JA Magazine | NOV 2012

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M AG A Z I N E PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO N.º 2905 DE 29 DE NOVEMBRO DE 2012 DO JORNAL DO ALGARVE E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

Complexo Desportivo

de Vila Real de Sto. António



As gentes de Cacela são os principais protagonistas do documentário

Vila Real de Santo António

Documentário regista atividades tradicionais de Cacela O filme está inserido no projero Documentar Vila Nova de Cacela, do CIIPC, e vai ser exibido pela primeira vez esta sexta-feira

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documentário produzido recentemente sobre as atividades tradicionais da freguesia de Vila Nova de cacela, concelho de Vila Real de Santo António, vai ser exibido pela primeira vez esta sexta-feira, a partir das 20h30, no Centro de Investigação e Informação do Património de Cacela (CIIPC), na antiga Escola Primária de Santa Rita. Trata-se de “um contributo valioso para o registo e salvaguarda de importantes manifestações do património imaterial do Sotavento Algarvio e para o conhecimento de antigos sa-

beres-fazeres estreitamente ligados ao território”, explicam os responsáveis do CIIPC. O pastor, o barbeiro, o mariscador, o cesteiro, o empalhador de cadeiras, a artesã na arte da empreita, a dona da antiga venda, bem como o responsável pelo Rancho Folclórico da Praia da Manta Rota e a senhora que amassa e coze o pão são os protagonistas deste documentário, produzido pela Algarve Film Comission, com a colaboração do CIIPC, no âmbito do Projecto Documentar Vila Nova de Cacela.

Faro:

Música de Sassetti no Teatro das Figuras O Teatro Municipal de Faro (Teatro das Figuras) recebe, este sábado, a música do malogrado Bernardo Sassetti num espetáculo incluído no Festival Jazz no Inverno 2012. “Pelas Mãos de Bernardo” reúne cinco jovens pianistas (Alexandre Dahmen, Daniel Bernardes, Gonçalo Moreira, Ricardo Pinto e Luís Barrigas), desconhecidos das grandes plateias do jazz mas unidos pela excelên-

cia do promissor futuro que transportam consigo. Em concerto apresentam um reportório de temas originais de Bernardo Sassetti e de autores associados à sua discografia. Este acontecimento junta em palco duas gerações, com os jovens solistas convidados acompanhados por três “veteranos” e fiéis companheiros de Bernardo: os contrabaixistas Carlos Barretto e Zé Eduardo e o baterista Alexandre Frazão.

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A iniciativa reuniu cerca de três dezenas de artistas em torno de uma causa: ajudar a Beatriz

Alcoutim

Espetáculo de solidariedade reúne dezenas de artistas em Martim Longo Iniciativa visou angariar apoio para ajudar a família da Beatriz, uma criança de dez anos a quem foi diagnosticado um tumor cerebral. O movimento solidário em trono desta causa continua a crescer e já ultrapassou as "fronteiras" daquele concelho e, inclusivamente, da região

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icaela, Fernando Correia Marques, Ricky (ex-Milénio), Claudisabel, Eduardo Santana, Nikita, Belito Campos e Ana Batísta (vencedora do Ídolos Kids) foram alguns dos nomes que passaram no sábado pelo polidesportivo de Martim Longo para ajudar a Beatriz, uma menina de 10 anos, natural daquela localidade do concelho de Alcoutim, a quem foi diagnosticado um tumor cerebral. O espetáculo de solidariedade inclui, ainda, a participação dos grupos Albuhera, Rastolhice, Delícias e Cantares Seara de Outono, do Rancho Folclórico de Martim Longo e do Carlos Neves Trio. Também marcaram pre-

sença Tony das Favelas, Bruno Guerreiro, Ricardo Martins, Luís Moreno, Kristino, Edgar Baleizão, Luís Guilherme, Isabel Frade, Nestor, Sara Gonçalves, Carlos Granito, o duo Ernesto e António Manuel, o dj Pires, entre muitos outros. “Porque acreditamos que o cancro pode ter cura; Porque um pouquinho de todos nós pode ajudar a minimizar as despesas que estas situações acarretam; Porque ser solidário é estar onde é preciso! Porque a nossa mão pode ajudar a erguer esta família; Porque sabemos que todos querem ajudar e não sabem bem como… Vamos unir-nos por esta causa. Vamos rezar pela Beatriz. Vamos dar um pou-

co de nós”, lê-se na página do Facebook (www.facebook.com/VamosAjudarABeatriz) do movimento solidário criado recentemente pela câmara municipal e pela paróquia de Alcoutim.

Marco Paulo e Emanuel também aderem à onda de solidariedade Esta autêntica onda solidária já ultrapassou as “fronteiras” do concelho de Alcoutim e da própria região algarvia. Depois das várias iniciativas levadas a cabo naquele concelho, no

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início deste mês já tinha sido realizado um espetáculo, com o mesmo objetivo, no município alentejano de Almodôvar. Na última semana, os cantores Marco Paulo e Emanuel visitaram a Beatriz no IPO, em Lisboa, onde está internada. Aquele movimento solidário também tem estado a divulgar através das redes sociais as referências da conta bancária da Caixa de Crédito Agícola Mútuo para onde podem ser enviados donativos (NIB: 0045 7180 4025 3329 1440 3; IBAN: PT50 0045 7180 4025 3329 1440 3; BIC/SWIFT: CCCMPTPL).


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141.º aniversário do nascimento de Cândido Guerreiro marca atividades culturais em Alte

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o mês de dezembro as atividades culturais vão animar o Pólo Museológico Cândido Guerreiro e Condes de Alte, no concelho de Loulé, com destaque para as comemorações de mais um aniversário do nascimento do grande poeta altense Cândido Guerreiro. No próximo sábado, a Câmara Municipal de Loulé reedita a “Feira de Dezembro”, onde estarão à venda artigos novos e em segunda mão. Este evento acontece a partir das 14h00. Na segunda-feira, dia 3, ao longo do dia, as crianças vão poder participar na atividade para as escolas “Vem Conhecer a Poesia de Cândido Guerreiro”, no âmbito do 141.º aniversário do nascimento do poeta. As inscrições podem ser feitas através de e-mail (pm.alte@cm-loule.pt) ou de telefone (289 478 058). Luís Guerreiro, chefe da Divisão de Cultura e Museus da autarquia louletana e investigador de História Local, vai promover uma apresentação aberta ao público em geral sobre o Jornal "O Aldeão" (1912), no dia 12 de dezembro, a partir das 21h00. Até ao dia 31 de dezembro, vai estar patente ao público a exposição de sabonetes vegetais e espanta espíritos, de Gisela Guerreiro, e a exposição de pintura de Sandra Sebastião. Estas mostras podem ser visitadas de segunda a sexta-feira, das 9h30 às 18h00, e na última quarta-feira do mês, das 9h30 às 18h00 e das 19h30 às 22h00. Neste período de Natal, na aldeia de Alte vai estar também patente a exposição “Presépio na Aldeia”, realizado pelos alunos do Curso de Design Gráfico da Escola Profissional de Alte. Esta iniciativa acontece de 14 de dezembro a 6 de janeiro.

Kolme levam jazz ao Cine-Teatro Louletano No próximo sábado, 1 de dezembro, pelas 21h30, o Cine-Teatro Louletano recebe um espetáculo com o projeto de jazz Kolme. A formação piano/contrabaixo/bateria é, provavelmente, a mais marcante na história do jazz pós-bebop. Com o legado deixado pelos trios de Bill Evans, Keith Jarret e, mais recentemente, Brad Mehldau, a importância desta formação é incontornável. Kolme é uma nova perspetiva do trio de piano no jazz. Com influências recebidas de várias áreas musicais devido ao percurso multifacetado dos três músicos. O repertório composto, quase exclusivamente de temas originais, surpreende pela diferença que marca em relação às suas próprias referências. Kolme é composto por Ruben Alves (piano), Miguel Amado (contrabaixo) e Carlos Miguel (bateria). O preço dos bilhetes é de 10 euros. JORNAL DO ALGARVE MAGAZINE - NOVEMBRO/2012


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Complexo Desportivo de Vila Real de Santo António faz 20 anos

Infraestrutura continua a ser uma referência a nível nacional e internacional, devido à qualidade dos seus equipamentos e às condições para treino e para a realização dos mais diversos eventos desportivos. As suas valências serão reforçadas brevemente com um centro de medicina desportiva

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funcionar desde 1992, após a construção do estádio e da pista de atletismo, o Complexo Desportivo de Vila Real de Santo António (VRSA) foi adquirindo ao longo dos anos diversas valências que o transformaram numa referência não só a nível nacional, mas também a nível internacional. Prova disso são as várias equipas e seleções, principalmente da modalidade de atletismo, oriundas de toda a Europa que tem escolhido aquela infraestrutura para realizar os seus estágios de preparação. Ao longo destes 20 anos, dezenas de atletas de renome internacional conquistaram medalhas em olimpíadas e nos mais importantes campeonatos de atletismo, depois de terem efetuado a sua preparação na cidade pombalina. Este ano, o equipamento acolheu os treinos de preparação das seleções olímpicas e paralímpicas de atletismo da Grã-Bretanha (UK Athletics). O Complexo Desportivo de VRSA tem sido, ainda, palco de vários eventos desportivos, nas mais diversas modalidades. No âmbito do futebol, aquele infraestrutura desportiva recebeu nove das 12 edições do Torneio do Guadiana, um dos mais prestigiados torneios de pré-época disputados no nosso país. Ainda em relação ao futebol, o Mundialito de Futebol Infantil, um dos maiores torneios de futebol juvenil do planeta, e a Copa Foot21, competição do mesmo âmbito mas destinada a equipas nacionais, são outros dos exemplos. Em 2004 foi incluído no lote de Centros de Treino Oficial do Campeonato da Europa de Futebol, que se disputou no nosso país. Mas o atletismo tem sido a modalidade que mais tem contribuído para o reconhecimento daquele complexo desportivo a nível internacional. Além dos estágios de preparação e de diversas competições, a infraestrutura já foi palco de várias edições da Taça dos Clubes Campeões Europeus de Atletismo. Refira-se que, nas primeiras edições, foi a própria federação europeia que contactou a autarquia vila-realense para realizar a prova na cidade pombalina. Desde 2002 que possui o estatuto de centro de treino acreditado pela Federação Internacional de Atletismo (IAAF). Está classificado como Centro de Preparação Olímpica, desde 2004.

Reconhecimento do atletismo nacional No passado sábado, o Complexo Desportivo de VRSA foi distinguido pela Federação Portuguesa de Atletismo (FPA) pelas “excecionais condições de treino e de competição proporcionadas ao atletismo europeu, nacional e distrital”, numa cerimónia que contou com a presença de Fernando Mota, presidente daquela entidade. JORNAL DO ALGARVE MAGAZINE - NOVEMBRO/2012


“Este complexo desportivo é o produto de uma sensibilidade que os autarcas foram tendo ao longo dos anos. E não só no âmbito desportivo, mas também em termos económicos e sociais e para o desenvolvimento do próprio concelho”, frisou o presidente da Federação Portuguesa de Atletismo. Fernando Mota sublinhou, ainda, que o galardão atribuído pela federação é um reconhecimento do atletismo nacional e do atletismo europeu “a todo o concelho, a toda a população, aos autarcas e a todos os que tiveram responsabilidade sobre este complexo ao longo dos anos”. “É com grande orgulho que, em diversas reuniões da federação, destacamos as excelentes condições do Complexo Desportivo de Vila Real de Santo António, motivo que nos leva a entregar este galardão que apenas atribuímos de forma muito parcimoniosa”, afirmou o presidente da FPA, que abandonará aquele cargo no mês de dezembro, depois de três décadas ao serviço do atletismo. Na mesma cerimónia, a Associação de Atletismo do Algarve, pela mão do seu presidente, Paulo Castro, voltou a agraciar a autarquia vila-realense, desta vez com a Medalha de Honra “pelos serviços prestados e pela colaboração com a associação”, após decisão tomada na última assembleia-geral. Refira-se que a câmara municipal de Vila Real de Santo António já era sócio honorário daquela associação. Atualmente, e além do estádio (com relvado e pista de atletismo), o complexo desportivo é composto por mais dois campos de relva natural e um de relva sintética, áreas para as diversas disciplinas de lançamentos no âmbito do atletismo, bem como por uma nave desportiva com diversas valências, entre as quais uma pista de treino coberta e ginásios. Ainda ao nível do espaço exterior, destaque para as piscinas, campos de ténis em terra batida e piso rápido, bem como pistas de padel.

Aposta na medicina desportiva e de reabilitação Além da recente ampliação das piscinas municipais, o complexo desportivo prepara-se

para receber novos investimentos ao nível da medicina desportiva, devendo, em breve, inaugurar um centro médico de reabilitação, conjugando o desporto e a saúde. Este centro médico, implementado pela autarquia vila-realense no âmbito da colaboração com os serviços de saúde de Cuba, já está em funcionamento, embora de forma experimental, com dois fisiatras e dois técnicos de reabilitação. No primeiro mês foram realizadas mais de 330 sessões de tratamento e mais de uma centena de consultas por semana. “Ainda faltam algumas intervenções em termos de logística e ao nível dos tratamentos médicos, mas trata-se de um equipamento que vai permitir captar um novo público”, explicou o presidente da câmara municipal de Vila Real de Santo António, frisando que o complexo desportivo e o concelho passam a ficar capacitados para receber “atletas no período póslesão, para fazer recuperação”, e “um novo tipo de turismo, o turismo de saúde”. Luís Gomes revelou, ainda, que a autarquia está a tentar encontrar fundos para concluir o novo pavilhão desportivo, de forma a aumentar ainda mais as valências do complexo desportivo. “Temos que ter a humildade de reconhecer o que está bem e reforçá-lo”, referiu o autarca durante a cerimónia realizada no sábado, acrescentando que quando chegou à câmara municipal, há cerca de sete anos, sabia que a sua missão era a de “consolidar e reforçar o que estava feito, para manter este complexo desportivo nos mais elevados patamares de qualidade”. Agora, e depois das diversas valências implementadas nos últimos anos, os horizontes voltam a expandir-se um pouco mais com o referido centro de medicina desportiva e de reabilitação. “O turismo continua a ser a base da nossa atividade económica, mas é preciso diversificar. E a saúde, o desporto e o turismo representam um tripé capaz de atrair pessoas, criar postos de trabalho e gerar riqueza”, garantiu Luís Gomes.

Mário Rolla

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Domingos Viegas

Cronologia 1977 Pavilhão Desportivo 1987 Polidesportivos exteriores e primeiros campos de ténis 1992 Estádio e pista de atletismo 1994 Primeiro campo relvado exterior 1999 Segundo campo relvado exterior 2004 Nave desportiva 2005 Campo de relva sintética Fernando Mota, presidente da FPA e o edil Luís Gomes

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Faro: O Arco e a Ermida do Repouso N o conjunto das estruturas que actualmente constituem o património edificado da capital algarvia, sem dúvida merece destaque, pela sua singularidade, o denominado Arco do Repouso, uma das antigas portas da cidade, que abriga no seu interior a ermida de N.ª Sr.ª do Repouso e liga o Largo de S. Francisco à chamada Vila-adentro. Provavelmente edificada no século XII, no período almóada, esta porta é constituída por duas torres albarrãs, isto é, avançadas em relação à muralha principal. Originalmente, cada uma destas torres estava ligada à muralha por intermédio de um paredão, no qual se abria um arco de passagem (um voltado a Sul e outro a Norte), permitindo o acesso à porta propriamente dita. Outro paredão, este maciço e sem qualquer abertura, ligava uma torre à outra, protegendo a porta de um ataque frontal (por exemplo, com um aríete). O perímetro superior da estrutura era percorrido por um passadiço que permitia aos defensores acometer, de cima, os atacantes que se aproximassem da porta. A mais antiga referência documental a esta porta é-nos dada pela designada Crónica da conquista do Algarve, documento escrito no século XIV (mas do qual só se conhece uma versão do século XVIII), onde se relatam os principais episódios da conquista do Algarve aos mouros, incluindo a conquista de Faro (em Março de 1249) por D. Afonso III. Nesse escrito, o cronista vai referir-se a esta porta como a “que ora chamamos dos Freires”. Mas porquê “dos Freires”? Provavelmente por alusão a algum episódio ocorrido durante a conquista da cidade, talvez uma acção praticado pelos cavaleiros da Ordem militar de Santiago, também designados como freires!? Curiosamente, todas as crónicas testemunham que foi junto a esta porta que assentaram arraiais as tropas do rei e a hoste de D. Paio Peres Correia, Mestre da Ordem de Santiago. Com o passar dos séculos, esta porta começaria a ser identificada como a “Porta das Freiras”, por corruptela da designação original e, certamente, por influência do vizinho convento feminino de N.ª Sr.ª da Assunção (fundado no século XVI). De facto, no início do século XVII (c.1621), quando o engenheiro militar Alexandre Massay elabora um plano de remodelação das muralhas, esta porta é já identificada como a “das Freiras”. Portanto, impõe-se uma questão: quando, e por que motivo, surge a designação de porta “do Repouso”? A maior parte das fontes assegura que esta porta é a “do Repouso” porque foi junto a ela que D. Afonso III “repousou” após a conquista da cidade. No entanto, como já vimos, a designação é relativamente recente, o que, à partida, desaconselha essa justificação. Na verdade, segundo Salustiano Lopes de Brito, o motivo pelo qual esta porta é a “do Repouso” estará sobretudo relacionado com o facto de ser neste local que as procissões religiosas costumavam parar para descansar.

Só no início do século XVIII (c.1709), por iniciativa da Câmara Municipal, será edificada no arco lateral sul da antiga porta medieval (entretanto entaipado), uma capela, ou nicho, onde se colocou uma imagem de N.ª Sr.ª do Repouso. Seguramente, a edificação desta ermida estará relacionada com o secular costume de sacralizar as portas das cidades associando-lhes ermidas e/ou nichos. Para garantir a manutenção deste culto, o Senado da Câmara entregava à capela uma “esmola” anual, deduzida da receita do terreiro da Feira de Santa Iria, conforme atestam os seus livros de Receita e Despesa (hoje à guarda do Arquivo Distrital de Faro). A partir de 1766, a verba que a Câmara entrega anualmente, para o “ornato” da capela de N.ª Sr.ª do Repouso, vai fixarse nos 10.000 réis. Na última década do século XVIII (c.1792), um novo plano de remodelação das muralhas de Faro (que previa o alargamento das principais portas da cidade) vai ser delineado pelo então Governador do Reino do Algarve (o conde de Vale de Reis) e pelo Tenente-General Landerset (1731-1798), Governador da Praça de Faro. É nesse contexto que se vai abrir, no paredão que unia as duas torres da Porta do Repouso, um novo arco, voltado a Nascente (o que hoje se usa para aceder à Vila-adentro). Segundo consta de uma planta da autoria do coronel José de Sande Vasconcelos, este novo arco foi aberto “a ferro e fogo”, isto é, com recurso a tiros de artilharia. Seguiu-se o arranjo estético da estrutura, nomeadamente

a compostura da sua abóbada interior (em tijolo) e a aplicação de molduras de cantaria nos vãos, segundo um projecto do Brigadeiro Teodósio da Silva Rebocho. Concluídas as obras da porta, procedeu-se também à requalificação arquitectónica da antiga ermida. Assim, em Março de 1801, conforme ficaria registado nas Actas da vereação da Câmara (arrecadadas no Arquivo Distrital), “a obra da capela de N.ª Sr.ª do Repouso” é dada de empreitada a André João da Fonseca e José Joaquim de Santana (identificados como artífices do Regimento de Artilharia da Praça), os quais se obrigavam a concluí-la segundo o “novo risco” que se lhes havia apresentado. Esta exígua ermida (ou capela) assenta sobre uma plataforma, à qual se acede através de degraus de cantaria. Na sua fachada abremse três portas com molduras de cantaria, todas de verga recta, sendo a central, que é encimada por frontão triangular rematado por cruz, mais alta que as laterais (segundo a tradição, estas portas são formalmente idênticas às que existiram na igreja do convento de S. Francisco, destruída em 1755). A porta central apresenta vidraças, protegidas por grade, que permitem observar e iluminar o interior. O recheio é constituído por um retábulo reaproveitado (colocado nesta ermida no início do século XIX), onde se expõe uma imagem de N.ª Sr.ª do Repouso, em barro pintado, e por um nicho onde se expõe uma imagem de S. Jorge (que costumava sair em pro-

O Arco do Repouso, em Faro. À direita, a Ermida de Nossa Sra. do Repouso, em Faro

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Marco Sousa Santos *

cissão, montado sobre uma besta). Ao concluir este pequeno esboço histórico-artístico, importa reafirmar, uma vez mais, o valor patrimonial do conjunto constituído pelo Arco e ermida do Repouso, em Faro, um quase milenar monumento de arquitectura militar, que alberga num dos seus arcos laterais uma ermida setecentista e que há séculos protege uma das entradas da cidade e guarda memórias da sua história. * Mestre em História da Arte Membro do CEPHA (Centro de Estudos de Património e História do Algarve)



Música I Cinema

10 Fernando Proença

LITERATURA INCLUSA

Número trinta e sete Sobre os discos e outros: perguntas Um Mais depressa se apanha um coxo (deficiente de um membro inferior, segundo o camarada Jerónimo de Sousa) que um mentiroso? Gostar de toda a obra de David Bowie é impossível meus caros. Impossível não é (muito bem, logo a começar uma contradição. Estás lindo!), amigos meus, porque estamos no campo sempre dúbio e sagaz da força de expressão. Mas ele há gente capaz de tudo; maduros americanos (dá muito disto na América) que coleccionam sapatos com sola de meio metro de altura, calças, jaquetões, polpa no cabelo estilo tsunami, exactamente iguais ao seu ídolo que, como toda a gente sabe, ainda não morreu e que se chama, atenção a todos os leitores, Elvis Presley. Mas de certeza que também em Portugal, nos confins da Mealhada, lá onde Judas perdeu as botas, no meio de um campo de milho, haverá uma pequena casinha a deitar fumo pela chaminé, onde habita uma família feliz: o pai lenhador, a mãe lenhadora; o irmão lenhadorzinho e ele, uma boa e justa alma que descontente com a sociedade industrial, decide largar tudo, estudos, namorado (a minha é uma crónica pioneira, mesmo em relação a género) e vida profissional. Tudo para seguir um estilo de vida campestre, feita da fruição da paisagem, comida vegetariana e óculos redondos, copiados do seu grande ídolo, Fausto, que por sua vez copiou a moda do seu ídolo (digo eu), Avô Cantigas. Onde eu queria chegar era a este ponto: quando as nossas preferências se tornam assim, uma questão de vida ou de morte, quem somos nós para duvidar da nossa crença? Porque eu - que tenho outras crenças - não duvido que gosto muito dos primeiros dez anos da carreira de Bowie e acho o

restante, talvez não uma perda de tempo mas muito próximo disso. Reconheço que outros pensarão exactamente o contrário. Que os primeiros dez anos são esquecíveis, enquanto os outros são a sua glória. Agora gostar-se de tudo, não senhor. A menos que adoremos incondicionalmente tudo o que ele faz ou fez. E nessa altura estamos noutro nível. O da religião. Se calhar não é mau. Dois A qualidade técnica é o mais importante na música? Não é; eu acho que não é. Tenho uma razoável discoteca de Jazz. Mas salvo algumas honrosas excepções que só confirmam a regra, não a ouço vai para cinco/seis anos. Era para não incluir este ponto no artigo, só porque já escrevi anteriormente sobre ele, mas dezenas de telegramas chegados dos quatro cantos do Mundo (sou muito sensível à correspondência vinda da Pacífico Sul), deram-me coragem para continuar e repetir. Na música clássica não me meto, mas não vão sem resposta: parte da clássica foi no seu tempo popular, em parte, é certo, mas fez. Não sabemos qual será a clássica do futuro. Reconheço capacidade técnica aos músicos de Jazz mas posso não lhes reconhecer em muitos, capacidade de compor. Todos copiamos, mas muitos músicos de Jazz copiam muito e muito mais do que deviam, principalmente nas suas influências. Muitos usam standards alheios, a partir dos quais improvisam, porque não os conseguem fazer, digo eu; porque não querem, dizem eles. E às vezes também lhes falta a alma. E alma não é soprar o saxofone com muita força, nem fazer solos de bateria de dez minutos. Na pop é conhecida a falta de requisitos técnicos que tinham os Ramones. Nem por isso deixaram de gravar alguma da mais importante música do final do século XX. A capacidade técnica deve assistir quem a tem. Mas o mais importante é o que se faz com ela, sem receio de violar regras. E isso faz-se pouco no Jazz que parece não ter regras mas só para quem não o conhece. Três A indústria musical é globalmente inepta? Não sou músico, não tenho razões de queixa, escrevo então como consumidor

final ou semi-final. Tradicionalmente existe a ideia que a indústria da música (em grande crise meus amigos), não sabe distinguir as diferentes novas fadistas que hoje preenchem o espectro da música portuguesa. Nem a indústria nem nós, embora a indústria tenha outro tipo de obrigações pelas razões que facilmente podemos descortinar. São as fadistas - e os restantes artistas - a matéria prima com que trabalha. Mas não nos devemos esquecer que as discográficas estão lá para ganhar dinheiro (é verdade que não fabricam facas de cozinha) e não só para propagandear (propagandear nem sempre significa fazer) aos quatro ventos que o negócio deles é cultura. Por isso é compreensível que editem segundo critérios que nos sejam agradáveis mas principalmente que lhes sejam agradáveis e economicamente vantajosos. Toda a gente sabe que umas edições pagam outras. Que muitas vezes os discos de pior qualidade permitem folgas para que sejam editados outros, melhores mas menos vendáveis, que uma boa crítica ainda é necessária, prestigia e facilita. Também se não fosse a indústria não teríamos acesso a música esgotada, problemas mais ou menos resolvido com as reedições. Isto para não falar em pirataria. Agora também é verdade que o engenho para fazer dinheiro, ultrapassa hoje tudo o que se possa imaginar. Os pontas de lança desta realidade são os The Beatles, onde já se tentou tudo o que se possa pensar para manter a chama acesa e a conta bancária fornecida. Eles foram os CDs simples, os CDs remasterizados; os CDs remasterizados com capas de plástico e depois de cartão. As gravações da BBC, os vinte e cinco temas que chegaram a número um; as comemorações dos vinte e cinco anos, dos trinta e cinco, dos quarenta, dos quarenta e cinco. Depois disto, tudo virá em caixas de cartão. Depois todos os discos anteriores em caixas, com fotos inéditas. E ainda não dobrámos o Equador do que se pode vender. Escrevo isto depois de saber a última: uma caixa com um livro gordo, em discos de vinil, mas remasterizados e em estereofonia o que na minha modesta e estúpida opinião, é uma tolice. Não foram os primeiros temas grava-

dos em mono?, porque porra os querem ouvir agora em estéreo, orelhas burguesas? Ouvir os primeiros singles dos The Beatles, em estéreo equivale a ver os filmes, originalmente a preto e branco, coloridos cinquenta anos depois. Lá está, só compra quem quer e não é má ideia fazer proselitismo do que é bom, junto das novas gerações. Mas que dá uma impressão no estômago, dá. O Disco – Alabama Shakes – “Boys & Girls” – Rough Trade – CD, 2012 Os The Beatles, vendem muito porque foram bons, a sua música é incombustível e a grande parte das pessoas que os continuam a ouvir e coleccionar, são os que hoje ainda têm dinheiro disponível: por isso lembro que grupos que fazem música como se fazia há trinta anos têm sempre mercado. No entanto, apesar do respeito e amor pelas origens e linhagem, os Alabama Shake, recuperando o imaginário do soul /rock do do sul dos Estados Unidos, não o apresentam numa redoma, como se vivêssemos em mil novecentos e setenta e cinco (terceiro quartel). A vocalista Brittany Howard é uma Janis Joplin menos histriónica e a restante banda pratica um soul electrificado, emotivo e musculado, mostrando grandes temas como “Hold On” e pontualmente como em, “I Found You” e “Boys & Girls”, onde conseguem a incorporação natural de influências contemporâneas. Como demonstração que para se ser bom não é necessário ser-se completamente original ou a todo o custo, banalmente igual aos seus mentores. Boa prenda de Natal.

Apontamento de Vídeo Poesia Uma avó com um neto problemático a seu cargo, é desafiada, pela primeira vez na vida, a escrever um poema. E, quando tenta encontrar a beleza presente no seu quotidiano, enfrenta a realidade nua e crua que existe, muito alé da sua imaginação, apercebendo-se de que a vida talvez não seja tão bela como supunha..." Por vezes doloroso, por vezes belo, revela que merece a pena ainda escrever poesia. Ainda há pessoas que a leiam. No Festival de Cannes 2010, obteve o prémio de Melhor Argumento. Edição em DVD.

Realização: Lee Chanh Dong. Com: Yun Junghee, AN Naesang, Kim Hira, entre outros. Distribuição: Clap Filmes

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Vítor Cardoso




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