CADERNO ESPECIAL Brasília, 30 de abril de 2016 bsbcapital.com.br
O verbo se desfez carne Marcos Vinas Era uma tarde calada e de clima indeciso. Havia o incenso, mas não mirra. Havia choro. Canetas à postos. Postos estavam os poetas. Havia lirismo, havia saudade, havia o pinho. O pinho Seis cordas. O pinho. Seis alças. O adeus, o riso, os balões, as palmas, a lágrima só. Inumado em versos, mas jamais cansado, o poeta recosta sua pena. Pena, pinho, verbo e pó. um poeta nunca jaz só. O poeta é seus versos, seus acordes. Recita o tom, grita palavras até que acordes. Outono de 2016.
Valeu, Elicio!
O mestre do amor Orlando Pontes
C
erta vez, sua irmã caçula e afilhada Sarah, ainda criança, perguntou ao professor Elicio Pontes: “O que é mesmo que você ensina lá na UnB?”. Com seu vozeirão, ele respondeu: “Catatinha, eu ensino o amooooor!!”. Este era o jeito dele dizer que era um educador formando novos educadores. Foi esse homem apaixonado pela Educação, pela UnB, por Brasília, por seus filhos André e Elisa, e pela namorada,Olívia Maia, que a cidade perdeu na última segunda-feira (25). Elicio Pontes passou mal no domingo à noite, foi internado na manhã seguinte e poucas horas depois não resistiu a uma violenta hemorragia de causas ainda desconhecidas. O Elicio que virou Saudade nasceu em Nova Russas, Ceará, em 1941. Em Crateús, para onde se mudou aos cinco anos, escutava cantadores e poetas populares na feira da cidade. À noite, lia romances de cordel para ouvintes e não leitores; ganhava aplausos (e, às vezes, algumas moedas). Aos 13 anos, mudou-se para Fortaleza, onde mais tarde tornou-se jornalista e radialista. Formou-se em Pedagogia pela UFC. Era mestre em Educação pela USC, de Los Angeles (EUA); e doutor pela Uned de Madri (Espanha). Foi professor da Universidade de Brasília por quatro décadas e um dos fundadores da ADUnB (Associação dos Docentes). Publicou quatro livros de poesias - Corpos Terrestres, Corpos Celestes (2001), Os Olhos do Tempo (2009), Metade de Mim é Verso (2011) e Eterno Finito (2014). Participava ativamente da vida cultural da cidade em saraus e eventos literários. Desenvolveu e aplicou com a escritora Olivia Maria Maia o Projeto “Ler e Escrever: Alegria e Prazer”, para adolescentes carentes da região do Varjão. Elicio, de muitos poemas. Elicio de muitas lutas. Perdeu sua última batalha na segundafeira (25), às 17h07, para a senhora suprema – morte. O sepultamento ocorreu na quarta-feira (28), no cemitério Campo da Esperança.
Elício com a namorada Olívia Maria Maia em român
ntica viagem a Veneza (Itália). Ela foi sua grande paixão
2/3 n Brasília, 30 de abril de 2016 redacao.bsbcapital@gmail.com
Ensinando ao professor Roberto Aparici (*)
A última e definitiva lição Elicio era o caçula dos três filhos da primeira família do Mestre Mundico Pontes. Eu sou o mais velho da segunda esposa, Maria. Ele foi fundamental na minha formação e na de meus três irmãos mais novos. E sempre acompanhou, às vezes de longe, nossos passos. Mas “chegava junto” se percebesse que enveredávamos por algum caminho errado. A última vez que ele tomou uma iniciativa nesse sentido, em relação a mim, foi no dia 22 de março. A edição 251 deste Brasília Capital havia chegado à casa dele, no Lago Norte. Continha notícias que, para ele, denegriam a credibilidade do próprio jornal. Já na edição, a 252, não publicamos o texto do contestado colaborador. Mas Elicio só voltou a telefonar para comentar o jornal na sexta-feira, 22 de abril. Tinha em mãos a edição 256. Elogiou a manchete “A revolução das rosas”, em que o Brasília Capital fez um paralelo entre o momento político brasileiro e a Revolução dos Cravos, em Portugal, ocorrida em 25 de abril de 1974. E parabenizou pelo caderno especial sobre o aniversário de Brasília. Antes de desligar, enfatizou: “O teu jornal tá muito legal. Cuide dele. Não deixe que alguém com ideias atrasadas e com linguajar ácido estrague o projeto. Você tem um nome. Zele por ele”. Foi sua última e definitiva lição. Espero tê-la aprendido e ser capaz de segui-la. Muito obrigado, meu irmão e mestre. Siga seu caminho de luz. Deus lhe pague por tudo de bom que você fez na terra. E te guie por toda a eternidade. (OP).
Morreu Elicio Pontes: um amigo, um poeta, um mestre. Foi aluno da Uned, onde tive a oportunidade de dirigir a sua tese de doutoramento sobre “Ensino e novas tecnologias - uma proposta de formação de professores do ensino fundamental para o uso crítico da mídia e das novas tecnologias de comunicação, informação e multimédia”. Nesses anos de doutoramento, tive a oportunidade de conhecê-lo, de partilhar muitos momentos em Madrid, Brasília, Ceará, São Paulo ou Buenos Aires. Elicio ajudou-me a descobrir os poetas e músicos brasileiros e a nós dois apaixonava o cinema. Lembro-me com emoção de termos revisto juntos filmes do “novo cinema brasileiro”. Ele ainda me fez conhecer grandes músicos brasileiros que não tocavam na Espanha. Juntamente com outras professoras e, também, alunas, da Uned, intensificou e desenvolveu a educação a distância na Universidade de Brasília. A preocupação de Elicio era a educação, os movimentos sociais e da democracia. Mas o seu estado de felicidade estava na música e na poesia. Escreveu vários livros e alguns de seus poemas se tornaram canções. Poeta e cantor, Elicio vivia em estado de poesia permanente, e tinha um fino senso de humor. Era um homem justo e bom. Hoje (25). em um post privado, recebi a notícia de que ele tinha falecido, e algumas horas atrás recebi outro post com um link que inclui uma de suas últimas gravações em um vídeo de que participou. De alguma forma, sinto que ele regressou ao mundo virtual do qual nunca se foi. Minha homenagem e minha lembrança a Elicio Pontes. (Traduzido do espanhol) (*) Professor (Diretor de tese e amigo)
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ELICIO - ETERNO FINITO
Deus estava apressado
HIDELBRANDO VARELA (*)
Meu amigo e irmão de todas as horas Elicio Pontes não teve tempo de me telefonar para um abraço de parabéns. Deus estava apressado e o chamou antes. Em compensação, me deixou a coincidência desta data como forma de eu jamais esquecer deste irmão numa outra dimensão espiritual, parceiro de versos, poemas, violões, “Seu Cunegundes” e outros tantos momentos, presença tão presente na minha caminhada ao longo de tantos anos. Mas estou bem. Algo me diz que ele está em paz. Que assim seja. Amém. Hairton Carvalho (Parceiro de farras e de autoria de várias músicas)
ELE PARTIU MAS CONTINUARÁ CONSTRUINDO PONTES NO MEIO DE NÓS O POETA É UM FINGIDOR MAS DESTA VEZ NÃO PODE ESCONDER A SUA DOR DEIXANDO-NOS A SAUDADE A CONTEMPLAR OS OLHOS DO TEMPO E AO PARTIR DEIXANDO CORPOS TERRESTRES DE ENCONTRO AOS CORPOS CELESTES PARA DIZER A TODOS QUE METADE DE MIM É VERSO (*) UnB – 26 DE ABRIL DE 2016
O Aprendiz Não, a escola não é de todo inútil. O menino que sonhava durante a aula Foi castigado pelo mestre: “Escreva mil palavras Sem cometer erros”. Ele escreveu a palavra amor E virou poeta. (extraído do livro Eterno Finito)
Ele nos provocava
Elício e Olívia participavam ativamente de projetos de incentivo à leitura no Paranoá e no Varjão
Como dói! Quando eu era pequena, perguntei ao meu irmão Elicio Pontes “o que é que você ensina lá na UnB mesmo?”. Respondeu com o vozeirão: “Catatinha, eu ensino o amooooor!!”. Demorou muito tempo até que eu entendesse que era o jeito de me dizer que era um educador formando novos educadores. Hoje meu irmão-padrinho resolveu, assim de repente, ir fazer poesia e cantoria lá no céu. O danado não deve ter resistido à Lua linda que rolou ontem à noite. Mas como dói, Baixinho... Sarah Pontes
Meu professor, querido, colega, poeta, concidadão. Fica a lembrança de um professor que não se restringia à sala de aula e à grade horária para ser educador. Militante, sindicalista, de esquerda, nos levou a estudar o mundo, a participar do movimento constituinte, a batalhar por uma mídia crítica. Nos anos 80, casado com Maristela Galvão, nos apoiou no Projeto de Educação do Paranoá, que desenvolvíamos junto ao CEDEP, para garantir direito à educação, moradia, trabalho, cidadania. Ele nos provocava. Ela nos dava toda a força de infraestrutura e logística (transporte para os alunos, filtro, papel, mimeógrafo). Saudades eternas! Valéria Nunes