Artefato 12/2015

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artefato Ano 16 - n º 8 Jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Católica de Brasília Distribuição Gratuita - novembro de 2015

Assédio: mulheres são vítimas. Tema gera debate e polêmica Págs. 12 e 13

Brasília: personagens fazem da cidade quadrado de cultura Págs. 8 e 9 Nudes: compartilhamento de fotos íntimas cresce com aplicativos Págs. 4 e 5 Sem diversidade: negras não têm espaço nas telonas Págs. 10 e 11


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O papel do jornalismo é informar. Mas o que informar quando o jornalismo está o tempo todo, e muitas vezes com razão, em xeque? A força das redes sociais tem um impacto constante nas pautas dos jornais por fazerem certa patrulha quanto ao que é publicado. É claro que uma maior atenção da sociedade é sempre importante, mas quem diz o que é notícia? Em novembro deste ano, duas tragédias espantaram a todos. No dia 5, uma barragem de rejeitos de mineração da Samarco, que pertence à Vale e à australiana BHP, se rompeu, em Mariana (MG), deixando mais de 900 desabrigados. Onze pessoas morreram e 11 estão desaparecidas. Já na sexta- feira (13), radicais do Estado Islâmico promoveram uma série de atendados em Paris, França, deixando pelo menos 130 mortos e centenas de feridos. Durante a cobertura da mídia sobre o assunto, inúmeras pessoas e grupos do Facebook se posicionaram sobre a parcialidade dos jornais. Para alguns, só se dava destaque aos atendados de Paris. Para outros o desastre na cidade mineira estava sendo encoberto pelas notícias do terror na Europa. A indignação das pessoas é aceitável, convivemos diariamente com a parcialidade de alguns veículos. Mas o jornalismo ainda é regido por alguns critérios que sustentam o que é notícia. Os atentados na França foram planejados. São a expressão de um fundamentalismo arcaico em uma guerra ao terror que se arrasta há anos. Como não deveriam ter atenção da mídia? Convém lembrar que o noticiário diário, factual, seja no rádio, na televisão ou no jornal, é fruto do momento. Quando a temperatura está alta, acaba colocando no papel de coadjuvantes assuntos que em outras circunstâncias seriam manchetes. Mas, já quando do rompimento da barragem em Mariana, a tragédia humana e ambiental dividiu a atenção com a Lava Jato, as trapalhadas de Eduardo Cunha, e a economia. Quando a lama se espalhou pelo Rio Doce, quando a empresa admitiu o risco de rompimento de mais duas barragens, a imprensa nacional se preocupou mais com Mariana. Mas Paris não tem culpa disso. Vivemos em uma sociedade plural e multidirecionada. A cobertura intensiva de um determinado tema não pode impedir, de forma alguma, que outro tema seja tratado com a devida proporção. Devemos nos revoltar e cobrar punições aos responsáveis pela catástrofe em Mariana e também nos compadecer por aqueles que são alvos dos que promovem a guerra.

Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Brasília Ano 16, nº 8, novembro de 2015 Reitor: Prof. Dr. Gilberto Gonçalves Garcia Pró-Reitor Acadêmico: Dr. Daniel Rey de Carvalho Pró-Reitor de Administração: Prof. Fernando de Oliveira Sousa Diretor da Escola de Negócios: Dr. Alexandre Kieling Coordenador do Curso de Jornalismo: Prof. Dr. Joadir Foresti Professora Responsável: Me. Fernanda Vasques Ferreira Revisão Final: Profª Dra. Rafiza Varão Orientação de Fotografia: Me. Ane Molina e Me. Rose May Apoio: Me. Fernando Esteban Apoio Técnico: Sued Vieira Monitor: Sued Vieira

Editores-chefes: Jelsyanne Albuquerque, João Pedro Carvalho e Manoel Ventura Editores de texto: Isabella Vieira, Rodrigo Mendonça, Suelen Oliveira e Tarcila Rezende Editores de arte: Bruno Barbosa, Jacqueline Santana e Thiago Siqueira Diagramadores: Álef Calado, Bruno Santana, Gustavo Figueredo e Isabella Cantarino Editores de fotografia: Daniela Andrade e Enoque Aguiar Subeditores de fotografia: Angélica Rangel e Charles Jacobina Editores web: Gabriella Bertoni e Valéria Melo Repórteres: Adrienne Ribeiro, Alex Neres, Diogo Neves, Douglas Sousa, Enoque Aguiar, Gabriel Silveira, Katielly Valadão, Larissa Nogueira, Lorena Carolino, Lucas Lélis, Marcus Gomes, Marianne Paim, Natália Lázaro e Nikelly Moura Checadores: Gabriela Gregorine, Jéssica Eufrásio Nathalia Melo e Mariane Cunha Fotógrafos: Angélica Rangel, Anthony Machado, Barbara Xavier, Bianca Amaral, Bruna Andrade, Carolina Militão, Fabyane Rufino, Flávia Alves, Flavia Pacheco, Fernanda Sá, Gabriela Mota, Gabriela Vieira, Glaucia Cardoso, Isabela Menezes, Isabela Moreno, Jéssica Leite, Maiza Santos, Maria Gabbriela Veras, Mariane Brandão, Marina Braúna, Marina Raissa, Matheus Contaifer, Natália Martins, Natália Santos, Raphaella Torres, Rosana Carvalho, Thaís Miranda, Thaís Rodrigues e Tissyane Scott. Ilustrações: Freepik.com Tiragem: 2 mil exemplares Impressão: Gráfica Athalaia Universidade Católica de Brasília EPCT QS 7 Lote 1, Bloco K, Sala 212 Laboratório Digital Águas Claras, DF Telefone: 3356-9098/9237 Todas as matérias têm ampliação de conteúdo na web. Acesse nossas redes sociais e site. E-mail: artefatoucb1@gmail.com Site: pulsatil.com.br Jornal Online: issuu.com/jornalartefato https://artefatojornal.wordpress.com/


Comportamento No limite Foto: Jacqueline Santana

Rebaixar carro e andar de acordo com a lei é possível. Especialista afirma que a segurança depende do órgão fiscalizador competente Jacqueline Santana Brasileiro parece gostar de deixar as coisas fora do comum. Alguns donos de carros alteram a altura, a roda, o barulho e até o motor para se satisfazer. Para eles, a velocidade não importa, mas a sensação de andar em um rebaixado é o diferencial. O auxiliar administrativo Marcos Santos, 29 anos, comprou um carro popular em 2012 e desde a primeira semana já começou a fazer alterações. “Para mim, fica mais bonito dirigir um carro rebaixado e tenho a sensação melhor de estabilidade quando estou dirigindo”, comenta. Ele conta que já gastou em torno de R$ 4 mil para mudar as molas e amortecedores com o intuito de deixá-lo mais baixo. Para fazer essas mudanças na estrutura do carro, ele precisava estar de acordo com a lei. O artigo 98 do Código Nacional de Trânsito diz que o proprietário ou responsável não pode fazer modificação no carro sem prévia autorização de autoridade competente. Embora o carro de Marcos esteja a dez centímetros do chão - permitido pela resolução nº 479/2014 do Conselho Nacional deTrânsito(Contran)-, eleaindanãolegalizou a situação e por isso já foi parado e multado quatro vezes pela irregularidade. O motorista que dirige com a suspensão modificada está sujeito a multa no valor de R$ 127,69, ganha cinco pontos na carteira de habilitação e tem o documento do carro retido.

O estudante de engenharia mecânica da UnB Carlos Felipe Araújo, 23 anos, tem um carro popular do mesmo modelo de Marcos e também quis rebaixar. A despesa foi em torno de R$ 1,6 mil com os valores das taxas, equipamentos, mãos de obras e declarações. “Como o carro não está no meu nome, precisei ir ao cartório pegar uma declaração e gastei cinco dias úteis para realizar todo o procedimento”, reclama. Como funciona Em Brasília, primeiro é preciso levar o carro sem alteração ao Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) para ser vistoriado, e então é liberado para fazer a mudança. Após a modificação, é necessário voltar ao Detran para nova avaliação e depois ir ao órgão regulamentador para a realização da inspeção – no DF, a Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec) realiza o processo. Se tudo estiver de acordo com as normas, é emitido o laudo de segurança do sistema e o requerente retorna ao Detran com o pedido de emissão do novo documento e aguarda receber-lo em casa. O educador físico Diego Oliveira, 30 anos, alterou a suspensão, motor (ele turbinou e fez com que o moto ficasse mais potente) e colocou rodas de aro maior (17 polegadas) de sua perua. Diego, que reside em Brasília, legalizou em Formosa (GO), por achar mais fácil. Como ele fez várias alterações, o processo

durou dois meses e custou R$ 3 mil. O Detran-DF reconhece que um número reduzido consegue regularizar o carro com a suspensão regulável, mas não disponibilizou o número de quantos já conseguiram. “Os Institutos Técnicos Licenciados (ITL), que avaliam a instalação, estão obrigados a seguirem os Regulamentos Técnicos do Inmetro e muitos são reprovados por não estarem com as peças homologadas ou pela maneira que foram instaladas”, esclarece. Segurança O mecânico Ranniery Pelizer garante que se a pessoa escolher peças de qualidade e não rebaixar o carro ao extremo com certeza ela preserva estabilidade extra no veículo – função de absolvição das vibrações e choques das rodas com o solo. Assim conserva-se conforto aos ocupantes do veículo. Diego afirma que a alteração na suspensão não atrapalha em nada a segurança. “Pelo contrário, sinto meu carro até mais seguro. Tudo depende do motorista e do que ele fará com o carro”, comenta. O doutor em Estudos em Transportes da Universidade de Brasília Paulo César da Silva, afirma que ,em relação à segurança, toda mudança feita no projeto original do carro depende do órgão competente. “Os institutos licenciados pelo Inmetro é que podem realmente verificar e garantir se há segurança em carros alterados”, afirma.

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Comportamento Redes Sociais

Aplicativos de mensagens instantâneas como o WhatsApp colaboram no compartilhamento de imagens eróticas Álef Calado e Larissa Nogueira

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A nudez sempre fez parte da vida do ser humano. Quem nunca teve a curiosidade de ver o que outra pessoa esconde por baixo das roupas? Com a popularização de aplicativos que facilitam a troca de informações pessoais, como WhatsApp e Snapchat, a disseminação de nudes se tornou um passatempo atrativo. O compartilhamento chegou a níveis tão altos que até mesmo a Playboy, maior revista de entretenimento adulto, não foi capaz de lidar com o conteúdo gratuito e optou por parar de publicar os ensaios sensuais. Antes de falar sobre o movimento, que começou como uma forma de pedir imagens sensuais e se tornou um dos memes mais famosos do ano, é preciso explicar os conceitos de nude e sexting. Enquanto o primeiro consiste na divulgação de imagens eróticas por meio de aplicativos de celular, como o WhatsApp, o segundo é, basicamente, o sexo mediante mensagens de texto. Apesar de todas as brincadeiras envolvendo o tema, o pedido ainda continua estimulando alguns

corajosos a enviarem fotos íntimas. É o caso da estudante de medicina Gabriela Albuquerque*, 23 anos, que confessa já ter mandado fotos em alguns grupos do WhatsApp. “Ah, já que todo mundo estava mandando, eu resolvi mandar também!”, admite. Por mais que a atitude já seja algo normal, é preciso ter cautela. Afinal, as imagens podem conter elementos que identifiquem a pessoa. Gabriela ressalta ainda que tomou alguns cuidados. “Fiz questão de preservar a minha identidade, não mostrando o meu rosto, claro! A gente nunca sabe o que os outros integrantes vão fazer com essas fotos... eles podem mandar em outros grupos até chegar a algum conhecido. Aí, sim, ia dar problema”, pondera. O estudante Mateus Ribeiro, 22 anos, acha que o nude é uma brincadeira entre amigos. “Ah, eu sei que as meninas que me mandam não estão dando em cima de mim. Eu tenho uma intimidade muito grande com elas; então, a gente fica trocando as fotos e se zoando”, relata.

Psicóloga e especialista em casos de internet, Maria de Fátima Assunção explica que os casos de exposição acontecem justamente com pessoas que acreditam que suas fotos nunca serão divulgadas. “Os jovens de hoje pensam que amigos de redes sociais são pessoas confiáveis e 99% não são. Assim, eles acabam abrindo uma brecha para a troca e vazamento de imagens”, esclareceu. Foi o que aconteceu com o publicitário Caio Gomes*, 24 anos, que já enfrentou problemas por conta de algumas fotos que havia enviado a uma ex-namorada. “A troca de nudes sempre foi algo bem normal no nosso relacionamento. Quando a gente terminou, ela acabou mandando algumas dessas fotos para umas amigas, que mandaram para outras pessoas. No final, uma prima recebeu e a família inteira ficou sabendo dos nudes. Meus pais não ficaram nada felizes”, relata. Diante de toda a situação, Caio admite que não tomou nenhum tipo de precaução com relação às fotos que mandava para a ex-companheira. “Eu sempre


levei como uma brincadeirinha. Mesmo depois do término, eu nunca imaginei que ela seria capaz de vazar as fotos”, afirmou. Crime É claro que o problema não afeta apenas anônimos. Jennifer Lawrence, Scarlet Johansson, Kim Kardashian, Carolina Dieckmann e o ex-BBB Jonas Sulzbach são apenas alguns dos famosos que tiveram fotos e vídeos íntimos compartilhados na internet. O caso mais recente foi o do ator Stenio Garcia, que teve imagens com a esposa Marilene Saade expostas na rede. E você é daqueles internautas que gosta de disseminar as famosas fotos amadoras? Pois fique sabendo que o ato é crime e os envolvidos podem cumprir de três meses a três anos de prisão. Se a vítima for menor de idade, a divulgação é categorizada como pornografia infantil e pode gerar uma série de processos com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Se o responsável tiver invadido dispositivos eletrônicos, como tablets, computadores e celulares, para pegar as fotos, além de responder pelo crime de difamação, o autor da divulgação será acusado de invadir aparelhos de terceiros para obter dados ou informações sem autorização do proprietário. A lei 12.737, de 30 de novembro de 2012, mais conhecida como Lei Carolina Dieckmann, determina detenção de três meses a um ano e multa para os praticantes.

*Nomes fictícios

Mande com segurança Continua com vontade de atiçar aquele amiguinho especial mesmo depois de conhecer todos os perigos do ato? O Artefato sugere maneiras de mandar as fotos sensuais com um pouco mais de segurança. Confira: Seja anônimo: escolha ângulos seguros para tirar as imagens tão desejadas. Procure não deixar que o seu rosto ou algum elemento que possa te caracterizar, como tatuagens ou piercings, apareçam. Escolha o melhor aplicativo: programas de mensagens instantâneas, como WhatsApp, Facebook Messenger e Viber não são os mais recomendados na hora de compartilhar os nudes; justamente porque os aplicativos contam com um banco de dados que salva as fotos recebidas. Já, Snapchat e o Wickr trabalham com imagens rápidas que desaparecem em segundos e avisam ao usuário quando algum contato tira um screenshot, o famoso print, da sua foto. Contatos confiáveis: conheceu a pessoa há pouco tempo e ela já está te pedindo nudes? Calma! Pense duas vezes antes de começar a tirar a roupa. Não cometa o erro de mandar fotos pessoais para desconhecidos ou para sujeitos que não contem com a sua total confiança. Proteja-se: utilize uma senha relativamente difícil para garantir que ninguém tenha acesso a sua galeria de nudes. Passar as imagens para um HD externo, também é uma formas de garantir a segurança e a confidencialidade das suas fotografias.

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Comportamento Adaptação

Pessoas de diferentes partes do Brasil vêm para Brasília em busca de sucesso profissional, mas muitos sofrem com mudança Rodrigo Mendonça Foto: Isabela Menezes

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Meses seguidos de muito esforço, abnegação e dedicação aos estudos renderam a Marcus Bennett, 34 anos, uma vaga em um dos inúmeros concursos públicos de Brasília. Sem muita expectativa de crescimento profissional em Natal, no Rio Grande do Norte, o jornalista resolveu tentar a sorte na capital do país. Para alcançar uma vaga, estudava cerca de dez horas por dia, sete dias por semana. Após a aprovação, ele se mudou em definitivo para Brasília e passou a fazer parte das estatísticas de imigração interna que marcaram o surgimento e desenvolvimento desta região do planalto central brasileiro. Segundo o censo demográfico de 2010, o Distrito Federal conta com mais de 2.550.000 habitantes. Em 1960, apenas 140.164 pessoas habitavam a região. Nesses mais de 50 anos de história, a capital do país recebeu migrantes de todas as partes do país. Segundo a Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), desse contingente de imigrantes, o nordeste é a região

de onde parte o maior número de pessoas com destino a Brasília: 52,24% do total. Em segundo lugar vem o Sudeste, com 26,83% e depois a região Centro-Oeste, com 13,91%. As regiões Norte e Sul do país, juntas, representam apenas 6,38% dos imigrantes. Já os estrangeiros somam 0,61%. Uma vez aqui, Marcus sentiu dificuldades em se adaptar à cidade. “As pessoas daqui são frias, conversam pouco e há muitos grupos fechados. Como eu continuei a estudar, saía pouco e tinha dias que ficava sem conversar com ninguém, sem dar sequer um bom-dia. Foi uma época difícil”, confessa. Na opinião dele, os brasilienses têm uma cultura própria e nela está inserida uma “certa frieza” por parte das pessoas. “A cidade é muito focada em concurso, então sempre tem muita gente estudando muito. Talvez isso crie um distanciamento entre as pessoas, porque quem quer estudar tem que manter o foco”, esclarece.


Essa distância também foi sentida pelo pesquisador e professor da Universidade Católica de Brasília Fred Feitoza, 34 anos, que acabou vindo morar em Brasília depois de concluir um pós-doutorado no exterior. “Vi que gentileza não é um traço forte da cultura daqui. Achava um insulto cumprimentar as pessoas e não ser cumprimentado de volta. Vivi em cidades grandes, inclusive fora do Brasil, e nunca tinha visto isso”, critica o professor. O baiano Diógenes Lima, 27 anos, que veio para Brasília para assumir o cargo de analista judiciário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), diz que deixou Salvador com uma ideia pré-concebida sobre a capital federal: uma cidade fria, onde se relacionar com as pessoas era muito difícil. Ele achava que seria mais fácil fazer amizade com quem, assim como ele, não fosse daqui. Porém, suas tentativas fracassaram logo no início. “A atitude negativa do pessoal de fora com relação à Brasília me incomodava”, diz o baiano.

Foco no trabalho Nessa época da vida, a dificuldade em criar laços de amizade é natural, uma consequência cultural. “É uma questão prática: a pessoa trabalha o dia inteiro e não tem tempo de se dedicar a atividades de sociabilização. Ou, ainda, passa a conviver mais tempo com um parceiro sexual, e isso, muitas vezes, resulta em uma redução da rede de amigos”, afirma o psicólogo e especialista em relações sociais, Bruno Campos. Ele esclarece que isso pode acontecer em qualquer lugar do mundo, e não necessariamente em uma cidade específica. “As pessoas precisam ter uma percepção mais saudável da realidade ao seu redor, e não ficar achando que o local onde vivem e as pessoas com quem convivem conspiram para um isolamento social”, explica Campos. Fred tem muita vontade de deixar Brasília e voltar para sua cidade natal. “Eu acho que esse é um lugar de passagem, com salários bons, mas com uma cultura muito comedida. Isso me aborrece!”, comenta o professor. Marcus e Diógenes acham que é negativa a

primeira impressão que Brasília e os brasilienses causam em quem vem viver aqui. Mas essa visão acaba mudando. “Depois de algum tempo, conheci muita gente que nasceu e cresceu em Brasília. Todos são tão amigos e sociáveis como os de qualquer outro lugar. São pessoas normais”, comenta Marcus. Diógenes acabou percebendo que, para ter a chance de gostar da cidade, teria que se inserir na dinâmica local. Foi quando começou a frequentar eventos nos espaços públicos, shows de bandas locais de rock e outras coisas que gostava de fazer no tempo livre, o que o levou a conhecer mais pessoas nascidas aqui. “Acabei vendo que é uma cidade como outra qualquer, com seus pontos negativos e positivos”, diz o analista judiciário. Na visão dele, as pessoas se mudam para Brasília e procuram aqui características da cidade onde nasceram. “Isso ninguém nunca vai encontrar. Você tem que tentar conhecer melhor a cidade, se inserir na cultura e estilo de vida do local. O segredo é enxergar Brasília como ela é, e não como você gostaria que fosse”, aconselha o baiano. Foto: Rodrigo Mendonça

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Cidades Comportamento

A capital do país é formada por diversas culturas. Personagens invisíveis que fazem de Brasília uma cidade diferente de todas as outras Natália Lázaro

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Rua sem esquina e, ao lado do asfalto, cores de um ipê. Céu com tons de laranja e um sol, que ao invés de amarelo, se põe cor de rosa. Pelo cinza do concreto, personagens com uma bagagem de histórias nas costas. No quadrado central, gente que encanta as ruas e mostram que a riqueza da capital se dá pelas peculiaridades de cada um. Essas pessoas, mesmo que invisíveis, fazem Brasília ser uma cidade formada por sonhos. Há 46 anos, Aldo Paviani veio do Sul com a intenção de ficar somente por um ano. Nessa época, professores foram requisitados para entrar para a Universidade de Brasília e, assim, o historiador se tornou mais um personagem da capital. Para o professor, que se sente parte da cidade, Brasília é diversa devido a forma que foi constituída, com imigrantes vindos de diferentes lugares do Brasil e pelas embaixadas. “Não é de se estranhar que cada lugar da cidade tenha uma cultura diferente”, afirma o historiador. Por isso, os costumes dos brasilienses vão desde o churrasco do fim de semana, até a água de coco e o vatapá da Torre de TV pois, aqui,

se encontram todos os lugares do Brasil, ao mesmo tempo. Personagens que fazem a Capital mais colorida, e com música, porque não? Gente como Kelvin Bruno Soares, que deixou vários empregos de lado para fazer o que gosta: tocar violão no metrô. O jovem de 23 anos, que se apresenta na Galeria dos Estados, acredita que a rua é a maior vitrine e inspiração. Ele conta que quando fala que é músico e que se sustenta tocando no metrô, as pessoas riem e alegam que música é para gente preguiçosa. Mas, apesar do preconceito, ele afirma que não imagina nenhum emprego que o faça mais feliz. Kelvin veio do Maranhão para a capital ainda quando criança. Ele, que tinha uma banda de rock, deixou de lado o mundo dos palcos para se juntar ao barulho dos trilhos do metrô. Morador de Ceilândia, relata que já foi assaltado diversas vezes, principalmente por pessoas alcoolizadas, mas que, ainda assim, o trabalho é gratificante. “Melhor do que ganhar dinheiro é mostrar sua arte para alguém e ver essa pessoa gostar. Tem muita gente que passa e fala que não tem dinheiro, mas agradece pela música e pede

para eu nunca desistir”, conta, enquanto prepara as partituras amassadas das próximas músicas. Dificuldades enfrentadas também por Arthur Augusto, que trocou o alto cargo de uma empresa por uma barraquinha de cachorro quente. O tio do dog da 306 sul, como é conhecido, largou o emprego com o início da ditadura militar, por afirmar que não aceita dar dinheiro para os outros. Hoje, ele representa uma parte dos brasileiros que precisaram mudar a vida devido ao novo sistema. Arthur se apresenta nas esquinas há 31 anos. Ele conta que, na ditadura, a polícia tentava tirar todos que viviam das ruas, sofrendo perseguição militar e tendo, inclusive, um familiar preso. Durante todo o expediente, um velho rádio de pilha o acompanha tocando apenas jazz e música clássica. De acordo com Artur, somente uma boa música pode mudar um ambiente. A famosa maionese de alho e ervas, que hoje é oferecida por grande parte das barraquinhas de hambúrguer e cachorro quente do DF, foi desenvolvida por ele, como conta. Artur disse que, quando


começou, precisava de alguma ideia que fizesse com que os moradores da quadra preferissem comer na barraquinha e não em outros estabelecimentos. Assim, ele criou a maionese, uma marca tradicional das madrugadas brasilienses. E, em meio as esquinas, encontramos Lourivaldo, que se esconde entre as 3.800 revistas e os 4 mil DVDs da primeira banca de jornal da cidade, na 108 sul. Pintor de parede, veio do interior de São

Paulo à Capital em 1960, para trabalhar na construção civil. Por acaso, começou a vender jornais e revistas em um caixote, na rua. O livreiro conseguiu crescer nos negócios fazendo parcerias com produtores de vinho, e conta, que hoje, deve toda sua vida à literatura. “Sabe, quando recebo a visita de um estudante recomendo uma coisa singela: tenham respeito pelos livros, foram eles que me projetaram, devo tudo a eles”, conta, emocionado.

Esses são o Kelvin, Artur e Lorivaldo, mas poderia ser também a Ana, a Maria, o Marcos e o João. Cada canto da capital guarda um personagem com histórias que fazem cada esquina e beco invisível como únicos. O tio do dog da 6, o cara do violão do metrô, a tia do churrasquinho e do frango assado do domingo. Uma cidade feita por várias cidades. Um quadrado de cores, uma Brasília de gente.

Com 20 anos de existência da capital, a população Com 20 anos de existência da capital, a dopopulação Centro-Oeste já havia aumentado em 288%, em do centro oeste já havia aumentado em 288%, em relação relação ao ano ao de ano 1960de 1960

2.359793 moradores Oeste são 2.359.793 moradores do do Centro Centro-Oeste são imigrantes de outros estados brasileiros migrantes de outros estados brasileiros

Somente entre 2010 e 2015, a população no Somente entre 2010 2015, a população no Distrito Federal tevee aumento aumento de Distrito Federal teve de 344.470 344670 pessoasdevido devidoa aimigrantes imigrantesque quevem vema para a a pessoas, capital procura de um emprego capital a procura de um emprego

da população brasileira emestado um 36%36% da população brasileira moramora em um diferente ao natural estado diferente daquele em que nasceram

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Cultura Coadjuvante

Mulheres negras têm espaço reduzido e estereotipado nas salas de cinema. Do roteiro à edição, deve haver diversidade Nathalia Melo e Mariane Cunha

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Ir ao cinema é uma atividade comum para parte dos brasileiros. De romance a filmes de ação e terror, todos os gêneros têm seu público. Ver os grandes galãs e heróis nas telas é uma experiência única. Personagens marcantes de homens brancos, como James Bond e Homem de Ferro são referência. Mas o mesmo não acontece com os negros. No documentário A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira, de 2000, o cineasta Joel Zito Araújo afirma que os negros só têm a oportunidade assegurada de aparecer nas telas se houver evidências da necessidade deles nos papeis. De acordo com o artigo publicado pela BBC When White actors play other races (Quando atores brancos interpretam outras etnias, em tradução livre), a lista de filmes nos quais a situação acontece vai desde comédias românticas até filmes de ação, aventura, fantasias e épicos. O termo que sintetiza a situação é o whitewashing, sem tradução para o português. São personagens que aparecem

frequentemente de modo caricato e estereotipado. Negros, indígenas e asiáticos são alvos da mesma situação. Para a professora de Cinema Negro da Universidade de Brasília (UnB) Edileuza Penha, a soberania do homem branco em relação a outras etnias acontece até hoje, pois o cinema é, ainda, considerado um espaço deles. “Fazer cinema é para quem tem dinheiro e historicamente o poder está concentrado na mão dos homens brancos”, sentencia. Mulheres Pesquisa divulgada pela revista Superinteressante em 2014 mostra que a proporção média da presença feminina na indústria cinematográfica americana é de cinco homens para cada mulher. Em 2012, dos filmes analisados, as mulheres representaram cerca de 30% dos personagens com fala. Entre as 100 maiores bilheterias, o número de protagonistas femininas é de apenas 11%. “No Brasil as pessoas, infelizmente, se acostumaram a conviver com as desigualdades raciais e de gênero”,

explica a professora especialista em gênero e raça Isabel Clavelin. No livro Alice Doesn’t: feminism, semiotics, cinema (Alice Não: feminismo, semiótica, cinema, em tradução livre) Teresa de Lauretis afirma que a imagem da mulher na mídia impõe idealização: “Podese dizer que a construção social da mulher é baseada em critérios preestabelecidos socialmente”. No que diz respeito às negras, os números de representatividade caem mais. A pesquisa A Cara do Cinema Nacional, de 2014, mostrou que, apesar de serem maioria na população feminina do país (51,7%), as negras ocuparam apenas 4,4% do núcleo de elenco de produções brasileiras entre 2002 a 2012, enquanto 80% corresponde a brancos. A professora Edileuza afirma que a falta de negros e negras nas telas ocorre desde o início do cinema. No Brasil, até hoje, pouca coisa mudou. Ella Shohat e Robert Stam complementam no livro Crítica da imagem eurocêntrica, consideram a participação das mulheres negras


a ausência mais notável do cinema brasileiro. Especialmente no que se refere a papeis de protagonistas ou antagonistas, os negros são identificados com dificuldade, explica o livro. Renata Parreira, professora, é negra e acredita que a mulher branca é considerada pela sociedade a beleza ideal, o padrão representado no cinema e televisão. Para ela, a sociedade vê a negra de modo sub representado e subalterno. “A gente começa a perceber ausência dos corpos negros nos espaços”. Embora existam algumas referências impressas na cultura brasileira, bastante influenciada pela americana, as mais comuns são homens: atores como Morgan Freeman e Denzel Washington, por exemplo. No Brasil, Lázaro Ramos. Quanto às mulheres, a grande representante é Lupita Nyong’o, que ganhou o Oscar de atriz coadjuvante no ano passado. Thaís Araújo é conhecida pelo público brasileiro por seus diversos papeis em novelas. Ainda assim, não se deixe enganar: o site Guia da Semana divulgou lista de Melhores Filmes de 2014, a qual compreende 22 títulos. Destes, nenhum possui protagonistas negros. A professora Isabela Clavelin explica que para a igualdade ser garantida é preciso enfrentar as desigualdades. “Com o debate político e reflexões de ideias contrárias à ideologia racista”. Edileuza, professora, acredita que é a mentalidade dos produtores que deve mudar, para representar a sociedade brasileira de fato: “Significa criar um cinema para todos, onde a diversidade esteja pautada desde o roteiro, passando pela escolha de elenco, direção e todos corpo técnico e edição”, finaliza.

Mesmo que apareça pouco nas telas de cinema, a mulher negra é quase sempre representada de forma caricata, segundo João Carlos Rodrigues no livro O Negro Brasileiro e o Cinema, de 2001. A seguir, alguns desse padrões de representação:

Mulata boazuada Gilberto Freyre, na obra Casa-Grande e Senzala explica o que esse termo significa: a mulata é apenas o seu corpo, um objeto sexualizado, com a presença de uma sensualidade excessiva e de domínio do homem branco. Pode usar de uma sexualidade para atingir objetivos. Situação percebida no longa Xica da Silva (1976) e na protagonista de mesmo nome.

Negra de alma branca Pode ser exemplificada pela história da personagem Alice no longa Rio 40º (1955). É a negra que recebeu “boa educação” e quer fazer parte da sociedade dominante. Usa roupas e arruma o cabelo para se “embranquecer” e tenta atingir ideais brancos: ser rica e viver em um bairro nobre, por exemplo.

Mãe preta É um padrão com raízes na sociedade escravocrata brasileira. Negra que trabalhava na casa-grande, cuidava das tarefas domésticas, se dedicava à família branca e estava no meio termo entre ser membro efetivo do núcleo familiar ou simplesmente servas. Pode ser identificada no filme Gonzaga, de pai para filho (2012), bem como na série Sítio do Pica pau Amarelo (1977).

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Comportamento Crime

Mulheres de todas as idades são vítimas de assédio. O assunto tem causado polêmicas na internet, na TV e até na prova do Enem Gabriela Gregorine e Jelsyanne Albuquerque

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Cabelos lisos, loira, olhos azuis. Características que despertam a atenção de muitos homens, sem falar dos traços delicados. Além disso, cozinha – ou pelo menos se esforça – e ainda aparece em um programa de TV. Assédios de todos os tipos podem parecer comuns para uma pessoa com essas características, mas não quando se trata de uma menina de 12 anos. Valentina Schulz, participante do MasterChef Júnior, é uma dentre as muitas vítimas desse tipo de crime. E, apesar do estereótipo acima, nenhuma mulher está livre, especialmente quando o principal alvo dos assediadores são elas. Pessoas se mobilizaram e compartilharam histórias reais de quando passaram pela situação com a hashtag #PrimeiroAssédio no Twitter. A ideia surgiu como forma de protesto em apoio à jovem, após publicações de caráter pedófilo viralizarem no microblog. Entre os comentários de grande repercussão, um dos usuários da rede social expressa: “Sobre essa Valentina, se tiver consenso é pedofilia?” A campanha contou com mulheres de todo o país expondo suas memórias de assédios. “Tinha uns oito anos e esperava minha mãe nas compras. Dois

rapazes passaram por trás, pegaram na minha bunda e saíram rindo”, relata uma delas. Algumas das histórias mostradas aconteceram na própria família, como a de Lola*: “Eu tinha oito anos, um primo chegou a desabotoar minhas calças e passar a mão em mim. Me escondi por um dia no banheiro”. Apesar da seriedade da campanha, alguns fizeram comentários maldosos sobre as usuárias que se expuseram, como o vocalista da banda Ultraje a Rigor, Roger Moreira, que postou: “Acho que tinha uns dez anos. Uma empregada me deixou pegar nos peitos dela. Foi bom pra cacete”. Seu comentário causou revolta em seus fãs. Um outro usuário publicou: “Estou me masturbando lendo todos os comentários. Por favor, continuem”. Esse tipo de comportamento se tornou comum na internet. Para o psicanalista Paulo Miguel Velasco, isso acontece porque é uma forma de o agressor se esconder da sua verdadeira identidade. “Podemos afirmar que o mundo virtual é um terreno fértil para projeções e idealizações. Diante deste fato, fica mais fácil para indivíduos covardes assediarem ou provocarem cyberbullying sem se identificarem”, opina.

Não é normal Muitas pessoas não sabem o que é assédio. O psicanalista esclarece a abrangência do assunto: “Assédio é toda e qualquer conduta abusiva, como: gestos, palavras, escritos, comportamentos e atitudes que intencionalmente firam a dignidade e a integridade física ou psíquica de uma pessoa”. Os assédios vão além da realidade virtual, eles também são frequentes em nosso cotidiano. A advogada penal Cristina Tubino explica que a violência pode estar presente no âmbito psicológico, físico ou verbal. Ana* foi vítima de assédio - enquanto passeava com sua mãe. “Um homem, que passava de carro, parou e gritou: peitinhos gostosos!”, narra a garota. A mãe explica que a menina tinha apenas 13 anos e não se sentiu bem com aquela situação. “Nos deixou muito constrangidas. Para muitos, a atitude daquele homem é normal, mas para mim não é”, lamenta. Quem é mulher sabe que isso é uma realidade e que andar na rua sem levar uma daquelas cantadas maliciosas é um desafio. Segundo a Central de Atendimento à Mulher, somente no primeiro semestre deste ano, foram registrados 32.248 relatos de violência


contra o sexo feminino, dentre as quais estavam agrassões sexual, física, moral e psicológica. No Brasil, o Distrito Federal tem a maior taxa de denúncias de violência pelo Ligue 180 - com 60 relatos para cada 100 mil mulheres, seguido do Piauí - com 44 para cada 100 mil mulheres. A realidade ainda presente gerou repercussão também no tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano: “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”. Entre outras exigências, o Ministério da Educação alertou que as os textos que fugissem do tema proposto ou fizessem qualquer brincadeira ou deboche teriam as notas zeradas. Mesmo com o histórico e com os dados apresentados, comentários maldosos foram publicados logo após a prova. Entre eles, foi mencionado que para escrever a redação bastava mentir, assim

como se faz para “comer” as mulheres. Também houve declarações de que os homens são superiores às mulheres e, ainda, que elas devem se submeter às vontades deles sem contestar. E se engana quem pensa que isso acontece com poucas pessoas ou somente com adolescentes. Com Nanda*, essa triste realidade começou aos cinco anos. “Fui dormir na casa de uma amiguinha. Acordei de madrugada com a luz do corredor acesa. O pai dela havia tirado minha calcinha e mexia em mim. Eu não entendia o que estava acontecendo”, conta. Quando Nanda se mexeu, ele parou, se levantou e foi lavar as mãos. A menina só entendeu o que havia acontecido anos depois. No entanto, a história da garotinha estava só no início. Hoje, adulta, Nanda explica que precisou de terapia para superar o trauma. Dos 9 aos 11 anos vieram os assédios mais frequentes.

O abusador era avô de suas melhores amigas. “Me forçava a colocar a mão no pênis dele e colocava a mão em mim. Ele aproveitava as brincadeiras com a gente para passar a mão”, descreve a vítima. Depois de algum tempo, Nanda resolveu procurar conforto no colo materno e decidiu explicar tudo que havia acontecido. Para sua surpresa, sua mãe respondeu: “Não contou antes porque gostava”. O psicanalista ainda expõe que casos como esses afetam o psicológico das mulheres e trazem, inconscientemente, mágoas que nem elas mesmas compreendem. “Com a sequência do trabalho psicanalítico, fazemos com que elas despertem, por meio de insights, mostrando-as que suas atuais aflições não passam de eclosões vindas do passado. Geralmente, essas mulheres têm enormes dificuldades em se envolver em novos relacionamentos amorosos”, esclarece.

Foto: Tissyane Scott * Nomes fictícios

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Cidades Televisão

Por meio de procedimento traumático, estudiosos descobrem método que transforma células de energia Lucas Lélis e Marianne Paim

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Talvez os mais novos não se lembrem, mas era tão comum dar pancadas com a mão na televisão, colocar palhas de aço nas antenas ou até mesmo subir no telhado várias vezes para melhorar a captação do sinal, que era ruim e só transmitia chuvisco ou fantasmas na tela atrapalhando a imagem. Os que não têm uma televisão preparada para receber o sinal digital não precisam entrar em desespero. Os conversores digitais são aparelhos que farão a adaptação da imagem para o modelo de TV. Para quem não tem, pode adquirir um aparelho com o conversor já integrado, esta é a melhor solução para continuar acompanhando a novela, o jornal e o futebol, sem fantasmas e chuviscos na tela. Em 2003 foi implantada a TV digital no Brasil, por meio do decreto nº 4.901, que instituiu o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD). De lá para cá as emissoras de TV aberta têm se modernizado para levar a melhor qualidade de imagem possível até a casa dos brasileiros. Brasília será a primeira grande cidade do país a ter o sinal analógico, aquele em que a imagem é ruim, totalmente substituído pelo novo sinal. A mudança ocorrerá no dia três de março de 2016.

O diretor geral da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Luis Roberto Antonik explicou que a população está ciente da mudança da tecnologia. “A informação sobre o desligamento do sinal analógico foi dada com um ano de antecedência por meio da inserção, na tela, da logomarca da TV analógica e de uma tarja informativa sobre a data do desligamento do sinal. Dois meses antes da data prevista para o desligamento, haverá também uma indicação fixa com a contagem regressiva para o desligamento no alto da tela”, informa. Mas a nova forma da TV não irá melhorar apenas a experiência de assistir televisão. As frequências ocupadas pelo sinal analógico serão destinadas à melhoria do sinal 4G, assim as operadoras de telefonia móvel poderão oferecer internet mais rápida para celulares, tablets e modems portáteis. Segundo a Abert, essas faixas que serão desocupadas foram vendidas para as operadoras de telefonia móvel por quase nove bilhões de reais. “As telefônicas ganharam muito com isso, pois aumentaram drasticamente seu espectro de frequência. A faixa que era da televisão, dos canais 51 até o 69, é a melhor faixa de frequência.

Assim, economizam no investimento, apresentam um bom produto, pois esta frequência é ótima para a qualidade do serviço, e vendem mais telefonia para a população”, afirmou Luis Roberto. Antes de o sinal analógico ser desligado na capital federal, a cidade de Rio Verde (GO) vai passar por um teste. A partir do dia 29 de novembro de 2015, a cidade contará apenas com o sinal digital. Para que o desligamento aconteça é necessário que pelo menos 93% dos domicílios de cada município estejam prontos à recepção da televisão digital terrestre. TV digital para todos A Abert informou que os beneficiários do Programa Bolsa Família terão direito a um Kit Digital gratuito, com um conversor, antenas e controle remoto. Ele será distribuído a 14 milhões de inscritos no programa e, além de interatividade, possibilitará o acesso à internet. Juntamente com o conversor, o Kit Digital gratuito incluirá uma antena interna, que poderá ser usada em cidades com onde há dificuldades para instalação das externas. Cada conversor entregue a um beneficiário do programa terá um custo de R$250,00, ou seja, R$ 3,5


bilhões. Um aparelho desses pode ser encontrado no mercado por apenas R$100,00. O diretor geral da Abert criticou o fato do governo ter escolhido um modelo mais caro. “O conversor foi incorporado por uma série de ferramentas, absolutamente incompatíveis com os domicílios que irão recebê-lo. Deste modo se tivéssemos projetado um conversor mais barato, sem esta série de habilidades suecas, poderíamos economizar dinheiro e incluir muitas outras famílias no programa, pelo menos o dobro”. O Intervozes, coletivo Brasil de comunicação social, também se posicionou contra o alto preço dos conversores. Com discussões sobre o tema desde 2003, o grupo aponta um descaso do governo quanto a escolha do equipamento mais caro para comercialização além da desvalorização da produção nacional. “É fruto de opções equivocadas do governo federal, que decidiu pela adoção do padrão de modulação mais caro entre todos os disponíveis

internacionalmente”, relata. Entretanto, para o coletivo, há uma série de irregularidades quanto à democratização do projeto. Eles acreditam que a implantação do novo sinal não foi realizada de maneira adequada, houve apenas uma adaptação da transmissão das emissoras comerciais. Reduzindo o espaço para as TVs comunitárias, públicas e universitárias. O novo modelo poderia dar mais visibilidade a esses veículos que hoje estão ausentes da programação. “Mas, infelizmente, essa não foi a opção do governo federal, que destinou às emissoras comerciais mais uma fatia do espectro, tornando o atual latifúndio um latifúndio improdutivo”, lamenta. Para a costureira Walquiria Soares, 72 anos, o novo sinal foi motivo para reunir a família e tornar o velho hábito ainda mais frequente. Mãe de cinco filhos, ela garante que sempre foi fascinada pela televisão. “Lembro de quando minha mãe tinha que dar uns tapas na TV ou mudar ela de lugar para

que o chuvisco saísse, ficávamos horas tentando”. Se nada dava certo, ao menos ela e os irmãos tinham uma distração. “Quando não funcionava nem com palha de aço nas antenas, a brincadeira era a corrida de mosquitos – o chiado em preto e branco quando ficava sem sinal”, brinca. Já na casa do eletricista Jânio Soares, 47 anos, o novo sinal já havia chegado e ele não tinha notado. “Assisto TV todos os dias, mas nunca percebi grande diferença. Meu filho que viu a propaganda e me disse que não precisaríamos chamar um antenista”, conta. No caso do eletricista, o eletrodoméstico já veio de fábrica com o conversor e talvez por esse motivo ele não tenha notado a diferença, porque a transição de sinal é feita automaticamente. Para informar sobre esse processo, emissoras brasileiras fazem propagandas em sua grade horária em forma de tutorial para que telespectador se adapte para acompanhar mais uma evolução daquela que, em muitos lares, era o centro das atenções. Foto: Bianca Amaral

A partir de abril de 2016, quem não se adequou à TV digital verá apenas chuviscos na tela

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Cidadania Transparência

Prevista na Constituição, Lei de Acesso à Informação auxilia na prestação de contas entre o poder público e o cidadão Isabella Cantarino Mas, afinal, quem pode receber pedidos de informação? Cláudia explica que a lei se aplica a toda a administração pública: “Todos os órgãos e entidades dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, todos os Tribunais de Contas e o Ministério Público podem receber estas solicitações”. Segundo o servidor da Ouvidoria do governo do Distrito Federal, Edson Marques dos Santos, qualquer cidadão pode manifestar sua solicitação sobre temas variados. “Essas informações

podem ser sobre o funcionamento da gestão governamental de projetos, aplicação do orçamento público, investimentos que o Estado realiza, dentre outras questões”, explica. A chefe da Assessoria de Comunicação da CGU, Thaisis Barboza, explica que, entre os motivos para algum pedido ser rejeitado, estão os que se classificam como, por exemplo: informações classificadas como sigilosas, que coloquem em risco a segurança do Estado, dados pessoais dos servidores públicos e informações que possuam sigilo fiscal, bancário e comercial. Eles Foto: Gláucia Cardoso

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Você já quis saber quanto custou aquela obra realizada na sua rua? Ou quanto a presidente Dilma Rousseff gastou em uma viagem a determinado lugar do país? Se você respondeu sim a alguma dessas perguntas, está na hora de conhecer a Lei de Acesso à Informação. Ela não é nova, mas ainda é desconhecida da maioria dos brasileiros. A lei federal nº 12.527/2011, entrou em vigor em maio de 2012. Conhecida como LAI, ela reserva ao cidadão o direito previsto na Constituição de ter acesso às informações públicas. De acordo com o Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC), desde 16 de maio de 2012, até o dia 17 de novembro de 2015, foram registrados 323.910 pedidos, dos quais 76% obtiveram acesso concedido à informação solicitada. A contagem dos pedidos é atualizada automaticamente no site. Claudia Taya, diretora de Transparência e Controle Social da Controladoria-Geral da União (CGU), ressalta a importância da LAI para a sociedade: “Com a Lei de Acesso à informação, a transparência passou a ser a regra e o sigilo a exceção. A possibilidade de acesso às informações facilita o controle social, coíbe a corrupção e torna mais eficiente a prestação de contas”.

A legislação federal auxilia o cidadão na busca por transparência


são, aproximadamente, 10% do número total das solicitações. Caso seu pedido de informação seja negado e não se enquadre nas questões citadas acima, ainda cabe recurso. Veja abaixo. Para fazer uma solicitação de informação é simples, basta se cadastrar no site http://www.acessoainformacao. gov.br/ e especificar o pedido. O prazo máximo para que o órgão divulgue a resposta é de 20 dias corridos.

que a LAI é uma ferramenta importante para o exercício da cidadania e é direito da sociedade saber como seus impostos são aplicados: “Não pode existir plena liberdade quando as pessoas que compõem a sociedade não têm livre acesso às informações sobre tudo que lhe diz respeito”. Ainda pouco conhecida, a Lei de Acesso pode auxiliar o cidadão na descoberta de alguma informação ou irregularidade dentro de sua cidade. “No meu entender, o conhecimento da Lei ainda é restrito a poucas pessoas. Parece que não há mais divulgação – do que a necessária – por interesse das lideranças que temem que os acessos às informações possam lhes trazer incômodos ou restrições”, pontua Raul. O professor universitário e mestre em ciência política Alessandro Costa, conta que a Lei de Acesso foi importante para a construção de sua tese de

Voz do povo Diante de uma crise política instaurada no governo, essa ferramenta pode passar ao cidadão a sensação de que ele está fazendo sua parte em relação ao combate a irregularidades acerca do poder público. O PhD em Comunicação Social e servidor da Defensoria Pública da União, Raul Rosinha, 79 anos, acredita

mestrado. “Solicitei informações sobre os relatórios da Comissão Nacional da Verdade acerca dos trabalhos por ela produzidos e sobre os depoimentos prestados, referentes à apuração de casos de torturas praticados durante o regime militar no Brasil”, avalia. As informações obtidas via Lei de Acesso possibilitaram a Alessandro a realização um trabalho inédito publicado logo após a apuração das informações. Alessandro acredita que a ferramenta ainda é pouco divulgada e cabe ao governo federal fomentar a divulgação desse tipo de instrumento. “O acesso à informação é de fundamental importância para a sedimentação de nossa democracia, além de informar a sociedade sobre coisas que ela muitas vezes desconhece e, por essa razão, não tem ferramentas e práticas para fiscalizar e cobrar das autoridades”, finaliza.

Recursos Recurso

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1

Resposta negada ou insuficiente

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2 O cidadão tem até 10 dias para entrar com recurso

3

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Se ainda persistir a negativa do órgão, o recurso deve ser enviado à CGU, 5 que tem 5 dias para responder

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4 Esse recurso deve ser encaminhado ao chefe máximo do órgão. Um ministro, por exemplo. Ele tem prazo de 5 dias para responder

5

6 CGU

O recurso será enviado ao chefe da pessoa responsável por responder a primeira solicitação

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CGU

O cidadão terá até 10 dias para entrar com recurso direcionado à Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI)

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A CRMI deve responder após a 3ª reunião 7 depois do recebimento do recurso

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Educação Inclusão

Alunos com deficiência superam limitações e quebram barreiras educacionais. Singularidades devem ser respeitadas Adrienne Ribeiro e Daniela Andrade

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Clodomir de Morais, 58 anos, perdeu a visão nos dois olhos em um acidente de carro quando tinha 33 anos. Mesmo sem poder enxergar, o seu amor pela música falou mais alto e o fato de não poder ver não foi um empecilho para que, aos 56 anos, ele entrasse para as aulas de flauta transversal na Escola de Música de Brasília (EMB). Para ele, as pessoas acham que porque ter uma deficiência não são competentes o suficiente para aprender a tocar tal instrumento. “É uma luta constante das pessoas com deficiência visual aprender a musicografia em braile e também fazer a sociedade entender que somos pessoas limitadas, mas não incapazes”, descreve Clodomir. Segundo Celso Tavares, professor de braile e musicografia braile da EMB, o processo de inclusão começou na instituição na década de 1980. Atualmente com 2.493 alunos, apenas 30 deles são estudantes com deficiência intelectual, física, baixa visão, síndrome de down, paralisia cerebral ou autismo. Para ele, o processo para entrar na escola, com ou sem deficiência, não é tão fácil. O aluno precisa ser escolhido ou passar por testes, para só depois efetuar a inscrição. Segundo ele, todos os

professores são capacitados para ensinar os estudantes especiais. Para a professora da Universidade Católica de Brasília Valícia Ferreira Gomes, especialista em educação inclusiva e em Língua Brasileira de Sinais (Libras), assim como nas escolas regulares, as entidades de arte e música devem permitir o ingresso e o desenvolvimento de estudantes com deficiência, oferecendo-lhes adaptações permanentes para a sua entrada, acesso e integração ao ensino nas diferentes modalidades. A Escola de Música de Brasília é uma das pioneiras no ensino de música na capital. Surgiu a partir de dois movimentos de grupos musicais motivados em propagar a educação musical na cidade, em meados de 1960. Celso conta que na EMB, os estudantes com algum tipo de deficiência passam primeiro por um tipo de capacitação individual, para avaliar têm condições de tocar o instrumento e fazer as aulas junto com os outros alunos. “Quando é um estudante com necessidades, a gente pega alguns momentos antes de dar início às aulas para prepará-lo, e só então depois colocá-lo no curso junto com os outros

aprendizes. Se o aluno tem deficiência visual, é necessário trabalhar a música em braile primeiro”, afirma Celso. João Vicente, 40 anos, tem baixa visão e também é um dos alunos especiais da escola. Durante os oito anos em que está na instituição, já fez curso de gaita acromática e atualmente faz violão popular. Ele relata que no início não tinha condições de fazer o curso, mas o interesse e a paixão pela música é o que o motiva até hoje. Para ele, a música trouxe muitas melhorias: “A convivência, o intelectual, a disciplina em casa mudou bastante. Aqui a gente aprende muito, além de contribuir na nossa educação e no nosso entrosamento com as outras pessoas”. Uma outra instituição tradicional é o Conservatório de Arte e Música de Brasília (CMAB), conhecido pela sua qualidade na propagação da aprendizagem em diversos instrumentos e por ser uma das escolas que possui o processo de inclusão. O atual dirigente do CMAB, Roberto Banks de Camargo, professor e pianista, afirma que a educação inclusiva está presente na escola antes mesmo dele assumir a direção, em


2006. Desde então, a instituição vem renovando os métodos de ensino, tentando atender os aprendizes com deficiência e prestando serviço de qualidade. “Um dos métodos que a entidade aderiu foi o de capacitar um professor para atender a demanda dos alunos com deficiência, e essa estratégia tem rendido bons frutos à instituição”, relatou. A arte de instruir requer cuidado, carinho, atenção e amor, itens que nem sempre estão presentes no ensino, mas que são fundamentais para o aluno. Para a professora Wansley Prado, especialista em neuropedagogia e psicanálise infantil e profissional em Educação Musical Infantil no CMAB, ensinar para

pessoas com deficiência é gratificante, pois é um aprendizado constante. Ela explica que, para cada estudante especial que dá aula, é aplicado um método diferente, mas que primeiro é preciso conhecer o aluno e suas peculiaridades, pois cada um vem de uma família e de uma cultura diferente. “Não adianta eu ser a melhor instrumentista do mundo e não saber quem é o meu aluno, porque ele é uma outra pessoa, um outro mundo. Primeiro eu tenho que conhecê-lo, para depois começar a ensinar. Tudo é uma questão de amor”, enfatiza Wansley. Um dos seus alunos é Rony Pelegrini, 12 anos, um garotinho autista, que está no CMAB desde

pequeno. Rony conta que antes não conseguia fazer os comandos corretamente. Hoje, depois de muito aperfeiçoamento, ele adora se apresentar nos eventos do Conservatório e mostrar as suas novas habilidades. Para a mãe de Rony, Vera Pelegrini, professora de ciências, quando o filho começou a fazer as aulas, ele apresentava dificuldade de concentração. “Como a maioria dos autistas possui um ritmo nato para a musicalidade, Rony tinha a mania de ficar testando os sons nas coisas. A partir do teclado, foi possível trabalhar os diferentes sons com ele, e cessar a sua dificuldade por meio do instrumento”, descreve a mãe.

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Saúde Exercícios

Procura por academias aumenta no final do ano, mas a prática de exercícios deve ser aliada à orientação profissional e boa alimentação Enoque Aguiar Foto: Mariane Brandão

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A estação mais quente do ano se aproxima e com ela as festas de fim de ano, as férias e o carnaval. Na busca pela forma física que satisfaça o desejo de ter um corpo mais bonito e sarado, aumenta o número de pessoas nas academias e centros de treinamento físico. A procura pelo corpo perfeito deve ser moderada e aliada à uma alimentação saudável e orientação profissional, mas não deve acontecer apenas nessa época do ano. A estudante de odontologia, Dhamariz Cardona, 21, conta que há dois anos entra na dieta durante os dois meses antes do verão. “Sempre faço com objetivo de emagrecer e ficar bem definida por causa do carnaval, mas logo depois volto a comer tudo que não comi nesses dois meses e paro de fazer exercícios. Esse ano quero fazer diferente, não vou parar com a dieta. Quero dar continuidade durante o ano todo”, afirma. A especialista em nutrição esportiva, clínica e estética, Carolyne Joranhezon, explica que o projeto verão nem sempre é a melhor escolha, pois muitas vezes o objetivo não é alcançado, o que desanima as pessoas. “O importante é emagrecer com saúde, independente do tempo que vai levar. Para emagrecer de maneira mais rápida e saudável

é necessário ter acompanhamento de um nutricionista, educador físico e, se preciso for, um médico”, alerta. Há dois anos, a estudante do terceiro ano do ensino médio Helainy Rayane de Andrade, 17, começou o projeto verão e não parou mais. “Hoje, a minha meta é perder dez quilos até janeiro e ganhar massa magra. Desde que comecei, emagreci 20 quilos e vejo muito resultado. Na academia, dou prioridade para as aulas de aeróbica, em que perco muitas calorias e malho todos os dias. Quero chegar no carnaval com as pernas torneadas, barriga sequinha e cintura fina”, avisa. O treinador físico Pedro Augusto Sena adverte que por causa do tempo o resultado

esperado não é alcançado. “Isso pode deixar os alunos frustrados, mas é possível ver algumas mudanças na musculatura e também na aparência física. Os primeiros meses são os que mais transcendem os resultados, mas é preciso dar continuidade aos treinos se eles quiserem melhorar o condicionamento físico”, enfatiza. A nutricionista Carolyne Joranhezon salienta que o projeto deve estar alinhado à boa alimentação. “É importante reduzir o consumo de calorias vazias como doces, massas, gorduras, frituras e bebidas alcoólicas. Aumentar o consumo de fibras e fracionar as refeições, comendo pequenas porções de três em três horas com as atividades físicas constantes”, finaliza.


Saúde Aplicativos

Aplicativos assumem a posição de educador físico e contribuem para a melhoria na saúde Bruno Barbosa poder aquisitivo elevado, o que torna inviável o acesso de todas as pessoas aos aplicativos”, explica. De acordo o doutor, não existe ainda um aplicativo que seja aprovado pela medicina. Dessa forma, é fundamental o acompanhamento de um especialista para o desenvolvimento do atleta. Caso contrário, pode ser prejudicial o desenvolvimento do esportista. “Quem tem acesso a esse tipo de aplicativo é como se tivesse um personal trainer a sua disposição em qualquer momento do dia”, pondera. O corredor de atletismo Lucas Ferraz, 24 anos, conta que usa diversos aplicativos que ajudam no condicionamento físico e

certifica ser essencial a presença de um dispositivo com diferentes funções. “É incrível como pelo meu celular consigo medir meus batimentos cardíacos, acompanhar meu desenvolvimento, calcular a distância percorrida e ao mesmo tempo vou escutando uma música para relaxar”, conta. Segundo especialista, as pessoas estão cada dia mais estressadas, com o tempo escasso e uma alimentação que tende a ser ruim. Em vista disso, qualquer iniciativa que traga a facilidade, estímulo e incentivo a praticar alguma atividade física é bem-vinda. Para isso, basta a pessoa ter a atitude de levantar do sofá e deixar o sedentarismo de lado. Foto: Bruno Barbosa

Já imaginou jogar futebol, correr, nadar, contar calorias e até mesmo quantos passos você dá usando um só aparelho?! Se você está pensando que a indústria inventou mais um produto tecnológico está enganado. O bom companheiro de todas as horas – o smarthphone – é quem possibilita todas essas novidades. Alguns aplicativos têm a função de interagir com mais de um atleta, buscando reunir diversas pessoas em um só lugar. Outros, ainda, são próprios para gestantes e famílias. Esses aplicativos buscam beneficiar a saúde do usuário e fazer com que a pessoa tenha tudo na palma da mão. No mercado tecnológico, já são oferecidos programas para diversas modalidades esportivas, como é o caso do aplicativo Rustastic, disponível para Android, IOS e Windows Store, que possibilita ao atleta um acompanhamento em corridas e caminhadas, além de ser gratuito. Porém os aplicativos mais completos e com inúmeras funções, são encontrados somente em aparelhos da Apple, que tem um custo-benefício mais elevado quando comparado a um Android, como afirma o doutor e professor de medicina da Universidade Católica de Brasília (UCB) Tiago Neiva. “São celulares que exigem um

Na palma da mão: aplicativos facilitam, mas acompanhamento profissional é fundamental

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Educação Escolha

Sistemas valorizam interdisciplinaridade e são adotados nas principais universidades do mundo. Brasil começa a seguir o modelo Gustavo Figueredo e João Pedro Carvalho

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Após o Ensino Médio, o estudante recém-formado se encontra diante de uma das maiores indecisões da juventude: o que cursar no Ensino Superior? Segundo a empresa de orientação profissional RHIO’S Recursos Humanos, em média 60% dos jovens brasileiros trocam de curso nos primeiros dois anos de universidade. Isso ocorre justamente porque os estudantes são submetidos, sem qualquer experiência acadêmica, a escolher um curso que vai direcionar o resto da vida. Marcos Henrique José e Silva, 37, é analista de sistemas e, embora tenha começado quatro graduações, nunca concluiu nenhum curso. “Os primeiros semestres, que normalmente são mais teóricos, adorei cursar, mas a partir de um momento do curso, ele se tornou técnico e visando unicamente o mercado de trabalho. Senti isso principalmente em direito”, conta. Para ele, se o modelo utilizado para a primeira graduação fosse diferente, provavelmente teria concluído. “Com certeza, com interdisciplinaridade e uma graduação continuada, na qual

o curso é feito em ciclos, seria mais confortável de estudar”, lamenta. Pelo mundo Em 1999, na Itália, os representantes da educação de 29 países europeus assinaram a Declaração de Bolonha, que deu origem ao que hoje é conhecido como Processo de Bolonha. A declaração deu origem à uma nova política para a educação superior, que visa uma mudança no sistema de graduação. No processo, os estudantes estudam em ciclos continuados. O modelo adotado nos países que assinaram o Processo de Bolonha é parecido com o modelo inglês e irlandês, que trata o bacharelado – ou licenciatura – como parte de uma formação continuada nas especializações, mestrados e doutorados. Outro modelo parecido, praticado por muitas das universidades de excelência, é o Liberal Arts College. Nesse modelo, a interdisciplinaridade se torna mais evidente. O estudante não se matricula para um curso específico, mas para a instituição –

podendo cursar matérias de história, sociologia, biologia, matemática e assim por diante. No decorrer do curso e da vivência acadêmica, o aluno começa a selecionar matérias que o encaminhem para a formação ou as formações desejadas. É preciso mudar Atualmente, 13,7% dos jovens entre 17 e 25 anos estão cursando o Ensino Superior, por meio de universidades públicas ou privadas no Brasil, é o que mostra a Pesquisa Nacional de Amostra e Domicílios (PNAD), do IBGE. Essa parcela da população está submetida a um modelo de graduação diferente do utilizado na maior parte das universidades de excelência do mundo. O reitor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Naomar de Almeida Filho, ajudou a implantar o atual modelo de graduação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde foi reitor, e posteriormente foi chamado para implantar também na sua atual instituição. O professor possui uma


extensa pesquisa sobre modelos de graduação e explica as vantagens do processo diferenciado. “Estudamos os sistemas de educação existentes no mundo como o Liberal Arts College e o Processo de Bolonha. O primeiro é mais longo, no entanto, é o que mais possibilita a mobilidade do aluno. Já o processo europeu tem como vantagens a compatibilidade com as diversas instituições do mundo e a liberdade de escolha do estudante quanto a sequência acadêmica que quer seguir”, explica. O professor disse que em sua pesquisa descobriu que a interdisciplinaridade já havia sido implantada no Brasil. Em 1961, a Universidade de Brasília (UnB) implementou o modelo, que foi encerrado durante a ditadura militar. O mesmo aconteceu com

a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele também diz que nas instituições onde trabalhou a intenção não é copiar modelos de fora, mas criar um que seja compatível com o país. No Brasil, 20 universidades têm sistemas de graduação que aplicam ciclos ou interdisciplinaridade. No entanto, poucas instituições, como a UFSB e a Universidade Federal do ABC (UFABC) adotam unicamente o modelo. O curso de engenharia da Universidade de Brasília (UnB) é um exemplo de instituição que começa timidamente a adotar a interdisciplinaridade. Os alunos matriculados no campus Gama, sede de engenharias na instituição, estudam em um ciclo único até o quarto semestre e depois escolhem em qual ramo da engenharia queira cursar. André Barroso, 18, estava em

dúvida entre duas áreas da engenharia quando saiu do Ensino Médio e optou pela UnB por conta da possibilidade de cursar matérias interdisciplinares. “A vantagem do curso interdisciplinar é a convivência entre os professores e profissionais da área antes de escolher. Já tive contato com os coordenadores do curso e agora minhas dúvidas diminuíram, já tenho quase certeza”, pondera. O Instituto de Tecnologia da Aeronáutica era outra opção para ele, pois possibilitava maior mobilidade entre os cursos. Em nota, a assessoria de imprensa do Ministério da Educação informou que a decisão por cursos interdisciplinares faz parte da autonomia das universidades e que modelos diferentes em universidades brasileiras são iniciativas das instituições. Foto: Gustavo Figueredo

De acordo com pesquisa, 60% dos estudantes trocam de cursos nos primeiros dois anos de graduação

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Crônica Thiago Siqueira

podem ser as chuvas de verão, as flores da primavera, as folhas de outono, ou os filmes embaixo do cobertor, que marcam tão bem o inverno. Mas nestas páginas sempre há de vir o novo, o inusitado, o que alegra, constrange, choca, impressiona. Dos pelinhos nas axilas às dores do parto, que tanto é possível sentir a cada edição de Artefato. Que com tanto carinho e certeza estão vindo, e continuarão a vir para todos que quiserem conhecer, viver, compartilhar e aceitar, que a partida há de vir, e que os recomeços, em ciclos, hão de vir também, e se perpetuar. Porque o adeus esconde seus mistérios atrás dos olhos marejados e dos sorrisos por vezes faceiros e em outras suas prévias de saudades escondidas, esperando a pergunta escondida que sempre vem: como foi, foi bom? Sim, foi ótimo. Sem muitas explicações, porque essas

se mostram nas idas de quem já recebeu em mãos um exemplar cheirando a tinta recém-impressa de quem tanto se empenhou nesse processo. “Aqui, um exemplar do Artefato, tá muito legal, olha”. E ponto final, espaço para essa nossa saudação final e para as opiniões que se condensam e acabam por mostrar seu processo cristalizado na edição seguinte. Porque no latim, a proximidade desse nosso adeus é ligada à palavra casa. Como se fôssemos a casa. E de fato somos, cada jornalista é a casa dos seus pensamentos e ouvidos das suas fontes que nessas páginas estão gravadas, até quando esse papel durar, até quando as luzes das nossas telas puderem mostrá-las. Somos casa, o Artefato nos foi casa, e agora dizemos o nosso tímido tchau, o nosso tímido obrigado, e seguimos para os próximos processos, próximas páginas.

Foto de fundo: Sued Vieira

“Adeus”, como se desejasse alguém que guiasse o caminho. É a origem desse nosso, às vezes tão breve, outrora tão curto, “Adeus”, que nos sufoca a possibilidade de falar qualquer outra coisa. Quando as possibilidades não permitem mais que nada seja dito, ou feito. Ou que saem, como se rasgando a garganta, para depois desse nosso tão definitivo até logo vir uma enxurrada de coisas por dizer. Nas duas, as afirmações são verdadeiras, não corretas. Porque a certeza de estar certo, muitas vezes, embriaga. Então, é verdadeiro, pelo simples fato de não ser falso. E por verdadeiro, esse breve voltar a estas páginas é uma esperança leviana, porque os dias vividos contando histórias, causos, fatos e verdades se esvaem. Talvez com as últimas chuvas do ano, mas se renovam com as primeiras do começo, não necessariamente como algo novo. Mas necessariamente como páginas prontinhas, como as desse Artefato, que guarda o nosso suor, para com ele o leitor se deliciar em sorrisos e reflexões. Novas páginas virão para que possamos dizer adeus a elas também, mas serão outras páginas. E nestas novas pessoas virão, para dizer um curto “Olá”, um espalhafatoso “cheguei”, e mostrar a que vieram e o que capta seus olhares, suas visões de mundo e verdades pessoais. “Adeus” é companhia para o caminho, de quem parte e de quem fica. Porque partir acompanhado é alegria e ficar na certeza de que virá companhia: alívio. Então o “adeus” talvez não caiba tão bem, assim como um “olá”, mesmo que despretensioso talvez não caibam. Na certeza dos ciclos, o que virá a seguir


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