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Testemunhas do crime socioambiental
Os templos religiosos das localidades atingidas pela barragem de Fundão guardam as marcas do maior crime socioambiental do país, mas também fazem lembrar a história do que havia antes no território. As capelas de Santo Antônio, em Paracatu de Baixo, e de Nossa Senhora das Mercês, em Bento Rodrigues, permaneceram erguidas em meio à destruição. No entanto, com a passagem da lama, as comunidades perderam a autonomia na tomada de decisão em relação ao uso e à preservação desses lugares. Ao longo dos anos, durante as visitas técnicas de monitoramento, a Cáritas tem identificado que o estado de degradação desses bens patrimoniais avança rapidamente devido à ausência de obras de restauro.
Considerando que as capelas são locais de interações sociais, religiosas e de influência na organização espacial dos territórios atingidos, percebe-se que, antes do crime, elas estavam ligadas ao pertencimento, ao cotidiano e aos valores atribuídos àqueles locais por quem o frequentava. A manutenção básica dos espaços era feita pela própria comunidade; as contas eram pagas com o dízimo e as moradoras e os moradores se responsabilizavam por manter os encargos em dia. Após o rompimento da barragem, as edificações revestidas de lama ganharam outro sentido atribuído pela sociedade e pelos agentes de poder: o espaço como testemunha do desastre. Toda estrutura social e cultural foi impactada.
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Apesar disso, o vínculo com as capelas resiste na atualidade por meio de fiéis que retornam frequentemente a esses espaços para celebrar as tradições. Pessoas atingidas cuidam das capelas, na medida do possível, mantendo a limpeza e colocando adornos, com folhagens e flores. A Cáritas acompanha a dedicação dessas pessoas em manter as capelas de pé, ao mesmo tempo que percebe a indignação com o descaso das instituições responsáveis pelos restauros.
Na condição de Assessoria Técnica Independente e ao lado da comunidade, representada, na maioria das vezes, por sua comissão, realiza inspeções e elabora relatórios para identificar os danos encontrados e trazer embasamento técnico para as questões percebidas e relatadas ao longo do tempo pela comunidade aos órgãos e às instituições na busca de que alguma medida seja tomada para a reparação e manutenção do bem protegido.
Hoje, no território, seguem os conflitos que envolvem valores e sentidos em relação aos espaços atingidos. Nesse cenário complexo, as capelas são disputadas por interesses distintos. O caso ultrapassa as temporalidades do passado e presente – e chama atenção para o futuro. A mineração avança, assim como o interesse pela exploração da área onde está o patrimônio cultural do território, principalmente em Bento Rodrigues. Por outro lado, as pessoas da comunidade lutam pela preservação dos bens culturais que necessitam de restauro e da manutenção dos seus territórios.
Cabe aqui lembrar que o Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC), firmado em 2016, definiu, entre os 22 programas socioeconômicos a serem criados pela Fundação Renova, o de Preservação da Memória Histórica, Cultural e Artística. Por meio dele, é assegurado o restauro dos templos religiosos, para além de outros bens que fazem parte do patrimônio coletivo, tombados ou inventariados pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA). No entanto, o que se percebe no território é o descumprimento do que foi estabelecido judicialmente. A Cáritas trabalha para que esse processo seja respeitoso, com a inclusão da população atingida nas ações e na tomada de decisões e com o importante acompanhamento da atuação e responsabilização dos órgãos competentes.