I - RELATÓRIO
O Ministério Público Federal - MPF ajuizou ação civil pública em face dos réus, visando à condenação destes na forma do art. 12, incisos I, II e III, da Lei nº 8.429/92.
Em suma, alegou que: a) a União, por meio do Ministério do Meio Ambiente, celebrou convênio com a Prefeitura Municipal de Pau dos Ferros/RN, sob o número SQA/2001CV000144, cujo objeto era a implantação de aterro sanitário no Município de Pau dos Ferros/RN; b) o termo final do convênio estava previsto para 02/02/2002, tendo sido objeto de dois aditivos, sendo o último prorrogado para 31/12/2002, devendo a prestação de contas ser feita nos 60 (sessenta) dias seguintes; c) os recursos previstos foram no montante de R$ 625.085,00 (seiscentos e vinte e cinco mil, oitenta e cinco reais), sendo que a União repassaria o montante de R$ 593.746,00 (quinhentos e noventa e três mil, setecentos e quarenta e seis reais), ficando a cargo do Município a contrapartida no valor de R$ 31.339,00 (trinta e um mil, trezentos e trinta e nove reais); c) a União repassou a referida quantia em 20/03/2002; d) o ex-prefeito municipal, Francisco Nilton Pascoal de Figueiredo, autorizou o desembolso de todo o valor relativo ao convênio, mas a obra não foi concluída, impossibilitando o adequado uso das instalações ali existentes; d) em 28/03/2003, o então prefeito assinou um Termo de Aceitação Definitiva da Obra, mesmo estando inacabada; e) os prazos do convênio não foram respeitados, eis que a prestação de contas só foi enviada em 28/08/2003; f) os pagamentos à empresa contratada foram efetuados meses após o término do contrato, em 11/07/2003 e 08/08/2003; g) em virtude da não aprovação de contas, foi instaurada Tomada de Contas Especial pelo Ministério do Meio Ambiente, cujo parecer final rejeitou as contas apresentadas pelo ex-prefeito; h) a função ambiental proposta pelo Convênio não foi cumprida; i) apesar da aquisição de equipamentos, como trator e caminhão, o prejuízo ao erário deve ser atribuído ao valor total do convênio, pois estes bens não tiveram serventia alguma, já que o objetivo do Convênio era todo um sistema adequado de gestão de resíduos, o que não foi cumprido. Com efeito, o Ministério Público Federal enquadrou as condutas dos réus aos tipos dos artigos 10 e 11, da Lei nº 8.429/92.
O juízo federal decretou a indisponibilidade de bens dos réus (fls. 1196/1200).
Defesa preliminar apresentada pelos réus (fls.1237/1273, 1294/1305).
O réu Francisco Nilton Pascoal de Figueiredo interpôs agravo de instrumento, às fls. 1276/1288. Decisão indeferindo a concessão de liminar no agravo, às fls. 1309/1312.
A União manifestou seu interesse em integrar no presente feito e requereu a correção do valor da causa para R$ 1.460.165,10, às fls. 1322/1323.
Impugnação do MPF (fls. 1425/1435).
A ação foi recebida em 15.02.2011 (fls. 1437/1440).
Em contestação, o réu Francisco Nilton Pascoal de Figueiredo alegou, em preliminar, inaplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos, ausência de elementos caracterizadores do tipo e ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento regular do processo. No mérito, os argumentos defensivos limitaram-se a afirmar que a modalidade licitatória escolhida (tomada de preços) foi realizada em observância da Lei nº 8.666/93; que os prazos do convênio não eram obrigatórios, sendo apenas uma previsão para o término das obras, portanto não houve violação; que os equipamentos foram comprados e se encontram em efetiva utilização pelo Município de Pau dos Ferros; que os pagamentos efetuados após o término do convênio se justificam devido ao duplo recebimento do serviço; que se a prestação de contas se deu somente em 28/08/2003, isso porque somente poderia ser efetuado após a conclusão da obra; que não houve a comprovação de prejuízo público, enriquecimento ilícito e má-fé. Assim, pleiteou que a ação seja julgada improcedente.
Os réus Klênio Francisco Torquato do Rego e Kerenski Francisco Torquato do Rego apresentaram contestação (fls. 1484/1517), alegaram, preliminarmente, ilegitimidade passiva e impossibilidade jurídica do pedido, tendo em vista a inaplicabilidade da Lei nº 8.429/92 aos agentes políticos. No mérito, afirmaram que não houve enquadramento legal de suas condutas nas hipóteses previstas nos artigos 10, I, XI e XII, da Lei nº 8.429/92 e que não se configurou a improbidade administrativa diante da ausência de requisito subjetivo especial. Afirmaram, ainda, que existe tão somente responsabilidade contratual da empresa, não podendo os sócios responderem pela gestão da coisa pública e que não houve irregularidades no cumprimento do contrato. Na eventual hipótese de condenação, requereram que seja aplicada proporcionalmente a pena à conduta e censura de suas condutas.
II - FUNDAMENTAÇÃO
II.1 - MATÉRIAS PRÉVIAS
A alegada inadequação da Ação Civil Pública em face de agentes políticos
Em relação à alegada inaplicabilidade da Lei nº 8.429/92 aos agentes políticos, é de notório conhecimento que, em 13/06/2007, o STF julgou a Reclamação nº 2.138 (redator para o acórdão Min. Gilmar Mendes). Pelo julgado, entendeu-se que a Lei nº 8.429/92 não se aplica aos agentes políticos, somente sujeitos aos crimes de responsabilidade, com julgamento nos foros próprios, nos conformes da Lei n. 1.079/50. Esse julgamento foi iniciado quando o STF possuía composição sensivelmente diferente, quando ainda pendente discussão entre os membros da época.
Ocorre que a matéria não é pacífica, sendo certo que no seio do próprio STF já houve decisão em contrário (Petição nº 3.923 na Questão de Ordem/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa Informativo STF nº 471), julgada no mesmo dia da Reclamação n. 2.138, dando pela idoneidade da Lei n. 8.429/92 e do enquadramento dos atos dos agentes políticos como de improbidade. Nesse caso, afastou-se a aplicabilidade em face do trânsito em julgado do processo ensejador da reclamação, bem como pela inaplicação dos crimes de responsabilidade aos parlamentares. Além disso, impressões de outros membros do STF que não participaram do julgamento da Reclamação nº 2.138, noticiadas na mídia, já apontam que não vingará o entendimento.
Além do mais, o julgamento da Reclamação nº 2.138 confere efeitos meramente inter partes, já que não foi proferido em sede de controle abstrato de constitucionalidade.
Outrossim, há de se registrar que, em 23/07/2007, a Ministra Ellen Gracie, então presidente do STF, determinou o arquivamento das Reclamações nº 5.389, 5.391 e 5.393, ajuizadas por Prefeitos do Estado do Pará, que pleiteavam a extensão dos efeitos do julgamento da Reclamação n. 2.138/DF. Esse dado demonstra a fragilidade da tese acolhida em excepcional.
Não bastasse isso, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que apenas aqueles agentes políticos sujeitos à prerrogativa de foro por crime de responsabilidade, na forma exclusiva da Constituição Federal de 1998, é que não estão contemplados pela Lei nº 8.429/92, consoante a seguintes ementa:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - EX-PREFEITO - APLICAÇÃO DA LEI 8.429/1992 - COMPATIBILIDADE COM O DECRETO-LEI 201/1967 - NOTIFICAÇÃO DE DEFESA PRÉVIA - ART. 17, § 7º, DA LEI 8.429/1992 PRESCINDIBILIDADE - NULIDADE DA CITAÇÃO - INOCORRÊNCIA - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO-
CONFIGURADO - FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE - NÃO-CONFIGURADA - VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL - IMPOSSIBILIDADE - SÚMULA 284/STF. 1. Trata-se, originariamente, de ação civil pública ajuizada contra Carlos Roberto Aguiar, exPrefeito de Reriutaba/CE, por não ter o mesmo emitido, no prazo de 60 dias, a prestação de contas final da aplicação dos recursos repassados pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, no valor de R$ 66.645,00, o qual se destinava à construção de um centro para instalação de unidades produtivas de beneficiamento de palha, confecção de bordado e corte e costura. 2. Não há qualquer antinomia entre o Decreto-Lei 201/1967 e a Lei 8.429/1992, pois a primeira impõe ao prefeito e vereadores um julgamento político, enquanto a segunda submete-os ao julgamento pela via judicial, pela prática do mesmo fato. 3. O julgamento das autoridades - que não detêm o foro constitucional por prerrogativa de função para julgamento de crimes de responsabilidade -, por atos de improbidade administrativa, continuará a ser feito pelo juízo monocrático da justiça cível comum de 1ª instância. 4. A falta da notificação prevista no art. 17, § 7º, da Lei 8.429/1992 não invalida os atos processuais ulteriores, salvo quando ocorrer efetivo prejuízo. Precedentes do STJ. 5. Está preclusa a discussão sobre alegada falsidade na assinatura de ciência do mandado citatório do réu, em razão do decurso de prazo, sem recurso, da decisão em incidente de falsificação. 6. É competente a Justiça Federal para apreciar ação civil pública por improbidade administrativa, que envolva a apuração de lesão a recursos públicos federais. Precedentes. 7. Não ocorre cerceamento de defesa por julgamento antecipado da lide, quando o julgador ordinário considera suficiente a instrução do processo. 8. É incabível, em recurso especial, a análise de violação de dispositivo constitucional. 9. Inviável a apreciação do recurso por ofensa aos arts. 165 e 458 do CPC (fundamentação deficiente), em razão de alegações genéricas. Incidência, por analogia, da Súmula 284/STF. 10. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.1
No mais, entendo que o acolhimento da tese sustentada pelos réus seria um retrocesso histórico ao direito brasileiro, que há muito convive com a coexistência da responsabilização penal e não-penal.
Por fim, cumpre registrar que o Plenário do STF recentemente julgou improcedente a ADI n. 2.182, que discutia a constitucionalidade formal da Lei n. 8.429/92 (cf. o site: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcesso Andamento. asp?incidente= 18153 70>).
Em face de tais argumentos, não subsistem motivos para alegar inadequada a presente ação, pelo que afasto a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, eis que a lei de improbidade administrativa é aplicável aos agentes políticos.
Da alegada ausência dos elementos caracterizadores do tipo e de pressuposto de constituição e desenvolvimento regular do processo
Quanto às alegações de ausência dos elementos caracterizadores do tipo e de pressuposto de constituição e desenvolvimento regular do processo, elas devem ser rejeitadas, pois a inicial contém a descrição das condutas dos réus (causa de pedir remota), bem como os fundamentos jurídicos que levaram o MPF a qualificá-las como atos de improbidade (causa de pedir próxima), além do que a inicial foi instruída com cópia do procedimento administrativo relativo ao convênio envolvido, possibilitando o pleno exercício do direito de defesa dos demandados; e o procedimento eleito é adequado, nos termos da Lei n. 8.429/90.
Ao compulsar a inicial, depreende-se que houve perfeita descrição dos fatos, sendo certo que os requeridos atuaram em esquema que acarretou dano ao erário público e violação aos princípios da administração pública.
Sobre o assunto, o jurista Calmon de Passos doutrina o seguinte: "O juiz necessita do fato, pois que o direito ele é que o sabe. A subsunção do fato à norma é dever do juiz, vale dizer, a categorização jurídica do fato é tarefa do juiz2".
Ora, dentro desse contexto, é muito evidente que a inicial descreve o que necessário e o interesse processual é evidente.
Se os fatos ali contidos correspondem ou não à realidade, é matéria a ser enfrentada por conta do mérito. A dificuldade aqui não é do contido na inicial, mas do conglomerado de fatos nela contidos.
Assim é que, não vejo máculas na exordial, razão por que rejeito a preliminar de ausência de elementos caracterizadores do tipo e de pressuposto de constituição e desenvolvimento regular do processo.
Da ilegitimidade passiva
Em relação à preliminar de ilegitimidade passiva, a Lei de Improbidade dispõe:
Art. 1°. Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei. Art. 2º. Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas não artigo. Art. 3°. As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
Como se vê, buscou o legislador a responsabilização de todos aqueles que tenham, de alguma forma, praticado ou concorrido para a prática da improbidade, sendo bastante amplo o campo de incidência da norma. A pluralidade de agentes e/ou terceiros que tenham de alguma maneira concorrido ou se beneficiado da improbidade leva à ocorrência de litisconsórcio necessário no polo passivo do processo de improbidade, na forma do art. 47 do Código de Processo Civil.
Nesse contexto, vale transcrever lição externada por WALLACE PAIVA MARTINS JÚNIOR:
O art. 3º, por sua vez, estende a sujeição do dever de probidade administrativa (e a correlata legitimidade passiva na ação de aplicação das sanções da improbidade) ao beneficiário e ao partícipe, cúmplice ou co-autor do ato de improbidade administrativa, que podem ser agentes públicos ou não, pessoas físicas ou jurídicas. O art. 3º da Lei Federal n. 8.429/92 representa sensível avanço no trato da matéria, pois a Lei Federal n. 3.502/58 não punia a conduta dos terceiros estranhos ao serviço público, mas comente a de servidores públicos, gerando uma incompreensível impunidade.3
Isso porque a avaliação acerca da legitimidade passiva deve ser feita nos primeiros atos processuais, com base nas afirmações do autor e em um exame superficial das primeiras provas acostadas aos autos. Segundo a Teoria da Asserção, qualquer análise probatória posterior ensejará julgamento de mérito, não se podendo mais falar em verificação do preenchimento das condições da ação, dessa forma leciona FREDIE DIDIER JR4:
A verificação do preenchimento das condições da ação dispensaria a produção de provas em juízo; não há mais necessidade de provar a 'legitimidade ad causam' ou o 'interesse de agir', por exemplo. Não é preciso produzir uma perícia para averiguar se há ou não "possibilidade jurídica do pedido'. Essa afirmação seria feita apenas a partir da afirmação do demandante. Se, tomadas as afirmações como verdadeiras, as condições da ação estiverem presentes, está decidida esta parte da admissibilidade do processo; futura demonstração de que não há 'legitimidade ad causam' seria problema de mérito.
Com efeito, tendo em conta que o exame da legitimidade, como o de qualquer das condições da ação, deve considerar, em tese, que as assertivas do demandante em sua inicial são verdadeiras (teoria da asserção), verifica-se da narrativa traçada pela MPF na petição inicial (fls. 03-11) que outra pessoa não é senão os réus KLENIO FRANCISCO TORQUATO DO REGO e KERENSKI FRANCISCO TORQUATO DO REGO a serem atribuídos o recebimento integral do valor contratado e a entrega da obra inacabada, deixando de cumprir integralmente o objeto do convênio SQA nº 2001CV000144.
Contudo, a questão sobre se a conduta dos referidos réus se enquadra ou não em alguma das hipóteses da Lei nº 8.429/92, e sua consequente responsabilidade pela alegada participação dos fatos declinados na inicial, dependeria da análise do conjunto probatório, o que conduziria a adentrar no mérito da causa, não se limitando às condições da ação, matéria puramente processual. Nesse sentido, já reconheceu o STJ, consoante se extrai de excerto transcrito da decisão monocrática proferida no REsp nº 1.178.259:
Ademais, as questões relativas à legitimidade passiva, no caso concreto, confundem-se com o próprio mérito da ação de improbidade administrativa. Isso, porque, nos termos da teoria da asserção, adotada por esta Corte Superior na análise das condições da ação, a ilegitimidade passiva capaz de gerar a extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267, VI do CPC) é aquela observável de plano, que "salta aos olhos" do magistrado no primeiro momento em que ele tem contato com a causa. Se, para se constatar a ilegitimidade da parte, for preciso adentrar na seara probatória, a questão deixa de ser tema pertinente à análise das condições da ação e passa a fazer parte do próprio mérito da demanda.5
Cumpre destacar que não há qualquer obstáculo legal para a responsabilização de pessoas jurídicas de direito privado por atos de improbidade administrativa, podendo até ser decretada a desconsideração da personalidade jurídica, a fim de se perseguir o patrimônio dos seus sócios.
A responsabilidade dos sócios pode ocorrer de forma direta, quando evidenciada a prática de ato ilegal em nome da sociedade. Nesse sentido é a lição de EMERSON GARCIA e ROGÉRIO PACHECO ALVES6:
A inclusão da pessoa jurídica no polo passivo, repita-se, não impede figurem também como réus os seus sócios e gestores, que sempre respondem com o seu patrimônio pessoal, subsidiariamente, quando ilegal e indevidamente praticam atos em seu nome, sendo aplicáveis, a eles, a multa civil e a sanção pecuniária personalíssima consistente na suspensão dos direitos políticos, não se devendo excluir, também, por óbvio, a proibição de contratar com o Poder Público e de receber incentivos fiscais ou creditícios. Tudo isso sem prejuízo da obrigação de reparar o dano."
A possibilidade de se responsabilizar pessoalmente os sócios de sociedade por cota de responsabilidade limitada está prevista na Lei n. 11.101/2005, cujo art. 82 prescreve:
Art. 82. A responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil.
Com lastro nesse posicionamento, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva.
Do julgamento antecipado da lide
No tocante ao julgamento antecipado da lide, de ver-se que o Superior Tribunal de Justiça tem admitido a sua adoção, em casos como o presente, tendo em vista que não havia necessidade de produzir prova em audiência de instrução, porquanto o fato demandava apenas prova documental já colhida, consoante se infere da leitura das seguintes ementas:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CAUTELAR. LEI 8.429/92. AFASTAMENTO DE PREFEITOS E SERVIDORES EM SEDE DE CAUTELAR. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. 1. O julgamento antecipado da lide (art. 330, I, CPC), não implica cerceamento de defesa, se desnecessária a instrução probatória, porquanto o instituto conspira a favor do princípio da celeridade. 2. Não constituindo a documentação nova a causa determinante da decisão impugnada, não há falar em nulidade por infringência ao art.398 do Código de Processo Civil. 3. É lícito o Magistrado, à luz do princípio do convencimento racional (art. 131 do CPC), decidir a causa; motivando o porque da sua fundamentação calcada nos fatos, provas, direito e jurisprudência que entendeu pertinentes. 4. Restando os fatos e as provas relevantes in casu amplamente demonstrados na instância ordinária e desinfluentes para o desate da lide os documentos sobre os quais o recorrente aponta violação do contraditório, afasta-se o alegado malferimento da Lei federal invocada (art. 398 do CPC). A influência do documento pelo seu teor probatório não pode ser analisada pelo S.T.J. por força da Súmula 07. 5. Recurso Especial desprovido.7 (grifado)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL.INEXISTÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. OMISSÃO NO TRIBUNAL A QUO NÃO SANADA POR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ADUÇÃO DE VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS LEGAIS AUSENTES NA DECISÃO RECORRIDA. SÚMULA Nº 211/STJ. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. LIVRE CONVENCIMENTO DO MAGISTRADO. ACERVO DOCUMENTAL SUFICIENTE. INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. PRECEDENTES MÚLTIPLOS. REEXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA EXCEPCIONAL. SÚMULA Nº 07/STJ. 1. Agravo regimental contra decisão que desproveu o agravo de instrumento dos agravantes. 2. O acórdão a quo julgou parcialmente procedente ação civil pública por ato de improbidade administrativa. 3. Ausência do necessário prequestionamento quanto ao art. 267, VI, do CPC, visto que o mesmo não foi abordado, em nenhum momento, no âmbito do voto condutor do aresto hostilizado. Incidência da Súmula nº 211/STJ. 4. Nos termos da reiterada jurisprudência desta Corte Superior, "a tutela jurisdicional deve ser prestada de modo a conter todos os elementos que possibilitem a compreensão da controvérsia, bem como as razões determinantes de decisão, como limites ao livre convencimento do juiz, que deve formá-lo com base em qualquer dos meios de prova admitidos em direito material, hipótese em que não há que se falar cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide" e que "o magistrado tem o poder-dever de julgar
antecipadamente a lide, desprezando a realização de audiência para a produção de prova testemunhal, ao constatar que o acervo documental acostado aos autos possui suficiente força probante para nortear e instruir seu entendimento (REsp nº 102303/PE, Rel. Min.Vicente Leal, DJ de 17/05/99). 5. Precedentes no mesmo sentido: MS nº 7834/DF, Rel. Min FÉLIX FISCHER; REsp nº 330209/SP, Rel. Min. ARI PARGENDLER; REsp nº 66632/SP, Rel. Min. VICENTE LEAL, REsp nº 67024/SP, Rel. Min. VICENTE LEAL; REsp nº 132039/PE, Rel. Min. VICENTE LEAL; AgReg no AG nº 111249/GO, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA; REsp nº 39361/RS, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA; EDcl nos EDcl no REsp nº 4329/SP, Rel. Min. MILTON LUIZ PEREIRA; AgReg no AG nº 14952/DF, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. 6. Demonstrado que a procedência do pedido, quanto à matéria de fundo, está rigorosamente vinculada ao exame das provas depositadas nos autos. Na via Especial não há campo para se revisar entendimento de segundo Grau assentado em prova. A missão de tal recurso é, apenas, unificar a aplicação do direito federal, conforme está sedimentado na Súmula nº 07/STJ. 7. Agravo regimental não provido.8(grifado)
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI N. 8.429/92. ART. 12, III. SANÇÃO DE NATUREZA PECUNIÁRIA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. INOBSERVÂNCIA. PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. 1. Se todas as questões de fato que sustentam a causa estão devidamente comprovadas por documentos, não há cerceamento de defesa na hipótese de julgamento antecipado da lide. 2. Ato administrativo praticado por prefeito municipal, consubstanciado na cassação de alvará de licença para realização de festa de carnaval em clube privado, e motivado tão-somente pelos brios feridos de quem foi barrado na entrada de tal festividade fere as disposições do art. 11, caput e inciso I, da Lei n. 8.429/92, porquanto levado a efeito sem observância do dever de imparcialidade com que deve se portar o administrador público. 3. Todavia, na hipótese do caso concreto, em que o ato tido por improbo não causou prejuízo de ordem moral nem feriu interesse popular, a pena de multa civil deve ser fixada razoavelmente. Se exarcebada, frente à pouca importância das consequências de tal ato, o STJ fica autorizado a revê-la a fim de determinar outra, considerando parâmetros mais justos. 4. Recurso especial provido parcialmente.9 (grifado)
AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. PARTICIPAÇÃO DESONESTA DO RECORRENTE. COMPROVAÇÃO. LESÃO AO ERÁRIO.SÚMULA 7/STJ. I - A despeito de cuidar-se de ação de improbidade administrativa, visando a apuração de responsabilidade decorrente de dispensa de licitação injustificada, entendendo o magistrado
que a documentação dos autos se mostra suficiente, em se tratando de matéria de direito, é possível julgar antecipadamente a lide. Precedentes: REsp nº 436.232/ES, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 10.03.2003, AgRg no Ag nº 565.695/MG, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 31.05.2004. II - Incide o óbice sumular 7/STJ ao inconformismo, no tocante à alegação de que não houve participação desonesta do recorrente no caso em tela, uma vez que o aresto recorrido constatou o dolo dos requeridos. III - O recorrente alega que o dano ao erário não pode ser presumido, mas tal alegação não é pertinente aos autos, na medida em que o Tribunal a quo, mantendo o entendimento de primeira instância, entendeu devidamente configurado e até mesmo determinado o dano. Qualquer discussão a respeito também esbarra na vedação contida na Súmula 7/STJ. IV - Recurso não conhecido.10 (grifado)
Com efeito, tendo em conta a desnecessidade de produção de prova em audiência, e com espeque no princípio da duração razoável do processo, cabível o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, inc. I, do CPC11.
Da correção do valor da causa
Acolho o pedido da União de fls. 1322/1323, corroborado com manifestação do Ministério do Meio Ambiente quanto ao valor do dano corrigido, para retificar o valor da causa desde já, no importe de R$ 1.460.165,10 (hum milhão, quatrocentos e sessenta mil, cento e sessenta e cinco reais e dez centavos), sem prejuízo de nova correção em sede de execução.
II.2 - MÉRITO
O mérito administrativo e os limites da sua sindicabilidade
Um dos atributos dos atos administrativos é a presunção de veracidade e de legitimidade, que é a qualidade, de que se revestem tais atos, de se presumirem verdadeiros e conformes ao Direito, até prova em contrário.
Calcado o atuar administrativo nos conformes da legalidade (art. 37, caput, da Constituição Federal/1988), censura alguma lhe há de se imputar pelo Judiciário, sob pena de ofensa ao princípio da tripartição dos poderes (art. 2º da Constituição Federal/88).
Por outro lado, cumpre ao julgador repelir exorbitâncias administrativas despidas de legitimidade. Nessa senda, a apreciação das condições objetivas é sindicável pelo Judiciário, mas não as condições subjetivas, restrita unicamente às questões de conveniência ou oportunidade, eis que estas são exercidas dentro da discricionariedade permitida ao administrador, desde que não violadora de princípios constitucionais expressos e implícitos e de direitos fundamentais.
Neste diapasão, impende trazer à colação ensinamento da Juíza Federal GERMANA DE OLIVEIRA MORAES:
Exerce-se o controle jurisdicional de legalidade sobre os aspectos vinculados dos atos administrativos; exercita-se o controle judicial de juricidade stricto sensu sobre os aspectos não vinculados do ato administrativo, distintos do mérito, vale dizer, sobre a valoração administrativa que não envolve os juízos de oportunidade nem de conveniência para a prática do ato, mas outros juízos, como os de justiça e proporcionalidade, no Direito Português e os de moralidade, proporcionalidade e razoabilidade, no Direito Brasileiro. O terreno do mérito do ato administrativo persiste infenso ao controle jurisdicional, pois reporta-se a regras não positivas da boa Administração.12
Tem-se, assim, que insindicável jurisdicionalmente o mérito administrativo do ato exarado em conformidade com o direito positivo, os princípios constitucionais e direitos fundamentais.
A inobservância da legalidade e da moralidade
A administração pública rege-se, dentre outros, pelos princípios da legalidade e moralidade (art. 37, da Constituição Federal).
O primeiro diz respeito "à completa submissão da Administração às leis. Esta deve tãosomente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores só pode ser a dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das
disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro"13. Já o segundo princípio resulta que a "Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade dos princípios éticos"14.
Dessa forma, se o particular pode fazer tudo aquilo que a lei não proibir (art. 5º, inciso II, da Constituição Federal de 1988 - CF/8), o gestor público somente pode adotar a conduta autorizada pela norma de regência, nos termos do art. 37, caput, da CF/88, em razão da indisponibilidade de todo bem público e da sua condição de administrador de coisa alheia: a res publica.
Nesse sentido, convém trazer à baila ensinamento professado por HELY LOPES MEIRELLES:
A legalidade, como princípio da administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funciona, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. [...] Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoa. Enquanto na administração particular é lícito tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa "pode fazer assim"; para o administrador público significa "deve fazer assim".15
O art. 37, caput, da Constituição Federal (CF), faz referência expressa ao princípio da legalidade, enquanto parâmetro da atividade administrativa como um todo. Todavia, é de importância capital saber-se que o princípio da legalidade não importa apenas no cumprimento cego da lei nos seus estritos termos, sem se cogitar da sua adequação aos valores fundamentais da sociedade, sob pena de faltar legitimidade na ação do administrador público, pois o ato do administrador público deve conformar-se com a moralidade e a finalidade administrativas para dar plena legitimidade à sua atuação16.
Ademais, considerando a assunção de novos encargos pelo Poder Público no Estado Social e Democrático de Direito, a consequente ampliação da discricionariedade administrativa, o descumprimento dos direitos fundamentais e a necessidade de se obter uma reação do Poder Judiciário não só contra os excessos ou abusos do Executivo, o princípio constitucional da legalidade evolui para assumir a noção de princípio de constitucionalidade, de sorte que a legalidade administrativa passou a ordenar e regular os desempenhos
funcionais do Poder Legislativo, ensejando a superação do dogma positivista que recusara normatividade aos princípios, passando a reconhecer imperatividade a quaisquer normas constitucionais expressas, inclusive principiológicas17.
Saliente-se, ainda, que a legalidade, hodiernamente, deve ser entendida como juridicidade, pois a Administração Pública não se conforma apenas às regras legais, satisfazendo com o cumprimento nominal e simplista de regras isoladas, mas deve submissão ao domínio amplo do Direito18, compreendido este como um sistema19 complexo de normas, dentre as quais se incluem os princípios gerais, positivados ou não na Constituição Federal de 1988 e nas leis, implicando o surgimento de um "bloco de legalidade", a qual todos os Poderes Públicos se encontram vinculados20.
Com efeito, a punição ao homem público por improbidade administrativa não cogita somente da espécie dolosa, como expresso, aliás, no art. 5° da Lei n° 8.429/92, que trata da improbidade administrativa (a que se recorre por similitude de raciocínio e não por se cogitar de sua ocorrência concretamente). Daí que é punível mesmo a conduta simplesmente culposa (nula quaestio quanto à dolosa), ainda que levíssima ou lato sensu.
Sendo assim, pode até, segundo MARINO PAZZAGLINI FILHO:
[...] parecer de excessivo rigor legal, a punição do agente público que laborou culposamente para a consumação de lesão ao erário. Todavia, assim não é. Os agentes públicos em geral, inclusive os que servem empresas estatais ou que de qualquer modo envolvam dinheiro público, têm a obrigação de se conduzir com a diligência no desempenho de suas funções, sendo incompatível com a natureza delas a imprudência e a negligência. Agente público imprudente é o que age sem calcular as conseqüências, previsíveis para o erário, do ato que pratica. Negligente é o que se omite no dever de acautelar o patrimônio público. Tanto um como outro descumprem dever elementar imposto a todo e qualquer agente público, qual seja, o de zelar pela integridade patrimonial do ente ao qual presta serviços, à medida que trata-se de patrimônio que, não sendo seu, a todos interessa e pertence.21
Essa negligência não é razoável, crível ou aceitável. E ela se constitui em culpa in omittendo, vale dizer, o agente é omisso no que lhe cumpre fazer ou se abstém de realizar o que lhe impõe o dever.22
O prejuízo ao erário
Quadra consignar que, em havendo enriquecimento ilícito por parte de terceiro, em detrimento do patrimônio do órgão concedente, por ato comissivo ou omissivo do gestor público responsável, o prejuízo real ao erário público ficam mais bem evidenciado, ensejando a punição do agente político, quer tenha agido com dolo ou com culpa, neste passo, lecionam EMERSON GARCIA e ROGÉRIO PACHECO ALVES:
Por outro lado, agindo com dolo ou culpa (leve, grave ou gravíssima, sofrerá os agentes políticos as sanções cominadas, não havendo previsão legal de um salvo-conduto para que possa dilapidar o patrimônio público com a prática de atos irresponsáveis e completamente dissociados da redobrada cautela que deve estar presente entre todos aqueles que administram o patrimônio alheio23.
No caso de violação a princípios da administração pública, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que a mesma é configurada como improbidade administrativa independente da ocorrência de dano ou lesão material ao erário24.
A defesa e preservação do meio ambiente é um dever inarredável do Estado e da coletividade. O direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado passou a ser garantido especificamente no corpo da Constituição da República a partir de 1988. Evidentemente, novas formas de concretização desse direito pela Administração Pública podem e devem existir, visando assegurar sua efetividade. Porém, isso deve se dar na conformidade dos princípios maiores que regem a Administração Pública, a saber, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência (art. 37, caput, da Constituição Federal).
Tais princípios devem ser observados e balanceados no caso concreto pelo administrador, inclusive projetando sua força normativa sobre âmbito da discricionariedade da adoção de certa política pública de efetivação do direito a um meio ambiente sadio, porquanto não se tratam de meros discursos retóricos, mas são dotados de efeitos concretos, tal como já se pronunciou o STF, cuja decisão foi veiculada no Informativo nº 516/2008(cf.site<http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo516.htm> ):
O Tribunal deu parcial provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte que reputara constitucional e legal a nomeação de parentes de vereador e Vice-Prefeito do Município de Água Nova, daquela unidade federativa, para o exercício dos cargos, respectivamente, de Secretário Municipal de Saúde e de motorista. Asseverou-se, inicialmente, que, embora a Resolução 7/2007 do CNJ
seja restrita ao âmbito do Judiciário, a vedação do nepotismo se estende aos demais Poderes, pois decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da CF, tendo aquela norma apenas disciplinado, em maior detalhe, aspectos dessa restrição que são próprios a atuação dos órgãos jurisdicionais. Ressaltou-se que o fato de haver diversos atos normativos no plano federal que vedam o nepotismo não significaria que somente leis em sentido formal ou outros diplomas regulamentares fossem aptos para coibir essa prática, haja vista que os princípios constitucionais, que não configuram meras recomendações de caráter moral ou ético, consubstanciam regras jurídicas de caráter prescritivo, hierarquicamente superiores às demais e positivamente vinculantes, sendo sempre dotados de eficácia, cuja materialização, se necessário, pode ser cobrada por via judicial. Assim, tendo em conta a expressiva densidade axiológica e a elevada carga normativa que encerram os princípios contidos no caput do art. 37 da CF, concluiu-se que a proibição do nepotismo independe de norma secundária que obste formalmente essa conduta. Ressaltou-se, ademais, que admitir que apenas ao Legislativo ou ao Executivo fosse dado exaurir, mediante ato formal, todo o conteúdo dos princípios constitucionais em questão, implicaria mitigar os efeitos dos postulados da supremacia, unidade e harmonização da Carta Magna, subvertendo-se a hierarquia entre esta e a ordem jurídica em geral. RE 579951/RN, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20.8.2008. (RE-579951) (grifado).
Além do erário, a sociedade, como um todo, sofreu prejuízo a partir da conduta indevida apresentada. É evidente que o programa de aterro sanitário no Município de Pau dos Ferros/RN beneficia, intimamente, as famílias que sobrevivem no lixão, eis que o programa previa a criação de uma usina de reciclagem que as abarca, entretanto o desvio de verba pública é um mal que repercute, não apenas sobre uma parcela restrita da sociedade, mas, atinge, de forma difusa, sem ressalvas, toda coletividade.
Caso concreto
O ponto controvertido dos autos é se os réus praticaram irregularidades na gestão de recursos públicos federais, provenientes do Convênio SQA nº 2001CV000144, cujo objeto era a implantação de aterro sanitário no Município de Pau dos Ferros/RN; e, caso isso tenha ocorrido, a demanda cinge-se a demonstrar se as condutas podem ser qualificadas como atos de improbidade administrativa.
Em primeiro lugar, não há controvérsia sobre o fato de a Prefeitura de Pau dos Ferros/RN e os réus Klenio e Kerenski terem recebido valores relativos ao convênio acima especificado.
O ponto debatido é se os montantes dos objetos pactuados foram devidamente empregados ou não.
O MPF trouxe aos autos o relatório de verificação in loco do IDEMA, datado de 28/03/2005 (fls. 22/23), a vistoria técnica do Ministério do Meio Ambiente, realizada in loco no dia 08/02/2006, consubstanciada no parecer técnico nº 45/2006-SQA/GAU de 29/03/2006 (fls. 152/165) e o relatório TCE/041/2007 (fls. 1146/1162). Nestes ficou comprovada a não execução total do objeto pactuado, especialmente a não aprovação das contas apresentadas pelo ex-prefeito municipal de Pau dos Ferros/RN.
As provas apontam que apesar de constar Termo de Aceitação Definitiva da Obra (fl. 31), assinado pelos réus, a obra está inacabada, havendo incongruências e falta de documentação apta a comprovar a real aplicação dos recursos no objeto conveniado.
O arsenal de provas acostadas aos autos comprova a existência de atos de improbidade administrativa. Da análise do relatório do Tomador de Contas Especial - TCE/041/2007, constatou-se o seguinte:
[...] A Convenente não atendeu tecnicamente às solicitações exigidas; a execução dos serviços executados com os recursos repassados pelo MMA não levaram ao atingimento do objetivo pactuado; não foi encaminhada a Licença Ambiental de Operação da área do aterro Sanitário. Portanto, ficou constatado que o Objeto do Convênio em termos de etapas da implantação do Aterro Sanitário não foi atingido e, ainda, que a Convenente não cumpriu todos os itens previstos na Planilha Orçamentária, não sendo realizados pela Convenente todos os compromissos assumidos no Convênio. [...] Diante do exposto e pela documentação constante no Processo Original nº 02000.009574/2001-68, entende este tomador que o presente caso enquadra-se nas hipóteses do Art. 1º, "caput", da Instrução Normativa nº 35/00 do TCU, na ocorrência de desfalque ou desvio de dinheiro público e de prática de ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte dano aos cofres públicos e que, os danos ao erário, perfazem o montante de R$ 593.150,00, a serem atualizados na forma do Inciso I do art. 11 da norma supra citada, cujo valor corrigido é R$ 1.460.165,10 (atualizado até 30.10.2007), sob responsabilidade do Sr. Francisco Nilton Pascoal de Figueiredo, ex-Prefeito Municipal de Pau dos Ferros/RN, registrado e levado a débito pelo Setorial de Contabilidade desta Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração, na Conta "Diversos Responsáveis" .
[...]
A propósito, é de extrema importância colacionarmos inúmeras informações colhidas do traslado do termo de diligência (informação fiscal) realizado pela Receita Federal, às fls. 1039/1041, com objetivo de comprovar os gastos efetuados pela empresa TR Engenharia e Comércio Ltda, para cumprir o contrato de implantação do aterro sanitário com a Prefeitura de Pau dos Ferros, in verbis:
8.1. Identificamos na contabilidade do contribuinte, livros diário e razão, gastos (custos e despesas) relativos a obra no aterro sanitário de Pau dos Ferros, bem como a contabilização de receitas referentes a realização desta obra (Notas Ficais nºs 000018, 000021, 000033 e 000096). Nos anos-calendário 2002 e 2003, o contribuinte apresentou declarações pela sistemática do lucro real e identificamos pagamento de tributos referentes aos anoscalendário citados. 8.2. Identificamos divergências entre a data de conclusão da obra informada pelo contribuinte e de acordo com sua contabilidade, a qual foi em janeiro de 2004 e o Termo de Aceitação Definitiva da Obra, emitida pela Prefeitura de Pau dos Ferros, em 28/08/2003. O contribuinte alega que tal divergência ocorreu devido a alguns problemas de ordem construtiva apresentados após a entrega da obra, na qual a empresa, em conformidade com a solicitação enviada pela prefeitura, foi acionada para resolver as pendências cabíveis, porém, a solicitação feita pela prefeitura não foi apresentada a esta fiscalização. 8.3. O contribuinte não comprovou o efetivo pagamento de custos com a contratação de serviços prestados por terceiro: Construtora W.S.M, CNPJ nº05.007.821/0001-73 (NF nº 00008); Empresa de Terraplenagem e Pavimentação Ltda, CNPJ nº 70.158.217/0001-00 (NF nº 000148); e Z e Z Comércio e Representações - Zoraide Alves Dutra, CNPJ nº 06.025.504/000142 (NF nº 000013), pois apesar de intimado e reintimado, o contribuinte limitou-se a apresentar os registros contábeis sem comprovar o efetivo pagamento, destacando-se que em tais registros contábeis verificamos que tais pagamentos foram registrados com saída do caixa. 8.4. Com relação às empresas Construtora W.S.M, CNPJ nº05.007.821/0001-73 e Z e Z Comércio e Representações - Zoraide Alves Dutra, CNPJ nº 06.025.504/0001-42 não conseguimos localizá-las bem como seus sócios ou proprietários, tendo representado pela inaptidão das mesmas, enquanto que com relação à Empresa de Terraplenagem e Pavimentação Ltda, CNPJ nº 70.158.217/0001-00 a mesma encontra-se como inapta no cadastro da SRF. Desse modo, não foi possível verificar na contabilidade destas empresas a prestação de tais serviços para a TR Projetos e Construções Ltda.
A vistoria realizada no aterro sanitário construído no Município de Pau dos Ferros, realizada pelo Ministério do Meio Ambiente (fls. 152/165), constatou que o objetivo do convênio não foi alcançado, tendo em vista que o aterro não foi construído em sua totalidade,
impossibilitando o uso das instalações ali constantes. Destaca, ainda, que os equipamentos previstos na meta do plano de trabalho do convênio foram adquiridos em sua totalidade e se encontram em utilização pela Prefeitura.
Assim sendo, o arcabouço probatório demonstra a dilapidação de verbas públicas federais no importe de R$ 309.978,00, valor este obtido pela dedução do valor referente à aquisição dos bens listados às fls. 42, do valor repassado.
Dos atos de improbidade configurados
Os fatos decorrentes das condutas praticadas pelos demandados reclamam a incidência dos dispositivos da Lei nº 8.429/92, mais precisamente no seu art. 10 e respectivos incisos pertinentes ao caso e art. 11, inciso VI:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
Diante desses preceptivos legais, impende transcrever ensinamento externado por PEDRO ROBERTO DECOMAIN, ao interpretar sistematicamente os incs. I e XII do art. 10 da Lei nº 8.429/92:
A conduta se perfaz quando o agente permite a incorporação do bem, renda, verba ou valor integrante do patrimônio administrativo ao patrimônio de um particular, e também quando facilita essa integração. Por permitir se deve entender a conduta na qual o agente, detendo competência administrativa para autorizar o ato de disposição do bem administrativo, autoriza ele próprio a sua transferência para patrimônio particular. A expressão facilitar a incorporação, a seu turno, caracteriza toda e qualquer atividade administrativa do agente que, embora não detendo ele próprio a competência para promover a transferência, não obstante significa atividade capaz de tornar possível a incorporação do bem, renda, verba ou valor público ao patrimônio privado. Deve-se ressaltar que a improbidade não existirá, quando a incorporação do bem ao patrimônio privado ocorra segundo regras legais que a autorizem. Se a incorporação do bem ao patrimônio particular acontecer em situação em que seja legalmente autorizada, não se poderá, por evidente, cogitar da ocorrência de ato de improbidade administrativa. [...] De acordo com este inciso [refere-se ao inc. XII, do art. 10, da Lei nº 8.429/92], constitui ato de improbidade administrativa "permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente". Também esse inciso, como todos os demais, necessita ser interpretado sem que se perca de vista o disposto no caput do artigo. Ali se afirma que os atos de improbidade administrativa, exemplificativamente relacionados nos diversos incisos, guardam a marca comum do prejuízo patrimonial que devem acarretar para o Erário. Sem a ocorrência desse prejuízo, será possível até mesmo que se esteja diante de ato de improbidade administrativa, mas não daqueles mencionados no art. 10. Nessa perspectiva, cumpre registrar que, para caracterização da conduta prevista no presente inciso como ato de improbidade administrativa daqueles mencionados no art. 10, será imperioso que o enriquecimento ilícito de terceiros, que haja sido permitido ou facilitado pelo autor do ato de improbidade, ou para o qual haja concorrido, tenha acontecido com prejuízo patrimonial para o Erário. Também é conveniente que ser registre que, ocorrendo prejuízo patrimonial para o Erário, para o indevido enriquecimento do terceiro, terá acontecido também a incorporação ao patrimônio, deste terceiro, de bens, verbas, rendas ou valores pertencentes a uma entidade administrativa. Sendo essa a hipótese, então já se estaria diante da situação prevista pelo inciso I do art. 10 da Lei, que consiste justamente em facilitar ou concorrer, o autor do ato de improbidade, para que ocorra a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídico, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial de alguma das entidades mencionadas no art. 1º da Lei.25 (grifado)
Nesse passo, o mencionado autor interpreta o inc. XI do art. 10 da Lei nº 8.429/92, lecionando:
De duas situações cuida o art. 10, XI. A primeira diz respeito à liberação de verba pública em desconformidade com as normas legais, isto é, a aplicação de verba pública deve observar os seus requisitos legais, quer de forma, quer de finalidade, como nas hipóteses da concessão de subvenção social à entidade privada cujas condições de funcionamento forem insatisfatórias ou que não tenha prestado contas (art. 17 da Lei Federal n. 4.320/64), da abertura de crédito suplementares e especiais sem autorização legal (arts. 58, 60 e 62 da Lei Federal n. 4.320/64 e 55, § 3º, e 73 da Lei Federal n. 8.666/93), e da contratação verbal de obras e serviços públicos (art. 60, parágrafo único, da Lei Federal n. 8.666/93). A censura legal também se direciona contra a realização de despesas com finalidade estranha ou diversa da explicitada na lei ou regulamento (realização de despesa com finalidade diversa da prevista). Cuida-se, portanto, da cesura ao desvio e ao emprego irregular de verba pública, da tutela dos requisitos da forma e da finalidade da liberação de verba pública, abarcando não somente a despesa pública como também qualquer ato de saída do dinheiro dos cofres públicos, diferentemente do art. 10, IX, que trata da despesa pública. [...] A segunda parte refere-se à influência para aplicação irregular de verba pública, por qualquer forma, ou seja, contrária à licitude do emprego ou à sua finalidade, punindo o partícipe dos atos lesivos ao erário capitulados no art. 10, IX e XI, da Lei Federal n. 8.429/92.26 (grifado)
Diante preceptivo legal encartado no inc. VI do art. 11 da Lei nº 8.429/92, impende transcrever ensinamento externado por WALLACE PAIVA MARTINS JÚNIOR:
6) Todo aquele que administra coisa alheia tem o dever de prestação de contas. A sua falta no prazo legal é ato que atenta contra essa regar elementar. Por isso, catalogado está no art. 11, VI, que pune aquele que deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo. A prestação de contas, como é elementar, tem por finalidade a vigilância permanente da probidade na aplicação de verba pública (arts. 82, § 2º, do Dec.-Lei Federal n. 200/67 e 81 da Lei Federal n. 4.320/64). O dever não é exclusivo do agente público, sendo concorrente daqueles que recebem ou arrecadam receita pública, a que título for, com ou sem finalidade específica (arts. 70, parágrafo único, da CF e 93 do Dec.-Lei Federal n. 200/67). Tanto infringe de dever de prestação de contas quem se demite dele quanto aquele que a executa fora do prazo legal, como sucede com a negativa de publicidade dos atos oficiais. 27
Sendo o dolo e a culpa elementos psicológicos, necessários à configuração do ato ímprobo, a sua aferição dá-se a partir da análise da conduta dos agentes. Nesse sentir, se o exprefeito possuía poder de gestão sobre os recursos púbicos federais, sendo o responsável pela execução do convênio nº SQA 2001CV000144, bem como pela liberação do dinheiro, pela prestação de contas e pelo recebimento de obra inacabada, infere-se daí ter concretizado
responsabilidade subjetiva por improbidade administrativa nas condutas, na forma do que apurado na fundamentação retro.
Outrossim, não há que se falar em responsabilidade objetiva, considerando apenas a conduta em si mesma, mas sim em responsabilidade subjetiva do ex-prefeito, em razão da ocorrência da vontade deliberada, livre e consciente (dolo), em se omitir no acompanhamento e gestão dos recursos, permitindo ou concorrendo para que terceiros se enriquecessem ilicitamente, causando prejuízo ao erário; ou mesmo em virtude da negligência (culpa) em não exercer efetivamente fiscalização na aplicação ilegal dos recursos públicos pelos demais réus, o que gerou dano ao erário.
A respeito disso, transcreve-se lição adotada por TEORI ALBINO ZAVASCKI:
Deve-se considerar, a propósito, que o § 6º do art. 37 da Constituição, ao estatuir a regra geral da responsabilidade civil objetiva do Estado, preservou, quanto a seus agentes causadores do dano, a responsabilidade de outra natureza, subordinada a casos de dolo ou culpa. Sua responsabilidade objetiva, em conseqüência, demandaria, no mínimo, previsão normativa expressa, que, ademais, dificilmente se compatibilizaria com a orientação sistemática ditada pelo preceito constitucional. Não é por acaso, portanto, que, no âmbito da lei 8.429/92 (editada com o objetivo de conferir maior efetividade aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, inscritos no caput do mesmo dispositivo da Constituição), há referência a "ação ou omissão, dolosa ou culposa", patrimônio público, e no art. 10, que descreve uma das três espécies de atos de improbidade, qual seja a dos atos que causam prejuízo ao erário. [...]28
De outra parte, a responsabilidade por ato de improbidade administrativa praticado por particular encontra respaldo nos arts. 1º e 3º da lei mencionada, que dizem:
Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei. [...]
Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta. (grifado)
Quanto aos sócios KLENIO e KERENSKI, houve o recebimento dos recursos públicos em nome da empresa incumbida da execução dos serviços conveniados, sem que tenha sido cumprido integralmente o objeto do convênio, entregando obra inacabada.
Ao receberem os recursos públicos federais, e não terem realizado os serviços que o mencionado convênio previa, os sócios da TR PROJETOS E CONSTRUÇÕES LTDA incorreram em ato de improbidade administrativa, consistente na apropriação de dinheiro público, causando dano ao erário e ofendendo os princípios da Administração Pública.
O dever de honestidade para com a res publica não é exigível apenas de quem exerce cargo, mandato ou função em algum dos entes mencionados na lei de improbidade administrativa. O povo de um modo geral, bem como o particular que contrata com a Administração tem o dever ético de zelar pelo patrimônio público, cujo titular último é a coletividade.
Destarte, estando caracterizados os atos de improbidade administrativa imputados aos réus, outro caminho não há a seguir, que não o da condenação respectiva, cuja dosimetria passamos a delinear.
Quanto à dosimetria
De início, cumpre frisar que, embora as condutas dos demandados subsumam-se tanto no art. 10 (prejuízo ao erário) como no art. 11 (atentado aos princípios da administração pública) da Lei nº. 8.429/92, não se mostra razoável aplicar, cumulativamente, as sanções do art. 12, incs. II e III, da referida lei, ao caso em análise. Isso porque, os réus praticaram uma conduta, cada qual a sua maneira.
Nesse sentido é a lição de EMERSON GARCIA e ROGÉRIO PACHECO ALVES:
Tratando-se de ato único, entendemos que um único feixe de sanções deve ser aplicado ao agente, ainda que sua conduta, a um só tempo, se subsuma ao disposto nos arts. 9º, 10 e 11.
Único o ato, único haverá de ser o feixe de sanções (ne bis in eadem). No que concerne à dosimetria, haverão de compor feixe de sanções os valores relativos de maior severidade, o que possibilitará o estabelecimento de uma relação de adequação com a natureza dos ilícitos, sendo que a pluralidade destes será valorada por ocasião da individualização e fixação de cada uma das sanções que compõem o feixe.29(grifado)
Ora, os atos de improbidade administrativa enumerados no art. 10 da Lei nº 8.429/92 sujeitam os seus autores às seguintes sanções (art. 12):
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.
A aplicação dessas sanções, à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, deve levar em conta a extensão do dano, bem como o proveito auferido pelo agente, a teor do art. 12, parágrafo único, daquele diploma legal. Há que se considerar, igualmente, a intensidade do dolo na realização da conduta e o interesse público lesionado. Além disso, o julgador não irá aplicar as sanções de forma automática, devendo atentar para a pertinência das mesmas à situação concreta de cada agente ímprobo.
Nesse sentido, segue ementa de julgado do Superior Tribunal de Justiça, que representa a sua jurisprudência sedimentada:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. LEI 8.429/92. VEREADOR. CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES INFORMAIS. REPASSE DE REMUNERAÇÃO PELOS SERVIDORES FORMAIS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA MORALIDADE. LESÃO AO ERÁRIO CONFIGURADA. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE BENEFÍCIO SOCIAL. AFERIÇÃO INTERDITADA NA VIA ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. 1. Ação civil pública proposta com fulcro na Lei 8.429/92, em desfavor de Vereador, Diretor Administrativo de Câmara Municipal e diversos assessores pela prática de atos de improbidade administrativa, consubstanciados na contratação de funcionários públicos além do permitido
para gabinete, com divisão e repasse da remuneração percebida pelos "funcionários" a outros particulares - assessores "informais" - sem vínculo com a Administração, com fins de condenação nas sanções do art.12, inciso III da referida lei, 2. A Lei nº 8.429/92, da Ação de Improbidade Administrativa, explicitou o cânone inserto no artigo 37, § 4º, da Constituição Federal de 1988, tendo por escopo impor sanções aos agentes públicos incursos em atos de improbidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (artigo 9º); b) causem prejuízo ao erário público (artigo 10); e c) atentem contra os princípios da Administração Pública (artigo 11), aqui também compreendida a lesão à moralidade administrativa. 3. In casu, o ato de improbidade se amolda à conduta prevista no art. 11, revelando autêntica lesão aos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, tendo em vista a contratação de assessores informais para exercerem cargos públicos sem a realização de concurso público. 4. Acórdão recorrido calcado na assertiva de que "Trata-se de uma situação não só irregular, mas de uma ilegalidade exuberante, porquanto criada à margem da lei, em que se atribui à terceiros a condição de agentes do Poder Público ou da Administração, sem que lhes fossem atribuídas as responsabilidades somente àqueles restrita. (...) Na espécie em exame, tenho até mesmo como dispensável a ocorrência de dano material à administração, questão mais íntima da improbidade administrativa, com muita propriedade analisada no voto vencido, já que pode a lei ser violada, quer por condutas abertamente referida a outro valor, quer pela conduta que, guardando a aparência legal, na realidade o não é. 5. O Tribunal de origem não reconheceu no acórdão recorrido qualquer benefício social remanescente das condutas ilícitas relativas aos atos praticados pelos recorridos, mesmo porque a despeito da alegação de que os atos foram praticados em prol do bom desempenho da administração, assentou que não passaram de excessos cometidos no exercício do poder discricionário que detêm em razão dos cargos que exercem, mas que são gizados por padrões éticos e jurídicos que não foram observados, confirmando a tese exarada no voto vencido, no sentido de que "não se pode afirmar que, com o aumento da contratação a população passou a ficar melhor servida", eis que "não é a quantidade, mas a qualidade do trabalho que importa. 6. A aplicação das sanções, nos termos do artigo 21, da Lei de Improbidade, independem da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, o que autoriza a aplicação da norma sancionadora prevista nas hipóteses de efetiva lesão à moralidade administrativa. 7. À luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, impõe-se a mitigação do preceito que preconiza a prescindibilidade da ocorrência do dano efetivo ao erário para se infligir a sanção de ressarcimento: "a hipótese prevista no inciso I do artigo 21, que dispensa a ocorrência de dano para aplicação das sanções da lei, merece meditação mais cautelosa. Seria inconcebível punir-se uma pessoa se de seu ato não resultasse qualquer tipo de dano. Tem-se que entender que o dispositivo, ao dispensar o 'dano ao patrimônio público' utilizou a expressão patrimônio público em seu sentido restrito de patrimônio econômico. Note-se que a lei de ação popular (Lei nº 4717/65) define patrimônio público como 'os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico' (art. 1º, § 1º), para deixar claro que, por meio dessa ação, é possível proteger o patrimônio público nesse sentido mais amplo. O mesmo ocorre, evidentemente, com a ação de improbidade administrativa, que protege o
patrimônio público nesse mesmo sentido amplo. (Maria Sylvia Zanella di Pietro in Direito Administrativo, 13ª Edição, pág. 674, in fine). 8. As sanções do art. 12, da Lei n.° 8.429/92 não são necessariamente cumulativas, cabendo ao magistrado a sua dosimetria; aliás, como deixa entrever o parágrafo único do mesmo dispositivo. 9. O espectro sancionatório da lei induz interpretação que deve conduzir à dosimetria relacionada à exemplariedade e à correlação da sanção, critérios que compõem a razoabilidade da punição, sempre prestigiada pela jurisprudência do E. STJ. Precedentes: RESP 664856/PR, desta relatoria, DJ de 02.05.2006; RESP 507574/MG, Relator Ministro Teori Zavascki, DJ de 08.05.2006; RESP 513.576/MG, Relator p/ acórdão Ministro Teori Zavascki, DJ de 06.03.2006; RESP 291.747, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ de 18/03/2002; RESP 300.184/SP, Relator Ministro Franciulli Netto, DJ de 03.11.2003 e RESP 505.068/PR, desta relatoria, DJ de 29.09.2003. 10. In casu, consoante se infere do voto então vencido, que prevaleceu nos embargos infringentes (fls.914/925), o Tribunal local, com ampla cognição probatória, revisitando os fatos que nortearam os atos praticados pelos agentes públicos, entendeu que a conduta perpetrada pelos réus violava os princípios da legalidade e da moralidade, norteadores da Administração Pública, motivo pelo qual dava parcial provimento ao recurso, cominando ao Presidente e o Diretor Administrativo da Câmara Municipal de Goiânia à pena de multa civil e ressarcimento ao Município do valor pago com verba pública aos assessores informais, condenando ainda a assessora e o Presidente da Câmara a ressarcir ao Município o valor correspondente aos 3 meses que a assessora não trabalhou, acrescido de juros e correções. 11. A sanção imposta ao agente público, ora recorrido, decorrente de ampla cognição acerca do contexto fático probatório engendrada pelo Tribunal local à luz da razoabilidade não revela violação da lei, mercê de sua avaliação, em sede de recurso especial, impor a análise dos fatos da causa para fins de ajuste da sanção, que esbarra no óbice erigido pela Súmula 07/STJ. Precedentes do STJ: (RESP 825673/MG, Relator Ministro Francisco Falcão, DJ de 25.05.2006 e RESP 505068/PR, desta relatoria, DJ de 29.09.2003.' 12. O juiz deve observar para realizar a dosimetria da pena critérios como a extensão do dano e o proveito patrimonial obtido pelo agente, à luz do princípio da proporcionalidade. 13. O Recurso Especial não é servil ao exame de questões que demandam o revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, em face do óbice contido na Súmula 07/STJ, interditando a análise acerca da majoração das sanções aplicadas em razão de prática de atos de improbidade. 14. Recurso especial do Ministério Público parcialmente conhecido e nesta parte, desprovido; Recursos Especiais dos réus desprovidos.30 (grifado)
Destarte, as sanções a serem suportadas pelos promovidos cingem-se às previstas para as hipóteses do art. 10 da lei mencionada, que cuida das condutas que causam prejuízo ao erário, e que se revelam mais condizentes com o caso em apreço.
Assim, tenho como necessária e suficiente à reprovação e prevenção da conduta do promovido FRANCISCO NILTON PASCOAL DE FIGUEIREDO as seguintes sanções: a) ressarcimento dos prejuízos causados ao erário, devidamente corrigido desde o desfalque patrimonial, e com juros legais desde o evento danoso; b) multa no valor de 50% (cinquenta por cento) do valor do dano; c) suspensão dos direitos políticos por 05 (cinco) anos; d) perda da função pública, se ainda estiver exercendo-a, e e) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.
Quanto aos promovidos KLENIO FRANCISCO TORQUATO DO REGO e KERENSKI FRANCISCO TORQUATO DO REGO, as sanções adequadas são: a) ressarcimento dos prejuízos causados ao erário, devidamente corrigidos desde o desfalque patrimonial, e com juros legais desde o evento danoso; b) multa no valor de 50% (cinquenta por cento) do valor do dano; c) suspensão dos direitos políticos por 05 (cinco) anos, e d) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.
Esclarecimentos quanto à correção e juros
Os valores deverão ser atualizados de acordo com os índices de correção previstos no Manual de Procedimentos de Cálculos da Justiça Federal, fruto de consolidação jurisprudencial, nos termos da Resolução nº 561, de 02/07/2007, do Conselho da Justiça Federal.
Os juros moratórios são de 0,5% (zero vírgula cinco por cento) desde a data do evento danoso (20/03/2002), por se tratar de responsabilidade extracontratual (Súmula nº 54, do STJ), até o advento do novo Código Civil. A partir de então, o índice será aquele utilizado para cobrança dos débitos fazendários (art. 406 do novo Código Civil c/c o parágrafo único do art. 161 do Código Tributário Nacional) a saber, aquele que compõe a Taxa Selic (art. 39, § 4º, da Lei nº 9.250/95).
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DE MENOR POR POLICIAIS. "CHACINA DA BAIXADA". INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. VALOR IRRISÓRIO OU ABUSIVO. NÃO CONFIGURADO.PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA. JUROS DE MORA. TEMPUS REGIT ACTUM. MÉDIA DE SOBREVIDA. TABELA DO IBGE. APLICABILIDADE À PENSÃO DA VÍTIMA DEVIDA AOS AUTORES DA AÇÃO. 1. Versam os autos ação de reparação por danos morais e materiais ajuizada em desfavor de ente Estadual em razão da morte do filho, irmão e tio, dos autores, em decorrência de disparos de arma de fogo efetuados por agentes da polícia militar do Estado, no episódio conhecido como "Chacina da Baixada". 2. Os danos morais indenizáveis devem assegurar a justa reparação do prejuízo sem proporcionar enriquecimento sem causa do autor, além de sopesar a capacidade econômica do réu, devendo ser arbitrável à luz da proporcionalidade da ofensa, calcada nos critérios da exemplariedade e da solidariedade. 3. A modificação do quantum arbitrado a título de danos morais, em sede de recurso especial, somente é admitida na hipótese de fixação em valor irrisório ou abusivo. Precedentes do STJ: REsp 860099/RJ, DJ 27.02.2008; AgRg no Ag 836.516/RJ, DJ 02.08.2007 e REsp 960.259/RJ, DJ 20.09.2007. 4. In casu, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro considerando as especificidades do caso, a morte da vítima, em decorrência de disparos de arma de fogo efetuados por policiais militares, em razão da barbárie denominada "Chacina da Baixada", manteve a condenação ao pagamento de indenização, a título de danos morais, no valor equivalente à R$100.000,00 (cem mil reais) aos pais da vítima, a quantia de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) aos irmãos da vítima, e a quantia de R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais), ao sobrinho da vítima, corrigidas tais quantias monetariamente, a partir da presente data e acrescidas de juros de mora a contar da citação, nos moldes delineados na sentença às 571/578. 5. Deveras, a análise das especificidades do caso concreto e dos parâmetros adotados por esta Corte, no exame de hipóteses análogas, ao caso dos autos, qual seja a denominada "Chacina da Baixada", não revela irrisoriedade dos valores arbitrados a título de indenização por danos materiais e morais. Neste sentido: REsp 1161805/RJ, Decisão, Ministro Luiz Fux, DJ 19.03.2010; AgRg no REsp 1087541/RJ, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, J. 05.03.2009; AgRg no Ag 1136614/RJ, Relatora Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, J. 26.05.2009. 6. Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso em caso deresponsabilidade extracontratual (Súmula 54/STJ). Precedentes: REsp 771926/SC, DJ 23.04.2007; REsp 489439/RJ, DJ 18.08.2006; REsp 768992/PB, DJ 28.06.2006. 7. Desta feita, tratando-se de fato gerador que se protrai no tempo, a definição legal dos juros de mora deve observância ao princípio do direito intertemporal segundo o qual tempus regit actum. 8. Os juros hão se ser calculados, a partir do evento danoso(Súmula 54/STJ) à base de 0,5% ao mês, ex vi artigo 1.062 do Código Civil de 1916 até a entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2001). 9. A partir da vigência do Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2001) os juros moratórios deverão observar a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (artigo 406). Taxa esta que, como de sabença, é a SELIC, nos expressos termos da Lei nº 9.250/95. Precedentes: REsp 688536/PA, DJ 18.12.2006; REsp 830189/PR, DJ 07.12.2006; REsp 813.056/PE, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16.10.2007, DJ 29.10.2007; REsp 947.523/PE, DJ 17.09.2007;REsp 856296/SP DJ 04.12.2006; AgRg no Ag 766853/MG,DJ 16.10.2006. 10. A idade de sobrevida não é estanque, uma vez que se consideram vários elementos para sua fixação, como habitat, alimentação, educação, meios de vida. Outrora, com o escopo de obter-se um referencial para sua fixação, esta Corte vem adotando os critérios da tabela de sobrevida da Previdência Social, de acordo com cálculos elaborados pelo IBGE. Precedentes: REsp 1027318/RJ, Segunda Turma, julgado em 07/05/2009, DJe 31/08/2009; REsp 503046/RJ,
Quarta Turma, julgado em 28/04/2009, DJe 25/05/2009; REsp 723544/RS, Quarta Turma, julgado em 13/02/2007, DJ 12/03/2007 p. 240; REsp 746894/SP, Quarta Turma, julgado em 15/08/2006, DJ 18/09/2006 p. 327; REsp 698443/SP, Quarta Turma, julgado em 01/03/2005, DJ 28/03/2005 p. 288; REsp 211073/RJ, Terceira Turma, julgado em 21/10/1999, DJ 13/12/1999 p. 144. 11. A jurisprudência da Corte acata a mais especializada tabela do IBGE, consoante colhe-se dos seguintes precedentes: REsp 35842/RJ, QUARTA TURMA, julgado em 21/03/1995, DJ 29/05/1995 p. 15518; REsp 211073/RJ, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/10/1999, DJ 13/12/1999 p. 144; REsp 1027318/RJ, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/05/2009, DJe 31/08/2009. 12. In casu, a vítima, contava com 28 anos de idade, por isso que, utilizando-se a expectativa de sobrevida da tabela do IBGE, para a época dos fatos, que era de 47,4 anos, alcança-se a idade de 75,4 anos, limite para a fixação do pensionamento concedido aos autores da ação. 13. Recurso Especial parcialmente provido31 (grifado)
III - DISPOSITIVO
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o presente pedido movido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em desfavor de FRANCISCO NILTON PASCOAL DE FIGUEIREDO, KLENIO FRANCISCO TORQUATO DO REGO E KERENSKI FRANCISCO TORQUATO DO REGO, extinguindo o processo com resolução de mérito, com esteio no art. 269, inc. I, do Código de Processo Civil, aplicando-se-lhes as seguintes sanções:
a) solidariamente, ressarcimento integral dos prejuízos causados ao erário no valor de R$ 309.978,00 (trezentos e nove mil, novecentos e setenta e oito reais), corrigidos monetariamente de acordo com os índices de correção previstos no Manual de Procedimentos de Cálculos da Justiça Federal (Resolução nº 561/2007 do CJF), e com juros moratórios de 0,5% (zero vírgula cinco por cento) desde a data do evento danoso (20/03/2002), por se tratar de responsabilidade extracontratual (Súmula nº 54, do STJ), até o advento do novo Código Civil. A partir de então, o índice será aquele utilizado para cobrança dos débitos fazendários (art. 406 do novo Código Civil c/c o parágrafo único do art. 161 do Código Tributário Nacional) a saber, aquele que compõe a Taxa Selic (art. 39, § 4º, da Lei nº 9.250/95); b) multa no valor de 50% (cinquenta por cento) do prejuízo causado ao erário - R$ 309.978,00 (trezentos e nove mil, novecentos e setenta e oito reais); c) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 (cinco) anos; d) suspensão dos direitos políticos por 05 (cinco) anos; e e) perda da função pública, se ainda estiver exercendo-a, quanto ao réu FRANCISCO NILTON PASCOAL DE FIGUEIREDO.
A multa aplicada aos réus será revertida em favor do Ministério do Meio Ambiente, órgão lesado com as condutas ímprobas (art. 18 da Lei nº 8.429/92).
Sem condenação em honorários advocatícios, haja vista figurar o Ministério Público Federal no polo ativo da ação.
Custas processuais proporcionalmente por conta dos réus (art. 20, § 2º, do CPC).
Após a certificação do trânsito em julgado:
a) intime-se o MPF para providenciar a execução dos capítulos condenatórios de obrigação de pagar quantias em dinheiro;
b) oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte, acerca da suspensão dos direitos políticos dos réus, e à Câmara Municipal de Vereadores de Pau dos Ferros/RN, quanto ao item "e" (se o réu FRANCISCO NILTON PASCOAL DE FIGUEIREDO estiver exercendo cargo de Prefeito ou qualquer mandato eletivo);
c) oficiem-se à Administração Federal, ao Tribunal de Contas da União - TCU; ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte; ao Banco Central do Brasil - BCB; ao Banco do Brasil S/A; à Caixa Econômica Federal - CEF; e ao Banco do Nordeste do Brasil - BNB, dando notícia desta sentença, para que eles observem a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou de creditícios, pelo prazo de cinco anos, a contar do trânsito em julgado desta;
d) providencie-se o cadastramento deste processo na página do Conselho Nacional de Justiça CNJ na internet, no Cadastro Nacional de Condenações Cíveis por Ato de Improbidade Administrativa.
Proceda-se à correção do valor da causa, no importe de R$ 1.460.165,10 (hum milhão, quatrocentos e sessenta mil, cento e sessenta e cinco reais e dez centavos).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
1 STJ, REsp 1.034.511, 2ª T., un., Rel. Min. Eliana Calmon, j. 01/09/2009, DJe 22/09/2009, p. 292. 2 Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. III, 8.ª ed., Forense, p. 159. 3 Probidade administrativa. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 320. 4 Curso de Direito Processual Civil. v. 1. 12. ed. Salvador: Jus Podivm, 2010, pág.200. 5 STJ, REsp 1.178.259/SP, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJ 04/03/2010 6 Improbidade administrativa. 4. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 643-644. 7 STJ, REsp nº 436.232/ES, 1ª T., un., Rel. Min. LUIZ FUX, j. 11/02/2003, DJ de 10/03/2003, p. 103. 8 STJ, AgRg no Ag nº 565.695/MG, 1ª T., un., Rel. Min. JOSÉ DELGADO, j. 13/04/2004, DJ 31/05/2004, p. 208. 9 STJ, REsp 897.499/SP, 2ª T., un., Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, j. 27/03/2007, DJ 20/04/2007, p. 343. 10 STJ - REsp 977.252/PR, 1ª T., un., Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, j. 02/10/2007, DJ 12/11/2007, p. 198. 11 TRF-1-R., AR 200401000261409, 2ª S., un., Juíza ROSIMAYRE GONÇALVES DE CARVALHO (conv.), e-DJF1 09/06/2008, p. 145. 12 MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da Administração Pública. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 51. 13 DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 98. 14 DE MELLO, Celso Antônio. Idem, p. 115. 15 Direito administrativo brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 86. 16 Ob. cit., p. 87. 17 MORAES, Germana de Oliveira. Ob. cit., p. 29. 18 CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de direito administrativo: parte geral, intervenção do Estado e estrutura da administração. 2. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2009, p.55. 19 FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 175-177.
20 NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. O princípio da boa-fé e sua aplicação no direito administrativo brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 134. 21 PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio Fernando Elias, FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 79. 22 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 234. 23 Improbidade Administrativa. 4ª ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008, p. 249. 24 REsp 1009926 / SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 17/10/2009, DJ 10/02/2010 25 Improbidade administrativa. São Paulo: Dialética, 2007, p. 111 e 132. 26 DECOMAIN, Pedro Roberto. Ob. cit., p. 274-276. 27 Probidade administrativa. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 295/296. 28 Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 119. 29 Ob. cit., p. 492. 30 STJ, REsp 713.537/GO, 1ª T., un., Rel. Min. LUIZ FUX, j. 23/10/2007, DJ 22/11/2007, p. 188. 31 STJ, REsp 1124471/RJ, 1ª T., un., Rel Min. LUIZ FUX, j. 17/06/2007, DJe 01/07/2010. ---------------