uma mar- e, segundo os médicos, ainda sou. ca já existente, tem se mostrado É um milagre.” O próximo sonho uma ótima fonte de renda. “Quem a ser realizado se formar em uma quiser abrir um restaurante com universidade: “quero fazer direito, minha marca precisa pagar R$ 24 ou então gastronomia. Mas preciso mil, só para começarmos a falar de arrumar tempo para concluir o ennegócios”. Depois o franqueado sino médio.” 7
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CIDADES
INCENTIVO
Iniciativas governamentais não são suficientes para combater os registros nos muros e edificações. Empresas criam estratégias para minimizar o problema
Foto: Allan Viríssimo
Apesar do tapume de Taguatinga Sul ter ficado isento de registros, na Comercial Sul, o local foi pichado e a placa depredada >> Anna Cléa Maduro
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xperimente passar por debaixo de um viaduto e observar as paredes. Preste atenção nos muros das casas, paradas de ônibus e placas de trânsito que estão a sua volta. Apesar de lugares diferentes,a maioria deles têm algo em comum: a pichação. A Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) gasta entre R$ 75 e R$ 150 para remover um metro de desenhos e registros feitos pelos pichadores, o que significa desembolsar mais de R$ 1 milhão por ano na tentativa de limpar as ruas do Distrito Federal. Pichação é coisa séria e a ação está prevista no artigo 65 da Lei dos Crimes Ambientais. A pena pode variar de três meses a um ano de
detenção e multa para aquele que pichar, grafitar, sujar edificações ou monumentos urbanos. Essa norma foi alterada pela presidente Dilma Roussef, em 2011, que passou a proibir também a venda de spray para menores de 18 anos. No início do mês de maio, a Novacap fez uma mobilização no complexo de viadutos que ligam os lados Sul e Norte daW3. Um grupo de 50 pessoas levou três fins de semana para apagar as inscrições feitas com sprays. O diretor administrativo da Novacap, André Fortes, faz um apelo: “Gostaríamos apenas que as pessoas tivessem mais zelo pela cidade”. O problema não é só nos locais públicos. O curso de idiomas
BestWay, localizado em Taguatinga Norte há 14 anos, já teve a fachada do estabelecimento grafada mais de 40 vezes. Na tentativa de minimizar os danos causados pela ação dos
“Gostaríamos apenas que as pessoas tivessem mais zelo pela cidade”. André Fortes
pichadores, o diretor do curso Carlos Augusto Palazzo investiu em uma estrutura que remove o spray utilizado na pichação. “Ano passado gastamos uma grande quantia em dinheiro com uma fachada de aço inoxidável que pode ser limpa com
querosene”, esclarece. O diretor afirma que cada limpeza feita no local custa em média R$ 80. Ações e medidas O Artefato procurou os principais órgãos e secretarias para verificar possíveis operações realizadas para combater essa prática. Em nota, a Secretaria de Ordem Pública e Social (Seops) informou que esse tipo de trabalho não está entre as suas frentes de atuação. Além disso, a Secretaria de Justiça (Sejus) também esclareceu que não interfere nessas ações. A única ação concreta do Governo do Distrito Federal pertence à Secretaria de Estado de
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INCENTIVO
- Lata de spray R$ 30 - Remover um metro de desenhos e registros feitos pelos pichadores R$ 150
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Micucci lamenta: “Por incrível que que o laboratório não pode realizar pareça, não tínhamos conseguido a mesma doaçao que a LBValor. A entregar nenhuma cesta básica placa foi colocada em 2012 e após ainda. Foi o primeiro mês que o dois meses foi pichada. Apesar disso, tapume, que fica no Pistão Sul, ficou a iniciativa permanece, e os donos sem pichação”. da empresa pretendem continuar Apesar disso, a construtora co- tentando combater à pichação. memorou o fato e já fez a entrega Alguns moradores do DF já dos alimentos para a creche Casa observaram a postura da empresa. Transitória de Brasília, localizada em Para o comerciante José Souza, a Taguatinga Sul. Iuri conta que pre- construtora não tinha obrigação tende continuar com a iniciativa. de realizar essa campanha. “Eles “Infelizmente não tivemos oportu- estão fazendo isso para ajudar, R$ 1 milhão nidade de realizar outras doações, embora essa fosse uma obrigação são gastos por ano mas já diminuiu bastante e acredito do Governo.”, enfatiza. na tentativa de que, se não fosse o projeto, estaria O artista Paulo Henrique Lock muito mais degradatrabalha com grafite há oito anos limpar as ruas do”, acrescenta. e tem uma opinião diferente. Ele do Distrito Federal O Laboratório acredita que a construtora deveria Diagnóstico, lo- rever a proposta e incentivar, além calizado na da doação, a arte. “Ao invés de Samdu Norte, em promover a não pichação para a Taguatinga, também entrega das cestas básicas, deveriam prosseguiu a ideia. estimular artistas a pintar os Não pichar faz bem A empresa colocou uma placa de tapumes, sem prejuízo na distribuição Apesar das poucas operações realizadas no combate à poluição um metro e meio por noventa cen- dos alimentos em detrimento da urbana, algumas empresas privadas tímetros na fachada do local. Só manifestação visual”, ressalta. da capital federal estão preocupadas Foto: Jéssica Lília com esse cenário. A LB Valor criou uma forma de chamar a atenção dos pichadores. A construtora colocou um informativo nos tapumes que cercam as obras em andamento: Senhor pichador, a cada mês que este tapume permanecer livre de pichações, uma instituição carente da sua cidade será beneficiada. A iniciativa não nasceu no DF. Em 2010, uma empresa de Fortaleza (CE) iniciou o Projeto Placa Pichador. Para a Magis Incorporações, “mais que limpeza e combate a poluição visual, manter os muros dos nossos empreendimentos limpos, significa prestar um serviço solidário para crianças e jovens”. Em Brasília, há dois anos a placa foi pendurada nos empreendimentos localizados em Águas Claras, no Gama e em Taguatinga, e somente no mês de maio a empresa conseguiu Em dois anos, a empresa só conseguiu fazer doações uma vez realizar a primeira doação. O gerente comercial da LB Valor Iuri
Foto de fundo: Jéssica Lília
Segurança Pública (SSP), por meio da Subsecretaria de Programas Comunitários (Suproc), que prioriza ações preventivas. O Projeto Picasso não Pichava foi criado em 1999 e já realizou mais de 350 palestras em escolas públicas, privadas e centros culturais para combater a pichação, a violência e o consumo de drogas entre adolescentes do DF. Segundo o subsecretário da Suproc, Cirlandio Martins, a iniciativa “previne o envolvimento de crianças e jovens com a criminalidade, reeducando e desenvolvendo o potencial artístico e cultural desses cidadãos”. O urbanista Gustavo Athayde Gall enfatiza a importância da iniciativa privada e do governo em continuar essas ações. Ele garante que a prática é sinônimo de prejuízo aos moradores da área urbana. “Acredito que o principal problema seja a poluição visual, causada pelo fato das pichações serem de caráter anárquico e ofensivo”, frisa. Gustavo ainda afirma que os registros feitos nos muros das casas e comércios são invasivos e envolvem o espaço alheio.
CIDADES
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CIDADES
ILEGALIDADE
Feira do Rolo: opção econômica ou incentivo ao crime? Pessoas de várias partes do DF se reúnem, aos domingos, para trocar e vender produtos variados, porém o mercado popular divide opiniões >> Júnior Assis Percy Souza
Q
marginais”, desabafa Lindinalva Lima. Realizada sempre aos domingos, chega a reunir cerca de três mil pessoas. Em meio ao canteiro central da avenida, protegidas pelas sombras dos pés de jamelão, centenas de pessoas, os chamados “roleiros”, vendem ou trocam de tudo um pouco: sobre lençóis no chão é possível ver tênis, celulares, alimentos, produtos de limpeza e ferramentas. “Sempre compro na feira. Quando quero encontrar algo mais barato recorro a esse tipo de comércio, pois sei que vou encontrar produtos que me agradam. Muitas pessoas
aqui eu conheço há muito tempo, por isso confio em comprar”, afirma José Gomes. Segundo os comerciantes da Feira Permanente, os crimes poderiam ser evitados caso houvesse policiamento no local: “Falta segurança aqui. Se eles colocassem uma viatura de plantão evitaria muitos roubos”, reclama Lindinalva Lima. Porém, o delegado-chefe da 24ª DP, Marcelo Rodrigues Portela, diz que a falta de registro de ocorrência por parte dos feirantes anula o trabalho da polícia. Além disso, ele explica que os criminosos que atuam
Foto: Percy Souza
uer comprar um chinelo? Um alto-falante para o carro? Uma bijuteria ou perfume para a amada? Ou, quem sabe, um delicioso salmão para o almoço de domingo? A Feira do Rolo, ou apenas Rolo, no Setor O, em Ceilândia, tem tudo isso. Entretanto, a origem dos produtos vendidos ou trocados é desconhecida. Em alguns casos o item é furtado da Feira Permanente do bairro, que fica do outro lado da rua. “Eu já fui roubada várias vezes. Eles pegam a nossa mercadoria e vendem lá fora mais barato, não é justo trabalharmos para sustentar esses
Via de circulação de carros vira estacionamento aos domingos da Feira do Rolo em frente à Feira Permanente do Setor O
Para dar fim a esse tipo de comércio é necessário uma ação repressiva e constante da polícia Oswaldo Néris no local, na maioria das vezes, são soltos logo após pagar fiança. “Boa parte das infrações cometidas são afiançáveis, ou seja, as pessoas pagam e são soltas e, esse tipo de indivíduo não se importa em responder a um processo. O que eles querem é continuar vendendo os produtos.” A Polícia Civil (PCDF) também alega obedecer a questões legais e burocráticas e que só pode atuar coibindo ações criminosas desde que sejam denunciadas. “Todo comércio que não seja regulamentado pelo poder público é ilegal, porém não é crime as pessoas exporem as mercadorias à venda. A PCDF só pode atuar se esses produtos forem fruto de roubo ou furto”, afirma Portela. O especialista em segurança pública Oswaldo Néris rebate: “Para dar um fim a esse tipo de comércio é necessário uma ação repressiva e constante da polícia. Os órgãos de segurança devem se fazer presentes nos pontos onde esse mercado ocorre. Quem faz algo de errado deve ter a percepção de que o Estado está ali, pronto para puni-lo”. Vizinhos incômodos Questionados sobre os furtos durante o funcionamento do Rolo, os moradores se limitam a dizer que não querem o comércio próximo de suas
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ILEGALIDADE
Foto: Felipe Rocha
casas, mas que não podem fazer muito, pois se denunciarem podem sofrer represálias dos ambulantes.“A maioria das pessoas que frequenta a feira vem de longe. Quem mora próximo, como eu, não gosta dela aqui”, relata a moradora Irani Neves. Devido ao grande fluxo de carros na região, a falta de estacionamento é outro problema apontado pelos vizinhos do comércio. Frequentadores estacionam os veículos em frente às casas. Os comerciantes da entrequadra 11/13 do Setor O também sofrem com a falta de vagas, além de relatarem problemas nas vendas. “O estacionamento é tomado pelas pessoas que vão ao Rolo e inibem a chegada dos nossos clientes. Eles ficam com medo de serem roubados e nós ficamos no prejuízo”, conta o atacadista Alexandre Vilela. O administrador de Ceilândia, Ari de Almeida, afirma que ocorrem fiscalizações na cidade, mas que não depende somente da administração dar um fim à feira popular, mas de um trabalho conjunto com outros órgãos do GDF. “Nós estamos criando uma operação permanente para acabar com a Feira do Rolo”, afirma. Entretanto, ao ser questionado sobre quantas operações ocorreram este ano e quando o comércio ilegal seria retirado da área, Almeida preferiu não responder.
CIDADES
A proximidade com uma delegacia não inibe os ambulantes de venderem produtos sem nota fiscal e procedência desconhecida
Além do silêncio da administração de Ceilândia, os órgãos do GDF parecem não se entender. “Paramos de realizar fiscalização no local devido à falta de segurança para os fiscais durante as operações”, relata José Carlos, gerente do posto da Agência de Fiscalização da (Agefis) responsável pelas operações em Ceilândia.
Como tudo começou Surgida em 1975 junto com as primeiras construções de Ceilândia, a chamada Feira do Rolo, ou simplesmente Rolo, como muitos preferem, começou como um local para troca de materiais de construção entre os primeiros habitantes da localidade. Os moradores divergem ao explicar o local exato que deu origem ao comércio: alguns dizem que ela surgiu na Praça dos Eucaliptos (QNM 14), já outros afirmam que originou-se próximo ao centro da cidade. Quase 40 anos depois o mercado cresceu e, após mudar de lugar quatro vezes, hoje está instalado no Setor O, em frente à Feira Permanente do bairro.
Opiniões divididas Para Antônio*, que mora em frente ao Rolo, a maioria das pessoas que vendem produtos no local é honesta, porém ele reconhece que presencia coisas ilegais. “Sei que tem muito trabalhador, gente que aproveita a feira para tirar um dinheirinho a mais. Mas também vejo coisa errada, produto roubado sendo vendido”, explica. Para o especialista em segurança pública Alexandre Melo, as feiras irregulares representam um perigo para a população. “Esse tipo de comércio traz riscos, porque ocorre a venda de produtos irregulares e tráfico de drogas, além de pequenos furtos a residências e carros”, critica. Segundo o administrador de Ceilândia existe um projeto para regularizar os “roleiros” e transferi-los para pontos legalizados. “Basta que o interessado em adquirir um box venha até a administração. Assim que possível vamos colocá-lo em um local adequado
para vender seus produtos”, diz Ari de Almeida. A presidente da Feira Permanente do Setor O, Consoelo Ribeiro, aponta uma solução mais simples: “Nós temos muitos estandes vizinhos, basta que o interessado nos procure, faça um cadastro e em poucos dias ele já pode começar a trabalhar legalizado”, explica. No entanto, conseguir um box não é fácil. Segundo a administração da cidade é necessário um requerimento e esperar que uma banca seja liberada. Porém, o que a reportagem do Artefato viu foram vários estandes abandonados na Feira Permanente do Setor O. “Eu vendo meus produtos há cerca de seis anos na rua e já tem mais ou menos um ano que tento conseguir uma banca e não consigo. Quando chego na administração eles falam sempre que preciso esperar surgir uma vaga”, diz o ambulante Paulo*. * Nomes fictícios 11
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GRADUAÇÃO
ECONOMIA
Dívida universitária Estudantes têm utilizado o Fies para concluir o ensino superior, mas futuro incerto pode gerar inadimplência >> Altieres Losan Jéssica Antunes
uitas vezes o sonho de ter uma graduação esbarra nos altos valores cobrados por faculdades e universidades. Porém, aqueles que não têm condições financeiras suficientes para arcar com uma instituição de ensino superior particular passaram a ter uma nova chance com o Programa de Financiamento Estudantil (Fies). O ingresso facilitado foi um dos fatores que permitiu o aumento de 110% do número de pessoas cursando o ensino superior entre os anos de 2000 e 2010. Os dados são do Censo da Educação Superior de 2010 divulgado pelo Inep. No entanto, a dúvida que fica é como o recém-formado lidará com a nova dívida. Com o programa, o estudante pode financiar até 100% das mensalidades, com taxa de juros de 3,4% ao ano, dependendo da renda familiar. Apenas aqueles que recebem mensalmente até 20 salários mínimos podem ter o benefício. Em todo o Brasil, mais de 2.500 pessoas utilizam o Fies custeado pelo Banco do Brasil, o que totaliza um volume financeiro de R$ 10,2 bilhões. Só no DF são quase 10 mil beneficiários, o que representa mais de R$ 350 milhões. A Caixa Econômica Federal, que disponibiliza o financiamento desde o início do programa, em 2001, foi procurada repetidamente pelo Artefato, mas até o fechamento desta edição, não concedeu os dados referentes às inadimplências. O Banco do Brasil informou que começou a trabalhar com o Fies em 2010 e aqueles que aderiram ao financiamento ainda não
Foto: Guilherme Pesqueira
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Cátia Carneiro, 30, se formou há quatro anos e mostra parte das cobranças recebidas por causa do financiamento estudantil
se formaram. “Os estudantes ainda estão na fase de utilização (cursando a faculdade), já que só se inicia o pagamento do empréstimo 18 meses depois de concluído o curso. Portanto, até agora inadimplência zero”, explica a assessora da Unidade Tática da Superintendência Varejo e Governo DF do banco, Aline Azevedo e Castro. Considerando uma mensalidade média de R$ 1.030 e taxas de juros e carências, após quatro anos (tempo médio de um curso) e mais um ano e meio (da carência para iniciar o pagamento), a dívida média de um estudante que financiou o curso inteiro seria de aproximadamente R$ 48 mil. “É uma dívida alta? Sem
dúvida que sim! Mas se olharmos o prazo para pagamento, 12 anos em média, e a prestação mensal, que seria de R$ 400, acho que é uma dívida gerenciável”, analisa o educador financeiro Henrique Cintra. Ele acrescenta que “dependendo da profissão escolhida e do nível de controle de gastos desse profissional, é uma prestação aceitável, pois giraria em torno de 15% do seu salário”. Bola de neve A advogada Cátia Carneiro, 30, não teve um final feliz com o financiamento. Ela se formou em 2009 e, a partir de sua colação de grau, em 2010, começaram a cobrar as
mensalidades. “Eles (a Caixa) não esperaram os dezoito meses de carência”, afirma. Além disso, o valor cobrado foi além do que estaria combinado no contrato do financiamento com o banco: em vez de prestações diluídas, ela teria de pagar o valor integral das mensalidades. Na época, chegava a R$ 1 mil. “Quando entrei na faculdade, mesmo com o Fies, eu tinha condições de pagar. Trabalhava e fazia estágio. Mas depois que formei, minha renda diminuiu, tive filho e agora tenho que pagar até escola pra ele”, explica. Cátia afirma que tentou, por diversas vezes, uma renegociação da dívida. No entanto “várias
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GRADUAÇÃO
dificuldades foram impostas, como a procura por novos fiadores”. Sem sucesso, a Caixa iniciou uma ação contra ela, para que a obrigasse a quitar o débito. A advogada, por outro lado, entrou com embargos. Hoje, o processo está parado e não há previsão de conclusão. “Tenho total interesse em pagar, mas não o valor que estão pedindo. Não tenho condições para isso”, pondera. Sua dívida, atualmente, chega a R$ 35 mil. Carlos Eduardo Andrade, 26, teve um problema parecido. Ele se formou em Ciências da Computação em 2011. Cinco anos antes, começou a financiar 50% do valor das mensalidades, percentual máximo até 2007. No início do curso, teria de pagar R$ 1.200 mensais. Quando saiu da faculdade, tinha uma dívida entre R$ 22 mil e R$ 23 mil. Um mês após sua formatura, as cobranças começaram, mas, segundo ele, nenhuma correspondência foi enviada. “Só descobri três meses depois, quando recebi uma carta do Serasa dizendo que, se eu não pagasse as mensalidades vencidas, meu nome ficaria sujo”, relata. Após a conclusão do curso é preciso levar até o banco uma série de documentos gerados pela própria instituição de ensino, para que o prazo de carência comece a ser contado. Mas Carlos Eduardo não fez isso. Os contratos de Cátia e Carlos Eduardo são antigos, da época em que a Caixa era a única responsável pelo financiamento. Em 2010, o programa passou por uma reformulação. Agora, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) é encarregado por todas as transações e garante que o tempo de carência é respeitado. Eles afirmam, ainda, que não respondem pelos contratos anteriores à data.
É preciso que a pessoa tenha a consciência do tamanho da dívida e saiba que deverá controlar seu orçamento Henrique Cintra Adesões e consequências Segundo dados do FNDE, o número de pessoas que passaram a utilizar o Fies no ano passado aumentou 140% em relação a 2011. Agora são 368 mil contratos, contra 153 mil. Durante o curso e até o fim da carência, o estudante deve pagar R$ 50 a cada três meses, representando os juros do financiamento. Depois de formado, terá 18 meses para começar a pagar a dívida, que poderá ser dividida em até três vezes o período de financiamento. O valor das parcelas, segundo o Ministério da Educação (MEC), não sofre variação. Em 2011, Maria Karolina Oliveira cursava psicologia em uma faculdade do DF. Ela pagava cerca de R$ 500, mas decidiu mudar-se para uma Universidade particular, consequentemente mais cara. Na nova instituição o valor da mensalidade chega a R$ 1.200. “Eu queria me formar em um local mais conceituado e que o meu currículo fosse mais visado. Como meus pais não podiam pagar, resolvemos entrar no FIES”, explica. No caso dela, que financiou cinco anos de curso, terá de pagar a dívida em até quinze anos. De acordo com a simulação oferecida pelo MEC, depois de formada e após o período de carência, ela deverá pagar pouco mais de R$ 500 por mês. O valor das mensalidades não a preocupa, mas os quinze anos que terá para
ECONOMIA
quitar a dívida “assustam um o principal fator que o estudante pouco”. precisa levar em consideração Para Henrique Cintra, é preciso são os objetivos. “Se a conquista que a pessoa tenha a consciência do emprego ou a abertura da exata do tamanho da dívida e empresa não acontecem, o jovem saiba que deverá controlar seu precisará buscar quais suas orçamento pessoal durante os maiores habilidades no dia-a-dia anos do encargo. Além disso, e tentar ganhar dinheiro com elas. recomenda que, por causa da Muitas pessoas deixam de lado dívida, toda compra deve ser bem sua paixão, hobby ou talento pelo pesquisada e estudada, “para que dinheiro”, conclui. esse novo valor não extrapole a capacidade do orçamento pessoal”. mo Car e Já no que diz respeito à dívida u q enri o: H e à ameaça de ter seu nome sujo, ã ç a tr Ilus Maria Karolina diz que prefere não pensar no assunto. “Mesmo que desse tudo errado, um salário mínimo pagaria a minha mensalidade. De qualquer forma, vou me garantindo, guardando um dinheiro na poupança”, analisa. O profissional de psicologia não tem um piso salarial garantido por lei. No entanto, segundo o Conselho Regional de Psicologia do DF, para 20 horas semanais, são SIMULAÇÃO pagos cerca de R$2. 600, o que acredita ser “valor mais CURSO: PSICOLOGIA – 5 ANOS que suficiente”. SEM FIES Analisando esse caso especifico, Henrique Cintra Mensalidades: 60 calcula que “se ela trabalhar Valor mensal: R$ 1.192* 35 horas semanais, o que Período de pagamento: 5 anos Total pago: R$ 71.523 lhe dará tempo para ter qualidade de vida e manter COM FIES seus relacionamentos, ela teria, proporcionalmente, R$ Mensalidades: 192 4.500 mensais, em tese”. No Valor mensal: R$ 541,14 (após 78 entanto, pondera que, como meses) será uma pessoa recémPeríodo de pagamento: 22,5 anos ** formada, para conseguir ter Total de juros: R$ 33.622,80 uma renda como essa, talvez Total pago: R$ 105.172 terá de trabalhar muito mais que 35 horas, “o que é válido, *Valor sem reajuste **Desde a adesão até o fim das pois ela estará começando prestações sua vida profissional”. Para se comprometer com essa dívida sem ter certeza do futuro profissional, o especialista acredita que 13
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ECONOMIA
O preço da morte Custos funerários podem comprometer o orçamento de quem não está preparado financeiramente para a perda
Ilustração: Henrique Carmo
GASTOS
>> Ana Carolina Alves Dayane Oliveira
A
morte é a única certeza de quem vive, diz um famoso ditado popular. Mas, quando um parente ou alguém próximo morre, o que fazer? Procurar uma empresa de serviços funerários, solicitar a emissão da certidão de óbito no cartório e ir ao cemitério planejar o velório e o sepultamento são providências imediatas que podem somar gastos de mais de R$ 1 mil no DF. Há um ano, a empregada doméstica Maria do Rosário Almeida Silva, 29, teve de enfrentar essa via crúcis: ela perdeu o pai devido a um enfisema pulmonar. Ela não tinha como arcar com o total das despesas e precisou aceitar a ajuda dos patrões, que contribuíram com uma parte do dinheiro. Ela conta que, na época, duas funerárias ligaram oferecendo o serviço. Rosário optou pela empresa que, segundo ela, estava “mais em conta” e pagou R$ 1.300 à vista. “Era um caixão mais simples, não teve flores, a gente não pediu porque ficava muito caro. O velório foi feito na igreja onde congregamos, pois no cemitério teríamos que pagar pelo espaço”, relembra. No cemitério Campo da Esperança, da Asa Sul, teve de desembolsar quase R$ 3 mil – R$ 2.132 pelo jazigo e R$ 278 pela placa e plaqueta de identificação, parcelados no carnê em nove vezes. O restante, incluindo entrada do parcelamento, serviços de sepultamento e manutenção do túmulo por um ano, foi pago à vista.“Foi bem difícil, porque é uma burocracia muito grande. Se você tiver alguma restrição no nome não consegue nada”, conta. Como completou um ano do enter-ro, Rosário começará a pagar R$ 31 por mês para o cuidado mensal da sepultura. “Acho um absurdo essa taxa. Pagamos tanto imposto, é tão caro
comprar um jazigo e ainda tem que arcar com a conservação?”, questiona. De acordo com a Coordenação de Assuntos Funerários (CAF), da Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejus), existem 68 empresas funerárias cadastradas no DF. Todas, obrigatoriamente, devem seguir uma tabela de preços padrão para a execução dos serviços – conforme a Portaria nº 247, de 2007 – estabelecida pela Secretaria de Estado e Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest).
As funerárias também oferecem outros produtos fora da tabela obrigatória: cinzários, para quando a pessoa é cremada; roupas para enterrar o morto; e urnas diferenciadas. É possível encontrar urnas de R$ 2 mil, R$ 4 mil, R$ 7 mil, por exemplo. As mais caras são forradas com lençol de seda e feitas com madeira nobre, talhada e acabamento de melhor qualidade. Algumas poMaria do Rosário comprou o jazigo dem ser acolchoadas ou ter pinturas, que, na tabela da Sedest, custa R$ 1797, Quanto custa? como de santos católicos, que podem mas pagou R$ 2132. O Artefato proOs preços das urnas, popularmente cobrir toda a parte superior. curou a empresa Campo da Esperança conhecidas como “caixões”, se diferenpara esclarecer a diferença de preços. ciam segundo os padrões I e II, e con- Aqui jaz... A assessoria informou que houve 15% sideram a altura e o peso da pessoa. Na A empresa Campo da Esperança de juros no parcelamento feito pela primeira opção, não possuem visor e o é responsável pelos seis cemitérios empregada doméstica. A taxa varia de custo, para alguém entre 1,60m e 1,89m, do Distrito Federal, na Asa Sul, em acordo com as parcelas, que podem é de R$ 182. Os valores variam entre R$ Brazlândia, no Gama, em Planaltina, chegar a 30. Entretanto, Rosário afir90 e R$ 350. No padrão II, as urnas têm Sobradinho e Taguatinga. Assim mou desconhecer essa informação. visor e custam entre R$ 106 e R$ 550. como nas funerárias, os preços dos Famílias que não possuem renda ou Serviços como atendimento, remo- serviços também seguem padrão es- recebem até um salário mínimo podem ção e transporte com veículo funerá- tabelecido pela Sedest. recorrer ao serviço funerário social rio, expedição de documentos e retiraO enterro mais simples custaR$ 493, oferecido pela Sedest. O auxílio por da de certidão de óbito têm um custo incluindo a taxa de sepultamento e inu- morte, regulamentado desde 2010, intotal de cerca de R$ 80. O preço da mação (transporte do corpo até o tú- clui urna, traslado do corpo, velório e ornamentação também varia: decora- mulo e limpeza e abertura da cova) e o sepultamento. Para solicitar, é preciso ção com crisântemos, de R$ 39 a R$ arrendamento, por dez anos, de jazigo comparecer ao Centro de Referência 125 e, com rosas, de R$ 70 a R$ 210. com uma gaveta. Após esse período, a de Assistência Social (Cras) mais próOs cuidados com o corpo, como hi- família pode arrendar novamente ou ximo, de segunda a sexta, de 8h às 18h. gienização e conservação, são realiza- comprar uma sepultura permanente. Nos fins de semana e feriados, dos por clínica especializada em prepaA opção mais completa, com jazigo o atendimento é realizado 24 horação pós-morte. Os valores variam de perpétuo – pra vida toda – de três ga- ras na unidade do Sistema Único de acordo com o procedimento: R$ 250, vetas, taxa de sepultamento e inuma- Assistência Social (Suas), no Setor se for feita a formalização, para óbito ção, velório na capela mais cara e placa Cultural Sul, bloco A (antigo Touring até 24 horas, e, no caso de embalsama- e plaqueta de identificação do túmulo Club), ao lado da Rodoviária do Plano mento (para conservação mais forte), e do sepultado, custa R$ 2.289. O pre- Piloto. É necessário apresentar docuo preço é de R$ 300 para morte até 24 ço de locação de capela varia entre R$ mento de identificação do solicitante horas e R$ 460 até 48 horas.A escolha 11 e R$ 178.A diferença está no tama- e do morto, comprovante ou declaraentre um ou outro é feita de acordo nho do local e nos acessórios disponí- ção de renda e residência, certidão de com o estado do corpo. veis, como frigobar e ar-condicionado. óbito e guia de sepultamento.
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MIGRAÇÃO
COMPORTAMENTO
Elas procuram trabalho, amor e sonhos Pesquisa aponta: mulher que se muda para o DF busca mais que realização profissional >> Thyago Santos
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aias sujas de terra vermelha, mãos calejadas após um dia de trabalho nas obras da nova cidade e apesar do corpo fadigado, elas preparavam o jantar. Essa era uma rotina comum para grande parte das recém moradoras do planalto central, que chegavam nas décadas de 60 e 70 para buscar empregos na construção civil, ou exercer atividades nos setores primário e secundário. Mas, hoje a tendência é outra. Segundo dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), as migrantes atuais chegam para compor os 52,2% de mulheres residentes no DF, que procuram cargos no serviço público e especialização. Além de sucesso profissional, quais seriam os outros interesses dessas novatas no cerrado? De acordo com o censo demográfico realizado em 2010 pelo IBGE, cerca de 566 mil mulheres no DF estavam empregadas no setor terciário, exercendo atividades de prestação de serviço e comércio, por exemplo. A estudante Karolline Uchôa, 25, veio de Belém do Pará em 2012 com intenções de fazer parte desse grupo. Graduouse em turismo na sua terra natal, mas não conseguiu tomar gosto pela área. Durante a graduação, a mãe da estudante veio a Brasília e assumiu cargo público nos Correios. Estimulada por ela, a paraense decidiu deixar de lado o seu emprego, namorado e família para focar na meta de se tornar servidora pública. “Eu resisti no início porque já tinha estabilidade por lá. Mas decidi vir para estudar”, afirma. O contato com as matérias de concursos públicos fez Karolline se interessar pela área jurídica, bem diferente de sua formação. “A graduação em direito se tornou um sonho para mim. Pretendo
do ano de 1969, pisava no Guará, aos que não se muda por medo e como36, a carioca Alvacelia Marinho dos dismo. “Eu gostaria mesmo era de esSantos, atualmente com 80 anos. Ao tar na praia. Brasília é uma cidade boa receber a notícia de transferência de de viver, mas além do clima, que estraseu marido, a então telefonista se viu nhei no início, aqui é um lugar repleto no impasse entre escolher o casa- de pessoas frias. Poucas lhe estendem mento ou a vida que levava no Rio a mão quando você precisa”, critica. de Janeiro. “Eu escolhi vir com o meu Depois de dois casamentos e dedicamarido, afinal já tinha dois filhos para ção ao trabalho, a carioca atualmente criar. Confesso que resisti, até porque quer mesmo é se divertir. Por meio da detesto Brasília, mas deu tudo certo”, dança, Jane encontra motivação para diz. Após a mudança e aposentadoria, permanecer na cidade. “Eu pratico ela teve mais dois filhos e se tornou dança de salão há muitos anos e me dona de casa. Acompanhou o desen- dedico a ela hoje em dia. Saio três vevolvimento da cidade e recorda das zes para dançar, pago dançarinos para dificuldades da época. “O chão era me acompanhar e gasto, em média, todo vermelho de barro e a casa ficava R$450 por noite. Gosto muito da vida cheia de pó. Se hoje o transporte pú- que levo”, garante a aposentada. Companheirismo blico é péssimo, na Foto: Carol Freitas De acordo com a Codeplan e o época então... Sinto IBGE, o nordeste, o sudeste e o falta do Rio por coicentro-oeste são as principais regiões sas assim”, aponta. exportadoras de migrantes que chegam ao DF. O estado do Ceará, em Adaptação 2010, era o quarto estado da região Entretanto, algucom maior índice de deslocamento mas pessoas não de pessoas para a capital federal. A conseguem se adapservidora pública Anne Nogueira, 29, tar à vida no cerrado. representa esse contingente migrató- Dados da Codeplan rio de cearenses. Formada em publi- apontam que na últicidade e propaganda em Fortaleza, a ma década cerca de concursada abandonou sua terra de 400 mil residentes origem em 2007 para acompanhar o do DF se mudaram. marido, que havia tomado posse em A aposentada Jane cargo público. “Eu já estudava há um de Brito, 61, desemano pensando em concursos lá na mi- barcou em Brasília nha cidade. Após a nossa chegada, eu na década de 70, se continuei estudando aqui e logo em formou em direito, seguida também consegui ingressar ingressou no TJDFT no serviço público”, lembra. e advogou. Apesar A história de Anne é praticamente de amar a cidade a versão moderna de casos passados e reconhecer que que marcaram as mulheres que che- teve inúmeras oporgaram ao planalto central. No final tunidades, ela admite A paraense Karolline Uchôa veio para passar em concursos fazer assim que possível”, constata. Assim como a paraense, a conquista por cargos públicos não é a única preocupação dessas migrantes: conquistar relacionamentos estáveis também faz parte dos planos. É o caso da aposentada Norma Jardim, 52. Foi por meio de um site de bate-papo da internet que, depois de viúva, a carioca conheceu o seu atual companheiro, Mauclene Silva. Após meses de conversa, o empresário foi visitá-la no Rio de Janeiro e assim começaram a fortalecer o relacionamento. “Cheguei aqui em 2011 após o namoro à distância com o Mauclene. O motivo de me mudar para Brasília foi mesmo para me casar com ele”, relata.
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CRIANÇAS
COMPORTAMENTO
Mochila-guia é alvo de polêmicas no Brasil Novo método de segurança infantil mantém os filhos perto dos pais Foto: Jhonatan Ribeiro
>> Elza Milhomem Heloíse Meneses Victor Araújo
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magine a seguinte situação: de um lado, uma mochila presa ao peito ou braço de uma criança. Do outro, um adulto que puxa o pequeno por um fio estendido.A cena pode parecer estranha para uns e prática para outros. Foi uma solução criada para ajudar pais a ficarem atentos aos filhos. Em shoppings, supermercados ou locais públicos de grande circulação de pessoas, a mochila-guia, ou como muitos conhecem “coleira para crianças”, divide opiniões de pais e especialistas. Usada há décadas em países como Estados Unidos e Japão, a “coleira infantil” chegou ao Brasil há cerca de quatro anos. O objeto normalmente é uma mochila – com formato de animais, como macaco, leão, gato, entre outros – presa ao peito da criança. Também há modelos que se prendem ao braço. O acessório impede que o filho saia de perto dos pais sem permissão e se exponha a algum tipo de risco, como atravessar uma rua movimentada ou se separar deles sem que vejam. A mãe e professora Adriana Moura, 38, é uma das adeptas do uso do objeto. Segundo ela, o acessório traz segurança e praticidade para o controle do filho Eduardo, 4. “Óbvio que você pode pegar pela mão, mas dependendo do lugar a que você vai, acho que é uma maneira boa de segurar a criança” afirma. Para a mãe, a mochila traz o filho para mais perto dela. “Não sei como outros pais pensam, mas eu prefiro ter meus filhos grudados em mim. Não dá para você carregar no colo o tempo inteiro, está com sacola, está com tudo”, declara. Mas não é toda mãe que concorda. A universitária Carla Soares, 26, condena o uso da mochila-guia. “Não me sinto muito à vontade quando vejo isso. Para mim, é como se o pai não
E VOCÊ? USARIA NOS SEUS FILHOS?
Maria das Mercês, 52: Eu usaria sim, acho que é uma forma de não perder a criança. Hoje em dia várias crianças se perdem dos pais em locais públicos. Acho que esse acessório é mais uma forma de evitar casos como esse. Há quatro anos no Brasil mochila-guia é um método de proteção usado pelos pais
estivesse dando atenção suficiente ressalta. Alex, 8, já usou a mochila-guia para o filho”, relata. Carla confessa e entende o motivo. “Muitas crianças que não usaria na filha, Maria Clara, 5. querem ver alguma coisa e os pais não vão com eles, mas é bom pra nossa Segurança x liberdade segurança, principalmente de três até De acordo com especialistas, a mo- cinco anos. Mas elas não entendem o chila-guia traz benefícios e malefícios. que está acontecendo, então não gosPara a psicopedagoga da Associação tam de usar. Eu já estou acostumado Brasileira de Psicopedagogia, Manuela a ficar perto da minha mãe por isso Barbosa, o acessório demonstra a des- não preciso mais da mochila”, analisa preocupação dos pais com os filhos e o pequeno. tende a restringir a liberdade corporal deles. “Acaba limitando também os Polêmica gestos da criança. O que defendo hoje, Além do uso, o nome “coleira” tem como uma necessidade das crianças, é sido outro tema a ser debatido no atenção dos pais”, ressalta. uso do acessório. A psicóloga Andréa Já a psicóloga infantil Andréa Alvarenga defende que o nome deve Alvarenga acredita que as mochilas- ser trocado para evitar o conflito. -guias não oferecem nenhum proble- “Se há necessidade de manter uma ma de saúde para os filhos. “Os pais criança próxima dos pais, poderia ser têm que tomar cuidado para não colo- criado um novo nome pra isso: corda car muita coisa dentro da mochilinha de confiança ou cordão de confiança. e deixá-las sozinhas. E, também, têm O nome coleira é muito pejorativo”, que tomar cuidado para as crianças argumenta. não se enroscarem nos fios”, alerta. Adriana Moura confessa que não só Andréa afirma que o acessório tem o nome causa debate. “Já ouvi vários sofrido rejeição por parte de alguns absurdos, dizendo que eu estava traresponsáveis. Mas, segundo ela, o tando meu filho igual a um cachorro. apetrecho não tem nenhuma contra- O pessoal compara muito a animal”, -indicação. “No uso de qualquer coi- afirma. Ela diz que o acessório foi muisa com os baixinhos, devemos olhar to útil em vários lugares que visitaram o bom senso e a opinião dos filhos no país e no exterior. para entender para quê aquilo serve”,
Fernanda Esteves, 27: Sou totalmente contra essas mochilas. Não acho que essa seja a solução para controlar crianças com gênio difícil. Não concordo com coleiras nem em animais, o que dirá em crianças.
Irani Ferreira, 45: Eu acho interessante, se a ideia tivesse sido inventada quando minhas filhas eram menores, usaria com certeza. Só não pode machucar a crianca. Fotos: arquivo pessoal
Quem gostou do acessório pode comprá-lo em grandes lojas de bebês em todo o país. O preço varia de R$ 30 a R$ 80 e pode ser encontrado em formatos de vários tipos de animais.
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HÁBITOS
COMPORTAMENTO
Devoradores de livros
Pode ser um hobby ou uma necessidade que muitas vezes gera um vício >> Dayanne Teixeira
expressões: “Ela corrige conceitos pré-determinados que ajudam o leitor a viajar por ambientes vastos, melhorando o aprendizado e as relações interpessoais”. Adriana Sousa, 40, confessa que fazia parte dos não leitores:“Quando criança não era incentivada a ler. Achava perda de tempo e tedioso. Meu pensamento só mudou por causa da minha filha”. Ela comenta que no início se irritava com a insistência, até que decidiu ler um dos romances indicados por ela. “Assim que terminei, comecei a procurar outros. Hoje sou voraz, tem mês que leio de oito a nove volumes”. Uma das maneiras de conquistar novos adeptos são as políticas públicas. Criado pelo Ministério da Cultura em parceria com a Fundação Biblioteca Nacional, o Programa Nacional de Incentivo à Leitura (Proler) busca a valorização e a democratização da leitura e da escrita e pretende capacitar oito mil novos mediadores, que atuam como interlocutores entre a obra e os futuro leitores. Presente em todo o país desde 1992, ele funciona a partir de comitês organizados e distribuídos pelas regiões brasileiras. Outro meio que busca propagar o hábito é o Instituto Brasil Leitor (IBL). Outro lado A psicóloga Suzanna Campello explica que, apesar dos benefícios, a leitura pode causar problemas: “Já atendi pacientes que desenvolveram problemas de personalidade causados por vícios literários. Eles se comportavam como personagens, não sabiam diferenciar a realidade da ficção”. Ela relata que essa obsessão pode levar algumas pessoas a se isolarem e até mesmo entrarem em depressão por se decepcionarem com a realidade. Sofia Rocha, 17, relata que já ficou tão
Foto: Adriana Braga
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esquisas indicam que brasileiros leem pouco, apesar do país ser o nono maior mercado editorial do mundo e de editoras estrangeiras investirem cada vez mais na publicação, segundo a Câmara Brasileira do Livro. De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada em março de 2012 pelo Instituto Pró-Livro, a média de leitura é de pouco mais de quatro obras por ano, tirando as obrigatórias escolares. São 88,2 milhões de pessoas que leem no país, cerca de 50% da população. Mas, se a prática constante pode trazer uma série de benefícios, como a desenvoltura na fala, ela também pode causar vícios e transtornos. Com mais ou menos 300 livros na estante e uma média de leitura de seis obras por mês, Márcia Thiara, 23, se considera uma leitora compulsiva. Ela relata que o vício começou com a saga Harry Potter. Durante o ensino médio era voluntária na biblioteca da escola. “ “Já matei aula para ficar lá ou terminar um livro. Sempre indiquei obras para os outros alunos”, comenta. Hoje, participa ativamente do Clube do Livro do DF. “Grupos assim fortificam a relação pessoa-estudante. Lá encontramos pessoas como nós, que realmente gostam de ler. Você conhece novas séries literárias e se descobre”, acrescenta. Samara Reis, 18, relata que o hábito de ler sempre a ajudou no combate à solidão. “Sou filha única. Me entreguei ao universo literário. Lia por horas e, na busca de novas obras, acabei me encaixando no clube de leitura da escola. Lá eu era gratificada por cada obra concluída, criei vários amigos, melhorei minhas notas e tinha com quem interagir”, declara. Essa característica é confirmada pela psicopedagoga Andréa Cassese. Segundo ela, a leitura auxilia na descoberta de novas palavras, ideias e
Para Márcia o melhor de ler é encontrar pessoas que compartilham do mesmo gosto
obcecada com uma obra que não conseguia desvincular o imaginário do real: “Foi na época em que li Crepúsculo, eu era a Bella”. A mãe de Sofia, Sônia Rocha, explica que teve de levar a filha para fazer tratamento. “Ela não saia no sol, pintava o cabelo e usava roupas como o da personagem e não se relacionava com ninguém. Literalmente seguia os passos do livro. Ficou mais tímida e começou a entrar em depressão. Foi um pesadelo”, ressalta. Suzanna Campello lembra que em fases como a infância e adolescência é muito importante que os pais controlem o que os filhos estão lendo e como estão interpretando. “Algumas pessoas são muito influenciáveis. É preciso ter cuidado com obras que incentivam a identificação com personagens ou conflitos psicológicos.”, explica a psicóloga. Contudo, a especialista sublinha a importância do hábito literário: “Mesmo com esses problemas a prática ainda é maravilhosa, o leitor aprende muito”. Ela ainda destaca que já indicou obras para tratamento de pacientes com transtornos ou depressão.
Clube de Leitura do DF A ideia surgiu com o fim de um fã clube, em 2010. Diego Baptista, 25, criou o grupo em julho de 2011 para continuar a disseminar práticas literárias originadas com a série Harry Potter. Hoje, o clube está nas redes sociais, tem site próprio e realiza dois encontros mensais, para debater diversos livros. “Incentivo a leitura e me considero um privilegiado”, relata. Atualmente o grupo tem mais de três mil membros no Facebook. No site, é possível ler resenhas de obras, conferir notícias, comprar camisetas dos eventos e trocar livros. Para se associar, basta fazer parte da comunidade ou comparecer a algum evento. Quinzenalmente acontecem encontros em que os integrantes vivenciam as histórias, como a simulação do Quadribol, esporte praticado pelos personagens da série Harry Potter. No início ou fim de cada mês acontecem encontros presenciais, na Livraria Cultura do Casa Park. 17
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O grande espetáculo dos irmãos portugal Na quinta geração, a família circense tenta manter a tradição herdada dos pais, somando à linhagem histórias de prestígio e superação Foto: Ingrid Rodrigues
Vilck Portugal (esq.) alegra o público fazendo apresentações interpretando o palhaço Tripinha junto com seu tio Ivan e sobrinho Ygor >> Michelle Brito
O
início do espetáculo se aproxima.Aos poucos, o público escasso acomoda-se nas cadeiras de metal dispostas ao redor do palco. A menina que cresceu no picadeiro começa a se arrumar para apresentar o primeiro dos três números que irá realizar na noite. Ao lado do pai, primos e tios, Juliana Portugal, 25, mantém a tradição de cinco gerações. Fundada no interior de São Paulo, em 1º de maio de 1958, a trupe se chamava Circo Irmãos Portugal. Os sete irmãos seguiam os passos do pai lusitano e da mãe espanhola. Antes da apresentação, o homem miúdo com sorriso largo espera
a plateia em frente ao circo. Ivan Portugal, 72, o palhaço Formiguinha, cumprimenta com cordialidade o público que chega aos poucos. Ivan arranca risos desde os 18 anos, quando foi apelidado por ter nascido na cidade de Formiga (MG). Hoje, Formiguinha divide o palco com o sobrinho Vilck Portugal, 23, o palhaço Tripinha, e com o neto Ygor Portugal, o Geleinha, de apenas oito anos. O pequeno Ygor toma conta do picadeiro, conquista a plateia e prova que aprendeu perfeitamente o ofício com o avô. “Acho muito divertido ser palhaço, meu amigos também. Mas eu quero mesmo é ser jogador de futebol”, confessa.
Nem todos nasceram no circo. Solange Portugal, 50, apresenta o número de mágica. Motivada pelos tios, entrou para a trupe há cinco anos. “É prazeroso ver a lona cheia. Proporcionamos uma diversão sadia, sem brigas e drogas. Deveríamos ser mais valorizados. Aqui é um mundo mágico, quem entra esquece um pouco dos problemas’’, ressalta. E as risadas dos avós de Ana Clara, 3 confirmam. Gilvan Cavalcante e a mulher levaram os netos ao circo pela primeira vez. “Este tipo de programa é muito mais indicado para crianças do que qualquer coisa que passa na TV”,
alerta. Nucileide da Silva, mãe de Erick, 3, conta que assim como o filho é a primeira vez que assiste a um espetáculo circense. “Meus pais nunca me levaram. Quero que meu filho conheça a essa magia ainda criança”, afirma. O ex-trapezista Valdir Portugal, 61, nunca exerceu outra profissão. A carteira de trabalho está em branco. Embora tenha enfrentando inúmeras dificuldades para manter a tradição viva, pretende permanecer na ocupação. “Meu avô materno morreu com 97 anos no picadeiro, e o paterno com 87, também trabalhando no circo. Não sei fazer outra coisa”, revela.
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PICADEIRO Foto: Ingrid Rodrigues
apresentação country com chicotes, mágico, globo da morte, tecido e arco acrobático. Hermison relembra números exclusivos e perigosos que os irmãos apresentavam na época, como a Escada Sete onde sete homens arremessam e equilibram uns aos outros e Ícarus que exige grande habilidade pois o acrobata faz mergulhos e contorções em uma rede suspensa.
Hoje não tem circo O grande desafio da família é lidar com a burocracia para realizar os espetáculos. Juliana Portugal conta que a situação começou a piorar, pois “temos dificuldade em arrumar local para instalar a lona”. Juliana diz que os artistas não recebem ajuda do governo. “Não temos apoio com luz nem água. A redução das taxas já nos ajudaria muito”, completa. A coordenadora da área de circos da Fundação Nacional de Artes (Funarte) de Brasília, Antonia Vilarinho, conta que existem vários projetos de lei tramitando na Câmara dos Deputados que visam auxiliar trabalhadores circenses. Regulamentação da profissão, Os palhaços Tripinha e Formiguinha fazem sucesso com o público infantil aposentadoria e outros benefícios estão inclusos nas propostas. Sucesso em Brasília que as apresentações de terça a “Os artistas podem ser ajudados No dia 21 de abril de 1960 a família domingo eram sempre lotadas. por meio de editais. O Prêmio Portugal montava a tenda na Cidade Após 14 anos no Nordeste, em Funarte Petrobras Carequinha de Livre – onde hoje fica o Núcleo 2007, de volta a Brasília, o nome do Estímulo ao Circo contemplou Bandeirante – para a inauguração circo mudou para Transcontinental em dezembro do ano passado 159 da capital federal. Na época o circo Hercley Circus. De acordo com projetos direcionados a área de chamava-se Transcontinental e Valdir, Hercley é a junção do nome contava com mais de 120 pessoas, dos irmãos Hermison e Cleibe Animais no circo entre artistas, montadores e Portugal. “Fizemos várias tentativas Macacos, leões, elefantes e outros animais apoio, além dos diversos animais até chegar a este nome. E gostamos selvagens sempre fizeram grande sucesso em selvagens. “Após a inauguração, muito, ficou diferente”, explica. espetáculos circenses. No dia 9 de abril de 2000, uma criança de seis anos foi devorada por leões durante o voltamos a Brasília em 1964. Na O ex-aparador de trapézio intervalo das apresentações do Circo Vostok, em Recife. época estávamos montados em Hermison Portugal, 73, coleciona A fatalidade gerou grande polêmica sobre a presença Taguatinga”, lembra Valdir. as mais diversas histórias vividas de animais no picadeiro. Em 2005 foi criado um A trupe também esteve na no picadeiro. Lamenta não ter decreto federal, que resultou na lei 14.014, proibindo a apresentação com animais. primeira festa do Estado de 1966. arquivado os jornais. “Gostaria de O fato afastou o público das atrações. “Disseram Já em 2 de maio de 1992, o circo ter guardado, além de na minha que os circenses maltratam animais. Começaram a nos ficou montado durante quatro memória, todas as experiências que perseguir por causa do acidente que ocorreu no Vostok. Marginalizaram o circo, construíram essa imagem a meses em frente à Torre de TV. vivemos.” Hoje a trupe apresenta partir de uma fatalidade”, ressalta Juliana. Ela completa Em tempos áureos, Valdir conta números como o show com palhaços,
CULTURA circo. Foram repassados R$ 6 milhões para os projetos vencedores”, lembra. No entanto, Antonia destaca que como os projetos não têm previsão para ser regulamentados, os artistas sobrevivem da bilheteria dos espetáculos.“Tudo está dentro da grande demanda do território nacional, e como sabemos, caminha a passos de tartaruga”, lamenta. Desafios Atualmente a trupe é formada por dez famílias: ao total são apenas 40 pessoas. “Estamos definhando, apenas o amor nos mantém em pé. Fora do Brasil eles têm uma área limpa reservada para o circo, onde o governo oferece luz e água. Aqui não, nós quase pagamos para oferecer a cultura circense. Por isso muitos artistas estão deixando o país”, desabafa Valdir Portugal. Antigamente o circo era a uma das principais formas de entretenimento que alguém poderia ter. O circense conta que os irmãos costumavam receber 200 pessoas por espetáculo. “Nós chegávamos à cidade e não era preciso fazer propaganda. Todos ficavam eufóricos. Hoje a competição com os shoppings e festas é grande, em dias bons recebemos no máximo 50 pessoas”, lamenta Valdir.
que o público diminuiu significamente, tanto por medo e por não ter animais. “As crianças vinham muito por causa dos bichos. Perdemos público e ficamos com uma imagem negativa”, completa. A Sociedade Mundial de Proteção Animal criou a campanha Circo legal não tem animal. A comissão recolhe assinaturas por meio do site www.wspabrasil.org contra o uso de animais em circos e aponta diversos casos de agressões, alimentação inadequada e transmissão de doenças.
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CULTURA
SÉTIMA ARTE
Brasília no roteiro do cinema A cidade se configura como um grande celeiro de produções cinematográficas >> Renata Cardoso Samita Barbosa
Cinememória : Inaugurada em 1994, pelo cineasta Vladimir Carvalho, a Fundação Cinememória mantém filmes que retratam Brasília ou que foram feitos na cidade.
em Niterói e São Paulo. Tanto o curso da Universidade de São Paulo (USP) como o da Universidade Federal Fluminense (UFF) são meio filhos do curso de Brasília. Hoje são os mais antigos em funcionamento no Brasil”, comenta Márcio Curi, cineasta carioca e morador da cidade desde 1971. Este ano serão rodados na capital seis longas. “É uma produção muito alta em decorrência de uma sobreposição de dois anos de financiamento do Vladimir Carvalho guarda em sua fundação registros da cidade Fundo de Apoio à Cultura (FAC). o cineasta, “há recursos na cidade É muito filme para pouco tempo para o cinema, mas muito parcos na cidade. Mas a tendência não é comparados a Pernambuco, por manter esse patamar. É um pico cir- exemplo, que acaba de premiar 112 cunstancial”, afirma Mauro Giuntini, projetos cinematográficos num tocineasta e professor na Faculdade tal de R$ 11,5 milhões”, compara. de Comunicação da UnB. Tendência ou não, mais pessoas Seca, câmera, ação! Giuntini dirigiu o longa metrado ramo querem investir em longas-metragens. O cineasta Santiago gem, Simples mortais, filmado todo Dellape se prepara para isso. Depois em Brasília e começa a rodar, no de ter gravado quatro curtas em di- fim de julho, o filme Até que a casa versos cenários brasilienses – Feira caia. Para o cineasta, a gravação na dos Importados, Conic, Biblioteca capital tem algumas vantagens: “Se da UnB e Congresso Nacional – comparado a outras metrópoles Dellape agora faz parte da pré-pro- o trânsito não é ruim, isso facilita dução do longa País do Futuro. Para deslocamento entre uma locação
e outra. E também existem várias áreas com um nível de silêncio bom para filmar”, afirma. Já para Vladimir Carvalho o diferencial da cidade é a iluminação vertical e natural, além do clima. “A gente olha para esse céu azul e vê que temos praticamente mais cinco, seis meses sem chuva pela frente. Isso facilita a filmagem em locações”, observa. Dellape concorda que o clima de seca bem definido ajuda o planejamento das filmagens externas. No entanto, “isso pode virar um problema, como estamos enfrentando atualmente. Temos muitos longas filmados concomitantemente, muitos (produtores) terão que trazer profissionais de fora”, revela. Outro desafio para as produções brasilienses é a falta de grandes empresas financiadoras. “Brasília é a capital administrativa do país, ela não foi criada para ser um centro empresarial. Como não tem esses empresários o resultado é que quem financia os filmes que saem daqui, de um modo geral, é o FAC”, explica Vladimir. Para o cineasta, a arte corre para onde há dinheiro e o cinema é uma muito caro. A solução é “oferecer o projeto para outros institutos, outras orga- nizações como Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), Petrobrás, Agência Nacional do Cinema (Ancine), Ministério da Cultura”, exemplifica. Assim como fez o cineasta Iberê Carvalho, contemplado pela seleção pública Petrobrás Cultural
Foto: Ana Karoline Lustosa
A
produção de cinema na capital federal nasceu junto com a cidade. Antes mesmo dos grandes projetos arquitetônicos de Oscar Niemeyer começarem a ganhar forma no planalto central, as câmeras e os rolos de filmes já registravam tudo. “Quando se pôs a pedra fundamental, não tinha nenhuma construção ainda, Brasília era esse grande platô, inóspito, deserto. E um batalhão de cinegrafistas já estava filmando”, relembra Vladimir Carvalho, cineasta e criador da Fundação Cinememória. O histórico da cidade idealizada por Juscelino Kubitscheck em muito se confunde com a história cinematográfica nacional. Além de ter sido construída sob o olhar das câmeras atentas, a capital foi pioneira no curso de graduação em cinema, ofertado há 50 anos pela Universidade de Brasília (UnB), que durante todo esse período teve idas e vindas, até se tornar o curso de audiovisual, existente hoje. “Quando ele foi extinto (o curso), os grupos de professores que estavam aqui replicaram a experiência
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SÉTIMA ARTE
CULTURA Arte: Michelle Brito
BRAS
ÍLIA
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2012 Quanti da gens e de: 7 long 1 as-met raInvesti 1 curtas mento: R$ 7,5 15 milh ões
Font e : S e c retaria de C
Foto: Ana Karoline Lustosa
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ÍLIA
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Fonte: Ancine
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Fonte:
2013
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ngas e: 32 lo
Ancine
2012 para rodar o longa-metragem O último Cine Drive-in. Para Iberê ainda falta muito pa- ra o mercado cinematográfico se consolidar e se tornar menos dependente do FAC. “Há uma carência de infraestrutura, de produção. O que muitas vezes exige que profissionais, equipamentos e serviços necessitem ser demandados de outras cidades”, Brasília ganha visibilidade no cinema nacional com duas grandes produções Somos Tão Jovens e Faroeste Caboclo completa. Para se ter uma ideia, a produ- também feitos, provavelmente com cinematográfica da canção Faroeste ção de um grande filme com re- temas que resgatam a imagem de Caboclo, tem 80% das cenas rodapercussão nacional pode chegar Brasília, como filmes históricos das em Brasília. O longa é dirigido a custar R$ 8 milhões. Segundo a sobre Juscelino Kubitscheck ou fil- pelo brasiliense, formado em cotabela de pagamento divulgada no mes políticos sobre o processo de municação social pela UnB, René site do Sindicato dos Trabalhadores democratização”, aposta o critico. Sampaio. “A trajetória de João de na Indústria Cinematográfica e do Santo Cristo, personagem princiAudiovisual (Sindcine), o piso salapal, só não foi totalmente filmada Quando se pôs a pedra aqui porque alguns lugares mudarial de um diretor é de R$ 2.897 fundamental, não ti- ram quase que totalmente, como a por semana, o do roteirista parte nha nenhuma constru- Ceilândia da década de 1980. A cidos R$ 23.788 pelo roteiro, o dição ainda. E um bata- dade satélite daquela época foi reretor de fotografia e o operador lhão de cinegrafistas de câmera ganham pelo menos R$ construída no entorno do Distrito já estava filmando 2.565, também por semana. Vladimir Carvalho federal para as filmagens”, observa. Para gravação de Faroeste, René A capital na vitrine confirma a facilidade em encontrar Para o critico de cinema Norlan Uma das grandes produções bra- a capital ainda bastante preservaSilva, Brasília é um conjunto de sileiras citadas por Norlan teve es- da, assim como as superquadras cartões-postais. Para ele existem tréia no primeiro semestre deste e a UnB, porém alguns locais que cenários conhecidos e desconhe- ano, o longa Somos Tão Jovens do aparecem no longa sofreram pecidos, como o Teatro Nacional, diretor paulista Antônio Carlos da quenas intervenções da equipe. “O a Praça dos Três Poderes e a Ca- Fontoura. O filme que traz Brasília orelhão é diferente. Cada locação tedral. Norlan acredita que a cida- como cenário principal, retrata a mesmo que seja parecida com os de passa por uma onda no cine- vida do cantor Renato Russo. Na anos 80, teve alguma intervenma contemporâneo nacional, com trama, cenas familiares para os bra- ção de arte para tirar tudo o que os dois filmes Somos Tão Jovens e silienses, como da Rodoviária, da é anos 2000, que é atual. Então a Faroeste Caboclo, que segundo ele Esplanada, põem a cidade no pri- gente teve que fazer um trabalho são reflexos da cultura brasiliense. meiro plano. que você não percebe, que foi bem “Futuramente, novos filmes serão A mais recente, a adaptação feito”, conclui René.
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de
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SAÚDE
MULHER
Só em caso de emergência >> Lane Barreto Yale Duarte
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Rede pública de saúde oferece pílula do dia seguinte. Apesar da indicação para situações específicas, médicos alertam para os danos do uso contínuo
s mulheres brasileiras decidiram iniciar a vida sexual mais cedo. É o que dizem os dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS), do Ministério da Saúde (MS). O levantamento realizado em 2008 aponta que na última década o número de mulheres que tiveram a primeira relação sexual até os 15 anos passou de 11% para 32%. Pesquisadores ouviram 15 mil mulheres em idade fértil – dos 15 aos 49 anos. Contudo, a falta de orientação se torna um perigo. A contracepção de emergência, também conhecida como pílula do dia seguinte, tem a eficácia de evitar uma gravidez indesejada após a relação sexual. O método é indicado em situações de urgência, como deslocamento do diafragma, rompimento da camisinha, violência sexual ou esquecimento do anticoncepcional. Mas a pílula nem sempre é usada assim. Lilia Alves*, 25, diz que há três anos usou esporadicamente o comprimido de emergência quando se esquecia de tomar o anticoncepcional de rotina:
“Tomei a pílula do dia seguinte três vezes e percebi que o meu ciclo menstrual atrasou bastante”. Ela conta ainda que fez o uso do medicamento por conta própria e nunca procurou orientação médica antes de usá-lo. Em abril, o MS lançou o Protocolo de Levonorgestrel para agilizar a distribuição da pílula do dia seguinte em postos de saúde. Segundo a cartilha, não há restrição de idade para adquirir a medicação. “O acesso é um direito das mulheres adultas, jovens e adolescentes e deve ser amplo e livre de preconceitos e julgamentos”, avisa o documento. De acordo com o protocolo, a equipe profissional de atenção básica das unidades ouve e analisa a história da usuária, com atenção especial para adolescentes, para então realizar o aconselhamento do uso da pílula, que pode ser comprada sem receita. Reações indesejáveis Doutoranda em psicologia, Maria Clara* costumava ficar de seis a oito meses sem menstruar por ter cistos no ovário. Antes da primeira relação Foto: Adriana Braga
sexual, ela procurou orientação de um ginecologista: “Ele disse que eu deveria usar sempre camisinha, pois não poderia me receitar a pílula regular sem eu estar no ciclo menstrual”. Como tinha pavor de pensar em engravidar, a jovem tomou o contraceptivo de emergência. “Tomei uma única vez e fiquei 45 dias menstruando sem parar. Era muito sangue, sem contar os enjoos, cólicas e dores de cabeça. Mesmo depois de ter parado de menstruar, os sintomas de mal estar permaneceram por mais 15 dias”, lembra. Para o ginecologista e obstetra Jurandir Passos, a reação que Maria Clara teve é uma questão hormonal: “Os sintomas que ela sentiu estão relacionados à sensibilidade aos hormônios que o anticonceptivo possui”. Ele explica que nessas situações a mulher pode apresentar dores de cabeça, náuseas e vômito, além do descontrole menstrual.“A sensibilidade ao produto deveria estar estimulada há bastante tempo. Ao usar o remédio, ele atuou no sentido de ocasionar a menstruação”, pondera. O médico alerta também que casos de sangramento descontrolados precisam ser tratados com acompanhamento.
pela Organização Mundial da Saúde. Especialista em Reprodução Humana e ginecologista da Secretária de Saúde do DF, Carla Martins defende o uso responsável da pílula do dia seguinte. “Ela só se torna um problema quando é feito o uso seriado, pois pode desregular o ciclo menstrual. Por isso deve ser consumida apenas em casos emergenciais”, adverte. Segundo a médica, a gravidez indesejada em uma adolescente pode ser um problema bem maior: “Ela corre o risco de ter um deslocamento prematuro de placenta, de o bebê nascer com baixo peso ou prematuro, de ter eclampsia e várias outras complicações de uma gravidez não planejada”. A doutora afirma que o efeito do medicamento de emergência após o ato sexual tem eficácia de 95% até 72 horas. “Depois desse tempo a eficácia passa para 80%”. Para Jurandir, médico em uma rede particular, “a preocupação em fornecer métodos para que se evite gravidez indesejada é muito importante”. E completa avisando que a Organização Mundial da Saúde (OMS) registra 65 mil mortes de mulheres relacionadas a gestações não desejadas. *Nomes fictícios
A aquisição da pilula de emergência dispensa a apresentação da receita médica
Acesso gratuito O Ministério da Saúde avisa que o uso da pílula de emergência não deve ser feito como substituto do anticoncepcional de rotina e que não protege a usuária das doenças sexualmente transmissíveis, como aids, sífilis, hepatite B, HPV e gonorreia.Ainda de acordo com o órgão, o uso do medicamento faz parte das recomendações da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgof) e da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana e é aprovada
O Sistema Único de Saúde (SUS) fornece à rede pública oito tipos diferentes de contraceptivos. As mulheres podem escolher os injetáveis mensais ou trimestrais, a minipílula, a pílula combinada, o diafragma, o dispositivo intrauterino (DIU), preservativos e pílula de emergência. O MS recomenda que a mulher passe, ao menos, por uma consulta médica inicial para saber se há alguma restrição ao método escolhido.
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ALTERNATIVA
SAÚDE
Musicoterapia ajuda no bem-estar Terapia pode ser trabalhada desde bebês até a terceira idade para tratar problemas físicos, neurológicos ou psíquicos >> Rayanne Alves
musicoterapia utiliza seus elementos para reestabelecer funções de uma pessoa e desenvolver potenciais em que o indivíduo possa alcançar integração consigo e com os outros. Em Brasília, a terapia é usada para tratar pessoas com doenças degenerativas, crianças com síndromes do espectro autista ou hiperativas, entre outros. Também é indicada para quem tem problemas como depressão ou ansiedade. A ideia é melhorar a qualidade de vida por meio do tratamento, prevenção e reabilitação.
Isaac era hiperativo, tinha dificuldade e falta de concentração na escola. Agora com a musicoterapia ele lê melhor e suas notas subiram,assegura Maria Aparecida
Gilberto Almeida, 62, sofre do mal de Parkinson há mais de cinco anos. A filha, Clarissa Morais, conta que o pai teve grande melhora depois que começou a musicoterapia. Clarissa afirma que a atividade aliviou sintomas que os médicos consideravam intratáveis. “Meu pai tinha os movimentos das mãos muito prejudicados, ele não movia quase nada e a musicoterapia o auxiliou na coordenação motora.” De acordo com levantamento feito em 2011 pela equipe das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), que desenvolveu um
projeto com pessoas internadas em hospitais de São Paulo, 90% dos pacientes ouvidos apresentaram melhora e 72% receberam alta ao fim de sessão terapêutica. A musicoterapeuta Délia Matos explica quais benefícios podem ser alcançados com essa terapia. “A musicoterapia trata a necessidade de cada paciente e pode trabalhar fala, respiração, audição, concentração e depressão.” Crianças entram no ritmo A musicoterapia para o público infantil, assim como para as demais idades, deve ser instruída por um especialista. Crianças autistas, com deficiências mentais e físicas e crianças hiperativas ou tímidas podem ser beneficiadas por esta terapia. Isaac Emanuel, 9, faz musicoterapia desde o começo deste ano. A avó Maria Aparecida comenta as mudanças de comportamento do neto. “Isaac era hiperativo, tinha dificuldade e falta de concentração na escola. Inclusive reprovou ano passado. Agora ele lê melhor e as notas subiram,” assegura. A musicoterapeuta Edna Sardeiro explica que a musicoterapia pode melhorar o rendimento escolar de crianças. “Quando se trabalha a educação musical com a criança, ela cria ritmo. Isso ajudará quando ela começar a ler e escrever, porque vai fazer registros sonoros das letras e terá menos dificuldades em memorizar a sonorização das palavras e letras”, afirma. Os instrumentos utilizados nas sessões podem ser escolhidos pela criança
Foto:.Carolina Matos
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Isaac Emanuel apresentou melhora na escola após sessões de musicoterapia
ou pelo terapeuta, de acordo com de demência e se beneficiam prina necessidade identificada. cipalmente do convívio social que a musicoterapia proporciona. Inserção dos idosos A aposentada Carmem Vieira, Na área geriátrica, a musicote- 71, teve depressão após se separar rapia procura estimular os idosos do marido, com quem foi casada por meio de atividades que os por 30 anos. Ela descobriu a mufaçam trabalhar a memória e au- sicoterapia por indicação de uma toestima. É muito indicada para amiga. “Estava muito mal. Tive que pessoas com mal de Alzheimer, fazer um tratamento psicológico, Parkinson, acidente vascular cere- mas melhorei de verdade graças à bral e depressão. musicoterapia”, declara. O geriatra Einstein de Camargos, Para Carmem, o maior ganho do Hospital Universitário de com a musicoterapia foram as noBrasília (HUB), explica que, em vas amizades, que a apoiaram naportadores de Alzheimer, a abor- quele momento difícil. “Eu não sadagem com música reduz a necessi- bia tocar nem pandeiro, mas não dade de remédios tranquilizantes. foi preciso. Percebi que poderia diDe acordo com ele, muitos idosos vidir minhas experiências com ouque participam do projeto exis- tras pessoas e assim aprender juntente no hospital são portadores to com meus colegas, revela. 23
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CIDADANIA
Foto: Mariana Lima
Reciclagem que vira arte
ARTESANATO
carência, muitos locais tentam oferecer aos residentes um espaço que reproduza a vida familiar. Por isso, se autodenominam lares. É o caso de 1.047 das instituições brasileiras de acolhimento de idosos, segundo dados da Lar dos Velhinhos Bezerra de Menezes mantém oficina de Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. trabalho manuais com reutilização de papéis e embalagens Maria Rita Lourenço, 83 anos, vive no Bezerra de Menezes há pouco >> Luana Lopes mais de 15 anos e participa dos traMariana Lima balhos da oficina desde o início. Os movimentos lentos e a fala cansada não são empecilhos para que a idosa compareça todos os dias para ajudar na confecção dos produtos artesanais. “Eu venho aqui de segunda a sábado para fazer os meus pombinhos”, diz, orgulhosa, enquanto molda os enfeites de papel machê. Atualmente, Maria Rita é quem mais participa do trabalho. Devido às limitações de saúde, os outros idosos aparecem na oficina duas vezes por semana e colaboram apenas picotando papel, tarefa realizada com muita disposição. “Alguns não conseguem amassar o papel nas forminhas”, acrescenta Maria Rita. Além do projeto de A oficina de artesanato serve como terapia ocupacional para os idosos artesanato, os velhinhos se envolvem rodutos artesanais são uma boa Brasil são destinados para a recicla- em várias atividades, como musicoteopção de presentes. Os itens têm gem. No caso das embalagens feitas rapia e palestras ministradas pelo cencaracterísticas únicas e quase sempre do mesmo material, o reaproveita- tro espírita que mantém o Lar. são feitos à mão, além dos preços mento é de 66,5%. acessíveis. O processo de produção Todo o material utilizado no Lar Voluntários Hoje o Lar dos Velhinhos Bezerra muitas vezes envolve senso de comu- dos Velhinhos é doado pela comunidanidade, histórias de vida e troca de de e voluntários. As peças são vendi- de Menezes abriga 62 residentes. Em aprendizado. Este é o caso do Projeto das em um bazar que funciona dentro pesquisa realizada no ano de 2011, Reciclando Experiências no Lar dos da própria instituição, além de feiras o Ipea constatou que 83.870 idoVelhinhos Bezerra de Menezes, em de artesanato e exposições. No lar, sos vivem em Instituições de Longa Sobradinho (DF), que há quase 15 tudo é ambientado com o resultado Permanência no Brasil, o que significa anos serve como terapia ocupacional do trabalho. Na parede da recepção e 0,5% da população idosa. Como poucos conseguem colabopara os idosos. do refeitório, os relógios produzidos rar na oficina, a maior parte do traA oficina de artesanato utiliza com discos de vinil e CDs viram parreciclagem e reaproveitamento de te da decoração. Caixas de leite viram balho fica por conta de ajuda extra. embalagens para produzir agendas, capas de agenda e folhas de papel tin- A confecção dos produtos artesanais recebe o auxílio de cinco voluntácadernos de receitas, blocos de ano- gidas, bibelôs. tações, flores para enfeite e ímãs de Os velhinhos dividem o espaço e rios fixos e outros que comparecem geladeira. De acordo com o relató- também histórias de vida.Algumas são quando podem. Enquanto alguns ficam rio do Plano Nacional de Resíduos de abandono, outras envolvem falta por anos, outros acabam deixando o Sólidos publicado pelo Instituto de de disponibilidade e condições finan- trabalho por falta de tempo para se Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) ceiras dos parentes. Enquanto uns re- dedicarem. Cândida Salete começou em outubro de 2012, cerca de 43,7% cebem visitas frequentes, outros nem como voluntária e hoje é coordenado papel e papelão consumidos no família têm. Para tentar minimizar essa dora do projeto. Ela veio de Porto
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Alegre (RS) há 20 anos e, assim que chegou a Brasília, foi em busca de um local para praticar a religião espírita. Mal sabia ela que, além do centro, encontraria o trabalho voluntário no Lar dos Velhinhos. Cândida confessa que o interesse demorou a surgir mas, quando começou, não quis parar. “Achava um lugar muito triste, mas depois percebi que faz parte da vida. Já estou aqui há 13 anos”, declara. Fernanda Prestes é voluntária do Projeto Reciclando Experiências há quase dois anos. Ela conta que começou com visitas casuais e logo se ofereceu para ajudar nas feiras. “Mesmo não sabendo fazer, a gente aprende na hora e faz”, ressalta. No momento, a oficina se prepara para expor as peças em um evento que acontecerá em São Paulo, em julho deste ano. Cândida afirma que os voluntários não são suficientes para atender toda a demanda da oficina, pois às vezes é necessária a colaboração de pessoas que tenham disponibilidade para acompanhar nas viagens. A contribuição é uma via de mão dupla. Para Fernanda, o trabalho é mais do que uma ação de solidariedade. “Acho que recebo mais do que contribuo realmente. Faço não pelo tipo de trabalho, mas por saber que de alguma forma estou contribuindo para ajudar os idosos. Há uma interação, estamos sempre conversando, acho que isso é bom para eles”, afirma.
Quer se voluntariar?
A oficina de artesanatos do Lar dos Velhinhos Bezerra de Menezes funciona de segunda a sábado, das 8h às 18h. Para ser voluntário não é necessário estar todos os dias, basta uma tarde ou uma manhã durante a semana. Se preferir, pode contribuir apenas nas feiras de artesanato e exposições.
Mais informações: www.lardosvelhinos.org.br Telefone: (61) 3591-3039
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