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M AG A Z I N E PAR TE INTEGR ANTE D ARTE INTEGRANTE DAA EDIÇÃO N.º 2935 DE 27 DE JUNHO DE 2013 DO JORNAL DO ALGARVE E NÃO PODE SER VENDIDO SEP AR AD AMENTE SEPAR ARAD ADAMENTE

O Homem, Homem, oo Professor, Professor, oo Amigo Amigo O

António Rosa Mendes



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João Guerreiro

António Rosa Mendes, um espírito independente “Professor que sou, reitero que é essa a atitude que mais me tenho esforçado por incutir nos alunos: a não aceitação conformista e passiva das ideias feitas, o gosto pelo pensamento autónomo e isento de preconceitos – o espirito crítico, em suma. Por aí começa, com efeito, o nosso património cultural.” António Rosa Mendes, O que é Património Cultural, Gente Singular Editora, 2012

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desaparecimento do Professor António Rosa Mendes gerou uma onda de desolação, traduzida também na estranha constatação de que a ausência do investigador, do professor, do publicista e do amigo teria de passar a ser uma condição permanente da nossa vida social. Era um personagem socialmente comprometido, que afirmava a sua postura pessoal e desenvolvia a sua atividade sempre com profissionalismo, com qualidade, com elegância e com gosto. Nos últimos dez anos, após o seu doutoramento em História, conciliou o seu intenso labor como académico com inúmeras intervenções públicas. Foi Presidente de “Faro Capital Nacional da Cultura – 2005” e associou-se a variadas realizações nacionais, regionais e locais de âmbito histórico, cultural ou patrimonial. Atuou em diversos patamares sociais, sempre preservando uma linha de pensamento coerente, independente e de crítica aos desvarios que afetavam o bom senso social, o equilíbrio territorial e a preservação cultural. A sua posição no âmbito da interpretação dos períodos históricos que estudou apontava sempre para resultados inovadores e consistentes, mas afastados de meros jogos de poder que seriam da responsabilidade das elites dominantes. A investigação que desenvolveu em torno da criação do concelho e da cidade de Olhão é, nesse domínio, notável. Sublinhando a aspiração de autonomia local que estava entranhada na comunidade olhanense, evoca esse desígnio como o motor da sublevação do povo do então sítio de Olhão para liderar uma posição regional de libertação não só dos invasores franceses, como também das “oligarquias privilegiadas” que dominavam, na época, a região algarvia.

Esta linha de investigação traduz bem o pensamento de Rosa Mendes procurando, nas dinâmicas sociais, explicações históricas lúcidas que permitam justificar os principais acontecimentos e enquadrar algumas posições interpretativas que a análise profunda dos movimentos sociais se encarregava de despertar. No âmbito da Universidade, para além de assumir com brilho as funções de Diretor da Biblioteca, aproveitou esse púlpito para lançar um conjunto de iniciativas relacionadas com a publicação de obras sobre o Algarve, muitas delas em parceria com editoras nacionais e universitárias, assim como com o acolhimento de acervos bibliográficos de algarvios que come-

O Algarve acaba de perder um dos mais conceituados elementos:

Morreu o Professor Doutor António Rosa Mendes

Arnaldo Casimiro Anica

O seu funeral foi no dia 6 de Junho corrente para o cemitério de Cacela Velha. Falecera dois dias antes no Hospital de Faro; diz-se que de uma bactéria que ali lhe sobreveio enquanto no tratamento de um pneumonia que há cerca de um mês o atacara, versão que não sei se corresponde à verdade, mas se for não será novidade naquele estabelecimento. Fui ao funeral, muito concorrido de muita gente, muita dela da primeira água, o que não é de admirar porque António Rosa Mendes era amigo e conhecido de toda a população, para a qual não se poupava de trabalhar. Tinha 59 anos de idade, era casado, mas não tinha filhos. Ficou em campa rasa. Paz à sua alma.

çaram a depositar as suas bibliotecas pessoais na Biblioteca da Universidade. A Universidade do Algarve foi, como afirmava, a sua alma mater! Integrou o Centro de Estudos de Património e História do Algarve, da Universidade do Algarve, e foi seu coordenador científico. O resultado da excelente investigação que fazia era depois refletida nas lições que proferia, no âmbito de licenciaturas e de mestrados, alargando a sua ação a cursos livres e a seminários temáticos sempre muito participados. Era o nosso maior especialista em História do Algarve e deixa um lugar vago nesta disciplina, difícil de preencher. A solidez científica da sua ação permitia-lhe, com

facilidade, atrair a colaboração de professores externos e outros autores que têm obra no domínio da História e Cultura do Algarve, promovendo acrescidamente sessões de divulgação e exposições sobre a obra dessas personalidades. Recordar António Rosa Mendes significa evocar um personagem comprometido com as dinâmicas sociais da região algarvia, com uma sólida personalidade e uma cultura invejável, sempre disponível para as iniciativas que conduzissem à valorização do conhecimento. Cultivava uma fina ironia e dificilmente se deixava enredar em temas de interesse duvidoso. Era assertivo e direto nas suas apreciações, cultivando contudo um gosto por tertúlias, nas quais participava com gosto, e revelando uma apetência pelo contraditório e pelo elegante ataque ao ridículo. Num texto publicado em 2009 sobre Brito Camacho, Rosa Mendes evocava a apreciação deste ministro da 1ª República sobre o Algarve, na qual afirmava que esta região era ”uma varanda corrida, ornada das mais lindas flores, em que a gente se debruça para ver o mar”. Mas Rosa Mendes, no seu tom crítico, rapidamente acrescentava que essa varanda está hoje ornada não das mais lindas flores, “mas de uma muralha de betão”. Também nós hoje, debruçados na varanda da História do Algarve, sentimos a falta do António Rosa Mendes, da sua graça coloquial, da qualidade da sua investigação, da sua disponibilidade para a intervenção cívica, da sua capacidade de relação, da sua amizade, enfim da sua personalidade sólida, independente e convivial. Integrará a saudosa e sempre presente comunidade de Gente Singular!

Rosa Mendes – da Sofia e da Vera Foi à distância de 2 continentes que vimos partir quem incondicional e altruisticamente sempre nos apoiou e valorizou…alguém que viu em cada amigo, em cada colega e em cada aluno um exemplar raro de genuinidade, dotado de características que apenas poucos conseguem enxergar…foi especial, foi único por saber apreciar, valorizar e acreditar em cada jovem que instruiu, por nos fazer acreditar que somos capazes de tudo… A segurança das suas palavras e o interesse que demonstrava pelas ideias dos mais novos eram um tónico para a juventude que o rodeava…sabia ouvir-nos de um modo muito especial e encontrava em cada uma das nossas frases um raciocínio quase brilhante! A defesa dos nossos ideais e a prossecução dos nossos sonhos eram a Pedra Filosofal do raciocínio deste grande Mestre, desta Mente Brilhante que tão inesperadamente nos abandonou…e logo agora que tínhamos tantas ideias para partilhar, tantos assuntos para discutir e tantas perguntas para lhe fazer… Muito obrigada por todos os momentos, por todas as palavras, por todas as lições, jurídicas, e de vida. Para nós serás sempre Alguém especial que nos fazia ser especiais! Até Sempre!

JORNAL DO ALGARVE MAGAZINE - JUNHO/2013

Sofia Vairinho – Pittsburgh, EUA, Junho 2013 Vera Vairinho – Luanda, Angola, Junho 2013


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Carlos Campaniço

António Rosa Mendes, um homem irrepetível

Crónica de Faro:

"Morreu o Homem!" Foi a expressão que nos ocorre à mente, quando recebemos, qual violento tsunami, a notícia da infausta morte do professor Doutor António Rosa Mendes, aquele que um dia definimos e nos valeu da sua parte uma fraterna reprimida, conhecida como era a sua humildade "directamente proporcional" ao seu gi- João Leal gantesco valor, definindo-o nestas colunas como "uma das figuras maiores da inteligência algarvia dos nossos tempos". Era um homem que amava profundamente a cidade de Faro que, sem enjeitar a Terra-mãe considerava como sua, pela sua juventude aqui vivida (Liceu João de Deus) e pelo percurso de docência universitária e investigação histórica aqui havidos com legítimo e justificado orgulho, a que acrescentamos os elevados serviços prestados, entre os quais o da coragem assumida aquando da presidência de "Faro, Capital Nacional da Cultura" (2005). Brilhava-lhe o olhar, enternecido, quando falava da capital algarvia, de que foi um obreiro cultural dedicado, e servidor e sabedor, em múltiplas actividades e sempre se aprendia a cada frase deste verdadeiro Mestre da sua e nossa, porque de todos os algarvios e como tal e só como entendemos deve ser assumida por todas as gentes sulinas, a Universidade do Algarve (UALG). Aos 59 anos, uma doença daquelas que foi dizer-se "não perdoam", levou-o em pouco tempo do nosso convívio concretizado de forma mais assídua nas suas conferências ou apresentação de livros, que eram momentos únicos de uma fraterna comunhão transmissora do que o professor Rosa Mendes, solidária e humanisticamente nos ofertava das investigações a que se dedicava, de modo próprio nessa temática que o embriagava até à doação plena e que era o Algarve, promovendo uma intensa investigação científica em torno da região! Natural de Vila Nova de Cacela, em cujo cemitério foi sepultado, após estar em câmara ardente no Salão Nobre do Município de Vila Real de Santo António, licenciado em História e em Direito e Mestre e Doutor em História, Director da Bilioteca da Universidade do Algarve, jornalista, político (quem não se recorda o que foi no tempo do pós 25 de Abril o jornal "Lutar em Terra, lutar no Mar" ou a sua intervenção cívica como Deputado Municipal), escritor ("A Peregrinação e a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto", "O que é o património cultural", Olhão fez-se a sim própria", "Ribeiro Sanches e o Marquês de Pombal - intelectuais e poder no iluminismo esclarecido", Faro, Roteiros Republicanos", "Teixeira Gomes e João Chagas perante a I Grande Guerra", "Esplendor e Poder - Tavira nos Tempos da Modernidade", "Cultura Política no Algarve Setecentista", etc, e em co-autoria com esse outro enorme vila-realense Neto Gomes a obra "Cem anos de República... Cem personalidades", com que o extinto Governo Civil do Distrito de Faro assinalou o centenário da implantação do regime republicano. Morreu o Professor Doutor António Rosa Mendes - o Algarve, todos nós estamos infinitamente mais pobres pelas lições permanentes que nos legou de saber, humildade e cidadania! Nota: O autor não escreveu o artigo ao abrigo do novo acordo ortográfico

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historiador António Rosa Mendes, certamente, desaconselharia que se escrevesse sobre um acontecimento com tão pouco passado. Do mesmo modo, poria legítimas dúvidas sobre a imparcialidade do autor deste texto, relativamente ao objecto temático. Não me regerei pela boa prática científica do distanciamento ou da neutralidade, nem tampouco é minha pertença tornar este artigo num documento histórico. Será, tão-só, o testemunho de quem partilhou o espaço e o tempo com Rosa Mendes e usufruiu da sua amizade e ensinamentos. Relatarei, apenas, por fidelidade de testemunho, dois encontros entre o homem altruísta e a sua prática, embora a filantropia do nosso malogrado amigo desse, sem exageros de comoção, matéria para uma obra inteira. Enquanto seu ex-aluno pude testemunhar como o conhecimento e a comunicação podem tornar a mais expositiva das aulas num autêntico documentário, sempre motivador, por vezes, arrebatador. O Professor António Rosa Mendes fazia-o como ninguém, apresando os alunos às matérias que leccionava, incutindo-lhes espírito crítico, exigindo-lhes rigor. Ademais, não dissociava o conhecimento curricular da boa expressão escrita e oral. Tínhamos para nós que eram as nossas melhores aulas e que estávamos perante um professor erudito, conquanto próximo dos alunos, exigente e justo. Esta talvez seja a marca que menos tem passado desde a sua morte, nas múltiplas capacidades que lhe são atribuídas: a de um excelso pedagogo. Eu, como centenas ou milhares de jovens adultos, tornámo-nos melhores alunos, melhores profissionais e, certamente, melhores pessoas após sermos discentes de António Rosa Mendes. Porém, o elo entre professor e aluno não acabava, não acabou, após o término das aulas, após o remate do semestre ou do ano lectivo. Nessa altura, desaparecia o professor e revelava-se o amigo, o conselheiro e o orientador. O elo entre professor e ex-alunos, que se criou entre António Rosa Mendes e a esmagadora maioria dos que ouviram suas aulas, é um fenómeno que devia ser estudado pelas ciências da educação. Muitos tornaram-se amigos pessoais do seu mestre. Em abundantes casos, o homem, agora exprofessor, substituía-se à própria obrigação da Universidade. Escrevia cartas de recomendação, tentava sensibilizar as Câmaras algarvias, e outras entidades locais, para a necessidade de empregarem os alunos acabados de sair dos cursos de Estudos Portugueses ou de Património Cultural, por exemplo. Estava certo de que a valorização do Património Cultural Algarvio passava pelas mãos dos seus antigos alunos – indivíduos capazes e capacitados para uma nova abordagem ao paradigma – ao mesmo tempo que tentava, altruisticamente, encaminhar a vida profissional de tantos jovens a quem sobrava a vontade mas faltava a oportunidade.

Numa tertúlia organizada pela Casa da Marioneta em março último

A mesma filantropia com que ajudou os seus ex-alunos, António Rosa Mendes pô-la em todas as solicitações que lhe endereçaram. Nunca disse que não a ninguém. Apresentou livros: de amigos, de conhecidos e até de desconhecidos, e em áreas tão diversas como história, romance ou poesia; fez incontáveis palestras, para quase tudo o chamavam e a tudo a sua bonomia dizia que sim; colaborou com jornais; pertenceu a conselhos de honra; foi mentor das comemorações “Olhão, 200 Anos da Restauração”, organizou congressos e debates sobre a história local; etc, etc, etc, e sempre de forma gratuita e generosa. Em 2004, aceitou o cargo de Comissário de “Faro – Capital Nacional da Cultura 2005”. O que para muitos seria um posto honroso ou até de relevo, Rosa Mendes encarou-o como uma missão, uma oportunidade para o Algarve, para o seu Algarve. Todavia, só um homem deveras apaixonado pela sua terra aceitaria tamanho desafio com tão poucos meios à sua disposição. Testemunhei, desde o primeiro dia, toda a angústia do cargo que ocupava. Não porque estivesse a contra-gosto ou arrependido, antes porque era um homem só, lutando para que o Algarve tivesse a possibilidade de acolher uma Capital da Cultura. Faltavam três meses para começar “Faro – Capital Nacional da Cultura 2005” quando foi convidado para o cargo. A sua equipa, durante três meses, fui apenas eu, e entre os dois dividíamos um gabinete, apertado para um, no Teatro Lethes. A três meses do início do ano da efeméride não havia senão um logótipo de mau gosto e nenhuma estrutura montada ou delineada: não havia programadores, produtores, nem restante Estrutura de Missão. António Rosa Mendes tinha a exacta noção que se resignasse não haveria Capital da Cultura no Algarve. Foi preciso um razoável tempo para que se criassem as condições humanas e logísticas para o arranque de “Faro – Capital

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Nacional da Cultura 2005”, ainda assim, deuse o nascimento de algo que mais parecia ser do domínio do fantástico do que da capacidade humana, tais foram os obstáculos para lá chegarmos. Rosa Mendes foi um homem de uma paciência e conciliação sem paralelos. A Câmara Municipal de Faro só tardiamente apoiou esta realização, enquanto a então Delegação Regional de Cultura era um entrave constante. Por exemplo, um dos seus juristas queria decidir sobre todas as matérias da competência do Comissário, assumindo-se como oposição à Capital da Cultura. Mais à frente, já com toda a máquina a funcionar, o governo de então manda suspender todos os pagamentos, por período indeterminado. Havia contratos assinados com produtoras e artistas, vencimentos de programadores e produtores que necessitavam de ser pagos. Muitos dos espectáculos estiveram em risco de não se realizar. Rosa Mendes puxou do seu livro de cheques e pagou do seu bolso aos artistas e aos produtores para que a Capital da Cultura não parasse, fiando-se apenas nas palavras destes, que lhe devolveriam o dinheiro logo que recebessem. Assim aconteceu. O Algarve assistiu a um programa cultural sem paralelo, qualitativo, formador, estimulante. António Rosa Mendes fez questão de que fosse uma Capital da Cultura de todo o Algarve, e assim foi, abrangendo os dezasseis concelhos da Região. Uma realização que não deixou dívidas a ninguém e foi justa e séria com todos. O retrato do seu Comissário. Com a partida de António Rosa Mendes o Algarve empobreceu repentinamente, porquanto não só perde um vulto maior da sua cultura, como o homem que a defendeu com toda a sua paixão, como poucos o fazem. Um homem irrepetível pela sua genialidade, humanismo, conhecimentos, amizade. O Algarve deve-lhe muito…eu ainda mais.


António Rosa Mendes

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atural de Cacela, onde cumpriu a escolaridade obrigatória, António Rosa Mendes cedo aprendeu a aliar a viagem ao saber. Foi longe de casa, mas à distância de um regresso diário de comboio, de ritmo lento para um jovem que descobre o mundo, que concluiu o ensino liceal no Liceu Nacional de Faro. Os estudos superiores levaram-no para Lisboa nas vésperas do 25 de Abril, onde concluiu a licenciatura em História em 1981, e, depois, em Direito, ambas na Universidade de Lisboa. De volta ao Algarve, onde foi professor liceal em Tavira e em Vila Real de Santo António, regressaria ainda a Lisboa, mas à Universidade Nova, para cursar o mestrado em História Cultural e Política que finalizaria, em 1991, com uma dissertação sobre Ribeiro Sanches e as suas cartas sobre educação. Seria finalmente em Faro, na Universidade do Algarve, que em 1994 o admitira como docente, que defendeu provas públicas de doutoramento em História Moderna, com uma dissertação sobre Damião António de Faria e Lemos, uma singular personagem do século XVIII algarvio, que pretendia instruir a nobreza do reino nas máximas da política, no conhecimento da história e na distinção das belas letras. Salvaguardada a usura do tempo, esse podia ser, também, o programa de António Rosa Mendes para a sociedade algarvia dos séculos XX e XXI. A par da sua preocupação com a educação e com a reforma da sociedade, bem atestada por alguns dos personagens que estudou, mas também pelos artigos que dispersou por vários jornais e revistas, a produção científica de António Rosa Mendes revela uma grande sensibilidade telúrica, quer dizer, uma profunda ligação à região e ao território. Para lá da sua dissertação de doutoramento, que não se limitava ao estudo de uma personagem particular, mas procurava esclarecer as condições da vida cultural algarvia no século XVIII, publicou estudos sobre Frei Valentim da Luz, sobre Teixeira Gomes, sobre a fundação de Vila Real de Santo António, e, sobretudo, sobre a revolta e a autonomização de Olhão, vila que era, de resto, uma das suas pátrias de eleição. Interessava-se, pois, pela história do Algarve: coordenou várias monografias no âmbito do Centro de Estudos de Património e de História do Algarve (CEPHA) e foi ele o animador de um projecto de redacção de uma História do Algarve. O seu interesse pela história da região não obedecia, contudo, a uma estreita óptica regionalista, pois interessava-se sobretudo por aqueles aspectos e por aquelas personagens que haviam transcendido a região e ganho ressonância no plano nacional. A produção científica de António Rosa Mendes não se circunscreveu, porém, aos temas algarvios.

Por influência de Silva Dias e de Alberto Ferreira, que haviam respectivamente estudado a reforma da Universidade no século XVI e a renovação cultural simbolizada pela questão coimbrã do século XIX e que eram os mestres de quem ele se dizia discípulo, António Rosa Mendes dedicaria boa parte da sua atenção aos agentes e aos processos de mudança cultural. Foi esse o tema que escolheu para a sua dissertação de mestrado, na qual estudou um dos homens daquela geração de portugueses do século XVIII que fez vida na Europa, sendo conhecidos, por isso, como estrangeirados, e que estariam na origem da renovação dos saberes e da reforma do ensino. Mesmo se revisitou tal objecto noutras ocasiões, com artigos sobre Luís António Verney, Ribeiro Sanches, Domenico Vandelli, a Biblioteca da Corte e o Colégio dos Nobres, ou a geração de estrangeirados, votou idêntico interesse à mudança cultural da época das viagens de descoberta do mar, do céu e do mundo. Coube-lhe redigir, de facto, por convite do professor Romero de Magalhães, o extenso capítulo sobre a vida cultural entre 1480 e 1620, do volume III da História de Portugal dirigida pelo Professor José Mattoso, no qual procurou definir a relação tensa entre o humanismo classicista dos homens das letras e o humanismo prático dos homens do mar. O tema da viagem como instrumento de descoberta do mundo e como processo de revelação pessoal inspirar-lhe-ia, aliás, um dos seus ensaios mais brilhantes, votado a esclarecer o sentido mais profundo da Peregrinação de Fernão Mendes Pinto. Por o ter originalmente publicado na Mare Liberum, uma revista de circulação mais restrita, António Rosa Mendes reimprimiria esse ensaio em forma de livro já perto do final da sua vida, numa edição da Gente Singular, a editora que ajudara a fundar. Talvez ele lhe recordasse, também, os trabalhos da vida, dessa outra vida que ele iniciara numa viagem de comboio entre Cacela, Faro e Lisboa. * Mais que investigador e professor de História e de Cultura, António Rosa Mendes era um humanista de profissão e de formação, mas também por convicção e pela ação! De espírito sempre aberto para ouvir e compreender o outro, gozava de uma admiração generalizada entre os alunos com quem facilmente estabelecia empatias e fortes relações de amizade. Tinha sempre discípulos a gravitarem à sua volta e frequentemente estudantes e ex-estudantes referiam-se — e referem-se — a ele como “o professor”. O seu humanismo e imensa tolerância acomodavam quase tudo, mas esbarrava facilmente com os extremismos e era irredutível com a intolerância. Tudo o

Conheci o António Rosa Mendes nos meus tempos de estudante universitário em Lisboa. Em meados dos anos noventa começou a aparecer frequentemente em Olhão e começámos a conviver de novo frequentemente até o dia em que adoeceu. Era um brilhante professor universitário, um homem da cultura, um democrata e um excelente amigo. Gostava dos prazeres da vida e estava sempre disponível para os amigos e as amigas. Vamos todos sentir muito a falta dele. António José Ventura 22/06/13

que pusesse em causa a liberdade, o livre arbítrio, a cultura, enfim, a verdadeira natureza e desígnio humanos, como gostava de dizer, era-lhe incompatível; a eterna recusa da intolerância, era um dos seus verdadeiros e genuínos princípios, porque sempre inabalável. A esta atitude tolerante aliava um refinado espírito crítico; no livro que acabara de editar titulado “o que é Património Cultural”, onde mais que respostas procura suscitar reflexões, escreve: “professor que sou, reitero, é essa a atitude que mais me tenho esforçado por incutir nos alunos: a não aceitação conformista e passiva das ideias feitas, o gosto pelo pensamento autónomo e isento de preconceitos – o espírito crítico, em suma. Por aí começa, com efeito, o nosso património cultural.” Fazia a crítica através de uma fina ironia, por vezes em tom mais mordaz, sempre eloquente, que acompanhava de uma ou outra estória jocosa que dispunha bem: e o que António Rosa Mendes dizia, ficava para sempre a pairar na nossa memória! Mas também o seu estilo, a forma elegante como falava, onde numa mesma conversa intercalava, em linguajar popular, episódios caricatos protagonizados por figurantes da terra, com uma qualquer locução da alma mater latina que lhe vinha da sua sólida cultura jurista, ou com uma citação corrente entre os intelectuais iluministas da Europa do século XVIII; sempre num mesmo tom narrativo e cativante como se tivesse vivenciado todos esses ambientes. Ubi bene ibi patria — a tua pátria é onde te sentes bem — gostava de lembrar! Era, pois, daqueles professores que marcam para sempre o percurso dos alunos, no falar ou no ensinar das coisas, mas sobretudo na forma como as dizia e transmitia. E, por isso, os alunos, mas também os colegas e demais que conviviam com ele, gostavam da sua companhia, admiravamno e adoravam-no! Entre todos, muitos foram aqueles a quem ele aconselhou ou ajudou juridicamente, elaborando pareceres, recursos, servindo como testemunha ou advogando causas várias; sempre e só por amizade! Muitos foram os locais onde apresentou livros e pessoas, proferiu palestras, animou eventos; onde quer que fosse e para quem fosse! Levava onde pudesse o nome da Universidade do Algarve e do Centro de Estudos de Património e História do Algarve, que coordenava, mas também a História do Algarve, cujo mestrado criou, ou os jovens diplomados que formou. Sendo algarvio convicto, as suas fronteiras eram o mundo; na sua singularidade não podia ser de outra forma: defender intransigentemente a identidade do seu Algarve, mas fazendo-o com o conhecimento do mundo. Por isso, quando foi presidente de Faro Capital Nacional da cultura fez questão em levar

5 "O estilo é o próprio homem." Conde de Buffon

os mais variados eventos a todo o Algarve, não apenas às populações urbanas: muitos anciãos dos locais mais recônditos da serra algarvia viram pela primeira vez — e única para muitos — a sétima arte; por isso também, é sócio fundador da editora algarvia “Gente Singular” que vai buscar o nome à obra de Teixeira Gomes, também ele um algarvio que acolhe o mundo; por isso ainda, já ia no segundo mandato como Director da Biblioteca da Universidade do Algarve que gostava de considerar como uma das maiores realizações culturais de sempre da região, batendo-se, com sucesso, pela incorporação de muitos acervos particulares. Nascido em Cacela, residia em Vila Real de Santo António, trabalhava em Faro, convivia em Olhão onde tinha muitos dos seus melhores amigos. Porque era um Kosmopolites tinha muitas pátrias; porque era Homem querido e singular, todas essas pátrias o reclamavam como seu. Por ser quem foi, António Rosa Mendes é inesquecível; com um estilo genuíno e impressivo, de tal forma marcou que se entranhou em quem com ele (con)viveu. Como ele próprio gostava de dizer citando um intelectual francês do século das Luzes, “o estilo é o próprio Homem”. E se há Homem cujo estilo o defina, esse Homem é António Rosa Mendes! Luís Filipe Oliveira João Pedro Bernardes

Ao meu querido amigo António Rosa Mendes Rosa dos ventos Que norteia o destino Que desenha o acaso Que adormeça a rosa De tão elegantemente ter brilhado Aos olhos de quem pôde ver Que se eleve pela sua brandura E pela sua nobreza Que floresça por esse universo fora Com toda a sabedoria, amizade e alegria de suas pétalas

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Susana Travassos (4/6/2013)


6 Vou ali…e Já Venho

Neto Gomes

O António era contra os contrabandistas das palavras e os falsos filósofos "O

brigado, pá, és um amor! Ela também deve ter ficado muito feliz. Abraço grande». Foi esta a derradeira mensagem que trocámos, quando em meados de Março último, dei-lhe conta que tinha estado no Arquivo Municipal em Vila Real de Santo António, com sua mãe, a minha querida professora primária e amiga Dona Isabel. Podem erguer-se outros valores legitimados pelas tenazes do ódio ou pelo florir da esperança, podem ventos nunca inventados que trocam os olhos à ciência, soprar mil velas e arrancar dos cais apodrecidos, veleiros desfeitos pelo heroísmo, que para mim, serás sempre a mais importante figura algarvia, dos últimos trinta anos da história do Algarve. Sempre dei contigo na franja dos maiores desenvolvimentos, dos ciclos mais rebeldes e fantásticos da investigação, para que nunca perdêssemos o nosso próprio rumo e na ponta de todos os cordéis atássemos uma história, que agora corre sérios riscos de se desmoronar. E enquanto os outros se metiam nos alcatruzes de uma vida mais fácil, para que não fossem vistos, nem interrogados épocas depois, apodrecendo as próprias instituições, com os seus próprios clubes e de se homenagearem e se distinguirem uns aos outros, tu tinhas aproveitado Abril, para esboçares o desenho de vida que sempre quiseste, livre, sem algemas, nem amarras, sem zumbidos aos ouvidos, nem foguetes a estalarem nas mãos da hipocrisia e dos abandonados da vida, com o mesmo estrondo com que o milho se transforma em pipocas, em panelas ferrugentas. Qual 'Zé Povinho', desenhando a liberdade a meio do braço na curva mais pronunciada do gesto e desta forma, fazendo da escola o perfil de uma vida única, académica, desafiante, abarcando e dando o melhor rumo a alunos, professores, depois mestres, na mesma união, na mesma esteira, porque a vida tendo curvas, tu procuravas indicar-lhes, prendendo na mesma corrente os amigos, o farol da justiça, da razão e do saber humilde num só caminho. Seguir em frente…. Não alinhado e desprotegendo, nos silêncios ou na ironia da sua inteligência, os que se julgavam superiores, o que para ele era intolerável, só porque integravam a banda de ensaios dos vaidosos e dos incompetentes, seguramente, que esteja onde estiver, repugnará, aqueles que após o seu falecimento – alguns ligados à história e à vida académica – escreveram e reescreveram como se fossem seus amigos. A minha relação com o António, que eu rezava para que nunca desaparecesse, pelo que ele representava para a mim, permitia-me saber quem era este ou aquela, quem eram estes ou aquelas, que não cabiam no seu leque de pessoas boas, sobretudo, pelos ciúmes, pela ausência de carácter e por não serem

António Rosa Medes, durante a cerimónia de apresentação do livro: "Algarve 100 anos de República, 100 personalidades"

possuidores da humildade. A humildade que ele mais gostava de fazer convergir e fazer correr na sua esteira de amigos. O António era uma pessoa admirável, única e deixem-me repetir ou soletrar outros escritos no perpetuar de outras personalidades, e lembro (e até já sacudi pela janela o pó que somos e será levado pelo vento das comparações) Teixeira Gomes, o António era uma pessoa singular. De um rara inteligência, humilde, educado, incapaz de se proteger ou ficar nos sítios onde nada acontecia, porque ele implorava para participar nos riscos, fosse qual fosse o cenário, o ambiente, a grosa ou musculada plateia, os fazedores de opinião, e mesmo quando se pensava que as fontes das respostas começavam a minguar, o António, no seu estilo muito peculiar, sorriso franco, cabeça ligeiramente inclinada para o lado, olhar brilhante como quem anunciava com humildade mais um desfecho a seu favor, respondia com toda a clareza, roubando inclusive qualquer argumento de resposta, e se o «valentão das botas altas para se sentir mais notado» tivesse procurado argumentos despropositados, o António respondia com a mesma inteligência, sempre educado, mas com lindas fitas de ironia, que a plateia confirmava com sorrisos da alma. O António era contra os contrabandistas das palavras e os falsos filósofos, e ainda andam por aí, tantos e crescentes copiadores de ideias, complexados pela ausência do saber e que por isso mesmo não mereciam o seu respeito. O António, que esteve sempre ligado a mim desde o meu livro «Pelo Mar Adentro Alimentando o Fumo das Fábricas», era um ser fantástico, bondoso, que muitas vezes, e ninguém me levará a mal, foi para mim, conjuntamente

com o Carlos Campaniço e Luís Guerreiro, a pessoa mais importante da minha vida, e ele sabia disso, mas não queria que fosse assim, desde que fiz dos livros um dos lados da minha vida. Trocámos mil conversas e um dia já longo, com cerca de três anos, num anúncio publicado no Jornal do Algarve, (estava lá o meu nome) alguém o procurou para criticar o facto de ele me ter incluído no grupo de conferencistas em várias acções que iam decorrer na Universidade do Algarve, para alunos que estavam a fazer o Mestrado em História Local, ao mesmo tempo que lhe apontava o dedo, por eu não ser académico e não ter possibilidade de integrar o grupo, ao que ele respondeu: «Já vocês soubessem o que ele sabe. E mais, fossem capazes de explicar e falar como ele fala». O António esteve sempre junto dos seus pedaços de amigos, com a sua vivacidade, alegria, afectividade, humanismo, e eu era um deles. Era um homem exemplar, com elevado prestígio no mundo académico, com uma atitude oratória e escrita sempre desafiantes. Desafiantes de forma inteligente, para que do outro lado, não surgissem falsos e patéticos contraditórios. Foi assim quando pateticamente, com culpa do Algarve, alguns bajuladores do turismo, acolheram de bom agrado, pela cultura da submissão uma espécie de verbo dos medos de alguns têm de perderem privilégios, quando consentiram que o Algarve se transformasse em Allgarve, e que o António com as regeras do saber e do conhecimento tratou os bois pelos nomes: Foi assim, nos vastíssimos artigos de opinião, também no Jornal do Algarve com título: «Em Voz Alta».

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Foi assim, quando foi presidente de «Faro, Capital Nacional de Cultura 2005». Foi assim em todas as suas obras, sei lá, desde «Por Este Rio Acima» até «Olhão Fez-se a Si Próprio», verdadeiros monumentos da escrita, do saber e da verdadeira arte na investigação, ou então: 100 Anos de República, 100 Personalidades», que escrevemos a quatro mãos. Duas dele e duas minhas… O António falava do passado como ninguém e nas suas intervenções, sempre brilhantes escritas ou na oratória, não receava advertir e como se lê em (www.jornaldefaro.com): «O passado nunca passa precisamente porque os seres humanos não têm Natureza, tem História. Nós somos feitos de passado, somos o resumo daquilo que está para trás de nós e, portanto, aquilo que está para trás de nós não passa na medida em que nós incorporamos todas essas experiências do passado. O que sucede é que frequentemente nós somos muito ingratos em relação àqueles que nos antecederam e que construíram este mundo que nós herdámos». E com o mesmo rigor e clareza, para que não existissem dúvidas, afrontou os que no Algarve, de forma submissa, aceitaram este testamento à ignorância que foi tornar o Algarve, num patético e idiota «Allgarve» e que o António afrontou desta forma: «O nome é o arquétipo da coisa, dizia Platão. Nessa perspectiva o historiador entende que continua a suceder uma tentativa obstinada para despersonalizar o Algarve de que o «famigerado Allgarve é o exemplo mais frisante. O Allgarve é uma corruptela do nome Algarve. Só aí se reflecte toda a ignorância de quem teve essa infeliz ideia. Essa corruptela de transformar o nome que é a grande marca de identidade da região afecta o núcleo mais irredutível da sua intimidade. Quando se acrescenta esse «l» ao


7 Algarve está-se nada mais, nada menos do que a coisificar o Algarve, a despersonalizá-lo, a atacar a sua identidade.(…)» Na sua rubrica semanal «Em Voz Alta», que então publicava no Jornal do Algarve, a 26 de Janeiro de 1995, sobre a morte de Miguel Torga e com o título: O poeta e o muro», António Rosa Mendes, escrevia: «Miguel Torga morreu. Ou melhor, e para dizer com palavras dele: 'A vida vai continuar. Outros dias virão cheios de sol, de flores e de frutos. Mas não serão seus.' O transe do fim importa contudo menos que o trânsito da existência. Ele disse, também: 'Viver é que custa. Morrer não dói tanto' (…) Mais adiante, escreve António Rosa Mendes: «Vencido, pois, o poeta morreu. Poderosas ondas sísmicas irradiam porém do epicentro dessa poesia que abala e revolve os alicerces das mais pujantes e sobranceiras fortalezas. Como tudo o que é efémero, elas ruirão à voz do 'santo senha' que, do pórtico do Diário I (1932) ecoará até à consumação dos tempos: 'Deixem passar quem vai na sua estrada. Deixem passar. Quem vai cheio de noite e de luar. Deixem passar e não lhe digam nada.'» Duas pessoas acompanharam-me, em cima de tapetes feitos de bisturis e com a alma a sangrar, os longos derradeiros momentos do António. A Ana Valério, professora, e o Carlos Campaniço, escritor. De ambos, e começo pela Ana, recolhi numa escrita por mim pedida, estes curtos sinais de afectividade e de homenagem. Escreve a Ana: «Homem de amizades verdadeiras, saudáveis, desinteressadas. Em qualquer momento transformava um acontecimento banal em história cómica, despertando nos convivas a hila-

ridade, apesar do seu ar tranquilo e sereno. O seu poder argumentativo surgia como a água que brota incessante duma fonte, límpido, claro, sempre com a linguagem do interlocutor. Numa discussão nunca perdia as estribeiras, sem ofender nem magoar ninguém, defendia pontos de vista de forma acutilante, mas serena.». Depois, o pensamento, do escritor Carlos Campaniço: «António Rosa Mendes foi uma das mentes mais brilhantes que o Algarve gerou em toda a sua História. Contudo, a inteligência e a sua excelsa cultura não eram os seus únicos atributos. Poucos humanistas, como ele, terão posto em prática, e de uma forma tão presente em todas as suas acções, a tolerância, a solidariedade, a amizade, a justeza. Somava ainda às suas qualidades humanas, as suas paixões, onde convívio com os amigos era a sua força motriz. Bateu-se sempre pelo seu Algarve e pela cultura no e do Algarve, cuja paixão o fez abraçar o maior desafio da sua vida, o de ser Comissário de 'Faro, Capital da Cultura 2005'» Um homem superior, daqueles que a humanidade vê brotar de tempos a tempos. Felizes aqueles que o puderam testemunhar!» Que pena que a «Algarviana» fique outra vez adiada e possa cair em mãos que lhe neguem o futuro ou lhe encurtem e amolguem a investigação… Quando tomei conhecimento do falecimento do António, enviei para o Fernando Reis, o nosso Director, a seguinte mensagem: «Merda, merda. Este é para mim um momento de enorme revolta e solidão. Apoiem sua mãe a minha adorada professora. Obrigado Fernando…»

Ao meu amigo António A tua personalidade, António, conhecia-a desde pequenino Na tua vontade enorme em aprender o Francês... Tão cedo revelaste a fina inteligência, o trato amigável e afável... Orador eloquente foi-se revelando aos poucos pela vida fora Nessas tuas funções de Professor, Coordenador na Faculdade... Irradiava um profundo humanismo, um prestigiado intelectual... O amigo sincero, grande no carácter e também na humildade! Remando contra ventos e marés da imensão social Ousaste enfrentar tudo e todos para atingir a Luz da Perfeição Sonhos que se tornaram uma Bela realidade... A vida compensou-te e ganhaste respeito e grande Amizade! Muito te agradecemos e não esqueceremos Esse prefácio culturalmente apreciado por todos No livro "As minhas Memórias" de que tanto gostaste! Da árvore da vida, porque não cresceste até ao fim? Essa trajetória foi tão cedo interrompida!... Supremo Deus, a quem preces imploro, que nunca desapareça a tua presença entre nós!!! Fernanda Pires e José Pires

Nota do autor: Escrevo no antigo acordo ortográfico.

António Rosa Mendes O António Manuel Nunes Rosa Mendes faleceu no dia 4 de Junho de 2013. Doutorado em história, Professor na Universidade do Algarve, advogado, editor. O Rosa Mendes tinha a minha idade e era meu colega em duplicado: como advogado e sócio na editora Gente Singular. Era do PSD, tinha dirigido Faro capital da cultura em 2005. Era afável, inteligente, culto, um homem de bom senso. Imensamente sabedor, culto e inteligente (que é das coisas que mais admiro numa pessoa). Ah, era meu amigo, ou, pelo menos, era eu amigo dele. Tínhamos algumas cumplicidades. SMS trocados com ele e o Paulo até às tantas dariam indício disso. A última vez que estive com ele a jantar foi na minha casa, na Páscoa, com o António Gomes. Nunca mais o vi nem falei com ele. Mandámos mensagens. Primeiro estive doente, depois estava ele. Fomos adiando uma reunião da editora, até o seu telefone se ter calado. A Assembleia da República prestou-lhe homenagem por unanimidade. Não sei de quem foi a iniciativa, mas fosse de quem fosse, tive orgulho, nesse dia, da nossa AR. Por oportunismo ou por sincero sentir, a AR prestou homenagem a um cidadão ímpar. Ele teria gostado. Eu, como amigo, agradeço. O Rosa Mendes era um extraordinário ouvinte. Fosse quem fosse com quem falasse, ouvia muito atentamente o que lhe diziam. A sua linguagem, quer escrita quer falada, fugia ao esperanto televisivo, no dizer de Teresa Rita Lopes. De rico vocabulário e construção frásica apurada, o Rosa Mendes era um cultor da língua portuguesa. Dizia-nos que lia duas páginas de Aquilino ao deitar e ao levantar, qual terço católico, para se manter em forma… Os seus livros são um hino à língua portuguesa, para além de um conteúdo sólido e de reflexão séria. Dizia-me ser a Editora Gente Singular o empreendimento mais importante a que tinha jogado mãos. Os amigos vão desaparecendo e já os temos mais no cemitério do que cá fora. Sinto-me mais lá do que cá. Com o Rosa Mendes foi também muito de mim. Até já, Rosa Mendes. Carlos Lopes

António Rosa Mendes – Memória Cruzei-me pela primeira vez contigo, Rosa Mendes, na Manta Rota, Vila Real de Santo António, numa acção de campanha eleitoral, no ano de 1989, quando te apresentaste como candidato a presidente do município. Desse momento não guardo grande memória, desde logo pela cor laranja da bandeira que a tua mão empunhava. Anos mais tarde, vieste fazer o teu estágio à advocacia neste singular escritório forense da rua Dr. Teófilo Braga n.º 41, em Olhão. Como patrono escolheste o teu e meu amigo, e mestre, o Dr. Rogério Silva, e quis o destino que, por doença dele, fosse eu a acompanhar-te na tua prova de agregação, para acesso à profissão de advogado, prova que fizeste com o brilhantismo que todos te reconhecemos. Corria o ano de 1997. Desde então estudámos, trabalhámos e convivemos juntos, e a nossa amizade fortaleceu-se. A tua doença foi um choque difícil de descrever e o teu desaparecimento é uma lacuna impossível de colmatar. A intensidade da tua vida não te deixou espaço para pressentir a morte.

Permite-me, pois, disser-te o seguinte: De ti guardo a alegria, o sorriso, o riso e a gargalhada, com que animaste as nossas vidas. De ti guardo o amor e a amizade, que te ligava a esta nossa terra e nos ligava uns aos outros. Guardo de ti a generosa sabedoria que repartias por toda a parte, em todos os momentos e por toda a gente. Guardo de ti a força que te movia, e a mim me falta, só para dizer quão desamparados nos deixaste a todos.

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Arlinda Vairinho Olhão, 2013-06-19


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Aula de ginástica reúne mais de cem idosos na praia fluvial

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ais de uma centena de idosos participou numa aula de aeróbica que decorreu na praia fluvial do Pego Fundo, em Alcoutim, para assinalar o encerramento de mais uma época das atividades desportivas seniores naquele concelho. Refira-se que as aulas de hidroginástica e ginástica de manutenção proporcionadas gratuitamente pela autarquia alcouteneja são frequentadas por mais de 150 idosos. Depois da aula de aeróbica na praia, o grupo reuniu-se no Castelo da Vila, onde decorreu um jantar-convívio animado pelo som do acordeão. O vice-presiPUB

dente da Câmara Municipal de Alcoutim, José Carlos Pereira, agradeceu a todos os presentes por “contribuírem ativamente para fazer de Alcoutim um concelho mais saudável”. A ginástica sénior é uma aposta da Câmara Municipal de Alcoutim, como forma de promover o bem-estar físico, psicológico e social dos idosos do concelho. Atualmente a iniciativa estende-se a vários montes e aldeias. A edilidade espera que estas atividades possam ser levadas a mais localidades, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida das populações.



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Cartaz de luxo em Loulé para a décima edição do Festival Med

Amanhã, sexta-feira, sobem ao palco Dead Combo, Samuel Úria, Oumou Sangaré, Miguel Araújo, Aline Frazão, Tulipa Ruiz e Dj Hugo Mendez "Sofrito". No sábado é a vez de Hedningarna, Anthony B, Silvia Pérez Cruz, Kumpania Algazarra, Cuca Roseta e Dona Gi, além da "Batida Dj Set"

A

manhã, sexta-feira, e sábado, as irresistíveis ruas, vielas e praças do centro histórico de Loulé serão novamente invadidas por milhares de pessoas em busca da melhor música, artesanato e gastronomia vindo um pouco de todo o Mundo. O Festival Med, organizado pela Câmara Municipal de Loulé e que assinala este ano a sua décima edição, promete muitas horas de profunda animação, de experiências inesquecíveis e de muitas descobertas.

Dead Combo

Oumou Sangaré

Anthony B

Hedningarna

Anthony B Na música, o prato forte de todas as edições do certame louletano, estão prometidas emoções fortes com um luxuoso programa de actuações. Desde logo atenções centradas nesse fenómeno de popularidade na cena “reggae” internacional que é o jamaicano Anthony B, dono de uma legião de fãs no nosso país e que sobe ao palco da Matriz no segunda dia do evento.

Hedningarna e Oumou Sangaré Outro ponto alto do festival será o regresso a Portugal, após vários anos de ausência, de uma das bandas mais míticas e relevantes das últimas duas décadas na Europa, os revolucionários, aclamados pela crítica e sempre vanguardistas Hedningarna, da Suécia. Destaque, ainda, para a estreia no festival algarvio da grande diva da música africana, e activista cívica pelos direitos das mulheres, a Embaixadora da Boa-Vontade da ONU e vencedora de um Grammy, Oumou Sangaré, do Mali.

Silvia Perez Cruz O programa do “MED 2013” faz uma aposta clara numa nova geração de cantautoras no feminino que está a impressionar o mercado internacional da música: a catalã Silvia Perez Cruz é, neste momento, uma das artistas mais acarinhadas pelo público e pela crítica de Espanha. Tudo por causa de "11 de Noviembre", o seu disco de estreia que chegou aos escaparates durante o ano passado. Loulé testemunhará o primeiro concerto completo de Silvia Perez Cruz em território nacional após um ano em que a artista de Barcelona coleccionou prémios e honrarias.

Tulipa Ruiz e Aline Frazão Quem também estará em Loulé é a talentosa brasileira Tulipa Ruiz, uma das grandes promessas da sempre dinâmica música brasi-

leira. No primeiro dia, o Palco da Cerca abrirá hostilidades com a angolana Aline Frazão, que lançou para o mercado o seu segundo disco, "Movimento", no passado o mês de maio, e que em muito pouco tempo já deixou rendida a crítica especializada de toda a Europa.

Dead Combo e muita música nacional O contingente nacional da edição deste ano do certame de Loulé é também de alto nível e, como é habitual, promove alguns dos mais interessantes projectos recentes da música portuguesa. Dos aclamados e cinematográficos Dead Combo, à excelência da escrita de canções em português por Miguel Araújo e

Samuel Úria. Da grande vedeta do fado que já é Cuca Roseta à contagiante e contemporânea celebração popular que representam as actuações dos Kumpania Algazarra ou dos Dona Gi.

Jazz em português Quem quiser testemunhar o momento dourado vivido pelo jazz nacional deve acompanhar os concertos de duas das mais vibrantes vozes do panorama nacional em concertos intimistas de voz e piano num novo espaço que o MED estreia este ano: o Palco do Convento. Elisa Rodrigues, acompanhada pelo pianista algarvio Júlio Resende, e Sofia Vitória, em projecto de homenagem a Chico Buarque dividido com Luís Figueiredo ao piano.

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Hugo Mendez para fechar as noites Por fim, para os mais resistentes, as duas noites do “MED 2013” terminarão com apelos à dança vindos dos pratos de Hugo Mendez (Sofrito), badalado “dj” londrino com créditos firmados, a fazer abanar ancas com sons afrolatinos, e de “batida”. O que começou por ser o programa semanal de Pedro Coquenão na Antena 3 e RDP África, transformou-se no seu disco de estreia, na inglesa Soundway Records e, depois, num “show”, que passou pelos maiores palcos internacionais e nacionais, incluindo uma inesquecível passagem por Loulé, há dois anos. Regressa agora, sozinho, para um “Dj Set”.


Música I Cinema

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Fernando Proença

LITERATURA INCLUSA Número de Junho 1- Uma boa crítica de um concerto deve-se cingir aos aspetos técnicos, cénicos, musicais do concerto e o jornalista deve-se imiscuir de emitir opiniões pessoais e verborrar zombarias desnecessárias. Obviamente que a pessoa que escreveu a crítica (reportagem ao concerto de Rammstein no Pavilhão Atlântico, em Lisboa) não gosta do grupo, provavelmente vive embrenhado nas pessegadas pseudo-indie à la Pitchfork e despreza tudo o que seja mainstream. In, Cartas + Mailes, MMMT Blitz.Sapo.pt Como acertadamente lembrou Vasco Pulido Valente num dos seus artigos no Público, um homem que chamou uns nomes a Cavaco Silva - certamente impróprios, conhecendo a figura pristina e acima de qualquer crítica do actual Presidente da República – no dia 10 de Junho, pagou mais de mil euros de multa num julgamento sumário. Um rio de gente que usou, no mesmo local as mesmas palavras escapou sem um arranhão na sua conta bancária. Não conheço com exactidão as circunstâncias em que as coisas se passaram, mas o homem em causa deve ter reunido as condições para que tudo lhe corresse mal: estava sozinho em relação à assistência e demasiadamente acompa-nhado pela GNR. Enquanto isso, os restantes populares (como gostam de dizer os jornais) escaparam à boa fila. É verdade que tudo se passou como no futebol. Ninguém em boa verdade chama nomes ao árbitro quando está só, embora no futebol seja difícil isso, estar sozinho. Mas já assisti num jogo de basquete, um espectador ser posto na rua do recinto por ter chamado

ladrão (e mais alguma coisa sortida) ao homem do apito. Estavam aí, umas vinte pessoas a ver o jogo. O árbitro mereceu tudo o que lhe disseram mas teve sorte pelas coisas terem ficado por ali. Independentemente da justeza das palavras escolhidas, vejo aqui um modo muito português de fazer as coisas. Os que prevaricam (?), fazem-no sempre a coberto do semi – anonimato proporcionado pela multidão, mesmo que tenham razão (e têm-no mais vezes do que seria admissível), escondendo-se sempre por detrás da chusma. E todos colaboramos nisso, nós e as autoridades que preferem não ver. Menos quando por um galo dos caraças uma destas condições (muita gente junta e uma figura pouco popular), não se encontram reunidas no mesmo espaço. Uma das atitudes que mais escola tem feito nos tempos que correm, trata de estender o anonimato a zonas da nossa vida que em princípio lhes estariam vedadas: falo do espaço público, imbricado nas redes socias e afins. A pretexto dos user name, toda a gente acha por bem escrever na net o que bem lhes vem à cabeça sobre quem querem. Não digo que muitos o façam de propósito. Para eles (para lhes descansar a cabeça), apenas usam uma condição que lhes é proporcionada. A noção de culpa, da culpa que num dia mau lhes pode toldar os pensamentos, por terem ido mais longe do que iriam se pusessem na mensagem o seu verdadeiro nome, nunca os assalta e sem ela, podemos ser muito maus. Não reporto directamente ao mail que transcrevo no início do artigo. Qualquer um pode e deve ter a sua opinião, mas falo em situações limite, em que o bom nome de um gajo leve uma carga de porrada tão grande que não se levante mais. Por isso

meus inimigos de estimação: se me quiserem dizer (com conhecimento aos meus restantes três leitores), que eu sou um bardamerda de um nojento que não gosta dos Muse, por favor escrevam para fernan.proenca@gmail.com, mas digam quem são, não vá um dia eu ter que vos doar um dedo do pé, com uma unha encravada e uma micose suplementar e assim já os posso incluir no meu testamento vital. 2- O mail de entrada é mais uma prova, do amalucamento geral que só pode ser uma das consequências do aquecimento global, ou não. Não tem a ver como o pormenor da não identificação de quem o escreve, embora isso não seja despiciendo, como já tentei demonstrar atrás, mas com esta mania de que, quem faz um jornal ou uma revista e manda postas de pescada sobre como devem ser as reportagens, não são os jornalistas, directores, editores, desse jornal, mas os leitores, ainda por cima não identificados. E mais, tendo cada leitor a sua própria sentença. A de cima, indica claramente os caminhos do que deve trilhar uma reportagem: feita por fãs da banda e, penso eu, por que não pela própria banda? Tenho a impressão que estou a dar ideias. Escusavam os jornais de terem jornalistas, já para não falar da opinião. Os grupos tocavam, faziam discos e mandavam escritos sobre as incidências etc, gostamos mais do último disco (gostam sempre mais do último disco. Porque será?). O público reagiu bem, mas portaram-se mal na parte final do concerto e não foi por nossa culpa, patati patatá. Seria como o Governo de Portugal, fazer leis e escrever os jornais sobre as suas próprias leis. Aliás não tenho a certeza que não é isso que acontece em muitos casos. O público português está

Apontamento de Vídeo Os Bem-Amados "De Paris, nos anos 60, até Londres, nos nossos dias: Madeline e a filha Vera deambulam pelas suas vidas e pelas dos homens que amam. Mas o amor pode ser luminoso e amargo, feliz e doloroso. E será capaz de resistir à passagem do tempo? Um elogio da feminilidade e da paixão, com deslumbrantes explosões musicais." Uma obra a não perder, onde a emoção e a música são constantes. Edição em DVD. Realização: Christophe Honoré. Com: Chiara Mastroiani, Catherine Deneuve, Ludivine Sagnier, entre outros. Distribuição: Clap Filmes Vítor Cardoso

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assim balcanizado, cada um no seu monte, cada qual no seu val, era vale, mas não rima com qual (rima com qual). Tem a certeza absoluta que a música que ouve é a melhor, e não admite opiniões. Como se o rock fosse um móvel nem muito caro, nem muito barato, popular enfim, cheio de gavetas, da qual só conhecemos bem algumas, mas que podemos ouvir todas, gostar ou detestar muitas, encontrando tesouros só nossos, que para outros serão lixo. Hoje, para muitos o móvel do rock é uma cagança. Cheio de gavetas, que só podem ser abertas por quem tem aquelas chaves e mais nenhuma. E quem abre a gaveta 1 não pode abrir a 2, porque a 2 é só para quem a conhece bem. São todas igualmente boas e mal de alguém que ouse dizer, que prefere a 3. Quem é ele para preferir a 3? O futuro: distribuição de armas e guerra civil. O Disco - Deerhunter – “Monomania” – CD, 4AD – POP STOCK - 2013 A brincar aos clássicos (continua no próximo número)



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